Ucrânia: contra o fascismo e o imperialismo é preciso reinventar a utopia (“Todo poder à classe trabalhadora”)
5 de março de 2014
A rejeição em 21 novembro do ano passado, por parte de Victor Yanukovich (ex-presidente), de um acordo com a UE – União Europeia – para introduzir de forma profunda os laços econômicos e políticos e incorporar a Ucrânia no livre-comércio com o imperialismo europeu foi o estopim para os protestos e início dos confrontos no país.
Tal acordo também tinha como proposta estabelecer obrigações que delimitariam as relações econômicas com a vizinha Rússia. Em outras palavras, para fortalecer os laços econômicos com a UE, a Ucrânia deveria romper definitivamente com Moscou mesmo com uma economia que ainda traz laços de continuidade com a herança dos tempos da ex-União Soviética e, por outro lado, suspender a recusa de adesão à UE na condição de membro não pleno. Não havia nada certo para a resolução dos problemas que a Ucrânia vem enfrentando desde a dissolução da ex-URSS em 1991 e a conquista de sua independência.
Em quase duas décadas e meia de independência, a Ucrânia vem vivendo uma feroz investida por parte do capital estrangeiro com empréstimos e investimentos que resultam numa gorda dívida externa para com o imperialismo europeu. O país depende do gás natural importado da Rússia, consumindo 800 bilhões de metros cúbicos por ano e, apesar da redução do preço de US$ 400 no final de 2013 (por 1.000 metros cúbicos de gás) para US$ 268, essa dependência segue prejudicando o desenvolvimento da indústria nacional. A necessidade do gás para indústria e também para aquecimento térmico nas residências no período de rigoroso inverno consequentemente fez a Ucrânia se endividar cada vez mais. Por outro lado, 60% do gás que a Rússia transporta para a Europa passa pelo território da Ucrânia, incluindo as rotas para Alemanha e Itália.
A Ucrânia se viu assim esmagada pela pressão de duas forças opostas, a que a prende à Rússia e a que busca aproximá-la da UE. Os empréstimos chegam a 10 U$$ bilhões referentes à dívida externa, com vencimento para o final de 2014, e levaram a burguesia ucraniana a se afinar cada vez mais com o imperialismo europeu. Essa posição entrou em choque com a política entreguista pró-Rússia do agora ex-presidente Victor Yanukovich, que decidiu na última hora rejeitar os acordos de integração à UE.
No mês de novembro do no passado os protestos tiveram seu ápice entre os dias 21 e 24, quando milhares de ucranianos, em sua maioria, jovens, saíram às ruas e ocuparam prédios públicos, se concentrando principalmente na Praça Maidan (centro dos protestos em Kiev), capital da Ucrânia. A resposta imediata do governo russo, logo no dia 17 de dezembro, foi uma intervenção direta da Rússia, cristalizada num acordo que transferiu US$ 15 bilhões de Moscou para os cofres em Kiev. Esse aporte, na forma de títulos do governo, implicou de forma direta na diminuição do preço do gás de origem russa consumido no país.
No mês de janeiro (16/01) o governo ucraniano ratificou um pacote de caráter antiprotesto, impelindo uma intensa repressão, delimitando a liberdade de impressa, manifestações, reunião, inclusive, com o suporte das operadoras de celular usadas como um instrumento de controle do governo, identificando manifestantes e advertindo através de mensagens em seus celulares: “Você foi identificado como participante de tumultos de massa”. Nas noites dos dias 21 e 22 de janeiro milhares de manifestantes responderam a esse pacote antiprotesto, saíram às ruas e travaram intenso confronto com a polícia, o que gerou centenas de feridos e, pelo menos, três manifestantes mortos, atingidos pelos franco-atiradores do governo.
Como resposta à política repressiva do governo, as manifestações ganharam mais força, aumentaram massivamente o número de pessoas, radicalizaram suas ações e ganharam crescente legitimidade frente ao contra-ataque repressivo do governo. Em fevereiro, em especial, entre os dias 18 e 20 houveram pesados confrontos com a polícia, deixaram cerca de 86 pessoas mortas na Praça Independência e suas proximidades. Em 21 de fevereiro foi anunciado um acordo entre governo e a oposição para dar um fim aos protestos. Um dia após (22/02) o acordo, a oposição anunciou que o presidente Viktor Yanukovych se encontrava desaparecido e abandonado a Capital, Kiev.
Nesses três meses de protestos a força da oposição se materializou intensamente no coro dos milhares de jovens ucranianos que sonham com um “padrão de vida europeu” e com essa esperança têm impulsionado os protestos no país.
A representação burguesa pró-imperialismo na Rada Suprema (parlamento) tem suas expressões no partido UDAR (Aliança Democrática Ucraniana Pela Reforma), que tem na figura do ex-boxeador Vitali Klitschko sua principal figura pública. O partido pró-UE A PÁTRIA da ex-primeira ministra Julia Timoschenko atualmente liderado por Arseniy Yatsenyuk e Alexandr Turchinov, esse segundo nomeado na noite desta quarta-feira (26/02) presidente interino, governa o país até a realização da eleição presidencial antecipada para 25 de maio depois da derrubada de Victor Yanukovich.
Essa oposição também conta com a presença do partido ultranacionalista de orientação fascista “Svoboda” (Liberdade) que tem como maior representante Oleh Tyahnybo no parlamento. Já o KPU (Partido Comunista da Ucrânia) que deveria representar uma terceira via comunista ao maniqueísmo Pró-Rússia (versus) Pró-UE, embora tenha discursos de “esquerda”, conta com um pequeno corpo de deputados que sempre votam na posição pró-russa. Até aqui, a vitória da oposição parece advertir o convívio com a nova configuração da política no país.
Entretanto, a vitória da oposição em Kiev está longe da resolução dos problemas da Ucrânia e de forma alguma significou o “retorno à normalidade”. Nem toda Ucrânia se alinha com essa direção. Por diversas cidades bandeiras separatistas contrárias ao sentimento russofóbico da oposição se ergueram, sobretudo, na Criméia. Alarga-se o risco da divisão entre a ala nacionalista e pró-Europa no Oeste e, por outro lado, o sudeste mantém-se saudosista ao tempo que o país compunha à ex-URSS. Os ucranianos que habitam as regiões da Criméia, Kharkov, Donetsk (representam 17% da população) advertem que não aceitarão as novas autoridades de Kiev. Milhares de ucranianos na Criméia realizaram uma grande manifestação contra a ascensão da oposição em Kiev, entrando em confronto com manifestantes rivais pró-Europa. Os edifícios do governo, entre eles, o parlamento local e a sede do gabinete dos ministros, foram ocupados por manifestantes pró-Rússia.
Para compreender o que está em jogo na Ucrânia torna-se necessário decifrar o labirinto de mistificação política que leva da intenção dos manifestantes ao golpe da ultradireita patrocinado por forças da economia e política externa ocidental, em particular, EUA e União Europeia. Os líderes da “oposição” ao governo Yanukovich se aproveitaram de uma série de elementos concretos de colapso econômico – com moeda desvalorizada 10% em relação ao euro; salários inferiores a 200 euros mensais no oeste do país; necessidade de 35 bilhões de dólares até o final de 2015 para evitar a moratória; comunicado da Standard & Poor’s (a agência de notação de risco) de que classificação de risco do país seria reduzida para quatro níveis acima da nota D, atribuição usada para aqueles países que não podem cumprir suas obrigações – como uma possibilidade de derrubar o governo, contando com o apoio financeiro do imperialismo alemão, dos líderes da UE, do imperialismo ianque e a revolta justificada do povo ucraniano.
Uma questão geoestratégica estadunidense
Os últimos acontecimentos na Ucrânia vão além de uma disputa político-econômica entre EUA e RUSSIA sobre a opção que fará o país. Trata-se na verdade de um ataque direto dos EUA contra a Ucrânia e Rússia. Os EUA vêm apoiando o golpe de Estado no país contra o governo liberal de Victor Yanukovich, que se negou fechar um inconveniente acordo econômico com a UE. Washington se posicionou fortemente ao lado da oposição, em dezembro, ainda no início das manifestações, quando representantes do establishment estadunidense, como John McCain e Victoria Nuland, apareceram em Maidan apoiando os manifestantes.
Os interesses da geopolítica dos EUA levaram o país a assumir o financiamento e armamento dos grupos Jihadistas contrários à Bashar Al-Assad na Síria, um governo que se recusou a se afinar com os EUA e Israel. Recordemos os mujahidins do Afeganistão, que depois da expulsão das tropas soviéticas em 1989 se converteram na Al-Qaeda, defendem um conservadorismo ideológico extremo, foram criados e mantidos financeiramente pelos EUA. Também, evidentemente, existe a inquietante situação da Líbia.
Em uma tentativa de tirar a Ucrânia da esfera de influência russa há uma aliança EUA-UE-OTAN e essa não é a primeira vez que americanos utilizam forças ultraconservadoras, como os fascistas ucranianos. A Ucrânia é uma parte fundamental do quebra-cabeça geoestratégico de Washington, pois através da intervenção no país, Washington se coloca na ofensiva contra a Rússia, contornando o país pelo oeste e sudoeste.
Há uma tendência nas análises atuais dessas questões, que tem como foco a Ucrânia, em assistir o presente com a ótica de um filme antigo, compreendendo os fatos atuais como um espectro da “new guerra fria”. De modo bem diferente do que foi no passado, hoje, os EUA podem interferir nas questões internas da Síria, Iraque, Afeganistão, Egito, Sudão do Sul e Ucrânia, entre inúmeros outros países, e em paralelo a isso assegurar de modo coexistente duas guerras (Afeganistão e Iraque) por quase 10 anos. Enquanto a Rússia, nem consegue firmar laços com sua vizinha, Ucrânia. Kiev, a capital da Ucrânia fica a mais ou menos 750 KM da capital Russa, Moscou. E, do modo similar, a distância que separa a sede do poder russo da fronteira ucraniana-russa é de 550 KM.
Desse modo, o controle sobre a Ucrânia dá acesso às planícies ao sul de Moscou. E isso significa que um ataque à Ucrânia é necessariamente, do ponto de vista geoestratégico, um ataque direto à Rússia. Do ponto de vista bélico, os EUA têm mais de 800 bases navais por todo planeta, podendo locomover suas frentes militares para onde (e quando) quiserem. Diferente da Rússia, que atualmente tem apenas uma base naval ultramar, na Síria.
Entretanto, após décadas de profundo silêncio sobre a expansão de suas bases navais, com o intuito de se reposicionar no cenário geoestratégico atual, o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Choigu, anunciou nesta quara-feira (26-02) o planejamento de instalações militares em países como Cuba, Nicarágua, Venezuela, Vietnã, Ilhas Seychelles e Cingapura. Com os problemas financeiros enfrentados pelos russos em 2002, o país fechou duas das poucas bases navais que tinha ativa no Vietnã e outra em Cuba. Enquanto os americanos têm um forte potencia naval. Rússia (e em tabela, China) tem um forte potencial militar terrestre.
A partir desse breve exemplo, tornar-se difícil acreditarmos que os EUA e Rússia estão competindo entre si para conseguir áreas de influência ao redor do planeta, (como acontecia no período de Guerra Fria) como se os dois países estivessem em pé de igualdade, em que pese o poder militar, ideológico, cultural e econômico. Diferente dos EUA, a Rússia não tem um terço das bases militares ao redor do mundo e nem de longe se equipara a escala planetária de disseminação da indústria cultural estadunidense. São os EUA que além de impor uma total submissão econômica e cultural à América Latina, também atacam tanta a Ásia quanto à África. Sobre a transculturalização manipulada, nenhum país do mundo quer adotar pra si o estilo de vida russo, mas diferentemente, a maioria dos povos do planeta deseja adquirir os valores do “american way of life”.
Assim, diferente de nossos dias, o período da Guerra Fria parecia ter três pilares: 1) a existência de duas superpotências dominantes no mundo; 2) o conflito ideológico entre dois modelos e 3) uma rivalidade mundial. Pilares esses inexistentes atualmente, pois a bifurcação em que se encontra a Rússia está contida internamente no círculo incontrolável de expansão do capitalismo. Por outro lado, a disputa na zona de influência econômica dentro dos moldes capitalistas parece notória. A política econômica geoestratégica tem a pretensão por parte de Moscou da construção de sua própria área de livre comércio (plano de união aduaneira) com a Bielorrússia e outras repúblicas da extinta União Soviética, com intenção em particular de integração de sua capital vizinha (Kiev).
Nesse sentindo, o debate atual sobre a Ucrânia baseado numa dicotomia excludente entre um grupo “pró-russos” de um lado e, do outro, o grupo “pró-europeu”, sem a presença dos interesses estadunidenses é uma forma bastante simplificada de se caracterizar o embate político-econômico. O “desejo de Europa” que se cristaliza em grande parte nos manifestantes ucranianos é antes de tudo e sem dúvida fruto de uma nova burguesia nacional em emergência na Ucrânia, que ganha força material através do “sonho padrão de vida europeu”, combustível dos jovens manifestantes. Esse é acima de tudo, um desejo manipulado pela mídia, por via dos EUA e pela EU, a favor de uma ideologia ocidental, do livre comércio consumista e do sentimento russofóbico. Como se não bastassem essas interferências externas, o povo ucraniano, trabalhadores, camponeses e juventude se encontram submetidos à destruição do que restou das conquistas sociais da população.
Somam-se a esse cenário os herdeiros da Organização dos Nacionalistas Ucranianos, continuadores dos grupos que lutaram ao lado dos nazistas na II Guerra, contra o Exército Vermelho soviético. Esses grupos são hoje os principais ideólogos do nacionalismo no país. O povo ucraniano se vê na situação de optar entre o grupo dominante no Leste, próximo da Rússia, em oposição ao grupo do Oeste, que tem o suporte dos EUA e oferece a adesão à UE, que já tem na sua história recente os trágicos efeitos para as populações de países como Portugal, Grécia, Itália e Espanha que ainda hoje sobrevivem com seus cofres sangrando das facadas da Troika.
A crise e a ofensiva socialista
A ofensiva de grupos fascistas na Ucrânia não pode ser compreendida de modo isolado. Ao contrário, devemos buscar as relações dessa ascensão fascista nas cicatrizes deixadas por um passado recente do século XX, assim como, na crise estrutural do sistema capitalista. Assim, o fenômeno do fascismo, por estar ligado umbilicalmente com a base econômica, não é um acontecimento típico dos protestos atuais em Kiev, mas se estende por toda Europa (mais vulnerável à penetração dessa ideologia por ser o epicentro e ainda estar vivendo os efeitos de uma crise econômica profunda) e também por todo o planeta.
Recordemos os golpes de Estado recentes no cenário político da América Latina, não esqueçamos o golpe de junho de 2012 no Paraguai e em Honduras em 2009. Assim como a tentativa em 2002 na Venezuela e a repetição da mesma história (enquanto farsa ou tragédia) nesse mesmo país nos dias atuais. Sem contar às inúmeras armações da política estadunidense contra os países no oriente. Existem mais do que fatos para atestar a amplitude da crise política se alastrando por todo globo.
Na Grécia a imposição da política financeira pela Troika (BCE, Comissão Europeia e FMI) dizimou a economia grega, causando uma depressão tão relevante quanto a Grande Depressão nos EUA. Os gregos perderam 25% do PIB em apenas quatro anos. Já em países como Espanha, Itália ou Irlanda perdeu-se entre 6 e 10%. É exatamente contra essas perdas e tentativa de “ajustes” por via da Troika que o Partido neonazista “Aurora Dourada” se elevou a tal ponto no país helênico, atingindo o patamar de terceiro maior partido político grego. O “Aurora Dourada” tornou-se uma força política tão relevante que o governo de Atenas o compreende como uma grande ameaça à própria sociedade. Configura-se de modo verídico como um partido Nazista que fomenta o chauvinismo antijudeu, antimulher e anti-imigrante, pregando uma ideologia do ódio.
Da mesma forma que diversos movimentos fascistas do século XX transformaram os imigrantes em bodes expiatórios, o “Aurora Dourada” converte mulçumanos, africanos, imigrantes em geral em “reais” culpados pelos vários problemas que o país vive hoje. O que faz do “Aurora Dourada” uma ameaça atual é a razão de que, embora tenha uma ideologia central nazista, seu discurso pro-austeridade e anti-UE seduz uma boa parte da Grécia deteriorada economicamente. O ódio irracional contra imigrantes e minorias atrai a consciência de uma parte da população num país em circunstâncias econômicas assustadoras, pois “aparentemente” surge como uma resposta imediata ao problema social. Apesar dos líderes do “Aurora Dourada” estarem na prisão (por conta do assassinato de um ativista do hip hop), ainda há outros membros do partido no parlamento que são candidatos a cargos na cidade de Atenas.
Se esses acontecimentos estivessem exclusivamente limitados à Grécia e Ucrânia eles não se apresentariam como uma tendência continental. Ainda assim, infelizmente assistimos o crescimento, ainda que menos declaradamente fascista, de partidos por toda Europa. Na Holanda, o Partido pela Liberdade – prega uma política anti-imigrantes e antimulçumanos – se elevou até configurar-se como o terceiro maior partido do parlamento holandês. Nos países escandinavos se alastram os partidos com ideologia ultranacionalista, que em outros momentos, foram bem insignificantes e até ausentes, mas hoje, já podemos dizer: são atores relevantes do processo eleitoral. Na Espanha, crescem as leis que restringem os protestos, a liberdade da palavra, e crescem as táticas policiais de repressão e as políticas pró-austeridade por decreto do Partido do Povo. E, na França já é praxe a transformação dos imigrantes muçulmanos e africanos em bodes expiatórios por parte do Partido da Frente Nacional, que ganhou 20% (vinte por cento) dos votos nas eleições presidenciais no primeiro turno.
Nos protestos atuais da Ucrânia há diversos grupos nacionalistas, abrangendo inclusive os fascistas. Eles se locomoveram de diferentes regiões da Ucrânia e significam 30% (trinta por cento) dos manifestantes da Praça Maidán, em Kiev. Entre essa porcentagem os dois maiores grupos são o “Svoboda” (liberdade) e o “Pravy Sektor” (Setor de Direita). O Pravy Sektor é fundamentalmente uma organização composta por diversos grupos de direita (leia-se fascismo), “Patriotas da Ucrânia”, Assembleia Nacional Ucraniana — “Autodefesa Nacional Ucraniana” (UNA-UNSO) e “Trizub” e ainda simpáticos do partido ultranacionalista “Svoboda”. Todos estes grupos são partidários em comum de uma mesma ideologia antirrussa, antijudeu e anti-imigrantes etc., além de compartilhar uma profunda veneração pela “Organização de Nacionalistas Ucranianos” (colaboradores dos nazis que combateram ativamente contra a União Soviética e cometeram algumas das piores atrocidades da II Guerra Mundial). A força desses grupos no interior das manifestações ganhou tal tamanho, que em determinado momento das manifestações a questão central na praça Maidan (Kiev) se tornou: apoiar ou recusar o fascismo.
Devido a essas diversas aparições da política fascista na Europa, a ofensiva do extremismo nacionalista na Ucrânia não deve ser entendida como um fato exclusivo do país. Mas, antes de tudo, como uma tendência continental em crescimento, que ameaça os próprios fundamentos da “democracia”. Embora a oposição depois da derrubada de V. Yanukovych tenha anunciado eleições antecipadas para 25 de maio, uma reforma constitucional e um governo de unidade nacional, a instabilidade política e econômica ainda é muito grande. Dentro desse cenário há um padrão que nos inquieta e que passa propositalmente ou inconscientemente despercebido por grande parte dos observadores. O fato dos EUA sempre fazerem causa comum com extremistas, direitistas e fascistas de qualquer lugar do planeta para conseguirem suas vantagens geopolíticas. A crise coloca em dúvida o futuro digno aos 45 milhões de ucranianos, no meio da disputa entre Rússia e o ocidente.
É preciso destruir o mito e reinventar a utopia
De 1921 até 1990 a Ucrânia tornou-se um dos principais países da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Nesse período a URSS soube muito bem utilizar a fertilidade do solo ucraniano (“terra negra”) e desenvolver abundantes plantações de cereais. Em 1930, após Stalin ter assegurado seu poder definitivo desde 1928, tratou de criar uma política de controle dos grandes recursos naturais ucranianos. Em especial, a Ucrânia ostentava o solo mais fértil da Europa — daí também o apelido de “o manancial da Europa”. Entretanto, o caráter econômico atrasado da URSS levou à implantação de uma política por parte dos soviéticos imposta na região agrícola da Ucrânia que tinha o objetivo de garantir uma quantidade adequada de cereais para ser ofertada às cidades, onde por outro lado, nos centros urbanos, o proletariado soviético trabalhava pesadamente para expandir a indústria.
A política foi de requisição compulsória de cereais — em outras palavras, forma diferente de dizer que o governo URSS tomava à força todo cereal cultivado pelos camponeses ucranianos, lhes pagando um preço imposto pelo próprio governo. Em 1929 teve início a coletivização forçada das propriedades rurais e também uma campanha contra a cultura nacional ucraniana, campanha que havia sido adormecida desde o início da década de 1920. Isso gerou na Ucrânia a maior resistência que a política stalinista teve que enfrentar, frente aos países que compunham o conjunto das repúblicas soviéticas. Essa resistência, contudo, não impediu a concretização de todo o processo em 1932.
Tendo em vista as metas do governo stalinista, para os ucranianos do meio rural, comer tornou-se uma ação clandestina. Devido às metas da produção, e mesmo com uma safra muito abaixo da média em 1932, o planejamento stalinista não deixou de exigir para 1933 um número ainda maior, equivalente a 7 milhões de toneladas de grãos. Tal exigência causou o “holodomor”, “holod” (fome) e “moryty” (matar através de privações), cerca de cinco milhões de ucranianos foram mortos de 1932-33. Acontecimento que ocupa um lugar trágico na memória do povo ucraniano e que vem alimentando durante décadas o sentimento nacionalista. Esse é um entre os diversos exemplos que nos impele a necessidade de destruir o mito de que a URSS stalinista significou uma alternativa de construção de uma nova sociedade contrária ao capitalismo.
Não existe direção revolucionária no país, quem está manobrando os protestos na Praça Maidan é o Svoboda (partido neonazista e centenas de pequenos grupos de ultradireita e os oligárquicos entreguistas pró-UE). Como se não bastasse, o que existe em oposição a isso é o lastimável saudosismo para com a Rússia. Não existe o projeto de construção de uma forma de sociedade radicalmente oposta ao capitalismo.
A defesa da estátua de Lênin implica a defesa de uma sociedade contrária ao Capital? Se essa defesa fosse travada profundamente, talvez sim, e apesar da forma ofuscada dessa defesa ela ainda serve para impulsionar o elemento classista fundamental nesse processo. Mas esse elemento atualmente está ausente.
O separatismo em andamento entre o Sul do país para com o oeste pró-UE se circunscreve dentro da disputa política geoestratégica entre o capitalismo russo e o imperialismo europeu/Alemanha/EUA. Do modo como está se desenrolando a situação, isso significará apenas mais do mesmo, um prolongamento da situação permanente em quase 2 décadas e meia de independência ucraniana: um país subjugado às relações econômicas da Rússia.
As saídas pelo viés parlamentar sempre significarão um substitucionismo da classe trabalhadora ucraniana. Não existe nenhuma “borracha mágica” que apagará o Rada Supremo (parlamento) de modo instantâneo, imediato, relâmpago. Aí existe o problema e polêmica central com os anarquistas, que tratam a questão do Estado como se fosse algo que pudesse ser suprimido por uma borracha mágica revolucionária. Para que haja a dissolução do Estado a constituição de um duplo poder é inevitável nesse processo. O Estado não é uma invenção subjetiva dos povos, ele é uma determinação histórica das sociedades de classe. Existem setores que defendem a hipótese de que existe hoje na Ucrânia um duplo poder configurado pela existência da Rada de um lado e os manifestantes na Praça Maidan de outro. Mas esse duplo poder é ilusório, já que o conteúdo político que está sendo defendido nos dois pólos é o mesmo, tanto a Rada quanto o parlamento defendem a incorporação à UE (fachada do imperialismo alemão), com a benção do imperialismo estadunidense.
Existe um vácuo nas manifestações da Ucrânia que precisa ser preenchido pela perspectiva revolucionária. Infelizmente a relação histórica do país com a ex-URSS escurece cada vez mais esse espaço vazio. Os revolucionários conseguem fazer uma explicação transcendente, enquanto a imanência do processo de lutas na Ucrânia vem sendo disputada entre o ultranacionalismo neonazista e o imperialismo, faces diferentes da mesma moeda que é o capital.
Hoje, após quase duas décadas e meia de independência, a Ucrânia vive uma tensão política que pode levar a um colapso econômico do país. Um acordo atual com a União Europeia ou a política econômica subjugada ao governo russo tem o mesmo significado para o povo ucraniano, isto é, uma brutal servidão do país ao capital internacional. O motivo que impulsiona os protestos na Ucrânia são as consequências sociais produzidas pela crise econômica do capital, combinada com o atraso da política oligárquica do estado ucraniano, que oferece como um banquete as riquezas do país para o capital estrangeiro. A insegurança econômica correspondente à crise política que atinge a moeda ucraniana levando-a a uma redução recorde, com o preço do dólar equivalente à 11 grívnias (moeda local).
Ainda que a força que faz a roda dos protestos girar tenha seu epicentro na Praça Maidan, e que o Rada Supremo esteja cercado de manifestantes, a saída pela via parlamentar, com a deposição do presidente e a antecipação das eleições para 25 de maio, a aprovação do governo provisório e a formação de um gabinete de coalizão nacional, propondo o nome de Arseny Yatseniuk, ex-ministro da Economia, como primeiro-ministro, não significa nenhuma vitória plena das manifestações. A questão imediata que se apresenta enquanto alternativa para a juventude e para os trabalhadores da Ucrânia é a criação de uma terceira perspectiva revolucionária, perspectiva essa de esquerda, anticapitalista, classista e socialista que expulse o capital russo e imperialista europeu do país e coloque o povo ucraniano como sujeito consciente de sua própria história.
A representação parlamentar pró-União Europeia tem forte ressonância nas ruas e claramente significa a permanência da exploração dos milhões de jovens e trabalhadores ucranianos por via da face imperialista do capitalismo europeu. Contrariamente a essa posição, é preciso construir uma perspectiva extra parlamentar que direcione comitês deliberativos e julgue toda repressão sofrida pelos manifestantes nesses três meses. Assim como se faz necessária à criação de assembleias populares que condene as ações fascistas, bem como, seus grupos organizados e dirija consciente o futuro político e econômico do país, ocupando as fábricas e centralizando o poder político na mão da classe trabalhadora.
Frente ao capitalismo que subjuga a humanidade à sua vontade se transformando em sujeito cego e automático guiando a história, reinventar a utopia é a questão mais urgente posta para a humanidade hoje. Quando os problemas se tornam insuportáveis em toda instância da vida é necessário superar a velha ideia de utopia para poder reinventá-la.
A história não nos deixar mentir, ela nos atesta que os projetos utópicos fracassaram, mas como independente de nossa vontade ela continua, é missão do revolucionário se prestar a seu serviço, e antes que sejamos tragados pela história torna-se necessário domá-la, reinventando a utopia: só o socialismo pode salvar a Ucrânia da crise e elucidar uma alternativa contra a barbárie capitalista.
Por isso, defendemos a construção de organizações operárias e populares independentes do governo e dos partidos de oposição, com comitês locais que impulsionem a ocupação das fábricas e grandes empresas, que controlem as planilhas de custos das empresas e acabem com a inflação e a escassez.
Contra o golpe de Estado! Nenhuma confiança no governo provisório!
Contra os grupos fascistas!
Contra a intervenção do imperialismo europeu na Ucrânia!
Contra a ingerência dos EUA!
Nem pró-Rússia, nem pró-União Europeia: todo poder à classe trabalhadora ucraniana!
Pela formação de conselhos e comitês de base independentes, nos locais de trabalho e de moradia! Pelo controle operário da produção e dos preços!
Por um poder socialista dos trabalhadores baseado em suas organizações de luta!
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