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Jornal 76: Pescadores do Jaraguá a poucos dias de serem despejados


10 de março de 2015

No dia 22 de janeiro, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região determinou a desocupação do terreno da Vila dos Pescadores. Localizada no bairro do Jaraguá, em Maceió (AL), trata-se de uma comunidade que reside na beira do mar há mais de 60 anos, subsistindo das atividades da pesca e da mariscagem.

Não é, portanto, apenas o local de habitação, mas de obtenção de renda dessas trabalhadoras e trabalhadores. Na última década, a prefeitura de Maceió realizou os mais diversos ataques contra suas moradias, que estão construídas em território da marinha. Foram diferentes gestões que comungaram na tentativa de remover a comunidade da área – demonstrando com muita clareza a quem serve as instituições políticas de nossa democracia.

Em todos os planejamentos e decisões que foram traçadas ao longo desses anos, como é de se esperar, não se pesou a opinião dos moradores da Vila. Fala-se em reforma urbana, revitalização e “aproveitamento do terreno” sem consultar o interesse público, muito menos o dos próprios pescadores do Jaraguá.

O discurso que apela a favor do despejo dos pescadores do Jaraguá passou por aparentes transformações – ora assumindo tons macabros, com o interesse de se construir um estacionamento para barcos na localidade, ora ganhando contornos de um vistoso projeto de centro pesqueiro que teria como anexo um grande estacionamento. Toda essa cantoria, no entanto, não esconde o temeroso fato de que famílias trabalhadoras estão sob o constante risco de serem arrancadas de seus locais de residência e de trabalho, a despeito de fornecerem cotidianamente frutos do mar para a cidade.

O atual prefeito, Rui Palmeira (PSDB) – num gesto pra lá de humanitário – tem “oferecido” a seguinte alternativa à comunidade: que abandonem suas casas e aceitem viver num condomínio que fica a 4 quilômetros da Vila, no Trapiche da Barra. Além de que estariam enfiados em cubículos de 32 metros quadrados, as marisqueiras e pescadores do Jaraguá – que já vivenciam condições econômicas precárias – teriam gastos com transportes (mantivessem suas atividades pesqueiras ativas ou não); e um maior desperdício de tempo para garantir seus meios de sobrevivência, já que demorariam uma parcela maior de seu dia se locomovendo pela cidade.

Apesar do exagerado grau de crueldade, é preciso ressaltar que notícias desse tipo têm sido recorrentes em nossos noticiários – nem todos os ocorridos, entretanto, ganham as manchetes. O mais famoso dos casos, que ocupou espaço considerável na grande mídia, foi o episódio da comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP): em janeiro de 2012, cerca de 8 mil pessoas – após uma série de denúncias e gestos de resistências – foram removidas de seus lares por estarem ocupando um terreno do empresário Naji Nahas.

Homens e mulheres (jovens, adultos, idosos e crianças) foram expulsos aos cassetetes e gás lacrimogênio de suas casas, numa ocupação que já durava mais de 7 anos. Um curioso dado para refletir sobre a ação do Estado: de acordo com uma pesquisa encomendada na época pelo empresário e proprietário do terreno, estimou-se a possibilidade de lucro de até R$ 275 milhões de reais com a construção de um empreendimento imobiliário na região.

Sob esse sanguinário manancial podemos enxergar, assim, claras motivações econômicas: não se trata de uma brutalidade estatal desajuizada, mas de uma violência com claras finalidades financeiras e políticas. Para o maior sofrimento da classe trabalhadora, não faltaram episódios como esse nos últimos anos: em 2010, em Salvador (BA), com determinação da Justiça, a prefeitura usou escavadeiras, tratores e marretas prefeitura para assegurar demolição de mais de 300 casas de pescadores na capital baiana. No ano passado, a Copa do Mundo foi um espetáculo de megarremoções: mais de 1.700 pessoas foram violentamente desabrigadas para garantir a estrutura e logística necessárias ao bem-estar das cifras da Fifa e demais empresas que lucravam com o evento no Brasil.

No espírito de luta que pulsa na Vila dos Pescadores do Jaraguá, os moradores tomam cada vez mais consciência de quem é o inimigo. Todos as atitudes que são contrárias às suas moradias – sejam ameaças da prefeitura, intimidações policias ou depreciações das quais são alvos, pela mídia televisa e virtual – traduzem com muita perfeição os interesses das grandes empresas da construção civil – refletem os estreitos desejos do capital em “revitalizar” um terreno já cheio de vida (são 116 famílias residentes), para construir obras que injetem lucros nas veias do turismo e do grande comércio.

Em alerta, por poderem receber uma ordem de despejo da Justiça a qualquer momento, os pescadores e marisqueiras da Vila atravessam um clima de extrema tensão desde as últimas semanas do mês passado. “Não somos vítimas de enchentes, não precisamos morar em alojamentos”, diz uma das moradoras, num ato ocorrido no dia 27 de fevereiro.

Reivindicando a permanência reurbanização da Vila (que propicie, dentre outras coisas, coleta regular de lixo, água potável e um sistema de esgoto sanitário), os trabalhadores e trabalhadoras da pesca – ao lado do movimento Abrace a Vila – vêm realizando um calendários de atividades culturais, de panfletagens e de protestos para denunciar a política autoritária da prefeitura e somar braços que abracem essa resistência – uma luta de toda a classe trabalhadora e demais setores marginalizados de Alagoas.

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