Jornal 75 – ELEIÇÕES NA GRÉCIA: FAZ FALTA UMA ESQUERDA ANTICAPITALISTA E SOCIALISTA
12 de fevereiro de 2015
Este texto é uma contribuição individual e não expressa necessariamente a posição do conjunto da organização, por isso se encontra assinado por seus autores
Daniel M. Delfino e Dalmo Duarte
O REPÚDIO À TROIKA
No dia 25/01 aconteceram eleições gerais na Grécia, antecipadas devido ao colapso do governo anterior (liderado pelo partido mais tradicional da direita, o Nova Democracia), conforme as regras do sistema parlamentarista. As eleições foram vencidas pelo partido SYRIZA (Coalizão da Esquerda Radical em grego), que elegeu 149 de um total de 300 deputados e junto com partidos menores apontarão seu líder Alexis Tsipras para o posto de primeiro ministro. A principal promessa de campanha do SYRIZA é o fim das medidas de “austeridade” que vêm sangrando o país desde a crise do euro em 2010, mais um episódio da crise mundial iniciada em 2008, e que não se encerrou na Europa.
Para poder continuar operando com o euro, o governo anterior se submeteu desde 2010 a um memorando da chamada “Troika” (União Européia, Banco Central Europeu e FMI) que impunha medidas severas como aumento de impostos e corte nos gastos públicos, retirada de direitos (redução salarial, fim da estabilidade, etc.), para que se continuasse pagando a dívida aos credores (especuladores, agiotas e banqueiros) internacionais e, assim, recuperar sua credibilidade perante o mercado internacional. Os cortes atingiram pesadamente a população trabalhadora, pois atingiram os serviços públicos, a saúde, a Educação, o pagamento de aposentadorias e pensões. Foi essa política que os eleitores gregos rejeitaram maciçamente nas urnas.
A TRAGÉDIA SOCIAL DA “AUSTERIDADE”
As medidas de “austeridade” vinham sendo implantadas pelos governos do Nova Democracia e do PASOK (Partido Social Democrata, o partido da “esquerda” tradicional), que têm se alternado no poder nas últimas décadas, sem conseguir reativar a economia. Segundo dados do FMI (http://www.imf.org/) de outubro de 2014, o PIB da Grécia está em US$ 246 bilhões, tendo se mantido praticamente estável em 2014 (crescimento de 0,6%), depois de uma sequência de quedas brutais (-3,8% em 2013, -6,9% em 2012, -7,1% em 2011, -4,9% em 2010 e -3,1% em 2009). A taxa de desemprego está em 25,7% (ou seja, ¼ da população economicamente ativa), sendo 60% entre os jovens de 18 a 25 anos. E a dívida pública está em 168,6% do PIB.
As consequências da “austeridade” e do desemprego são o aumento explosivo da pobreza nos anos recentes: “Com 1,38 milhões de pessoas no desemprego (de uma população de 11 milhões de habitantes), a pobreza tem aumentado na Grécia. Um estudo da Universidade de Atenas revela que no ano passado 14% da população viviam na pobreza, contra 2% em 2009.”(http://pt.euronews.com/2014/02/13/grecia-desemprego-e-pobreza-batem-recordes/).
A BUSCA POR UMA ALTERNATIVA POLÍTICA
Toda crise com a dimensão da grega abre imensas possibilidades para a revolução socialista. Mas esse processo não se dá sem contratempos ou sem as dúvidas por parte da classe trabalhadora a respeito de qual caminho seguir. Algumas vezes a classe segue posições de direita, outras vezes procura saídas “menos traumáticas”, como eleger partidos reformistas ou que defendem uma saída, por dentro do sistema, mudando apenas o governo. Só depois dessas experiências é que os trabalhadores seguem para o caminho da ruptura. Não é uma regra, mas é o mais comum.
No caso grego, buscaram o caminho eleitoral, pois ainda estão iludidos com a possibilidade de que o sistema capitalista vá resolver as suas demandas, entendem que o que não presta é o governo e não o próprio sistema social . Os trabalhadores acreditam que votando no Syriza terão seus empregos e seus direitos de volta.
Em que pese o papel do SYRIZA e as enormes limitações do seu programa, não podemos desconsiderar o fato de que o voto dos trabalhadores gregos foi por mudança e sinaliza uma tendência de enfrentamento com o plano da Troika e com os governos imperialistas da região.
Esse exemplo não deixa de ser um estímulo para outros países da periferia europeia, como Portugal, Espanha, Irlanda ou mesmo a Itália às voltas com os mesmos sofrimentos provocados pela “austeridade”.
A questão é que o SYRIZA (assim como as demais formações ditas “radicais” da esquerda eleitoral europeia) não irá pelo caminho da ruptura, mas buscará uma saída negociada. E mesmo esse caminho conciliatório não deve encontrar respaldo entre as potências imperialistas da região. Pelo contrário, no dia seguinte às eleições, todas as declarações foram no sentido de exigir que a Grécia cumpra o determinado pela Troika.
Além da ilusão em reformas por dentro do sistema, materializada no projeto eleitoral do SYRIZA, a classe trabalhadora grega tem ainda outros obstáculos políticos e ideológicos na luta por um projeto socialista. Um deles são as burocracias sindicais, comandadas pelo KKE (Partido Comunista grego, stalinista e como tal aferrado à colaboração de classe) e pelo PASOK. Graças ao controle dos partidos de conciliação de classe sobre as principais centrais sindicais, mais de duas dezenas de greves gerais de 24h e 48h têm sido realizadas desde 2008 sem, no entanto, avançar para um enfrentamento real e capaz de derrotar a política de “austeridade”.
Outro obstáculo é o limite programático do anarquismo, que possui grande influência entre os setores em luta na Grécia, especialmente entre os mais jovens e precarizados. A mesma obsessão do anarquismo em negar o poder político do Estado é aplicada em negar também a construção de organismos de poder operário capazes de superar o poder econômico do capital (que é, na verdade, a fonte do poder político). Esse limite programático é parte dos problemas que impedem que as grandes lutas realizadas na Grécia, desde a manifestação da crise mundial em 2008, tenham avançado para a construção de um programa anticapitalista e socialista.
O setor mais avançado da esquerda grega é o ANTARSYA (Cooperação da Esquerda Anticapitalista para a Ruptura), frente formada por 10 pequenas organizações que incluem stalinistas, maoístas, trotskystas e ecologistas, que combinam uma atuação militante (coisa que o SYRIZA não mais pratica) com a luta eleitoral (em que não ultrapassa a barreira para eleger deputados). Entretanto, algumas das suas lideranças, inclusive, chamaram voto no SYRIZA, o que não contribuiu para ajudar a classe trabalhadora a superar as ilusões eleitorais, nem para romper com as burocracias sindicais, superar seus limites programáticos e enfrentar as medidas de “austeridade” com os métodos de luta direta.
OS LIMITES DO PROGRAMA DO SYRIZA
O programa do Syriza e de seu líder Tsipras (apesar de todo o terrorismo da mídia com o fantasma do esquerdismo, ameaça aos mercados e do entusiasmo dos reformistas mundo afora) ainda se mantém nos marcos do capitalismo:
– Em relação à dívida pública: perdão de metade dos 320 bi de euros, pagar o restante em longo prazo e moratória por um período, mantendo a sujeição do país ao capital financeiro especulativo internacional;
– Medidas sociais: programa de moradia para 30 mil, atendimento médico e remédios para os desempregados, aumento do salário mínimo e a criação de 300 mil postos de trabalho;
– Medidas econômicas: sobretaxar as grandes fortunas e abolir os impostos sobre as pequenas propriedades
Como se vê, ainda que bastante avançadas e expressando uma tentativa de revigorar o “Estado de bem-estar-social”, não são propostas de solução “radical” capazes de resolver os problemas do país. Primeiro que qualquer solução de fato passaria pelo fim do capitalismo e depois que, pela própria configuração do capital em sua crise estrutural, não há mais espaço para reformas dentro do capitalismo.
A origem da crise econômica grega está na sua baixa produtividade em comparação com as demais economias da zona do euro, em especial gigantes como a Alemanha e a França. A permanência da Grécia no euro é uma ficção mantida à custa do endividamento do governo grego, já que a produtividade do país é muito inferior à da economia reguladora do bloco, a Alemanha, que assim está colonizando as demais participantes do euro. Esse endividamento, por sua vez, tem sido repassado pelo governo aos trabalhadores.
O governo do SYRIZA não será capaz de romper realmente com a “austeridade” e reverter o empobrecimento dos trabalhadores, porque para isso teria que tomar medidas realmente anticapitalistas: não pagamento da dívida pública, saída da zona do euro e fim das políticas de “austeridade”, redução da jornada sem redução dos salários, reativação dos serviços públicos, igualdade de direitos para os imigrantes, estatização das empresas que ameaçarem fechar. Ao invés de chamar voto no SYRYZA, organizar os trabalhadores em torno desse programa deveria ser a tarefa da esquerda grega.
De todo modo, as eleições são somente mais um capítulo de uma luta que está longe de terminar. Que os ventos soprem em direção à revolução socialista na Grécia.