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Jornal 76: Descriminalizar e legalizar o aborto, uma luta de mulheres e homens


10 de março de 2015

O aborto sempre existiu. Práticas abortivas são transmitidas de geração para geração há séculos e há registros na literatura de 2690 AC. É legalizado em 56 países. E mata no Brasil mais do que em todos esses países juntos.

O Código Penal brasileiro, de 1940, prevê duas condições (caso de estupro e risco de morte da gestante) para que o aborto seja considerado legal, isto é, deva ser realizado pelo SUS e planos de saúde. Somente em 2012 o STF aprovou também para os casos de anencefalia.

Desde 2007 um Projeto de Lei (Estatuto do Nascituro) busca impedir que, mesmo nessas condições, a mulher possa realizar o aborto. Isso significa impor que o estupro deixa de ser crime, obriga a mulher a se submeter à violência e faz a vida da mulher menos importante que um feto.

Também têm deputados querendo aprovar um Projeto de Lei (Estatuto da Família) que além de criminalizar o aborto, mesmo nessas condições, proíbe a adoção de crianças por casais homossexuais. Isso significa que em nome de um modelo de família se sacrifica e penaliza a mulher e a criança.

Hoje, pela legislação brasileira, a mulher que pratica o aborto clandestino é considerada criminosa e a pena pode ser de 01 a 03 anos de prisão. Ainda assim, esses mesmos parlamentares querem aumentar para 02 a 06 anos. E a justificativa para isso é: deveria ter pensado antes de engravidar. No entanto, a legislação não penaliza ou criminaliza o parceiro, o homem, responsável também pelo ato sexual, que geralmente não assume a paternidade e incentiva, até financeiramente, o aborto. É uma lei que não pune o ato em si, pune um gênero, o feminino.

Na sociedade capitalista patriarcal é assim, O Estado cria leis que não servem para resolver problemas, apenas para punir. Nega-se à mulher o direito de decidir sobre o seu próprio corpo e a submete à legislação sem considerar que suas condições econômicas, sociais e políticas são determinantes para uma decisão como essa e para o tipo de procedimento a ser adotado. Portanto, a mulher continua abortando.

A dura realidade da mulher trabalhadora

Pesquisa realizada em 2013, pela UERJ, estima 850.000 casos de abortos induzidos por ano no país. As mulheres que tomam essa decisão, depois de avaliarem seus reais problemas, entendem que vivem numa sociedade desigual, compreendem que terão a responsabilidade, muitas vezes exclusiva, sobre a criação e Educação da criança e concluem que não possuem condição para assumir a gestação.

No Brasil, segundo o IBGE, em 37% dos lares as mulheres são chefes de família; são 52% dos desempregados; recebem apenas 68% da renda do homem e, com os cortes de verbas dos governos para os serviços públicos (creches, escolas, postos de saúde, etc.), as dificuldades ainda aumentarão.

A mulher que induz ao aborto e não tem condição de pagar uma clínica clandestina – muitas vezes reservada apenas à mulher que tem condição de pagar R$ 5mil – é também aquela que procura os hospitais do SUS para socorro e tem sido denunciada por médicos, que estão cumprindo papel de polícia. De acordo com a Revista Exame, as 33 mulheres presas em 2014 possuem um perfil: são jovens, negras e de baixa renda.

Em 2015 essa situação continua. No ABC paulista mais uma jovem foi algemada, na cama do Hospital São Bernardo, após ser denunciada pelo médico à polícia. O escracho ao médico e ao hospital realizado por feministas e organizações políticas da região é um exemplo importante da possibilidade de unidade de ação para nossa resistência.

Os números indicam que a criminalização do aborto não impede a sua realização, mas reforça a crueldade da sociedade patriarcal, alimenta a rede de clínicas clandestinas que corrompe e sustenta uma infinidade de intermediários de todos os tipos e coloca em risco a saúde e a vida de milhares de mulheres da classe trabalhadora. Além disso, ao punir somente a mulher e ignorar a existência de um homem nessa relação fortalece a irresponsabilidade masculina para abandonar um incapaz.

Nenhuma mulher defende o aborto como método contraceptivo. O que se defende é a vida da mulher. Que a mulher deixe de ter como saída o aborto clandestino. Que não precise se submeter a práticas inseguras, que matam ou deixam sequelas.

No entanto, quando uma legislação está em total descompasso com a realidade torna-se necessário se perguntar: Como e em base ao que se criam as leis em um país?

Numa sociedade que se diz democrática – mas, que não possui investimento em Educação Sexual nas escolas, que educa com práticas machistas, não adota políticas eficazes de distribuição de preservativos, métodos contraceptivos e pílulas do dia seguinte, possui uma mídia que não presta serviço mas ressalta uma sexualidade desmedida – e permite que a opinião pessoal ou a crença religiosa de deputados norteiam a legislação de um país, realmente precisa da unidade de mulheres e homens para inverter essa situação.

Contra o patriarcado o capitalismo e os governos da burguesia

Sabemos que sob o capitalismo a legislação favorece a classe dominante, mas não podemos permitir que os princípios da dignidade humana sejam garantidos apenas para essa parcela da população, com o aval de governos e sob pressão de determinadas religiões (como a Assembleia de Deus de homens como Eduardo Cunha e Feliciano) que não respeitam o Estado laico, subjugam a mulher com o corte de direitos e que se utilizem de uma questão como essa para sacrificar ainda mais a mulher da classe trabalhadora e favorecer o empresariado, o pagamento da dívida pública e seus próprios interesses pessoais.

Sempre que o sistema capitalista patriarcal entra em crise tem-se necessidade de impor, ainda mais, a subordinação da mulher para punir, reprimir, calar e garantir as condições indispensáveis para a retirada de direitos (como o direito à Licença Maternidade), para o retorno da mulher ao espaço privado, para a repressão da sexualidade e para impor a divisão da classe trabalhadora para sustentar a privação ao princípio da dignidade da pessoa humana.

E criminalizar o aborto tem sido algo que afeta a mulher em todos esses aspectos. Retira da mulher o direito de decidir colocando-a em posição desigual; obriga a mulher a assumir a maternidade e arcar com todas as consequências de forma individualizada; reforça a procriação e não o prazer como elemento básico da sexualidade; coloca a mulher em situação degradante e desumana ao não propiciar condições mínimas de saúde e obrigá-la a recorrer à clandestinidade para fazer aborto e não às condições necessárias para sua própria existência.

É necessário que todas as organizações que se declaram de esquerda, que lutam contra a imposição de uma sociedade dominada pelas forças reacionárias se coloquem em luta pela descriminalização e legalização do aborto. Não podemos aceitar que o governo federal, Dilma, os governos estaduais e municipais silenciem e compactuam com a violência imposta à mulher trabalhadora. É inadmissível que mulheres, ativistas e militantes não se somem a luta anticapitalista e antigovernista diante de situações como essa e que tem como resposta o corte de verbas públicas para o combate a violência à mulher.

Fortalecer essa luta e impor a pauta pela imediata descriminalização e legalização do aborto pela vida da mulher! Educação sexual nas escolas e nos cursos universitários de licenciatura, já! Programa imediato e intensivo de prevenção e distribuição de métodos contraceptivos em todos os órgãos de saúde e de Educação do Estado! Cassação do mandato de todxs os parlamentares que atentam contra a dignidade da pessoa humana!