Jornal 75 – O PAPEL DESTRUIDOR DO MACHISMO NA ESQUERDA
12 de fevereiro de 2015
Quanto tempo leva para mulheres se aproximarem da luta contra a opressão e pela transformação social? Quanto tempo leva para mulheres terem consciência de que o machismo está em toda parte e que deve ser combatido intensamente junto com o combate à sociedade de exploração?
Certamente levam muitos anos e poderiam ser ainda mais se não houvesse a marcação histórica de grandes lutadoras, guerreiras, mães, irmãs, camaradas, companheiras e muitos etceteras, que superaram em alguma medida a submissão, de toda forma, imposta pelo grupo familial e pelo condicionamento do processo de vida social se dispondo a lutar contra a inferiorização social, pela vida e por direitos na sociedade competitiva e desumana do capital.
A organização de mulheres em espaços públicos foi um direito negado desde os primórdios do sistema capitalista, com o impedimento dos direitos políticos. E a luta feminista se fez presente historicamente e certamente o fará até o fim da sociedade patriarcal, capitalista, machista, racista e homofóbica.
A luta pela igualdade de direitos (político, social e econômico) sempre foi a razão de existência das organizações de esquerda. E a luta para que a classe trabalhadora assuma o controle da vida social para a construção da sociedade comunista sempre foi a razão do viver de mulheres e homens que tomaram em suas mãos a luta contra as injustiças e por uma vida cheia de sentido.
No entanto, tem sido cada vez mais frequente nos depararmos com situações ou denúncias – de humilhação, de tentativa de massacre, violação, agressão (física, psíquica, etc.) e de domínio, das mais variadas formas – de determinados homens da esquerda sobre as mulheres, especialmente lutadoras. Tudo isso funciona, exatamente, em sentido oposto às nossas lutas históricas e realiza os interesses da sociedade opressora e desumana a qual almejamos destruir.
É inconcebível que organizações de Esquerda (incluem-se aqui coletivos, movimentos, partidos, entidades de classe, etc.) silenciem diante dessas situações, não combatam e contribuam para que o machismo, na própria organização, amordace, enfraqueça e faça desistir da luta, contra a opressão e contra o sistema opressor, valiosas lutadoras.
Não é verdade que paira sobre o feminismo de esquerda o romantismo e o idealismo de que os militantes ou ativistas estão imunes ao machismo. Também não é verdade que a esquerda de conjunto defenda o fim do machismo somente no socialismo. Esses discursos não cabem no debate franco e honesto de quem quer o fim da sociedade de classes, da miséria e da hipocrisia burguesa.
Lutamos pelo fim do machismo hoje porque mata mulheres todos os dias, enfraquece para a vida e tira do caminho da luta.
A PRÁTICA QUE DIVIDE E AGRIDE PARA NÃO FORTALECER
A luta por uma sociedade livre requer de nós o pé na realidade, mas, também na potencialidade. Não dá para esperar o socialismo para começarmos a desconstruir o machismo. Não aceitamos confiar vidas na luta de classes àqueles que poderão nos apunhalar pelas costas a qualquer momento, já que possuem a trajetória de compactuar com o sistema opressor. Cabe ainda a cada militante ou ativista de esquerda travar essa luta consigo próprio, já que não está imune, e não contribuir para fortalecê-lo com o aval de quem luta.
Infelizmente as denúncias ou situações de práticas machistas nos espaços de atuação da esquerda têm demonstrado algumas peculiaridades, ao invés de já terem sido abolidas:
Uma delas, podemos afirmar, está relacionada à conduta da virilidade, ou seja, da necessidade de plateia e do reconhecimento. Mantém o discurso da força, da superioridade de seu conhecimento científico, de seu raciocínio lógico e, óbvio, totalizante e, portanto, tem que ensinar a mulher a ser mulher e a como o feminismo tem que ser. Mas, quando é chamado à atenção, de imediato, diz que a mulher lutadora tem que reeducá-lo senão cumpre um desserviço à luta de classes.
Outra, é a já habitual necessidade de classificar a mulher lutadora, isto é, alguns homens preocupados em dividir a luta das mulheres se apossam de termos e os carregam de sentidos de acordo com o seu próprio momento ofensivo ou de acordo com o seu nível de preconceito. Dizem: “é feminista radical” ou “é feminazi”, “é feminista não radical”. Para alguns homens as “feministas não radicais” seriam aquelas que lutam pelos direitos das mulheres, mas pelos direitos que esses homens concordam que são os direitos das mulheres. Já as “feminazi” ou “feministas radicais”, para eles, seriam aquelas que defendem a misandria (ódio ao homem) e que buscam exterminá-los.
Mas, sabemos muito bem que, além de não ser possível um oprimido oprimir seu opressor, a intenção do feminismo não é exterminar o sexo masculino e sim desconstruir o machismo estrutural em nossa sociedade.
Essa classificação demonstra a falta de conhecimento histórico da trajetória de luta das mulheres e não tem servido em nada para fortalecer a luta das mulheres, do feminismo de esquerda e nem dos ditos “pró-feministas”.
Quanto ao termo “feminazi”, criado por um apresentador da direita radical americana, não tem nada a ver com o sentido dado atualmente: Para ele, era um termo apropriado para a feminista cuja maior importância residia na luta pelo alto número de abortos. O termo justificava a necessidade do terror contra o aborto e contra a sua legalização. Além disso, é de conhecimento geral de todo militante e ativista que conhece, minimamente, de história que o nazismo perseguiu à morte as feministas. Não cabe o termo nem para desqualificar a luta por direitos.
No entanto, é necessário esclarecer que já há anos nos deparamos com esse insistente discurso de fragmentação e que, constantemente, está associado ao discurso do fim da luta de classes. E também há anos nos definimos pelo feminismo anticapitalista, classista, antigovernista e de esquerda, ou seja, para nós, isso é ser radical: querer o fim do patriarcado, da sociedade de classes e lutar pelo socialismo em todas as esferas de nossas vidas.
Por outro lado, o termo “feminismo não radical”, para algumas de nós da esquerda, seria uma diferenciação necessária quanto ao feminismo próprio do ativismo da mulher burguesa ou reformista, pois está atrelado aos governos da burguesia ou atrelado aos governos que gerenciam o capital a favor da taxa de lucro em detrimento da vida de muitas. Faz-se de cego, age por conveniência e abre mão facilmente da luta por direitos às mulheres da classe trabalhadora.
Decerto, a militância ou o ativismo anticapitalista e classista não é fácil e, mais ainda, requer aprendizagem cotidiana na atuação prática e na busca da formação teórica na tentativa de uma práxis transformadora. Contudo, para as mulheres da classe trabalhadora é ainda mais difícil, devido a toda pressão do modo de vida capitalista (machista, racista e homofóbico), insistentemente apresentada nas organizações de esquerda e devido a toda a opressão. A participação sistemática de mulheres nas lutas é, verdadeiramente, uma provocação ao capital. Não haverá revolução política e/ou social sem que mulheres participem de sua construção. Silenciar e compactuar com situações ou querer silenciar ou excluir ou humilhar ou agredir ou estuprar qualquer mulher é contrarrevolucionário, somos pela vida da mulher e pela unidade da classe trabalhadora.
As práticas machistas vão ao sentido contrário da necessidade de humanizar o cotidiano, de negar a opressão e impede a luta. Nenhuma mulher da classe trabalhadora pode ficar para trás! Nenhuma camarada de luta ficará para trás! Solidariedade total!
FORTALECER PARA A LUTA TEM QUE SER SAÍDA
É necessário, cada vez mais, o fortalecimento do feminismo de esquerda que luta contra a sociedade da exploração e da opressão! Algum desvio de concepção por parte de alguma lutadora deve ser trabalhado de forma a fortalecer as suas potencialidades e não destruí-la. É necessário o recrudescimento às práticas machistas na esquerda e aos machistas que se apossam dos espaços da esquerda. Não contribuem com a luta contra a opressão e impõem o afastamento ou a desistência das que lutam! Machistas não passarão!
Aos militantes ou simpatizantes do Espaço Socialista que adotam tais práticas, como ocorrido recentemente, chamamos à autocrítica e a reflexão sobre a incompletude e as contradições de cada para que possamos manter as relações políticas. Que destruamos o capitalismo e fortaleçamos a luta!
Não somos burras! Não somos nazistas! Somos lutadoras! Repúdio a todos que buscam a destruição da militância ou do ativismo feminista de esquerda!