Cuba: burocracia e o imperialismo dão novo passo para avançar na restauração capitalista
26 de dezembro de 2014
A derrota da política de bloqueio econômico
O presidente dos Estados Unidos Barack Obama e o presidente de Cuba Raul Castro anunciaram em 17 de dezembro de 2014 o início da normalização das relações diplomáticas entre os dois países. Depois de 54 anos de bloqueio contra a ilha, o governo do imperialismo mais poderoso do mundo reconheceu a derrota da política de isolamento, que não conseguiu dobrar a heróica resistência do povo cubano. As leis restritivas que impediam os negócios com Cuba começarão a ser revogadas. Durante todas essas décadas qualquer empresa ou país que fizesse negócios com Cuba estava proibida de fazer negócios com os Estados Unidos. Com isso, o imperialismo esperava asfixiar economicamente a ilha, e quase o conseguiu. A falta de intercâmbio com o resto do mundo tornou a vida em Cuba sinônimo de miséria material, falta de insumos básicos, peças para automóveis, eletrodomésticos, telecomunicações, etc.
Na década de 1990, depois que Cuba deixou de receber subsídios da União Soviética, a população encontrou ânimo para suportar as privações e manter a independência nacional, permanecendo como único pais dito “socialista” no continente. A década de 2000 trouxe algum alívio com o aporte do governo chavista da Venezuela, mesmo que não tenha chegado aos mesmos níveis da ajuda que era dada pela URSS. E mesmo com toda essa dificuldade e pobreza material, Cuba também foi sinônimo de avanço social, com a educação superior alcançando toda a população e a saúde pública formando médicos que trabalham em dezenas de países (inclusive o Brasil). Durante décadas, Cuba era o único país da América Latina sem prostituição, menores abandonados ou moradores de rua.
Na verdade, a tentativa de derrotar o regime dos irmãos Castro asfixiando economicamente o país saiu pela culatra, pois serviu como argumento para defender o governo. Durante décadas a burocracia cubana tinha uma justificativa real para toda a penúria e escassez que a população enfrentava, que era a existência do bloqueio estadunidense. E tinha as conquistas sociais na educação, saúde, esporte, como demonstração dos méritos do regime existente no país. Nesse sentido, a política de bloqueio mais ajudou a sustentar o regime burocrático castrista do que a derrotá-lo.
A disputa em torno do ritmo da restauração capitalista
Essa politica era impulsionada pelos “gusanos” (vermes, em castelhano), os burgueses cubanos exilados em Miami depois da revolução de 1959. Durante décadas este setor teve um peso desproporcional na política estadunidense em relação à Cuba, tendo como única e central exigência a recuperação das suas propriedades expropriadas pela revolução. Essa exigência deixou de ser realista, e uma nova geração de políticos estadunidenses reconheceu a derrota de tal política. O passo decisivo para que o imperialismo estadunidense mudasse a sua abordagem em relação à Cuba foi dado pela própria burocracia cubana, no VI Congresso do Partido Comunista Cubano, em 2011, que referendou uma linha de reformas de mercado.
A burocracia cubana acelerou as medidas de restauração capitalista (algumas das quais já tinha sido iniciadas na década de 1990, com a abertura na área de turismo): maior facilidade para ida e volta de cidadãos cubanos ao exterior e para o envio de dinheiro, permissão para a abertura de negócios privados, a autorização para negociação com moedas estrangeiras (que na prática legalizou o mercado negro), o estabelecimento de salários em valores diferentes, acabando com a igualdade, o arrocho e as demissões no serviço público, etc.
Com essas medidas, os interesses da burocracia cubana começam a convergir com os dos gusanos e do imperialismo: a restauração completa do capitalismo na ilha. A disputa que existe entre a burocracia e o imperialismo se dá em torno do ritmo da restauração e do controle político sobre o processo. A burocracia cubana optou por um “modelo chinês”, em que as reformas de mercado são aplicadas sem romper com a ditadura política do Partido Comunista. Com isso, querem impedir uma restauração violenta e traumática, ao estilo da URSS e leste europeu. O imperialismo, por sua vez, deseja uma abertura mais rápida e agita a bandeira da “democracia”, contra o regime de partido único e em favor de eleições.
O ponto de apoio do imperialismo é a existência de uma burguesia cubana em formação, com cerca de 500 mil proprietários de pequenos negócios, numa população de 11 milhões de habitantes. A burocracia, por sua vez, não abre mão do seu controle político e já sinalizou que a aproximação com os Estados Unidos não significa que vão abrir mão do “socialismo”. Ou seja, não vão abrir mão da ditadura do Partido Comunista. Tragicamente, “socialismo” virou sinônimo de regime de partido único e ditadura da burocracia, uma confusão que é preciso desfazer, caso se queira defender uma política que mantenha as conquistas da Revolução de 1959. Não há uma saída socialista que não passe pela organização dos trabalhadores cubanos, de maneira independente e em oposição à burocracia.
É necessária uma nova revolução
Em que pese o heroísmo do povo cubano ao enfrentar décadas de bloqueio econômico e o gigantismo das conquistas sociais da revolução num país pequeno e isolado, Cuba nunca foi socialista (e na verdade, nem a própria URSS). A Revolução de 1959, liderada pela guerrilha de Fidel e Che Guevara, tomou o poder para derrubar a ditadura de Fulgêncio Batista, que havia transformado Cuba em bordel da máfia e da burguesia estadunidenses. A falta de colaboração da burguesia cubana obrigou o governo revolucionário a nacionalizar as empresas. A nacionalização, por sua vez, os tornou inimigos dos Estados Unidos. E a hostilidade os Estados Unidos obrigou Cuba a se aproximar da União Soviética. Para receber ajuda soviética, finalmente, Cuba adotou o “modelo” stalinista de ditadura da burocracia.
Esse “detalhe” da formatação stalinista pareceu insignificante diante de pontos positivos como: a vitória da revolução a poucos quilômetros do litoral estadunidense; a derrota da invasão da Baía dos Porcos, em 1961, quando os gusanos, apoiados pela CIA, tentaram recuperar o poder; o acordo de convivência a que se chegou depois da crise dos mísseis em 1963; a frustração de todas as tentativas de assassinar Fidel ao longo de décadas; a epopéia de Che Guevara para levar a revolução a outros países, primeiro no Congo, depois na Bolívia; as conquistas da educação e da saúde públicas; etc. Esses feitos da revolução cubana transformaram Che e Fidel em mitos da esquerda latinoamericana e mundial.
Mas o fato fundamental, e que no final das contas determinou o destino da revolução, é que Cuba não avançou para um regime de democracia operária, com assembleias dos trabalhadores decidindo todas as questões e representantes com mandatos revogáveis. Ao contrário, a guerrilha se converteu em partido, o partido se fundiu ao Estado, e o Estado manteve o controle de todos os aspectos da vida, sem abertura real para que os trabalhadores decidam. A burocracia do partido reteve todo o poder político e através dele uma série de privilégios sociais, enquanto ao povo cubano restava a luta cotidiana contra a escassez. Para avançar a um regime verdadeiramente socialista, a burocracia teria que se dissolver enquanto burocracia, ou seja, abrir mão dos seus privilégios, e partilhar o poder com os trabalhadores.
A burocracia não dará esse passo. Ao contrário, está se convertendo em burguesia. Os trabalhadores cubano terão que lutar para reconstruir organismos próprios e independentes, para fazer valer seus interesses contra a burocracia, a burguesia que está germinando, os gusanos e o imperialismo.
Pelo fim da ditadura do partido e pelo direito de organização dos trabalhadores!
Contra os privilégios da burocracia!
Contra as privatizações e as medidas de restauração capitalista!
Controle operário da produção e da economia!
Pelo fim imediato de qualquer bloqueio!
Solidariedade internacional ao povo cubano!
Em defesa das conquistas sociais da revolução!