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O PT colhe o que plantou, as ervas daninhas do conservadorismo, e deve ser extirpado junto com elas


31 de março de 2015

Está em curso um crescimento das ideias reacionárias no país, cuja maior expressão são as manifestações pelo impeachment de Dilma, que por enquanto envolvem majoritariamente a pequena burguesia. Mas essa onda não se limita ao movimento pelo impeachment, e compreende também uma série de fenômenos que vêm se manifestando já faz algum tempo e vêm ganhando peso, como a defesa da intervenção militar, ou de uma intervenção estadunidense, o ódio aos pobres e nordestinos, o ressentimento contra os recebedores de bolsa família, o separatismo das regiões ricas, a defesa da pena de morte, da redução da maioridade penal, o “humor politicamente incorreto”, as agressões aos LGBTs, o assédio sexual no transporte público, o crescimento de seitas religiosas fundamentalistas, etc.
A rigor, não há muita novidade na existência de tais fenômenos. Afinal, como disseram Marx e Engels, “as ideias dominantes são as ideias da classe dominante”. A burguesia precisa permanentemente elaborar ideias e projetos para garantir a direção política da sociedade. Para isso conta com um numeroso e bem pago exército de mercenários intelectuais que exercem as funções de acadêmicos, jornalistas, roteiristas de TV, líderes religiosos, etc. Nisso também não há novidade. O que pode variar com o momento histórico, e se apresentar como característica num determinado momento, é o grau de penetração das ideias mais radicais de direita, o aumento do seu alcance e audiência, que é o que vivenciamos na atual situação.
O que queremos comentar aqui é a ausência de uma contraposição por parte dos trabalhadores, que não desenvolvem um conjunto alternativo de ideias e projetos que se oponham àqueles que emanam da classe dominante. Por mais que haja inclusive um aumento do número de lutas dos trabalhadores, elas não convergem para um movimento político da classe. E não há como analisar isso sem estabelecer a responsabilidade das organizações que assumem a direção política dos trabalhadores. E no caso do Brasil, esse papel vem sendo ocupado há décadas pelo PT.

A trajetória do PT

Essa onda conservadora que está vindo à tona é o resultado de 12 anos de governo do PT no Brasil, e indo mais longe, de mais de 30 anos de controle da Articulação, como corrente do PT e da CUT, sobre os principais organismos de luta dos trabalhadores. O projeto da Articulação, que venceu as disputas internas e se impôs como o projeto do conjunto do PT (e, por extensão, da CUT e demais organismos dos movimentos sociais), sempre foi o de conseguir reformas e melhorias no interior do capitalismo. Num primeiro momento de aplicação desse projeto, na década de 1980, ainda se fazia referências vagas a um processo de transição rumo ao socialismo. As lutas econômicas/sindicais e as lutas sociais em geral eram tratadas como passos cumulativos na direção desse socialismo nunca muito bem definido.
Com o tempo, o partido passou a impulsionar cada vez menos as lutas e desviar cada mais as forças militantes para a ocupação de espaços no interior do Estado burguês, através das eleições de prefeitos, deputados, etc. As expectativas eram dirigidas para a promessa de que todas as reformas desejadas seriam alcançadas quando o partido chegasse à presidência. Nesse meio tempo entre a criação do partido e a chegada ao poder, nos anos de 1989-91, aconteceu a queda do Muro de Berlim, da URSS e dos países ditos “socialistas”.
Esses acontecimentos, de importância histórica transcendente, serviram de base para uma massiva ofensiva ideológica, que decretou mundialmente a derrota do socialismo e a vitória “definitiva” do capitalismo, apregoando as ideias de “fim da história”, “fim das ideologias”, “fim das narrativas”, “fim das utopias”, “fim do sujeito”, “fim do proletariado”, “fim do marxismo”, etc. Paralelamente a isso, desenvolveu-se também uma ofensiva política e econômica contra as conquistas dos trabalhadores, tendo como eixos as medidas neoliberais: privatizações, desregulamentações, abertura comercial, reestruturação produtiva, precarização, etc. Essa ofensiva serviu de pretexto para que o socialismo, ainda que da maneira vaga e pouco definida como era expresso, fosse removido do programa e do discurso do PT.
Num segundo momento, depois dessa transformação em escala mundial, quando finalmente chega à presidência, o PT já tinha abandonado quaisquer pretensões de uma transformação em direção ao socialismo, e já buscava se apresentar como o gestor mais habilitado do capitalismo no Brasil. Desse modo, repetia a trajetória dos demais partidos socialdemocratas e stalinistas pelo mundo, convertidos à ideia de “humanizar” o capitalismo. Isso é impossível, mas segue sendo o horizonte de todos os reformistas, desde o SPD alemão de 100 anos atrás até o Syriza ou o Podemos
hoje.

Os limites do capitalismo periférico

Por algum tempo, em meados do governo Lula, o projeto de uma gestão capitalista que agradasse a todas as classes sociais parecia estar dando certo. Todos os setores da burguesia nacional e internacional operando no Brasil estavam obtendo grandes lucros, e ao mesmo tempo, sobravam migalhas para ampliar medidas assistenciais e outras políticas sociais que traziam minúsculas melhorias para os setores mais miseráveis da população. Esses tímidos avanços, que de resto não alteraram a desigualdade social no país, pois proporcionalmente a burguesia seguiu sempre abocanhando a maior fatia, são amplamente explorados pela propaganda petista como se fossem uma “grande transformação”, que justifica a defesa do governo “de esquerda” ou “progressista”.
Esse momento em que tudo parecia estar funcionando durou enquanto persistiram as condições internacionais favoráveis do ciclo econômico anterior do capitalismo mundial, em que houve uma alta nos preços das matérias primas. Esse ciclo favoreceu não apenas o Brasil (cujas exportações de minério e grãos se tornaram a principal fonte de crescimento da economia), mas também vários países da América Latina, exportadores de petróleo, gás natural e também minérios, grãos, etc. Esse ciclo econômico permitiu que vários governos (que também se diziam “de esquerda”, “progressistas” ou até “socialistas do século XXI”) fizessem uma pequena guinada em direção a mais gastos sociais, sem ameaçar os lucros da burguesia nacional e imperialista. Esse “nacionalismo de commodities” progrediu até a crise mundial de 2008, que começou a estreitar as margens de manobra de tais governos.
No Brasil, após a crise de 2008, Lula conseguiu contornar a crise, manter a economia funcionando e eleger sua sucessora, através de uma política de incentivo ao consumo, via endividamento das famílias, das empresas e dos governos, incentivos fiscais, empréstimos subsidiados, obras públicas em favor das grandes empresas, megaeventos esportivos, etc. Entretanto, ao longo do terceiro mandato do PT, o primeiro de Dilma, essas políticas foram chegando ao seu limite e perdendo seu efeito sobre a economia. A desaceleração da economia (impactada também pela redução da demanda e dos preços das commodities no mercado mundial), a volta da inflação, o aumento da exploração nos locais de trabalho, a degradação dos serviços públicos, a revolta com a corrupção; todos esses elementos combinados levaram a um aumento do descontentamento, expresso nas jornadas de junho de 2013, e numa eleição presidencial muito apertada em 2014.

O PT acreditou na própria mentira

O fundamental em todo esse processo é que o PT acreditou na possibilidade de uma gestão bem sucedida do capitalismo periférico brasileiro, que lhe permitisse garantir os lucros da burguesia e as medidas assistenciais para os mais pobres indefinidamente, e isso não é possível. O ciclo de crescimento mundial anterior se encerrou em 2008, e o ciclo atual apresentou tantas contradições que não foi capaz de impulsionar o crescimento do país. E mesmo assim, sem atingir os mesmos patamares anteriores, o atual ciclo na verdade já se encontra também próximo do seu fim e de uma nova crise mundial.
De resto, é preciso assinalar também que, no contexto de uma crise estrutural do capital que atravessamos nas últimas décadas, as crises periódicas do capitalismo tendem a ser mais violentas, e os períodos de crescimento tendem a ser mais problemáticos e limitados, como estamos verificando no atual ciclo.
Para além dos fenômenos cíclicos da economia capitalista mundial, existem limites do capitalismo periférico brasileiro (limites históricos que se acentuam num momento de crise estrutural), que restringem as margens de manobra de qualquer governo burguês, como o do PT. Nas condições do capitalismo imperialista e mundializado, não é possível para nenhum país periférico alcançar algum desenvolvimento econômico sem medidas de ruptura, tais como: não pagamento da dívida pública, estatização do sistema financeiro, estatização de setores estratégicos (petróleo, energia, minérios, telecomunicações, alta tecnologia, biodiversidade, água, alimentos, etc.), controle do comércio exterior, etc. O PT jamais tomaria essas medidas, pois optou por ser um partido pró capitalista e a serviço dos interesses da burguesia.
Ao ser um partido capitalista, o PT ficou refém das flutuações e crises características desse modo de produção. A adesão da população ao partido, a popularidade dos seus dirigentes, seu apelo eleitoral, flutuaram ao sabor das idas e vindas do capitalismo e sua economia, pois o PT não desenvolveu uma âncora ou alicerce que lhe permitisse navegar nas instabilidades dos diferentes momentos históricos. O PT deixou de ter, ou na verdade nunca desenvolveu, um projeto politico bem definido a oferecer aos trabalhadores. Suas promessas ficavam em torno de generalidades sem nenhum conteúdo concreto, como “governo democrático popular”, defesa da “justiça social” ou da “ética na política”, etc., ou pior, simplesmente “Lula lá”, mas nada disso vinha embalado num “pacote” unificado.

O vazio do discurso petista e a despolitização

O PT não tinha um “slogan”, uma palavra de ordem unificadora, um discurso, uma utopia, uma ideologia a defender, como o chavismo da Venezuela, que tinha sua “revolução bolivariana” e seu “socialismo do século XXI” (que não era socialista, era puro vazio, mas que todos discutiam e alguns defendiam, e defendem). O PT não elaborou uma narrativa estruturada para orientar sua relação com os trabalhadores e disputar sua consciência. Ao invés disso, acreditou e apostou na continuidade do crescimento econômico, através do modelo do nacionalismo de commodities e depois do crescimento via incentivos. Acreditou que essa prosperidade iria durar para sempre e os trabalhadores lhe seriam gratos para sempre e permaneceriam como eleitores fiéis do partido.
O resultado é que, enquanto esse modelo parecia estar funcionando, os trabalhadores desenvolveram uma consciência adequada a essa realidade, pautada no consumismo, no individualismo e na meritocracia. A existência determina a consciência, conforme já ensinaram os clássicos do marxismo. A”nova classe C” gestada nos governos do PT, os trabalhadores que tiveram acesso ao consumo (por meio do crédito, sem crescimento real da renda), desenvolveu um modo de pensar característico, em que o seu “sucesso” material é explicado pelas suas capacidades e esforço individual, não por processos históricos e coletivos.
Para que a classe trabalhadora pudesse desenvolver uma outra perspectiva e visão de mundo, seria preciso que fosse educada em um outro projeto político, pautado em outra perspectiva de classe. A perspectiva dos trabalhadores só pode ser a superação do capitalismo, não a sua gestão ou aperfeiçoamento. Na ausência de uma perspectiva de superação, a consciência naturalmente retrocede aos limites da sociedade e das relações existentes. O debate político, ao invés de ser travado como debate ideológico em torno de alternativas societais e de classe, se diluiu em debate sobre a gestão do Estado. Ou pior, em torno de qual partido é o mais ou menos corrupto.
Na falta de um debate político sobre projeto de sociedade, o horizonte dos trabalhadores ficou limitado às melhorias materiais imediatas. Os trabalhadores passaram a acreditar que, se estavam “chegando lá”, ou seja, comprando casas do Minha Casa Minha Vida, ou comprando carros com IPI reduzido, ou entrando na faculdade via Prouni, era por seus próprios méritos, e não por uma virtude do governo de plantão. E quando o modelo deixou de funcionar, e fez com que as dificuldades para manter essas “conquistas” começassem a aparecer para cada indivíduo (aumento da exploração nos locais de trabalho, combinada com aumento da inflação e precariedade dos serviços públicos), foi preciso encontrar um culpado. E esse culpado não seria outro senão o PT e os “vagabundos” que vivem “às custas do trabalho alheio”, ou seja, da bolsa família.

A ideologia da prosperidade e a psicologia de massas do fascismo

Os trabalhadores das categorias mais organizadas e a pequena burguesia desenvolveram um ressentimento contra os mais pobres, conforme iam sendo convencidos que a riqueza que escapava dos seus dedos ia sustentar de um lado os “vagabundos” recebedores de bolsa família e de outro lado os corruptos do PT. Nunca tiveram a capacidade de olhar um pouco mais acima e perceber que o grosso da riqueza produzida no país estava sendo desviado para a alta burguesia, os bancos, o agronegócio, as empreiteiras, as montadoras e grandes empresas transnacionais, esses sim os maiores beneficiados pelos governos do PT.
Criou-se uma situação paradoxal em que as classes médias, que envolvem a pequena burguesia, pequenos empresários, pequenos comerciantes, pequenos proprietários, profissionais liberais, autônomos, funcionários públicos, gestores e assalariados de alta renda, colocou-se à direita da alta burguesia, defendendo o impeachment e até mesmo o golpe contra um governo que favorece sobremaneira os lucros dos capitalistas. Na esteira das ideias golpistas, floresce também todo o bestiário da ultradireita, os discursos de ódio contra negros, nordestinos e LGBTs, as agressões, etc. Da mesma forma, converge para esse caldo o fundamentalismo religioso das seitas neopentecostais, caracteristicamente as mais corruptas e ao mesmo tempo as mais agressivas na defesa de valores machistas e LGBTfóbicos.
Reich já estabeleceu no clássico “Psicologia de Massas do Fascismo” a forma como as ideias politicas fascistas, fundamentadas em perspectivas de classe, se enraízam e germinam no solo fértil das subjetividades adubadas por ressentimento e frustração. O impulso vital básico dos indivíduos, que para Reich, é de natureza sexual, desviado para o consumismo pela publicidade e outros estímulos onipresentes, projeta a sua satisfação na aquisição de mercadorias e conforto material. Quando a economia entra em decadência e essa aquisição não se realiza, a frustração se transforma em ódio irracional.
O fascismo explora esse ódio latente e desenvolve explicações simplistas e irracionais para os problemas, fornecendo um inimigo (o PT e os pobres, em seus diversos subgrupos) e a solução providencial, uma figura (paterna) investida de plenos poderes e autoridade ilimitada, um führer ou ditador, que irá destruir os inimigos de forma rápida e fulminante. Alguns ingredientes dessa receita estão presentes no Brasil hoje, e merecem a máxima atenção.

Reconstruir um projeto socialista dos trabalhadores

Mas o descontentamento atual não se limita a esses setores médios e direitizados. A classe trabalhadora como um todo, envolvendo também os setores mais explorados e mais precarizados, a grande maioria da população, está suportando o esgotamento do modelo econômico petista e está sendo chamada a pagar a conta do ajuste. Muitos setores estão se colocando em luta. As greves, manifestações e ocupações vêm crescendo ano após ano desde 2012. Esse acúmulo crescente de movimentos e de lutas, entretanto, ainda não deu um salto de qualidade. E para isso, faz falta um elemento decisivo, a consciência, o programa e a organização.
Dissemos acima que o PT ofereceu aos trabalhadores um projeto reformista, que depois se acomodou a uma proposta de gestão do capitalismo, e finalmente, se limitou a uma promessa de prosperidade material, não tendo sequer a competência de embalar esse seu projeto em algum tipo de discurso ideológico. Esse projeto se esgotou ao esbarrar nos limites do momento histórico do capitalismo brasileiro e mundial. Está mais do que na hora de construir um outro projeto para os trabalhadores. E esse projeto tem que ter como ponto de partida a superação de todos os erros do PT. O projeto dos trabalhadores não pode ser jamais a convivência ou aperfeiçoamento do capitalismo. Muito pelo contrário, deve ser a superação e a destruição desse modo de produção, e a sua substituição pelo socialismo.
Ao contrário do que dizia a ofensiva ideológica da burguesia “triunfante” dos anos 1990 e seus mercenários intelectuais pós modernos, a história não acabou, nem muito menos o socialismo, o marxismo e a revolução. A história da humanidade continua sendo a história da luta de classes. As duas classes fundamentais continuam sendo a burguesia e o proletariado (a pequena burguesia, maioria dos que estiveram nas ruas em 15 de março, não tem projeto social próprio). O projeto da burguesia é a continuidade do capitalismo, e conseqüentemente, qualquer projeto que não envolva a abolição do capitalismo favorece unicamente uma classe social, a burguesia. O projeto dos trabalhadores, como classe para si, só pode ser a abolição do capitalismo e a construção do socialismo.

É necessária uma ruptura radical

A abolição do capitalismo só pode se dar pela via da revolução (e não das reformas graduais), do fim da propriedade privada dos meios de produção, da destruição da máquina do Estado e suas instituições (e não do seu aperfeiçoamento, por meio da “reforma política”, da “ética na política”, e outras bobagens). As lutas da classe trabalhadora devem convergir para esse projeto. Tudo aquilo que o PT não fez, a construção de uma estratégia rumo ao socialismo, deve ser posto em prática, e o ponto de partida para isso passa necessariamente pelo combate ao governo do PT. O PT é o responsável indireto pela disseminação das ideias reacionárias, e para combatê-las, não se pode jamais repetir o PT.
É preciso organizar os trabalhadores para lutar por suas demandas imediatas. Mas essas lutas vão se chocar com elementos cada vez mais centrais do capitalismo brasileiro. A dívida pública (cerca de 40% do orçamento da união), a estrutura fundiária, o sistema tributário regressivo, a inflação, o sucateamento dos serviços públicos, etc., todos esses elementos constitutivos dessa forma de capitalismo periférico devem ser combatidos. A ordem e a hierarquia das bandeiras de luta, quais as mais centrais para cada momento, pertencem ao terreno da tática, que deve ser ajustada permanentemente. Mas o que não se pode perder de vista é a estratégia, que deve buscar a revolução socialista.
É preciso colocar novamente em pauta, e no discurso do dia a dia, as ideias de luta de classes, solidariedade de classe, poder dos trabalhadores, fim da propriedade privada, fim do Estado, revolução, socialismo. É preciso insistir nessas ideias contra o bombardeio cotidiano das ideias reformistas de continuidade ou melhorias no capitalismo, e contra as ideias reacionárias da ultra direita, que levam ao aprofundamento da barbárie capitalista. Essa disputa ideológica tem que ser feita em todos os espaços e organismos de luta, pois não se trata de uma simples disputa por ideias, de uma questão de convencimento pela palavra ou pela pregação, mas sim de uma disputa política, que envolve uma totalidade teórica e prática. O convencimento se dá pela via da experiência material, razão pela qual é preciso intervir em todos os processos de luta e disputá-los para uma ruptura anticapitalista e socialista.
A construção de uma estratégia para a revolução socialista no Brasil passa também pelo balanço das tendências que tentaram se construir por fora do PT. Afinal, se o Partido dos Trabalhadores adotou uma estratégia de convivência e administração do capitalismo, a estratégia da revolução caberia às correntes que romperam/se afastaram do PT, como PSOL, PSTU, PCB (o outro partido legalizado, o PCO, sempre teve como maior preocupação o combate ao restante da esquerda, funcionando na prática como um auxiliar do PT) e às organizações menores. A oposição de esquerda ao PT tinha a tarefa de resgatar o projeto político dos trabalhadores, recolocando em pauta o socialismo, a revolução, a luta de classes, etc., combatendo a burocracia petista e a ideologia burguesa. O debate sobre o motivo pelo qual essas correntes não foram capazes de se apresentar como pólo para reconstruir o projeto socialista precisa ser feito, mas excede em muito o escopo deste texto, e deve ser desenvolvido em outro momento.

As lacunas na organização da classe

O que cumpre fazer aqui, a despeito de quais tenham sido as falhas na ação do conjunto da oposição de esquerda ao PT, cujo debate fica para outro momento, é assinalar a gigantesca lacuna que existe na organização e consciência da classe trabalhadora. A realidade material se deteriora, mas não há instrumentos para lutar contra os problemas. Existe uma insatisfação amplamente disseminada com as condições de vida, a inflação, os baixos salários, a exploração nos locais de trabalho, o assédio moral, a ineficiência dos serviços públicos, a saturação das grandes cidades, a violência, a corrupção, etc. Mas essa insatisfação não encontra canais para se manifestar e se organizar em luta. Há uma terrível ausência de organismos de luta, de espaços, fóruns, comitês, associações, coletivos, que sirvam como instrumentos de organização.
Enquanto a burguesia possui o Estado e uma infinidade de instituições, partidos, mídia, igrejas, etc., para elaborar sua política e disputar o controle da sociedade, os trabalhadores não possuem nada. As organizações construídas pela classe nos anos de combatividade do PT, os sindicatos, centrais sindicais, entidades estudantis e populares, foram invariavelmente aparelhadas pela burocracia governista, e não servem para encaminhar a luta. Nem as centrais sindicais nem os movimentos sociais desenvolvem uma perspectiva independente. Mesmo os setores de oposição ao governismo no movimento sindical são incapazes de se apresentar como uma alternativa crível. O desastre da não unificação entre Conlutas e Intersindical no Conclat de 2010 cobra seu preço dramaticamente. A prioridade dada pelas correntes de esquerda para a autoconstrução e a aparatização de entidades deixou os trabalhadores órfãos de organização.
A luta de classes se acirra, e os trabalhadores entram em campo perdendo o jogo, com jogadores a menos, o juiz e a torcida em favor do adversário. Não está garantido que a insatisfação dos trabalhadores resulte em mobilização e luta em um grau suficiente. As lutas em andamento, ainda fragmentadas e baseadas em reivindicações pontuais por categorias, podem não ser bastantes para alterar a situação em favor dos trabalhadores. A maioria a classe pode acabar adotando uma postura de acompanhar passivamente as disputas na superestrutura entre a burocracia petista e a oposição burguesa, sendo levada a crer que a queda do PT possa ser um meio de resolver seus problemas, endossando ou consentindo nesse processo por omissão ou abstenção.
Para que haja uma mudança na postura da classe, de modo que os trabalhadores se coloquem em cena com uma perspectiva própria, seria preciso que a oposição de esquerda conseguisse se apresentar como referência, com um programa que contivesse as reivindicações da classe, em torno do qual os trabalhadores estivessem dispostos a se mobilizar. E um programa não é apenas um conjunto de palavras de ordem, mas uma compreensão totalizante da realidade que explique a relação entre as coisas e o que fazer para mudar a realidade.

Entendendo o que vem pela frente

Para a burguesia o que interessa é a continuidade dos negócios e a retomada dos lucros. As medidas de austeridade são a sua prioridade. Portanto, para a burguesia, não interessa a instabilidade política, nem o processo de impeachment, nem muito menos um golpe contra Dilma. O governo do PT já está comprometido com este programa, e quanto mais é pressionada, mais Dilma vai à direita. Sua primeira declaração depois dos protestos do dia 15 de março foi pedir uma trégua para garantir a aprovação do pacote de ajuste no Congresso. Não faz sentido para a burguesia trocar o governo neste momento, depois de apenas 6 meses de eleito. A alta burguesia não está contra o programa do governo, muito pelo contrário. O ajuste de Joaquim “mãos de tesoura” Levy lhe favorece, a “miss motosserra” Katia Abreu está no ministério da agricultura, etc.
Todos os acordos para a montagem do governo já foram feitos, os ministérios e as verbas já foram loteados, cada fração da burguesia já tem sua fatia, etc. A alta burguesia está contemplada no governo, portanto não é sua política nesse momento trocar “comitê gestor” dos negócios. Quem está se manifestando contra o governo é majoritariamente a pequena burguesia. O impeachment não seria um bom negócio, pois abriria uma acirrada luta política contra o PT, que não iria entregar facilmente o controle do Estado, do qual dependem os empregos de milhares de burocratas do partido. Não interessa abrir essa disputa nesse momento.
Por outro lado, para o PMDB, por exemplo, não há nada que impeça um impeachment, pois o partido tem a vice-presidência e a presidência da Câmara, de modo que o controle do Estado cairia em suas mãos. Na verdade, o PMDB não assume o governo agora porque não quer. E não quer porque não lhe interessa nesse momento arcar com o ônus de aplicar o pacote de ajuste. É preferível deixar que Dilma e o PT se queimem com a impopularidade das medidas de austeridade. O PT evidentemente sabe disso, e não afundará sozinho na nau do governo, exigirá fidelidade da sua “base aliada”, como fez o agora ex-ministro Cid Gomes, cumprindo o papel de fazer a crise respingar sobre o Congresso. A austeridade deve ser um programa de Estado, não de um ou outro partido, e o PT busca deixar isso claro. Se cair, arrastará os demais junto. A Operação Lava Jato se estende para os demais partidos do regime.
Reafirmamos que o mais provável no momento é a permanência do governo do PT. Entretanto, nada garante que isso se não mude. A burguesia não tem fidelidade a nenhum partido. Se a presença do PT no governo se provar ruim para os negócios, o PT cairá. Além disso, a burguesia não é homogênea e possui setores e segmentos em disputa uns contra os outros, o que pode resultar num curso de ação errático e oscilante. De qualquer forma, se a crise se prolongar, a pequena burguesia continuar protestando, os escândalos continuarem se sucedendo, e principalmente, se os trabalhadores se colocarem em luta, a burguesia mudará sua política. Por enquanto, não há intenção real de desencadear o processo de impeachment. E nem muito menos há um golpe em andamento, embora haja golpistas pondo as manguinhas de fora.

Em busca de um programa

A construção de um programa que contenha uma compreensão totalizante da realidade, explicando as tarefas que devem ser cumpridas numa perspectiva de longo prazo (estratégia) e as palavras de ordem para o curto prazo (tática) não é nada simples. Ao mesmo tempo em que precisa resgatar os referenciais básicos de luta de classes, revolução, socialismo, o programa precisa conter respostas para as questões imediatas com as quais a classe está defrontada, servindo como instrumento de agitação, e uma estrutura lógica que relacione uma coisa com a outra, de modo a desenvolver a ação de propaganda e a construção da consciência e organização para as ações de longo prazo.
A base material é o esgotamento do modelo econômico. A única alternativa capitalista para o relançamento da economia são as medidas de austeridade, e mesmo assim sem a garantia de atravessar a próxima crise mundial que se avizinha, e com a certeza de aumentar a insatisfação popular. Assim sendo, qualquer que seja o desenlace da crise política no plano da superestrutura, com a saída ou permanência de Dilma, um novo governo do PT com Lula ou um eventual governo do PSDB ou do PMDB; o programa dos partidos burgueses é o mesmo, a austeridade, e as conseqüências serão as mesmas, a insatisfação popular, e portanto, em qualquer caso, a instabilidade vai continuar. As margens mais estritas para a gestão da economia levarão a um acirramento, uma agudização da luta de classes, que se define exatamente como luta pelo controle do excedente da produção. Nesse sentido, esta crise no início do segundo mandato de Dilma é apenas o início de uma nova situação de crises, instabilidade e acirramento, que deve se prolongar a curto e médio prazo.
A proposta de uma tática para o momento atual exposta abaixo procura dar conta de alguns aspectos:
– o governo do PT ainda não caiu, ele é o governo operante, é o seu plano econômico que está em vigor. Este governo é inimigo da nossa classe, está enfraquecido, está sendo atacado, e nós trabalhadores temos que mostrar nosso descontentamento e tomar a ofensiva. Os trabalhadores estão frustrados com o governo e de certa forma manifestam um apoio passivo à oposição. Não se mobilizam para derrubar o governo, nem muito menos para defendê-lo. Estão acompanhando os acontecimentos, à espera de uma saída que ainda não se apresentou.
– a pequena burguesia direitizada está tomando a frente e se colocando como porta-voz dos interesses gerais, através de um programa protofascista. Por isso não basta dizer apenas “fora todos”, é preciso delimitar que existe um movimento de direita, com defensores da ditadura e elementos fascistas inclusive, que são também nossos inimigos. Somos contra esse movimento pelo impeachment como está colocado e contra suas ideias. Por isso “Fora defensores do impeachment!”
– é preciso arrematar que nem Dilma nem a oposição burguesa são alternativa. Nem o PT nem o PMDB, o PSDB, o STF, a Rede Globo, a Veja, partidos e organizações pró capitalistas nos representam. Por isso “Fora todos os exploradores! Unidade da classe trabalhadora!”
– dada a situação de ausência de organização e referência que analisamos acima, é preciso reafirmar o método de luta dos trabalhadores. Para chegar a derrubar os políticos da classe exploradora e realizar o “Fora todos!”, somente a ação coletiva e organizada dos trabalhadores. Essa ação não pode ser decretada, tem que ser construída, por isso “Construir a greve geral!”
– a luta deve deixar claros quais são os seus objetivos imediatos, os meios para resolver os problemas concretos com os quais os trabalhadores estão enfrentados, e que mais tem o poder de mobilizá-los. É preciso listar as reivindicações mais sentidas dos trabalhadores, como forma de explicar também os objetivos da greve geral defendida antes. Por isso é preciso defender um “Plano econômico dos trabalhadores!”
– não basta apenas negar o existente, é preciso realizar a negação da negação, a afirmação de uma alternativa, um poder dos trabalhadores. Entretanto, a construção dessa alternativa não se improvisa de um momento para o outro nem pode ser proclamada artificialmente. O que se pode indicar são os contornos do tipo de alternativa que precisa ser construído. Por isso, a política se completa com a defesa de “Um governo revolucionário dos trabalhadores baseado em suas organizações de luta!”
Reunidos esses elementos, teríamos:

FORA PSDB E SEU BLOCO, DEFENSORES DO IMPEACHMENT, FORA FASCISTAS E MÍDIA GOLPISTA!
FORA TODOS OS EXPLORADORES! UNIDADE DA CLASSE TRABALHADORA!
POR UM PLANO ECONÔMICO DOS TRABALHADORES!
* Salario mínimo do DIEESE!
* Contra a inflação, abrir as planilhas das empresas!
* Contra os cortes nas pensões e seguro desemprego!
* Direitos trabalhistas para todos, contra a terceirização e o PL 4330!
* Redução da jornada sem redução do salário, até que haja emprego para todos!
* Confisco do dinheiro dos sonegadores na Suíça! Taxação das grandes fortunas!
* Não pagamento da divida e uso desse dinheiro para atender as necessidades dos trabalhadores em saúde, educação, transporte, etc.
POR UM FÓRUM DE LUTAS ANTIGOVERNISTA E ANTIBUROCRÁTICO!
CONSTRUIR A GREVE GERAL!
DERRUBAR DILMA E QUALQUER GOVERNO BURGUES POR MEIO DA LUTA DOS TRABALHADORES!
POR UM GOVERNO REVOLUCIONÁRIO DOS TRABALHADORES BASEADO EM SUAS ORGANIZAÇÕES DE LUTA!