Jornal 72: A nossa luta tem que ser todo dia contra burguês, governo, conservadores e a burocracia
18 de setembro de 2014
Flávia Maria e Iraci Lacerda
O que esse cenário, que antecede as eleições, descortina da realidade brasileira em relação às mulheres, negros e LGBTs da classe trabalhadora?
É no período eleitoral que os diversos partidos buscam apresentar seus programas de governo e a burguesia, como classe dominante, faz qualquer negócio para continuar governando o país e se nutrindo da riqueza por nós produzida. E, para isso, se utiliza de preconceitos existentes, da intolerância religiosa, da falta de informação e até mesmo do genocídio de parcela da classe trabalhadora.
Sabemos, é verdade, que a opressão capitalista, a cada dia e de diversas formas, precisa desumanizar parte da sociedade para justificar o nível de exploração, mas, impressiona como em período eleitoral vários temas ligados diretamente a alguns setores da classe trabalhadora se revelam alvo de debates e demonstram o quanto o machismo, o racismo e a homofobia são necessários para manter o sistema em funcionamento e, inclusive, para a burguesia buscar perpetuar seus medíocres e hipócritas valores.
A homofobia como forma de enfraquecer a classe trabalhadora
Há alguns dias assistimos a pauta LGBT ser evidenciada. Os presidenciáveis passaram a responder, sobretudo, quanto ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Conservadores, como Marina, insistiram em se contrapor e reafirmar os valores da Família burguesa, submetida às leis da propriedade privada e da herança, isto é, casamento como sinônimo de sexo para procriar e ter herdeiros.
No entanto, nenhum partido tem apresentado uma proposta de programa capaz de, sequer, minimizar: o número de assassinatos (a cada 28 horas um homossexual morre no Brasil); o sofrimento de LGBTs da classe trabalhadora (jovens e da periferia) no mercado de trabalho e nas escolas; e os problemas causados para aquisição de nome social, união civil, etc. Questões básicas para sobrevivência numa sociedade como a nossa. E até o enfrentamento a questões como a proibição da distribuição do material pedagógico chamado de “kit anti-homofobia” foi relegado, enquanto que a tal “cura gay” tem sido propalada na imprensa e nas redes sociais.
É exatamente no dia a dia das periferias que essas questões se apresentam com o maior furor. É nos bairros pobres que a juventude LGBT compreende desde cedo o quão duro são o preconceito nas escolas, o desemprego e a conquista de direitos como o de realização de sua própria sexualidade. É a partir daí, que na busca por outros espaços também se depara com a homofobia impregnada no capitalismo e bastante visualizada durante esse processo eleitoral.
A população negra como alvo do genocídio
Para a população negra da classe trabalhadora não tem sido diferente. Além do número de assassinatos (representa 53,4% dos homicídios no Brasil, o que coloca o país como genocida), da diferença salarial, da falta de aplicação da política de cotas proporcionais (no mercado de trabalho, universidades, escolas técnicas, etc.) são constantes os casos de racismo noticiados pela imprensa burguesa e denunciados pelas redes sociais. No entanto, não encontramos casos de prisões por racismo. Quando muito, converte-se em injúria, paga-se fiança e tudo continua como antes.
E é nas periferias que o próprio Estado demonstra o quanto o racismo cotidiano extermina negros e negras. Somente no primeiro semestre de 2014, em São Paulo (governado a mais de 20 anos pelo partido de Alckmin, Aécio Neves e Cia.), a Polícia Militar matou 62% a mais que o ano anterior e nas regiões mais pobres, onde a maioria da população é negra. Enquanto isso, esses partidos da burguesia insistem, nos programas de governo, que para diminuir a criminalidade há necessidade de reduzir a maioridade penal e aumentar o tempo do adolescente infrator na prisão. Por essa lógica se justifica o número de assassinatos da população negra e a não aplicação da lei que tipifica o racismo como crime inafiançável.
Mas, não é novidade que Dilma, para sustentar seu governo da burguesia, negociou com entidades do Movimento Sindical e organizações dos Movimentos Sociais para que as lutas fossem freadas, mesmo diante de realidade como essa. Calar diante dos números oficiais de assassinatos de negros e negras é compactuar com o crime, pois o racismo, além da relação de opressão é também essa reprodução de relações sociais e econômicas que sustentam a desigualdade.
O fim do genocídio, a luta por salário igual, cotas proporcionais no mercado de trabalho e nos estudos e por impor um reconhecimento humano da população negra são formas de coibir a desumanização tão necessária para a intensificação da exploração da classe da trabalhadora também necessária ao capitalismo em crise, coisa que nenhum partido burguês permitirá.
O machismo como forma de controlar a mulher trabalhadora
Outro tema recorrente e que evidencia o papel das eleições para o fortalecimento dos valores burgueses é o aborto. Nenhum partido burguês apresenta proposta para que a mulher deixe de correr o risco de ser presa ou de morrer pela prática do aborto clandestino, muito pelo contrário, a insistência vai ao sentido de obrigar a mulher trabalhadora a ter a criança, independente de ser indesejável ou resultado de estupro.
O importante é manter a tutela sobre o corpo da mulher trabalhadora com o discurso de garantir vida ao feto, mesmo que mulheres pobres continuem morrendo (a cada 2 dias uma brasileira morre por aborto inseguro). O aborto sempre existiu e o que nos interessa não é fazer apologia ou defendê-lo como método contraceptivo, muitos já existem por aí. O que não se pode aceitar é que o Estado subscreva a omissão de socorro, a denúncia via médicos, o número de mortes e a criminalização de mulheres por uma decisão que diz respeito a seu próprio corpo.
Essa questão é uma das maiores demonstrações do quanto o Estado burguês reproduz o machismo. Enquanto a mulher passa por tudo isso, o homem, também responsável direto por essa situação, segue ileso.
E de tempos em tempos nos deparamos com denúncias sensacionalistas de clínicas clandestinas. Nos últimos dias vimos o caso de Jandira no Rio de Janeiro. Evidencia-se o desaparecimento, questiona-se a existência da clínica clandestina, mas, em nenhum momento a conclusão é a de que se a mulher fosse amparada quando decidisse por algo que diz respeito à sua vida e ao seu corpo situações como essa não existiriam.
A descriminalização e legalização do aborto (1 milhão por ano) é uma necessidade da mulher trabalhadora mas não da mulher burguesa (muito bem assistida em casos como esse) e não deveria depender de programas de governo ou de bancadas, essa é mais uma demonstração de como a democracia burguesa é democrática para a burguesia.
Unidade na luta cotidiana contra todas as formas de opressão e exploração
Diante de situações como essas e temas como esses – casamento civil homo afetivo, redução da maioridade penal e aborto – podemos reafirmar que as eleições não mudam a vida da classe trabalhadora, muito menos de sua parcela mais explorada. E ainda são utilizadas, pela burguesia, seus partidos, candidatos e imprensa para buscar perpetuar seus valores.
Qualquer governo burguês ou que sustente a burguesia (PSDB, PT, PSB, PV) jamais resolverá os problemas que afligem o dia a dia da classe trabalhadora, pois mantém esses problemas em troca da corrupção, do favorecimento de uns poucos e das vantagens para a intensificação da exploração.
Por outro lado, os partidos que buscam falar em nome da classe trabalhadora (PSOL, PSTU e PCB), embora defendam bandeiras importantes, capitulam diante das ilusões ao parlamento burguês e, em muitos momentos, criam a ideia de que falta apenas vontade política para que toda essa situação mude. É dever de qualquer pessoa que lute pela transformação social desmascarar o sistema de exploração e suas instituições. E é obrigação organizar e fortalecer a luta direta. Sem tomarmos às ruas jamais parlamento e governo burgueses cederão a algumas necessidades da classe trabalhadora, muito menos às necessidades da parcela mais explorada.
E com esse número de assassinatos e mortes de homossexuais, negros e mulheres da classe trabalhadora não é difícil entender o quanto é necessária a radicalização das lutas e o quanto temos vivido, em alguns estados, o estado de exceção (que, dentre outras coisas, dá maior poder à polícia para intensificar a repressão) para garantir que nem as leis, tidas como democráticas, sejam cumpridas como a de direito à manifestação.
A organização e a luta cotidiana da parcela mais explorada em unidade com toda a classe trabalhadora é tarefa das organizações de esquerda que acreditam na transformação social e na consciência e solidariedade de classe, mas, ainda, pouco assumem nos bairros, periferias, escolas e locais de trabalho essa dura batalha.
Radicalizar as lutas para o enfrentamento cotidiano contra os que buscam conservar esse funcionamento desigual da sociedade, a miséria capitalista e os valores burgueses é construção diária com a classe trabalhadora e em unidade de ação entre setores antigovernistas, anticapitalistas e não-burocráticos e não pode se dar apenas em período eleitoral ou nas disputas por cargos. Para derrotarmos essa forma de funcionamento social, econômico e político, que nos divide para melhor nos subjugar e explorar, se faz urgente o enfrentamento também dessa democracia, que é burguesa e que somente existe para burguês.