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Jornal 70: Água vai dar lucro, nem que pra isso faça falta!!


22 de julho de 2014

 Nas últimas 5 décadas, a lógica de produção de mercadorias se desenvolveu a tal ponto que se tornou capaz de integrar todas as forças produtivas do globo terrestre. Riquezas naturais, mão de obra e mercados consumidores de todos os cantos do mundo são processados para justificar sua existência conforme sua capacidade de gerar lucro. Tudo é, ou está em vias de se transformar em alguma forma de mercadoria a ser ofertada e consumida no mercado mundial. Todas as fronteiras possíveis para a expansão do capital foram atingidas, uma vez que o sistema capitalista tornou-se mundialmente integrado. E é exatamente devido a tamanho desenvolvimento que o capitalismo necessita agregar valor econômico a todas as esferas de reprodução da vida humana, e nesse contexto, os recursos hídricos, os tratamentos de água e esgoto significam enorme oportunidade de negócios e potencial impulsionador da relação capital.

Atribuir responsabilidades às seguidas Gestões Tucanas significa entender o quanto esses governos se empenharam em tentar construir alternativas rentáveis ao capital, a ponto de transformar um recurso extremamente necessário à vida em rentável mercadoria. Significa também entender que é exatamente essa “responsabilidade tucana” sua maior qualidade enquanto gerente do capital e, portanto, qualquer partido que se proponha a representar a necessidade de encontrar meios capazes de realizar a reprodução do capital se empenhará em continuar avançando sobre todas as esferas da vida, sobre os recursos naturais, sobre a água.

 

Uma breve história do caso do Estado de São Paulo e seus recursos hídricos

A SABESP é resultado da fusão de 06 empresas (Comasp, Sanesp, SAEC, FESB, SBS e Sanevale) em 1973 para planejar executar e operar serviços de saneamento em todo estado. Vivíamos em plena Ditadura Militar, com AI-5, prisões, torturas e intervenções militares nos sindicatos. Era também a época do Milagre Econômico custeado pelo endividamento externo e pela utilização de recursos dos trabalhadores para financiar obras de habitação popular e saneamento.

A SABESP surge através do Plano Nacional de Saneamento – PLANASA – patrocinado pelo Governo Militar, que financiava investimentos de capital e auxiliava no desenvolvimento de companhias estaduais de água e esgotos com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Em 1995, a onda neoliberal que varria o mundo pós União Soviética propagandeando o livre mercado e privatizações marcou o início da “Era Tucana” e do lucrativo processo de entrega dos recursos hídricos paulistas ao capital privado. Foi assim que em abril de 1995 a multinacional francesa Suez-Lyonaise des Eaux, em consórcio com a brasileira CBPO, obteve a concessão para explorar os serviços de saneamento da cidade de Limeira/SP. Em 2002, a SABESP negociou ações diretamente na Bolsa de Valores de São Paulo e Nova York.

A distribuição das ações da SABESP no mercado mobiliário significou um importante passo a serviço do capital e de sua lógica em transformar recursos naturais em mercadorias lucrativas. Para seguir distribuindo lucros aos investidores, a SABESP foi dirigida na lógica empresarial de investir o mínimo e obter rentabilidade máxima. Em 2013, a lucratividade foi praticamente a mesma de 2012, ou seja, R$ 1,9 bilhões, enquanto os custos operacionais foram reduzidos em 5,8% (http://www.valor.com.br/empresas/3499346/sabesp-tem-lucro-de-r-19-bilhao-em-2013). Se entendermos a lógica do lucro, fica fácil entender a razão porque, não obstante a alta lucratividade alcançada na cobrança das contas dos consumidores, isso não significa redução no desperdício de 31,2% da água potável devido a vazamentos na rede subterrânea com mais de 30 anos de uso (http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/tubulacao-velha-causa-desperdicio-de-agua-em-sp).

Embora a SABESP não seja a responsável pela distribuição de água em todo o estado de São Paulo, devido à existência de empresas municipais de saneamento, a mesma lógica do lucro dos sucessivos governos paulistas explica porque o conjunto de mananciais e reservas hídricas implantadas na década de 80 ainda são as mesmas, mas a população, que em 1985 era de 27,7 milhões atualmente é de 42,3 milhões.

 

O racionamento da água não é “privilégio” de São Paulo

Apesar de a situação dos recursos hídricos paulista ser desesperadora, ela é só uma gota no oceano de incertezas por qual passa a humanidade em seu atual estágio de desenvolvimento. Atualmente, 1,2 bilhão de pessoas (35% da população mundial) não têm acesso a água tratada. 1,8 bilhão de pessoas (43% da população mundial) não contam com serviços adequados de saneamento básico e dez milhões de pessoas morrem anualmente em decorrência de doenças intestinais transmitidas pela água (http://www.cetesb.sp.gov.br/agua/%C3%81guas-Superficiais/37-O-Problema-da-Escassez-de-%C3%81gua–no-Mundo).

O capitalismo, por ter alcançado todos os limites externos quanto às possibilidades de desenvolvimento, necessita mercantilizar todas as esferas da vida e de seus pressupostos de desenvolvimento para garantir as taxas de lucro. Nesse sentido, o mais famoso defensor da privatização da água é o presidente do grupo Nestlé desde 2005, Peter Brabeck-Letmathe, que investiu 8% de seu capital em 2011, totalizando aproximadamente 68,5 bilhões de euros, no comércio mundial de água engarrafada. Para representantes do capital como ele, a “água não é um direito humano básico e deveria ser tratada como qualquer outro bem alimentício e ter um valor de mercado estabelecido pela lei de oferta e procura” (https://www.youtube.com/watch?v=5a8qzsM9Kqg).

A solução que a humanidade precisa vai muito além da simples estatização ou planificação dos recursos naturais pelos estados nacionais. Embora a nacionalização, estatização e a planificação do uso da água sejam também etapas do controle coletivo sobre as forças produtivas, a solução necessariamente depende de que a única classe capaz de produzir riqueza, seja também capaz de se apropriar dos meios de produção e pô-los a serviço das necessidades humanas.

Essa é a enorme tarefa histórica da enorme e diversa classe trabalhadora do século XXI!