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Os estertores da demagogia petista


18 de março de 2016

Por novos métodos, e por mais ação para os trabalhadorxs!

 

Karen Carvalho

Daniel M. Delfino

 

Precisamos De Você. Bertolt Brecht

Aprende – lê nos olhos,lê nos olhos – aprendea ler jornais, aprende:a verdade pensacom tua cabeça.

Faça perguntas sem medonão te convenças sozinhomas vejas com teus olhos.Se não descobriu por sina verdade não descobriu.

Confere tudo pontopor ponto – afinalvocê faz parte de tudo,também vai no barco,”aí pagar o pato, vaipegar no leme um dia.

Aponte o dedo, perguntaque é isso? Como foiparar aí? Por que?Você faz parte de tudo.

Aprende, não perde nadadas discussões, do silêncio.Esteja sempre aprendendopor nós e por você.

Você não será ouvintediante da discussão,não será cogumelode sombras e bastidores,não será cenáriopara nossa ação

 

O espetáculo da “condução coercitiva” de Lula, na manhã da sexta-feira dia 4, orquestrado pela fração do judiciário que milita para o PSDB, em conluio com a TV Globo e outros abutres midiáticos, reacendeu o debate sobre a ameaça de “golpe” no Brasil e a necessidade de defender a “democracia” contra o perigo da “direita”. Uma ampla camada de simpatizantes da esquerda atendeu ao chamado e está se posicionando sinceramente contra a perseguição a Lula (e não apenas os burocratas da CUT, MST e outros movimentos sociais cooptados, que o fazem por profissão). Os atos marcados para o dia 13/03 e datas próximas, contra e a favor de Lula e do PT, devem atrair mais gente do que as mini-festações melancólicas do final de 2015 realizadas por conta do impeachment de Dilma. Todos sabem que o governo Dilma está morto e enterrado, incapaz de qualquer iniciativa própria, e a verdadeira ameaça para os adversários do PT é a possível volta de Lula em 2018.

Enquanto o requentado Fla-Flu partidário de PT x PSDB mais uma vez toma conta das redes sociais, perdemos desgraçadamente mais uma oportunidade de discutir a fundo os rumos da esquerda brasileira. Toda a discussão suscitada pelos acontecimentos em torno de Lula é uma perda de tempo, uma vez que o “golpe” já foi dado há muito tempo, pelo menos desde 2002, quando o PT foi eleito para governar para os capitalistas, mas os trabalhadores acreditaram que o o governo lhes seria favorável; a “democracia” está sendo solapada diariamente pelo próprio PT na forma da violência policial, da Lei Anti-terrorismo, da repressão aos movimentos sociais, da perseguição a ativistas e militantes, do genocídio indígena, etc., que mostram o quanto essa democracia favorece apenas uma classe social (e deve ser chamada pelo nome: democracia burguesa); e tudo isso só faz reafirmar que a “direita” é o próprio PT, já que a opção pela gestão do capitalismo não pode significar outra coisa além da continuidade da exploração e da opressão.

Por mais que tudo isso seja muito evidente, existe um setor de simpatizantes da esquerda que fecha os olhos para esses aspectos da realidade e insiste honestamente na necessidade de defender Lula, Dilma e o PT (e é com estes que precisamos dialogar, não com os burocratas que o fazem por profissão). Esse debate seria muito fácil, porém, se se tratasse apenas de mera cegueira ou fanatismo dos devotos incondicionais de Lula. Infelizmente nada é tão simples, e as ameaças que pairam por trás da ofensiva contra o PT são bastante reais. O ponto onde discordamos de todos esses companheiros é que os perigos que existem por trás da ofensiva contra o PT, por mais que sejam reais e se voltem contra os trabalhadores, não são justificativa para defender Lula e Dilma nem muito menos para apoiar o PT. Ao contrário, os dirigentes petistas são os responsáveis pelo crescimento dessas ameaças. Estão sendo atacados pela serpente que eles mesmos agasalharam no peito.

Para não sermos derrotados mesmo quando vencemos

A tragédia e o dilema da esquerda é que, entra governo, sai governo, com crise, sem crise, ela ainda não conseguiu se desvencilhar da seguinte armadilha: uma derrota do PT para a direita tradicional continua aparecendo como se fosse uma derrota da própria esquerda e dos trabalhadores, mas paradoxalmente, uma vitória do PT não é de forma alguma uma vitória da esquerda e dos trabalhadores.

Uma derrota do PT hoje para a direita tradicional fortalece as ideias e projetos conservadores: aprofundamento do ajuste fiscal, privatizações, cortes nos gastos sociais, retirada de direitos, demissões, repressão às lutas, retrocesso nos direitos humanos, genocídio da juventude negra na periferia, genocídio indígena, ideologia policialesca (“bandido bom é bandido morto”), tratamento das questões sociais como caso de polícia, acusação de “vitimismo” para descaracterizar as reivindicações de mulheres, negros e LGBTs (e com isso permitir que tenha livre curso a violência e a opressão contra esses setores), uso de ideologias religiosas como justificativa para reforçar a opressão e barrar avanços na liberalização de costumes (proibição do aborto, das drogas, etc.), defesa da ditadura militar, etc. Os atuais adversários do PT, que estão festejando o espetáculo da “condução coercitiva” de Lula, defendem exatamente essas ideias e projetos.

Uma vitória do PT, por outro lado, fortalece as seguintes ideias e projetos:  aprofundamento do ajuste fiscal, privatizações, cortes nos gastos sociais, retirada de direitos, demissões, repressão às lutas, retrocesso nos direitos humanos, genocídio da juventude negra na periferia, genocídio indígena, ideologia policialesca (“bandido bom é bandido morto”), tratamento das questões sociais como caso de polícia, acusação de “vitimismo” para descaracterizar as reivindicações de mulheres, negros e LGBTs (e com isso permitir que tenha livre curso a violência e a opressão contra esses setores), uso de ideologias religiosas como justificativa para reforçar a opressão e barrar avanços na liberalização de costumes (proibição do aborto, das drogas, etc.), defesa da ditadura militar, etc. Esse é exatamente o legado ideológico do PT no governo e do PT como referência da classe trabalhadora brasileira desde o fim da ditadura.

O leitor não está lendo errado, as conseqüências da vitória ou da derrota do PT são as mesmas. A responsabilidade pelo avanço de ideias e projetos conservadores nos últimos anos é do próprio PT. A opção de governar para a classe dominante foi feita pelo PT e as conseqüências não poderiam ser diferentes. Um governo que acomodou Henrique Meirelles, Sarney, Collor, Renan, Maluf, Cassab,  Kátia Abreu, Joaquim Levy, etc., não poderia resultar em outra coisa. A ilusão de que o capitalismo periférico brasileiro poderia proporcionar bem estar para todas as classes sociais, indefinidamente, sem qualquer alteração profunda na relação de subordinação ao imperialismo e na estrutura interna autoritária da sociedade e do Estado brasileiro, desabou como um castelo de cartas com a sucessão das crises econômicas.

A suposta extinção da desigualdade social e o retrocesso ideológico

Melhorias pontuais em favor dos trabalhadores também existiram na época do governo Sarney e seu plano cruzado, na época de FHC e seu plano real, ou mesmo na época da ditadura e do “milagre brasileiro”. Melhorias pontuais e temporárias são parte da história do capitalismo e seus ciclos de crise e crescimento. O critério para apoiar um projeto político não podem ser a supostas melhorias sociais que o PT trouxe, mas as mudanças estruturais. E essas não existiram! Os milhões de trabalhadores que “saíram da miséria” nos governos petistas já estão voltando, já que não se tratava de um movimento permenente de mudança da hierarquia do capitalismo mundial em favor do Brasil e sua população e sim de um momento conjuntural favorável de crescimento das economias que recebiam exportações brasileiras. Esse momento já se esgotou e a margem de manobra do PT foi embora com ele. Sem “melhorias” a oferecer, o que fica é o discurso da meritocracia, o ressentimento pela perda da “prosperidade”, o ódio e a desconfiança contra as classes sociais subalternas.

O resultado final do projeto petista de poder, portanto não poderia ser mais desastroso. Os movimentos sociais foram burocratizados e cooptados pelo Estado. As parcelas mais pauperizadas da classe trabalhadora estão entregues ao completo abandono, sem qualquer perspectiva de organização além das facções do crime organizado que grassam na periferia, tanto as que usam as armas como as que usam a Bíblia como ferramenta de trabalho. As camadas médias estão ressentidas com a perda do seu status sócio-econômico por conta da crise, e põem a culpa no governo do PT e nas esmolas distribuídas aos mais pobres. Quem se beneficia desse ressentimento é a elite quatrocentona, cujo discurso associa facilmente as esmolas dos programas sociais com “vitimismo”, oportunismo dos “vagabundos”, corrupção, crime e PT, manipulando essas camadas médias toscamente ignorantes e criando assim o clima político propício e a força necessária para esmagar o PT e de quebra jogar pela janela as poucas conquistas sociais que restarem (o verdadeiro alvo do ataque).

O PT fez os trabalhadores acreditarem que a cidadania poderia ser comprada com cartão de crédito. Quando a orgia consumista se esgota na ressaca do endividamento, vem à tona a impossibilidade de combater a desigualdade social no interior do capitalismo. A crise dissipa as ilusões de ascensão social e expõe a ausência de projeto de sociedade, que o PT não soube ou não quis construir. O discurso do PT no governo não ia além do reforço ao individualismo, à meritocracia, ao consumismo. Na ausência de um projeto de sociedade, sobram os projetos pessoais estilhaçados pelos vai vens da conjuntura econômica, buscando desesperadamente uma tábua de salvação nos mais diversos subprodutos ideológicos da bancarrota capitalista. Uma periferia desesperada, sem acreditar que lhe puxaram o tapete da ascensão social, e as camadas médias assustadas com os rolezinhos dos pobres no shopping center, ambos convergem para o anseio por soluções místicas e autoritárias: só Jesus e a Rota salvam!

A direita tradicional prontamente se apresenta para oferecer as soluções autoritárias contra o “caos social”. O discurso contra o crime, contra a desordem, contra a baderna, passa a encontrar ampla audiência. Da mesma forma, o discurso religioso fundamentalista e moralista, de controle dos corpos, policiamento dos costumes, cerceamento do prazer, também soa atraente. Habilidosamente, os ideólogos da direita fazem desaparecer a diferença entre um protesto social contra a miséria (um bloqueio de avenida) e as ações individuais provocadas pela miséria (a escalada do crime), de modo que a única solução para a baderna generalizada passe a ser o recrudescimento da violência policial. Os trabalhadores, manipulados pelo medo, pela ignorância e pela falta de projeto e de alternativa, são levados a endossar discursos e projetos políticos que se voltam contra sua própria classe.

Defender o quê, cara pálida?

Não deixa de ser irônico que o encarceramento por corrupção seja o tratamento final dispensado pela elite brasileira aos seus mais aplicados serviçais. Nunca ela lucrou tanto como nos governos do PT. Que o digam o agronegócio, as empreiteiras, os bancos e até a mídia “golpista” (de 2000 a 2012, o que significa uma década de PT, o governo federal despejou R$ 5,8 bilhões em verbas de publicidade apenas na Globo, de um total de R$ 10,7 bilhões – dados da Secretaria de Comunicação da Presidência). Mas isso não significa que essa classe social tenha alguma lealdade ao PT. Assim que deixarem de ser eficientes na gestão do capitalismo, os “companheiros” serão descartados. Agora que está sendo chutado, o PT pateticamente se queixa da ingratidão da classe dominante, e quer apelar para que os trabalhadores o defendam. Depois de estar 13 anos no governo, executando o projeto da burguesia, o PT quer nos fazer acreditar que a esquerda precisa defendê-lo. O PT chama o MST e o MTST para defendê-lo, depois de favorecer o agronegócio e as empreiteiras, negando qualquer possibilidade de avanço na reforma agrária e urbana. A base dos movimentos sociais é usada como bucha de canhão para defender os mandatos dos burocratas petistas.

É essa então a armadilha em que estamos e que temos que recusar. Defender a continuidade do PT como referência para os trabalhadores significa defender a continuidade desse mesmo projeto fracassado. O fracasso do PT ainda aparece como uma derrota da esquerda e dos trabalhadores, enquanto que a sua vitória concretamente não é a nossa vitória, dissemos acima. A explicação para esse paradoxo é que a esquerda não conseguiu construir nenhum outro projeto alternativo, independente e oposto ao PT. A derrota do PT ainda aparece como derrota da esquerda, porque a esquerda tragicamente ainda não conseguiu construir uma outra identidade separada do PT.

O projeto petista e o real significado de luta dos trabalhadores

Evidentemente, não é fácil nem rápido construir um outro projeto semelhante ao que foi o próprio PT na origem. O PT surgiu da covergência de uma série de lutas sociais que vinham sendo travadas desde o fim da ditadura. Confluíram para a formação do PT: o lento e paciente trabalho de base de ativistas inspirados na Teologia da Libertação, atuando durante muitos anos nos bairros, nos movimentos de moradia, por melhorias mínimas como o asfalto de ruas, constução de creches, postos de saúde, escolas, a ação semelhante entre os trabalhadores sem terra no campo, o movimento contra a carestia, movimento estudantil, movimento pela anistia, a atividade de intelectuais de esquerda, os movimentos de mulheres, de negros e LGBTs, as correntes que vinham da luta armada, as organizações trotskystas e a retomada das greves e do sindicalismo combativo. Todas essas forças contribuíram para a formação do PT.

Mas na disputa entre projetos políticos no interior do partido acabou prevalecendo o projeto dos sindicalistas, de uma atuação reformista, economicista e imediatista. As tendências socialistas e revolucionárias foram gradualmente isoladas e por fim expulsas do partido. A partir da década de 1990, esse projeto suplantou a combatividade, a organização de base e a disputa político-ideológica, buscando transformar o partido numa ferramenta eleitoral para Lula. A vitória desse projeto somente viria em 2002, quando a elite já estava suficientemente convencida da adaptação do PT. O partido já tinha deixado de ser uma força contra o sistema para ser uma força do sistema.

Se hoje os simpatizantes petistas defendem os governos de Lula e Dilma com o argumento de que esse era “o governo possível”, que “não há correlação de forças” contra a burguesia, que “não há como” impor medidas mais populares e mais hostis ao empresariado, etc., se hoje tudo isso acontece, repetimos, é por opção da própria direção do PT. O PT era a direção da CUT e a referência para os demais movimentos sociais. Cabia ao PT defender nos organismos da classe uma política de ofensiva e de mobilização em defesa das reivindicações dos trabalhadores, dos explorados e oprimidos. Ao contrário, foi a própria direção do PT que optou pelo caminho oposto, pela conciliação de classe, pelo “sindicalismo cidadão”, pela desmobilização, pelo abandono das lutas, por deixar de lado o método da ação direta, pelo esvaziamento das instâncias de base, pelo fim da organização nos locais de trabalho, pela burocratização e fim da democracia nos sindicatos, por deixar de fazer qualquer disputa ideológica e por defender a possibilidade de melhorias no interior do capitalismo.

O PT ressignificou o que é a luta dos trabalhadores. Deixou de ser a mudança do capitalismo e passou a ser a busca de acomodação no interior do capitalismo. Nada mais além disso pode ser feito pelos trabalhadores e para os trabalhadores. O fracasso do PT leva ao descrédito a luta pelo socialismo e todas as demais lutas sociais, contra o racismo, o machismo, a LGBTfobia, etc. Tudo isso passa a ser enxovalhado e ridicularizado, a partir da confusão que se faz dessas lutas com o projeto do PT.

A crise de alternativa e a desqualificação da luta dos trabalhadores

Essa opção foi feita depois da campanha eleitoral de 1989, uma campanha que polarizou enormemente a sociedade e trouxe um sentido de pertencimento e identificação para imensas parcelas dos trabalhadores que se engajaram e participaram. A partir dessa campanha a direção do partido percebeu que poderia chegar ao governo pela via das eleições. Mas para além dos aspectos internos da política brasileira, o que determinou a opção do PT foi a mudança na conjuntura mundial a partir da queda do Muro de Berlim e da URSS. Como se acreditava que o regime que existia naqueles países era socialista (mas não era), a conclusão que se impunha era de que o socialismo tinha fracassado e qualquer tentativa de ultrapassar o capitalismo estaria também condenada ao fracasso. Logo, a única coisa que restava fazer era tentar administrar o capitalismo de maneira mais “humana” e mais favorável aos trabalhadores. E foi isso que o PT se dedicou a fazer.

Entretanto, nem a URSS e os países que seguiam seu “modelo” eram socialistas, nem o capitalimo tem condições de oferecer um futuro para a humanidade (nem sequer de ser “humanizado”, atenuado, administrado, etc.). Mas a escolha de administrar o capitalismo que foi feita naquele momento traçou um caminho sem volta para o PT, com cujas conseqüências agora arcamos. O abandono da luta direta, da combatividade, da independência de classe, da mobilização, da organização de base, da democracia nos sindicatos e organismos dos movimentos sociais, da disputa de ideologias e projetos de sociedade; tudo isso em prol da transformação do PT em instrumento eleitoral viável para alçar os burocratas do partido à condição de gestores do capitalismo brasileiro, conduz em linha direta não só à corrupção e degeneração do próprio PT, mas também ao crescimento da direita tradicional que hoje ameaça o PT e os trabalhadores.

Conforme assinalamos acima, não existe vazio ideológico. No vácuo do fracasso do projeto petista, prolifera o discurso da ultra-direita e sua defesa oportunista de soluções autoritárias. O retrocesso ideológico está combinado com o retrocesso intelectual. A atividade dos intelectuais de esquerda que contribuíram para a constução do PT, construindo conhecimento científico a serviço da luta de classes, foi substituído pela atividade de acadêmicos que produzem discursos auto-referenciados, centrados no próprio discurso. A pós-modernidade cria uma localização a partir da qual o discurso opressor na prática não pode ser superado, já que não há mais relação entre o discurso e uma base social concreta. Os nexos que permitem entender as mais variadas formas de exploração e de opressão estão sendo desfeitos por um discurso que nega explicitamente a existência de qualquer nexo totalizador de inteligibilidade do real. A crise da alternativa socialista é uma crise de alternativa da humanidade.

O fenômeno com o qual estamos nos deparando agora é a conseqüência de uma verdade cruel e dramática: não existe meio termo possível entre capitalismo e socialismo. Ou se opta por um ou pelo outro. Achar que é possível optar por um meio termo, como fez o PT, vendendo a ideia de que é possível humanizar o capitalismo, administrá-lo, atenuá-lo, etc., e toda essa ladainha que já estamos ouvindo há décadas, leva a um beco sem saída. O capitalismo e suas crises levam a um aprofundamento da miséria material e espiritual em todas as suas formas, guerras entre países e guerra social entre as classes, violências de todos os tipos, individualismo, ignorância, fanatismo, ódio, etc. É nesse caldo nefasto que o Brasil está submergindo depois de 13 anos de governo petista, tudo por conta da opção equivocada de administrar o capitalismo.

Por um projeto socialista para o atual momento histórico

Superar a crise em que o PT afundou a esquerda brasileira só é possível por meio do relançamento de um projeto socialista. A esquerda precisa superar os limites da atuação economicista, sindicalista, reformista, imediatista e eleitoralista que caracterizou o PT. É preciso construir uma prática e uma teoria totalizante, que aborde os indivíduos concretos em suas múltiplas demandas concretas, sejam eles assalariados de qualquer categoria, moradores da periferia, mulheres, negros, LGBTs, indígenas, trabalhadores rurais, estudantes, etc., relacionando todas essas demandas concretas ao capitalismo e oferecendo uma alternativa socialista. Um projeto socialista relançado tem que construir uma nova forma de se relacionar com os trabalhadores, implantando na prática cotidiana do movimento relações de participação democrática real e vivências as mais igualitárias e plenas possíveis. Somente assim pode ser formar uma nova consciência socialista para o atual período histórico.

Se a esquerda quer sair dessa armadilha e deixar de estar submetida à imagem do PT, deixando de sofrer as conseqüências da falência do PT, e criando uma contraposição a todos aqueles projetos e ideias nefastos da direita tradicional, é preciso criar uma nova identidade. Um novo projeto de esquerda precisa ir além da prática reformista, economicista e imediatista que caracterizou o PT, à qual até mesmo as correntes revolucionárias que existiram no interior do partido de alguma forma se submeteram. As ilusões reformistas e eleitoreiras reproduzidas pelo PT têm que ser descartadas. A esquerda tem que apresentar um projeto totalizante que trate o trabalhador não apenas como assalariado, que se interessa apenas por salários e horas de trabalho, mas como ser em busca de emancipação contra todos os aspectos da sua alienação.

Os principais projetos criados por fora do PT nas últimas décadas também fracassaram, e é preciso que se faça um balanço muito sério disso também. Se um projeto com a abrangência que teve o PT não se cria de uma hora para outra, as principais organizações de esquerda que existem por fora do PT também não nasceram ontem e já têm tempo de estrada suficiente para produzir algo muito melhor do que fizeram.

O PSTU (legalizado como partido há mais de 20 anos, desde 1994) se converteu numa mini-burocracia sindical de esquerda, mais preocupado em acomodar seus dirigentes nos aparatos sindicais em pacífica convivência com a burocracia cutista e governista do que em revolucionar os organismos dos trabalhadores e organizar a luta. O PSOL (fundado há mais de 10 anos, em 2003) se converteu numa mini-burocracia eleitoral, com um programa vago de críticas pontuais à política econômica do PT (e não ao conjunto do projeto de gestão do capitalismo) e defesa abstrata da “ética”, tentando reeditar o PT reformista da década de 1990 e não o das lutas da década de 1980. O PCO não tem outra função além de atacar o PSTU e as demais correntes da esquerda, e na prática do movimento funciona como auxiliar do próprio PT e da CUT. O PCB não consegue superar sua herança stalinista.

Toda uma miríade de organizações menores não consegue construir uma alternativa viável, em parte por estar doutrinariamente presa a fórmulas e discursos retirados de clássicos do marxismo-leninismo-trotskysmo (isso quando não reciclam coisas ainda piores, como os grupos stalinistas e maoístas que ainda existem), sem a capacidade de fazer uma análise marxista concreta da situação concreta atual. A esquerda se recusa a fazer um balanço das experiências do século XX, separar o joio do trigo e empreender um esforço teórico e prático de superação dos métodos empregados até hoje. No interior da própria esquerda reina a desorientação e a perda de referências de classe e de projeto.

Ousar lutar, ousar vencer

A falta de trabalho de base, de disputa ideológica, de enraizamento nas lutas, faz com que a esquerda não tenha base social própria entre os trabalhadores e não consiga apresentar uma alternativa de projeto político. Com isso, fica refém de alternativas igualmente superestruturais e igualmente equivocadas: embarcar no Fora Dilma, Fora Todos (que acaba se colocando, mesmo que negue, ao lado da oposição burguesa, como faz o PSTU, os morenistas e parte do PSOL) ou descaradamente defender o PT (como faz o PCO e parte do PSOL). A única força capaz de derrotar os projetos da oposição burguesa não serão as instituições do Estado, que trabalham para a mesma burguesia, mas a própria organização da classe trabalhadora! É essa organização que é preciso construir.

Por falar em trabalhadores, estes também sentem as conseqüências da crise. Não é apenas a burguesia que está enfurecida porque caíram os seus lucros, nem as camadas médias que se ressentem de que as migalhas antes destinadas aos mais pobres pelo Estado (que na verdade destina as mais gordas fatias do orçamento aos super ricos através do mecanismo da dívida pública) supostamente corroeram o seu padrão de  vida (sentimento mesquinho e patético pelo seu grau de ignorância). Os trabalhadores são os que na verdade sentem de forma mais pesada os efeitos da crise. Demissões, arrocho salarial, inflação, endividamento, intensificação do trabalho, precarização dos serviços públicos, sucateamento das escolas, hospitais, transportes, cortes de verbas, etc. Isso dá motivos de sobra para que os trabalhadores se mobilizem.

As lutas já vem ocorrendo. As greves aumentaram constantemente desde o início da década, e também as manifestações de rua e outras formas de luta. Mas ainda é preciso muito mais do que isso. É preciso unificar todas essas lutas e a partir delas apresentar uma alternativa de projeto para os trabalhadores, contra o governo do PT e a oposição do PSDB. Para se tornar referência de luta e não se confundir com o oportunismo e o peleguismo do PT, a esquerda precisa retomar os métodos radicalizados: ocupação de fábricas e empresas que ameaçarem, demitirem ou fecharem, bloqueio de ruas e avenidas, ocupação de prédios públicos, piquetes radicalizados. Para massificar o apoio às propostas da esquerda, é preciso construir um movimento de organização nos locais de trabalho contra os abusos dos chefes e patrões, e não apenas meras chapas de oposição como tem feito o movimento sindical. É preciso relançar na sociedade o debate sobre um projeto anticapitalista e socialista. A esquerda precisa sair da sua condição de coadjuvante e das suas disputas internas mesquinhas para ser capaz de enfrentar a ofensiva da oposição ao PT e se desvencilhar da armadilha do próprio PT.