Jornal 81: Uma introdução ao conceito de mais-valia
15 de agosto de 2015
Antes de tudo, uma advertência ao leitor: há uma relação muito importante entre a mais-valia e a luta de classes. Em parte, já tocamos nessa relação ao tratarmos das classes sociais (ver Jornal Espaço Socialista n. 77). Voltaremos a ela ao tratar, no futuro, da aristocracia operária. Nesse artigo nos limitaremos ao que é a mais-valia.
O “tempo de trabalho socialmente necessário”
Para compreender a mais-valia, é indispensável o esclarecimento do que é o “tempo de trabalho socialmente necessário”.
A vida humana tem uma característica interessante: descontando eventos pontuais, que estão longe da reprodução normal das sociedades, a vida de cada um de nós – e a vida da sociedade como um todo – é determinada por forças materiais muito curiosas. Tropeçamos em uma pedra, uma montanha nos obriga a escalá-la, a gravidade nos prende à superfície do planeta: essas forças materiais, contudo, não determinam os nossos destinos pessoais e coletivos. As forças que determinam a nossa história pertencem à matéria social. E, esta, é o conjunto das relações sociais. As relações sociais são relações que estabelecemos entre nós, seres-humanos. Como tudo o que fazemos na vida tem consequências objetivas que sempre terminam se voltando sobre nós próprios, os resultados das ações humanas terminam compondo o que Marx, em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, chamou de “circunstâncias”: “Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos.”
O “tempo de trabalho socialmente necessário” ocupa uma parte muito especial dessas “circunstâncias”, “legadas” pela “tradição”. Sua origem é muito antiga, já está presente nas primeiras sociedades de classe, na velha Babilônia e na velha China. Tal como o desenvolvimento das forças produtivas fez com que passássemos da produção de ferro pelos antigos ferreiros às modernas usinas siderúrgicas, o tempo de trabalho socialmente necessário foi se desenvolvendo, de geração a geração, de modo de produção a modo de produção, até se converter no “pesadelo” que, hoje, “oprime” nossos cérebros. Percebam: é uma relação social, uma relação entre os seres humanos, “legada e transmitida” pelas gerações que vieram antes de nós e que, hoje, ordena as nossas vidas, os nossos pensamentos, a nossa visão de mundo, de uma forma muito mais “dura”, muito mais determinante que qualquer pedra ou cordilheira, muito mais determinante que uma força natural tão importante quanto a gravidade. E, contudo, é uma força material que não passa de uma relação entre nós, de uma relação social, criada e mantida pela própria humanidade.
Tal como tudo no mundo, se compreendermos o estágio mais evoluído do tempo de trabalho socialmente necessário, apreendemos também o fundamental de suas etapas menos desenvolvidas. Por isso, vamos analisar os nossos dias.
Todos nós, ao comprarmos qualquer coisa, sabemos que, dentro de certo limite, o preço da mercadoria é justo, acima disso a mercadoria está cara e, abaixo, barata. Um quilo de cebola por 9 reais é muito caro, um quilo de carne de primeira por 9 reais é muito barato. O que possibilita que todos nós, sem contarmos com uma agência reguladora que anuncie o preço de cada mercadoria a cada dia, tenhamos uma visão muito aproximada do valor de todas as inúmeras mercadorias que entram em nossas vidas?
Uma “circunstância”: o mercado. O mercado é um tipo especial de relação entre os seres humanos em que a cooperação é inteira e totalmente substituída pela concorrência. As feiras livres de nossos dias são um belo exemplo. Reúnem milhares de seres humanos que apenas possuem uma relação entre si: o dinheiro dos compradores e as mercadorias dos vendedores.
No início os preços estão mais altos, ao final da feira caem. Os preços variam, no mesmo local, com as mesmas mercadorias, pela relação da oferta e da procura. Contudo, essa oscilação tem lugar dentro de uma determinada margem que nem sempre é muito ampla. Um quilo de camarão, em qualquer momento da feira, será sempre mais caro que um quilo de tomate, um quilo de lagosta ainda mais caro e, um pé de alface, mais barato que a lagosta, o tomate e o camarão.
De onde vem esse critério que faz com que, desconsiderando o preço de cada mercadoria e suas oscilações pela variação da oferta e da procura, a lagosta seja sempre mais cara que camarão, tomate sempre mais barato que lagosta e mais caro que alface, etc.? De algo que todas as mercadorias têm em comum: são todas resultado do trabalho humano. Em toda mercadoria, seja ela uma aula de matemática ou um pé de alface, há uma quantidade de trabalho que a produziu. O produtor de alface sabe que abaixo de um determinado valor sua mercadoria vai lhe dar prejuízo: vai buscar, por isso, sempre um preço que seja maior que aquele valor. O mesmo para o vendedor de qualquer outra mercadoria.
Esse mínimo que o vendedor tem de conseguir pela sua mercadoria é dado por essa relação social que é a concorrência. Todos os produtores de alface colocam seu produto no mercado. Aquele que conseguir vender mais barato, venderá toda a sua mercadoria e terá mais lucro. Os outros ficarão com aqueles compradores que não conseguiram comprar dos produtores “mais eficientes”. Por fim, alguns vendedores terão prejuízo porque o valor pelo qual podem vender suas mercadorias está “fora” do mercado.
Essa relação de concorrência faz com que a mercadoria produzida em menos tempo tenha um menor valor do que as outras. O valor da mercadoria é o tempo de trabalho nela contido. O seu valor no mercado é a média que socialmente se gasta para produzi-la: isso é o tempo de trabalho socialmente necessário. O preço, que é a expressão em dinheiro desse valor, pode variar de acordo com a oferta e a procura, mas não o valor. A quantidade de trabalho cristalizada em uma mercadoria não se altera com a oferta e a procura (pense no tomate, na feira: seu preço varia ao longo das horas, mas não o tempo de trabalho socialmente necessário que contém).
Veja: as “circunstâncias” (Marx) do mercado – a concorrência – estabelecem, por cima da vontade ou desejo dos compradores e vendedores, qual o valor médio de toda mercadoria. Esse valor médio é o “tempo de trabalho socialmente necessário” para se produzir aquela mercadoria. Quem produzir a mercadoria abaixo dessa média terá mais lucro. Quem produzir acima do tempo de trabalho socialmente necessário, venderá menos e seu lucro será menor e, até mesmo, poderá ter prejuízo.
Como o tempo de trabalho socialmente necessário estabelece o quanto cada mercadoria vale para trocar por qualquer outra mercadoria, esse valor é denominado de valor de troca (para diferenciar do valor de uso, isto é, a utilidade de qualquer coisa produzida pelos humanos). O valor de troca de cada mercadoria é, portanto, a quantidade de trabalho que cada uma contém, ou seja, o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de cada uma delas.
O valor da força de trabalho
Maluco é aquele que queima dinheiro: essa é a loucura que, em nossa sociedade, leva o cara para um hospício, rapidinho. Uma segunda loucura, quase tão grande, é trabalhar de graça. Trabalhar, que não seja em troca de salário: loucura, indiscutivelmente!
É verdade que havia trabalhadores assalariados nas sociedades de classe antes do capitalismo. Contudo, até uns 250 anos atrás, o usual era trabalhar sem receber salário. A enorme maioria dos trabalhadores do planeta não recebia um salário. Em nosso país, até 1898 o trabalho escravo era “normal”. Até bem depois da Revolução Francesa (1789-1815), em vastas regiões da Europa ainda se mantinha o trabalho servil, feudal. Apenas no século 20, a condição de trabalho assalariado se esparramou por todo o planeta e se transformou em uma dura realidade na vida de todos os trabalhadores.
O simples fato de a maioria da população não receber salários fazia com que parte importante do produzido não pudesse ser trocada por dinheiro. As trocas eram muito menos frequentes. A maior parte do que os trabalhadores consumiam era por eles produzida ou, quando trocavam, o faziam in natura, isto é, trocavam um produto por outro, sem usarem dinheiro. Essa situação diminuía muito a possibilidade de se acumular capital. Era preciso converter todos os trabalhadores em assalariados para que tudo pudesse ser mercadoria e, assim, a burguesia pudesse se enriquecer mais rapidamente. Mas, ainda mais importante, era a necessidade de “liberar” a enorme quantidade de força de trabalho que, fechada nos feudos sob a forma do trabalho dos servos, era inacessível à exploração pela burguesia. Portanto, a situação atual, em que todo o trabalho se converteu em trabalho assalariado, é bem recente na história da humanidade. (Assim como o desemprego, como vimos no Jornal Espaço Socialista n. 80).
Transformar o trabalho em trabalho assalariado significa transformar a força de trabalho em uma mercadoria. O salário é o preço da força de trabalho. Como já vimos toda mercadoria tem seu valor determinado pela quantidade de trabalho social médio que contém, isto é, pelo tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção. Ao se converter em mercadoria, a remuneração que o trabalhador recebe pela venda de sua força de trabalho não tem mais qualquer relação com suas necessidades pessoais – é determinada pelo tempo socialmente necessário para que sua força de trabalho seja produzida.
Como o tomate, a lagosta e a alface do nosso exemplo da feira, a oferta e procura podem aumentar ou diminuir o preço da força de trabalho – o salário – mas não seu valor. Seu valor, como o de toda mercadoria, corresponde ao tempo médio que a sociedade gasta para produzi-lo. Esse tempo médio se expressa no quanto de comida, de roupa, de remédios, de serviços como transporte, Educação, etc. são imprescindíveis para que o trabalhador consiga trabalhar no dia seguinte, na semana seguinte, no ano seguinte, etc. E, para que não faltem trabalhadores, para que sempre exista o exército industrial de reserva (sobre isso, veja o Jornal n.80) é preciso que tenham os filhos que serão os futuros trabalhadores.
O trabalhador, ao vender sua força de trabalho, irá receber o correspondente em dinheiro ao valor da mercadoria que está vendendo. O capitalista, ao comprar a força de trabalho, estará pagando por ela o seu valor de troca, o seu valor de mercadoria. Não há, nessa relação entre vendedor e comprador, qualquer roubo, desonestidade ou comportamento indevido “moralmente”, no sentido da moral burguesa.
Como também não está em contradição com a moral burguesa o fato de que, sempre que conseguir, o trabalhador procurará ludibriar o comprador de sua força de trabalho e que o capitalista fará algo similar. Mas não é desses pequenos furtos que vem a acumulação do capital. O capital se acumula, a burguesia se enriquece, comprando a força de trabalho pelo seu valor de troca real. Por isso, independente de onde o trabalhador vender sua força de trabalho, receberá mais ou menos a mesma coisa (tais como o tomate e a alface custarão mais ou menos a mesma coisa nas diversas feiras da cidade).
Sendo assim, de onde vem a acumulação do capital? Da mais-valia! (Imagino o leitor: ufa! Até que enfim o autor chegou ao assunto!)
A mais-valia
Todas as mercadorias perdem o seu valor ao serem consumidas. Um carro, uma máquina, etc., quando usados, perdem parte do seu valor. Miraculosamente, há uma mercadoria que, uma vez consumida, resulta em um valor maior do que o seu! Imaginem: uma mercadoria que, quem a consumir, não perde valor, antes, pelo contrário, ganha valor!! É a galinha dos ovos de ouro da fábula: come milho e põe ovos de ouro! Não. Essa mercadoria é a força de trabalho. Compra-se uma força de trabalho por, digamos, “30 moedas” e dela resulta uma mercadoria que vale muito mais! É o milagre dos milagres: a força de trabalho é aquela mercadoria que, ao ser consumida (e só pode ser consumida na produção), produz um valor maior do que o seu próprio. Esse valor maior é a mais-valia (1).
No dia a dia as coisas funcionam assim: o trabalhador fica no emprego por, digamos, 8 horas ao dia. Uma parte dessas horas, digamos 3 horas, é o tempo de trabalho socialmente necessário para pagar o seu salário. O restante de suas 8 horas, isto é, as 5 horas, correspondem à mais-valia (2). Essa relação entre o tempo de trabalho socialmente necessário para pagar o salário e o restante, a mais-valia, se altera constantemente. Pois, como vimos no Jornal n. 80, a concorrência entre os capitalistas faz com que necessitem produzir cada vez mais pagando cada vez menos salário: ou seja, vence a concorrência e fica no mercado aquele capitalista que for capaz de reduzir cada vez mais o tempo de trabalho socialmente necessário para cobrir o salário de seus trabalhadores, ampliando assim sua mais-valia. Os capitalistas, por isso, cotidianamente, procuram ampliar a mais-valia que expropriam de seus trabalhadores (conferir, sobre isso, o Jornal Espaço Socialista n.80 em que tratamos do desemprego).
Isso é da maior importância: a mais-valia é produzida quando se produz uma mercadoria. Ela é a quantidade de trabalho socialmente necessária nela cristalizada e que não retorna ao trabalhador sob a forma de salário. Nos trabalhos assalariados que não há produção de mercadoria (os funcionários públicos, os administradores e “supervisores” nas fábricas e no agrobusiness, os trabalhadores nos bancos e no comércio etc.) não há produção de mais-valia. Isso tem forte impacto nas classes sociais, mas, como dissemos, não trataremos, nesse artigo, da relação entre a mais-valia e as classes sociais.
A forma absoluta e relativa da mais-valia
Há apenas duas formas pelas quais o capitalista pode ampliar a mais-valia: a forma absoluta e a forma relativa.
A forma absoluta é a mais comum e a mais antiga. Em um dado mercado, um conjunto de capitalistas concorre entre si. Vamos imaginar que todos fazem seus assalariados trabalharem por 8 horas por dia e retiram 5 horas de mais-valia (3 horas ficando para os salários). Se um patrão conseguir forçar os seus trabalhadores a receberem um salário menor, digamos, o equivalente a 2,5 horas por dia (ou, o que dá no mesmo, aumentar a jornada para 10 horas sem aumento de salário), acumulará mais capital que seus concorrentes.
A vantagem da forma absoluta de ampliação da mais-valia é que ela é rápida, por vezes sequer precisa de novos investimentos ou qualquer reforma gerencial. Decide-se! Os trabalhadores que não aceitarem são demitidos. A desvantagem, não pequena, é que provoca uma revolta imediata entre os trabalhadores. A sabotagem aumenta, a produtividade dos trabalhadores cai, a “má vontade” passa a dominar os locais do trabalho. Muitas vezes explodem greves ou conflitos mais graves. Por isso a mais-valia absoluta pode ser empregada com alguns limites que são dados pela luta de classe, pela intensidade do desemprego, pela capacidade de resistência dos trabalhadores e assim por diante.
Outra forma, muito atual em nosso país, de ampliação absoluta da mais-valia é transferir as empresas para cidades pequenas, do interior do país, onde não há trabalhadores com experiência de greves e outras formas de resistência, que contam com sindicatos domesticados – na enorme maioria, ligados à CUT e à Força Sindical – e, ainda, em que o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir a força de trabalho é bem menor que nas grandes cidades (o transporte, a moradia, a alimentação, a Educação, etc. tendem a ser bem mais baratos, entre outras coisas). Nesse caso, os investimentos de capital são consideráveis, mas a troca da força de trabalho mais cara e com tradição de lutas por outra mais barata e desorganizada, dominada por sindicatos domesticados, tem sido muito lucrativa. Toritama, em Pernambuco, e Toledo, no Paraná, são exemplos sempre citados.
A mais-valia relativa
Diferentemente da mais-valia absoluta, o aumento relativo da mais-valia é conseguido pela alteração da relação (por isso mais-valia relativa) entre o valor da força de trabalho e o valor das mercadorias produzidas pelo trabalhador. Voltemos ao nosso exemplo: um conjunto de capitalistas concorrendo entre si com assalariados que trabalham 8 horas por dia e, destas, 3 horas são para os salários. Se a comida, a moradia, o transporte dos trabalhadores ficarem mais baratos, o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir a força de trabalho também cai. Ou seja, se o desenvolvimento do capitalismo levar à industrialização da fabricação de vestuário, dos alimentos, dos produtos farmacêuticos, etc. fazendo com que essas mercadorias percam valor (porque gasta-se menos tempo de trabalho para produzi-las), o valor da força de trabalho também tenderá a cair. Com isso, ao invés de o salário consumir 3 horas da jornada de trabalho, passará a consumir 2,5 ou 2 horas: amplia-se, assim, a mais-valia.
Mas há também outro modo relativo de se ampliar a mais-valia: melhores tecnologias, maquinários mais sofisticados e potentes retiram de cada trabalhador uma produção muito maior. Com isso, o necessário para produzir seu salário pode reduzir-se, das 3 horas anteriores, para 2,5 ou 2 horas. E, aqui há uma vantagem adicional para o capital. Não raramente uma tecnologia mais desenvolvida requer menos trabalhadores. Pagando-se menos salários, a mais-valia amplia-se ainda mais. Por vezes, aumenta tanto, que compensa ao capitalista ter menos trabalhadores, mesmo que alguns sejam especializados e recebam salários bem superiores aos de seus colegas.
Com a mais-valia relativa temos, portanto, um segundo “milagre” (o primeiro foi a galinha dos ovos de ouro que é a mercadoria força de trabalho): ao mesmo tempo em que o trabalhador continua comprando a mesma comida, a mesma roupa, morando na mesma casa e alguns trabalhadores (sempre minoria) se transformam em especialistas e têm seus salários significativamente aumentados, a mais-valia se ampliou! Isso é possível toda vez que o tempo socialmente necessário para produzir a força de trabalho diminuir. E isso ocorre toda vez que a industrialização da produção dos bens de primeira necessidade forneça comida, roupas, remédios, moradias etc. cada vez mais baratas aos trabalhadores ou quando o desenvolvimento tecnológico e gerencial possibilitar a diminuição das horas destinadas ao salário dos trabalhadores.
Para que o capitalista busque a ampliação da mais-valia, com frequência, e empregue uma combinação dos vários modos de ampliação absoluta e relativa em nada altera a essência do que vimos sobre a mais-valia. O que importa ao capital é, evidentemente, ampliar a mais-valia e, não, se essa ampliação é relativa ou absoluta.
Como dissemos, não trataríamos aqui da relação da mais-valia com as classes sociais. O fato de nem todo trabalho assalariado ser produtivo de mais-valia tem uma importância muito grande na luta de classes; o fato de que nem todo trabalhador que produz mercadorias e, portanto, mais-valia, seja parte do proletariado, a classe revolucionária, é outro importante fato que não poderá ser aqui abordado.
Contudo, o que vimos até aqui já nos possibilita compreender porque Marx concluiu uma palestra a sindicalistas ingleses dizendo que “Em vez do lema conservador de: ‘Um salário justo para uma jornada de trabalho justa!’, [o proletariado] deverá inscrever na sua bandeira esta divisa revolucionária: ‘Abolição do sistema de trabalho assalariado!'” Pois, não há salário “justo”: o salário significa que a capacidade produtiva de todos nós foi reduzida a uma mercadoria. Enquanto mercadoria, a força de trabalho adquire uma nova utilidade (um novo valor de uso): a produção da mais-valia. Ao produzir a mais-valia já está determinado como será distribuída a riqueza: para a burguesia, a acumulação do capital; para o trabalhador, o salário que o obriga a viver toda a vida como trabalhador, deixando para seus filhos a herança do mesmo destino de exploração.
Veja: a exploração não depende do valor do salário! Nem o valor do salário é determinado pela luta dos trabalhadores! O máximo que a luta economicista (Lenin) pode conseguir é aumentar um pouco o preço (o salário) da força de trabalho, jamais o seu valor. O salário já é a exploração! Por isso, temos que lutar pela ‘Abolição do sistema de trabalho assalariado!’, ou seja, do modo de produção capitalista.
- Um certo modismo, um exagerado apego à importância de ser original, somados ao culto da novidade e alguns interesses editoriais, fizeram com que, em algumas traduções recentes dos textos de Marx, mais-valia venha traduzida por mais-valor. Não se impressione, caro leitor, é a mesma categoria de Marx traduzida de uma forma novidadesca.
- Para simplificar o nosso exemplo, estamos desconsiderando aqui os custos, os juros, a desvalorização do maquinário e das instalações, etc. Deixar esses elementos de lado não altera o essencial do aqui discutido.
Textos recomendados:
Dois textos de Marx: 1) Capítulo V do Livro I de O Capital (a melhor tradução é a da Abril Cultural, depois renomeada para Nova Cultural. A edição da Boitempo, a mais recente, possui vários problemas e é de pior qualidade). 2) “Salário, preço e lucro”: há várias edições no país.
De Engels, uma obra-prima: A situação da classe trabalhadora inglesa, com uma bela edição organizada por José Paulo Netto para a Boitempo.