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Jornal 85: A Reorganização Escolar – “Que eu me organizando posso desorganizar”


6 de dezembro de 2015

“O estado veio quente, nóis já tá fervendo

Quer desafiar? Não tô entendendo

Mexeu com estudante, vocês vão sair perdendo”

MC Foice e Martelo. Escola de Luta, 2015.

Contexto

Em 24 de outubro o Secretário de Educação do Estado de São Paulo, Herman Voodwald, apresentou o projeto de Reorganização Escolar que pretende o fechar 94 escolas e alterar no funcionamento em outras. A rede apresenta hoje 5.108 escolas, das quais 1.443 são de ciclo único(1), outras 3.186 mantêm dois ciclos e 479 escolas têm três ciclos. Entre as escolas que atendem mais de um ciclo de ensino, 754 passarão a funcionar em segmento único.5

As justificativas para a mudança são o aumento no desempenho escolar, o uso de salas ociosas em centenas de unidades em decorrência da municipalização e a redução demográfica ao longo dos anos de 2000 a 2015 – queda no número de alunos de 5,5 milhões para 3,8 milhões. Destes 94 prédios vazios, 66 serão disponibilizados para os municípios realocarem creches e escolas de Ensino Infantil. As outras 28 possivelmente irão prestar outros serviços de Educação, por exemplo, Etecs. Porém, é preciso considerar que, ao separar alunos por ciclos, priva-se o contato dos mais jovens aprenderem com os mais velhos e os mais velhos aprenderem com os mais jovens, comum no desenvolvimento socio-histórico.

A utilização das salas ociosas e a redução demográfica na rede aparenta uma preocupação real do governo em melhorar os espaços públicos, porém ao adentrar nas escolas, verifica-se que as salas estão superlotadas (cerca de 45 alunos por sala) e outras vazias. Muitas vezes pela falta de verba repassada à escola para criação de um espaço pedagógico, como o intencional sucateamento da educação pública acessada pelos filhos da classe trabalhadora, para que a contradição de classe perdure na sociedade capitalista.

Em relação à designação dos prédios para criação de Etecs a dúvida recai, pois o gasto com alunos, professores e infraestrutura para tal sobrepõe-se ao gasto regular das unidades existentes. Quanto às creches e ao ensino infantil, a proposta parece estar relacionada a dois pontos do Plano Estadual da Educação (PNE): a transferência do Ensino Infantil para os municípios até 2017 e a reformulação do Ensino Médio para um sistema em que os estudantes possam escolher as matérias que estudarão. A diminuição da rede proporcionará a inserção das escolas de Programa de Tempo Integral, financiadas também pela inciativa privada.

Além disso, a especialidade das escolas pode parecer um benefício, mas para famílias que têm filhos em três ciclos as consequências serão enormes. É comum as (os) responsáveis aproveitarem qualquer intervalo no trabalho para buscar e levar os filhos, que estudam em ciclos e períodos diferentes, na mesma escola. Com a reorganização, será necessário percorrer duas ou mais escolas.

Cerca de 310 mil estudantes (10% da rede) serão afetados com a mudança e podem vir a estudar até 1,5 km longe de sua moradia. Nos casos de ausência do ciclo, na região onde mora, necessitará se deslocar mais 1,5 km até a escola. Assim se rompe o vínculo local e pessoal do aluno, desconsiderando a continuidade dos projetos pedagógicos e desprezando a valorização local, histórica e identitária do aluno e dos bairros. Além disso, as famílias ainda terão de ampliar os gastos com Educação, pois o gasto com o transporte deverá entrar no orçamento.

Um importante destaque deste projeto é o fechamento do período noturno que atinge o Ensino de Jovens e Adultos (EJA) o qual compromete os alunos que trabalham durante o dia e terão de se direcionar as poucas escolas em que haverá aulas a noite.

Para os professores que já acumulam inúmeras dificuldades no acompanhamento individual do aluno e precarização de seu serviço, terão de lidar com o a consequente superlotação das salas de aula. Tudo isso sem contar que cerca de 40 mil professores e milhares de funcionários ficarão desempregados com fechamento das escolas e o encerramento das 3.000 salas de aula.

A política adotada assemelha-se a versão aplicada em 1995 na gestão de Mário Covas e, após seu falecimento, Alckmin, no qual Rose Neubauer secretária da educação forçou a municipalização do Ensino Fundamental I, que fechou 150 escolas, impactando 3.600 unidades, e a introdução da “aprovação automática”.

Se o governador se preocupasse com a qualidade do ensino, investiria nos profissionais da Educação, resolveria os problemas estruturais das escolas, quanto às condições de trabalho e à aprendizagem dos alunos, a partir de uma gestão escolar democrática.

Reais Intenções

A Reorganização Escolar e as mudanças ocorridas na Educação neste ano, como o corte no FIES, redução das verbas para pesquisas nas universidades púbicas, são alguns dos reflexos da política de ajuste fiscal; horizonte a ser alcançado nos âmbitos federal, estadual e municipal.

A fim de adaptar a vida da classe trabalhadora às necessidades do capital, o ajuste fiscal pretende elevar o lucro dos empresários e repassar parte das verbas arrecadadas para o pagamento da dívida pública, em detrimento das poucas conquistas históricas da classe trabalhadora, desde direitos trabalhistas até serviços básicos de atendimento.

O Movimento

Diversas comunidades escolares insatisfeitas com a falta de diálogo da secretaria da educação realizaram passeatas e buscaram o diálogo com as dirigentes de ensino em sua região. Após as tentativas, na segunda-feira (9/11), os alunos da E.E. Diadema em Diadema ocuparam a escola como protesto. No dia seguinte, os alunos da E. E. Fernão Dias Paes, na Zona Oeste de SP, também ocuparam a escola.

O movimento inspirou as lutas em outras escolas. Só na primeira semana, pelo menos 15 unidades em São Paulo e Grande São Paulo já estavam ocupadas. Com o pedido de reintegração de posse por parte do governador, a negativa por parte do Tribunal de Justiça e a incapacidade de conciliação entre governo e alunos, o movimento se ampliou, atingindo diversas cidades também no interior.

Em três semanas a ocupação de escolas atingiu cerca de 200 unidades, com a participação da comunidade escolar, dos movimentos sociais e das entidades políticas que se juntaram aos alunos, com apoio material e pessoal (vigília em frente à escola, atividades culturais, auxílio de advogados etc.).

A truculência de Geraldo Alckmin se expressou no decorrer das semanas, com as “ameaças” feitas nas escolas ocupadas, agressões a docentes, bombas lançadas durante a madrugada, além da falta de diálogo. Na quinta-feira (19/11), o secretário da educação propôs suspender (10 dias) a reorganização se os alunos desocupassem as escolas. Por meio de uma manobra midiática, a Folha de S. Paulo induziu que a reorganização estaria suspensa.

Na segunda-feira (23/11) Alckmin, tentando assegurar a integridade do SARESP, foi derrotado novamente na Justiça ao ver negada a reintegração de posse das escolas ocupadas. Em compensação, parece ter acordado com a UMES a ocupação parcial das escolas, para manter as aulas aos estudantes e possibilitando pequenas alterações nos planos inicias da Reorganização Escolar, sem recuar acerca das unidades fechadas.

O cenário ainda em movimento aponta caminhos problemáticos, tanto pelo descaso do governo que tenta confundir os rumos da luta, como, e principalmente, o papel da UMES que, como entidade estudantil, decide os rumos da luta, mas se acovarda frente ao governo estadual, pois aplica a política do governo federal. A UMES se amedronta frente à possível crítica da Educação atingir o governo federal, responsável pelo pagamento da dívida pública e o corte de verbas públicas, ao invés, de avançar na luta por uma Educação digna da classe trabalhadora.

As manifestações e ocupações pela cidade merecem o apoio da sociedade. Apenas se educando na luta conseguiremos atingir uma sociedade igualitária, socialista e que ofereça uma Educação que priorize as capacidades individuais.

Bandeiras de luta

Pela gestão democrática nas ocupações e que a comunidade escolar impulsione a luta autônoma dos alunos rumo à ampliação das demandas educacionais, sem acordos parciais!

Pela formação de fóruns entre os estudantes secundaristas para formação de uma luta mais ampla.

Pelo fim da Reorganização Escolar, SARESP e todo sistema pedagógico implementado pela gestão PSDB nas últimas décadas.

Por escolas de qualidade, com mais professores, melhor remunerados, escolas com boa infraestrutura física, menos alunos por turma, autonomia no projeto pedagógico e uma Educação que valorize as potencialidades individuais.

Pelo apoio dos demais setores trabalhistas e unificação das lutas, em busca de uma greve geral e uma sociedade socialista.

Notas

O Ensino brasileiro é dividido em três ciclos, sendo eles: Infantil (1º ao 5ºano), Fundamental (6º ao 9º ano) e Médio (1º ao 3ºano).