Jornal 70: Lutas, contra-ofensiva burguesa e unidade da esquerda contra a repressão
22 de julho de 2014
O maior ascenso desde os anos 80
Termina o primeiro semestre e com ele um ciclo de lutas, mobilizações, passeatas. Foi o maior ascenso protagonizado pela classe trabalhadora desde os fins dos anos 80. A entrada de setores do proletariado na cena política nacional, sem dúvida, trouxe um novo ânimo e um salto de qualidade em relação ao processo de mobilização do ano passado.
A greve dos garis do Rio de Janeiro no Carnaval pode ser eleita como o símbolo dessas lutas porque enfrentou o prefeito, o judiciário e até a diretoria do sindicato que deveria ser quem encaminhasse a luta, mas estava ao lado da prefeitura.
A partir desse exemplo, de que lutando se consegue, muitas categorias se animaram e saíram à luta.
Foram greves que mobilizaram setores importantes do proletariado brasileiro, principalmente motoristas, metalúrgicos e trabalhadores da construção civil. Outras características dessas greves foram a participação de mais trabalhadores de empresas privadas e que também se estenderam por todo o território nacional, diferente do período anterior que se concentravam no eixo sul-sudeste.
As lições desses conflitos
Lutas como essas deixam ensinamentos importantes para todos nós. Por isso é importante refletir sobre eles.
O primeiro elemento que nos parece importante destacar é que essas lutas expressam o início da ruptura com o governo Dilma e com o PT. Significa o fim da ilusão de que esse governo possa fazer algo para os trabalhadores. Ainda muito confuso e contraditório, mas bastante positivo.
Essa ruptura pode ser identificada não só nessas lutas, mas em um processo mais geral que ocorre também na base de categorias importantes, como metalúrgicos, bancários e professores.
É uma ruptura incompleta: Primeiro, porque é só pela negativa e não é acompanhada da construção de uma alternativa. Segundo, que muitas vezes se expressa de forma despolitizada e abre espaço para a direita capitalizar ou avançar, como as pesquisas eleitorais expressam.
Os próximos acontecimentos da luta de classes é que determinarão a dinâmica dessa experiência. Em um cenário de mais lutas as chances desse processo de rupturas ir à esquerda aumentam, ao contrário, se as lutas cessam a direita leva vantagem. De todo modo, reconhecer a existência desse processo abre possibilidades de darmos uma batalha política e ideológica junto à classe trabalhadora.
Sindicalmente, esse processo de ruptura tem elementos mais importantes, pois ocorre com ações práticas da classe. Greves acontecem à revelia das direções sindicais oficiais. Algumas, inclusive, quando os acordos das campanhas salariais já estavam assinados entre sindicatos oficiais e patronais, ou seja, ocorreram apesar das direções sindicais.
Essa onda de greves teve outro elemento interessante: a volta dos piquetes com participação de trabalhadores da base das categorias. O piquete sempre foi um instrumento importante na construção das lutas, pois é a forma de os trabalhadores apresentaram para os demais a posição dos órgãos deliberativos, como as assembleias. Os piquetes são a afirmação da disciplina da classe trabalhadora para enfrentar a patronal.
Mas, na tentativa de desmontar as greves a patronal apela ao direito de furar greve, ao direito daqueles que não concordam com a greve de irem trabalhar e todo tipo de discurso falacioso para dividir a classe trabalhadora. Por isso a patronal e os governos tem tanto medo desse tipo de ação.
Esses ingredientes, pela primeira vez em muitos anos, abrem possibilidades imensas para nós, socialistas, nos firmarmos no cenário político do país. Mas, para isso, é preciso uma política que dê organicidade a esse processo e possa se desenvolver em direção a posições de esquerda.
Como já dissemos antes é um processo que ainda está em desenvolvimento, com muitas desigualdades e contradições, e não está consolidado. Como a consciência política oscila muito e o governo – principalmente com o seu braço sindical – faz a disputa por essa consciência, não está descartado o retrocesso. Portanto, precisamos fazer tudo o que está em nosso em nosso alcance para avançar nesse processo de rupturas em favor da classe trabalhadora.
A burguesia inicia uma contra ofensiva política…
Historicamente a burguesia brasileira sempre se mostrou muito hábil em enfrentar o proletariado. Há que reconhecermos as suas habilidades em construir mecanismos para manter-se no poder. E dessa vez não está sendo diferente com o PT no poder. Isto é, parte importante do movimento sindical segue sob seu controle e dessa forma consegue bloquear o movimento do proletariado industrial.
Também com o início da Copa do Mundo a máquina de propaganda (“Copa das Copas”) com a colaboração da grande mídia conseguiu reverter parcialmente o descrédito e a contrariedade com os gastos priorizados para o evento.
Esses elementos possibilitaram a articulação das forças repressivas do Estado (polícias militares e aparato judiciário), em escala nacional, para reprimir os movimentos dos trabalhadores: Julgando greves ilegais e impondo multas pesadas contra os sindicatos dos Metroviários, dos Técnicos das universidades e dos institutos federais. No caso dos metroviários, impôs 42 demissões e atingiu parte importante da vanguarda que construiu a greve e os piquetes.
O governo Dilma também conseguiu impor a judicialização da greve das universidades e institutos federais. O STJ determinou a volta ao trabalho e a imposição de multa de R$ 200 mil aos sindicatos. No Rio de Janeiro, o prefeito Eduardo Paes, além de cortar salário dos grevistas, abriu processo de demissão contra vários deles.
…Mas a luta ainda não acabou
Essa forte contra-ofensiva, embora tenha efeitos conjunturais, ainda não altera a situação política iniciada em junho do ano passado. As derrotas ainda estão localizadas em categorias. Na maioria das lutas os trabalhadores obtiveram vitórias relativas (aumento salarial pouco acima da inflação, aumento do valor do vale alimentação, etc.), como a construção civil de Fortaleza e de Cubatão e Metroviários de Brasília.
As ocupações urbanas lideradas pelo MTST foram capazes de, parcialmente, impor a pauta da reforma urbana e da moradia popular com a construção de 2600 moradias na ocupação “Copa do povo” e a inclusão de mecanismos no Plano Diretor de São Paulo que possibilitam regularizar outras ocupações, como a Nova Palestina, na Zona Sul de São Paulo.
As campanhas salariais (Bancários, Correios e Petroleiros), que ocorrerão no segundo semestre, são importantes porque podem virar o jogo para a classe trabalhadora. São categorias nacionais que enfrentam diretamente o governo federal.
Considerando todo esse quadro torna-se fundamental a luta pela unificação dessas campanhas salariais, transformando-as em campanhas políticas capazes de buscar apoio e solidariedade dos demais trabalhadores.
Sabemos também que essas categorias enfrentarão adversidades, pois com o processo eleitoral de outubro a burguesia e a burocracia petista/cutista vão procurar minar e estancar as mobilizações para não “contaminar” as eleições. Sabem que se as lutas radicalizam os trabalhadores poderão estar mais críticos nas eleições. Das centrais sindicais pelegas nada podemos esperar, pois estão comprometidas com o projeto do grande capital, fazem de tudo para não perderem “a boquinha” e permanecem fiéis a burguesia.
Outra dificuldade é que mesmo a esquerda desloca boa parte de suas forças para a campanha eleitoral e, muitas vezes, se envolve mais com as eleições do que com as lutas.
Mais uma vez faltou iniciativa a CSP-Conlutas
O mês de maio e o início de junho foi o período de maior efervescência das lutas com várias categorias em greve como rodoviários, metroviários, construção civil, professores de várias cidades e várias categorias do funcionalismo público federal.
Também as pesquisas indicavam queda da popularidade de Dilma, o questionamento sobre a realização da Copa era grande, enfim, haviam vários fatores favorecendo as lutas.
Naquele momento, depois de muitos anos, havia a possibilidade – e a necessidade – de unificar essas lutas, transformando-as em uma paralisação nacional e com possibilidade de greve geral dada a importância das categorias em luta, especialmente de transporte público.
Mas, de novo, a direção majoritária da central – PSTU – não teve a necessária ousadia para liderar essas lutas e se limitou a intervir em algumas categorias. Sua política foi a de fazer chamado às demais centrais sindicais para a construção da greve geral. Chamado inútil, pois até o mais ingênuo militante sabe que a CUT não vai mover um dedo para fazer algo que desgaste o governo Dilma.
Na luta de classes há momentos específicos para adotar uma política, perdê-los pode ter consequências danosas ao movimento. A luta pela recomposição do movimento exige, das correntes de esquerda, principalmente das maiores, ações práticas que possam servir de referência ao conjunto da classe trabalhadora. E, mais uma vez, a Central não passou à prova dos acontecimentos. Já nas jornadas de junho do ano passado a direção da Central ficou assistindo, imóvel, aos grandiosos acontecimentos e não adotou medidas ou uma política consequente para se colocar como referência e alternativa ao movimento.
Por fóruns de luta e de lutadores
O aumento das lutas, a crise econômica e o esgotamento de um ciclo econômico (que conseguiu mediar os efeitos da crise no Brasil e adiar as suas contradições) criam um ambiente perigoso para as forças do capital devido ao potencial criativo gerado por essa conjuntura política.
Como os governos estão a serviço do capital e, portanto, não podem atender as reivindicações populares (as demandas de junho por transporte, saúde e Educação públicas e de qualidade) buscam derrotar as mobilizações para frear novas lutas.
Vivemos, principalmente em São Paulo, um momento de ofensiva das forças repressivas contra os movimentos sociais. A polícia mobiliza contingentes muito maiores para as manifestações, adota medidas, que na prática, proíbem passeatas e manifestações e conta com total apoio do judiciário paulista, que desenvolveu plantões judiciários (sempre ágeis para confirmar os flagrantes forjados e permitir as prisões provisórias). Medidas típicas de regimes ditatoriais.
A repressão na atual etapa evoluiu do aparato militar e envolveu outros órgãos do Estado, como o Ministério Público e o Judiciário. A prisão de dois ativistas (Fábio Hirano e Rafael Marques), abertura de inquéritos policiais contra militantes e a dureza contra a greve dos metroviários (greve tida como ilegal, demissões e multa ao sindicato) são fatos para que nos preocupemos ainda mais.
É um momento muito particular da correlação de forças entre os trabalhadores e a burguesia, com sérias consequências para as lutas em geral e para os militantes em especial. É preciso uma resposta das organizações dos trabalhadores contra a escalada da repressão.
Compreendemos que essa resposta passa pela constituição de fóruns e ações de luta unificados contra a repressão (pela denúncia e exigência da libertação dos presos políticos, pelo fim dos inquéritos policiais, pelo direito democrático de manifestação e a readmissão dos metroviários).
Não é cabível que cada ativista, entidade e organização façam atividades de forma descoordenada do resto do movimento. A conjuntura indica que, cada vez mais, o isolamento terá como consequência atividades individualizadas e esvaziadas e dessa forma não conseguiremos a força necessária para reverter o atual quadro adverso.
Precisamos urgentemente construir fóruns capazes de unificar as diversas lutas, movimentos e organizações. Nesses fóruns poderemos concentrar força e decidir a tática. Também poderemos garantir minimamente a cautela, segurança e apoio aos nossos ativistas e militantes perseguidos ou presos. Se em qualquer situação a unidade da esquerda é importante, nos momentos de contra ofensiva das forças burguesas, ela é imprescindível.