Jornal 66: Março/Abril de 2014
25 de março de 2014
- Por uma campanha nacional e unificada contra a repressão
- 50 anos do golpe militar no Brasil
- Ditadura ou democracia burguesa autoritária?
- Entrevista com o operário Severo sobre a resistência à ditadura
- A escalada da violência contra a mulher
- Greve da CNTE: oportunismo
- Ditadura, repressão e importância da juventude se organizar
- As ditaduras na América Latina nos anos 70
EDITORIAL
Por uma campanha nacional e unificada contra a repressão!!
No próximo dia 31 de março completam 50 anos do golpe militar no Brasil. Foram anos de prisões, repressão, torturas, assassinatos e um sem número de exilados. Ao contrário daquilo que a mídia tenta passar, foi uma ditadura feroz.
Esta ditadura começou a ruir no final da década de 70, primeiramente com a campanha pela anistia, ampla, geral e irrestrita com o movimento estudantil tomando várias iniciativas. Em 1978 entraria em cena a classe mais temida pela burguesia e pela ditadura, a classe operária. As greves no ABC paulista logo se tornaram referência para os trabalhadores do país. De greve em greve, enfrentando a repressão do exército, a televisão, a poderosa FIESP (Federação das Indústrias de São Paulo) os movimentos foram minando a ditadura e conquistando na luta as liberdades democráticas.
Já na década de 80, mais greves operárias (incluindo uma geral, que parou as principais cidades do país) e depois a campanha das diretas derrotaram por fim os militares. Por uma saída negociada, em 1985 os milicos deixam o planalto e transferem o poder para Sarney (Tancredo, que seria o titular, morre um dia antes de tomar posse).
Quase 30 trinta após o “fim da ditadura” a repressão policial contra as manifestações volta à ordem do dia. Desde junho de 2013 os governos estaduais e o federal (PT, PSDB, PMDB, etc) passaram a mobilizar milhares de policiais para tentar conter as manifestações, com prisões, processos, inquéritos policiais, tudo isso combinado com uma campanha pela mídia burguesa de ataques aos manifestantes, tratando-nos como vândalos.
O ápice das ações repressivas aconteceu no ultimo dia 22 de fevereiro quando a PM paulista prendeu mais de 260 pessoas “preventivamente” e para averiguação. Essa ação é tão escandalosa que mesmo no atual ordenamento burguês esse tipo de prisão é ilegal. Pessoas foram presas pelo simples fato de estarem na manifestação.
O ocorrido demonstra a gravidade da situação e do peso da repressão sobre os movimentos sociais. O risco de prisões mais severas e condenações contra militantes são iminentes. Sabemos que o aparato repressor do Estado burguês forja provas, cria novas leis para enquadrar como crime as lutas sociais e também conta com a mídia para criar clamor social e legitimar a perseguição aos que lutam.
A chamada democracia burguesa no Brasil tem características cada vez mais autocráticas e com limitações das liberdades democráticas. Garantir a realização da Copa do mundo é só mais uma desculpa, até porque depois dela o aparato repressivo não vai ser dissolvido, pelo contrário, vai ser mantido. A compra milionária de blindados equipados com jato de água (colorida para identificar os militantes depois), bombas de gás lacrimogêneo e pimenta não é para uso só na Copa, mas para aumentar o patrimônio da repressão.
Essa onda repressiva vai além das ações policiais. As noticias são de vários processos administrativos contra ativistas e dirigentes sindicais do serviço público, inclusive alguns com indicação de demissão só por conta de trabalhadores terem lutado contra o assédio moral no local de trabalho. Nas empresas privadas o instrumento é a demissão. Nas universidades há todo tipo de perseguição contra estudantes e professores.
Dentro desse quadro é urgente a realização de uma campanha nacional e unificada de todas as forças de esquerda contra a repressão.
É preciso tomar as ruas, ganhar a classe operária para resistir à repressão, fazer uma grande campanha de massas, sob pena de – sem resistência- a repressão aumentar ainda mais a sua força. E neste momento fortalecer a convocação do ato contra a Copa do dia 13 de março em São Paulo é fundamental.
Entendemos que essa campanha passa pela realização de atos de rua; organização de comitês regionais e estaduais contra a repressão; os sindicatos e demais entidades de luta disponibilizarem atendimento jurídico e financeiro (constituir um fundo) para a luta contra a criminalização; seminários; que as entidades façam vídeos; cartazes e panfletos para serem lançados às mídias e aos locais de trabalho, estudo e estações, etc.; que as entidades abordem esse tema permanentemente em seus materiais entre outras sempre bem-vindas atividades.
Neste sentido o Espaço Socialista já se coloca a disposição para participar e ajudar a organizar essa campanha contra a repressão.
– Contra a repressão!
– Contra as prisões de ativistas e lutadores!
– Arquivamento já de todos os processos criminais e administrativos persecutórios aos que lutam!
50 anos da ditadura militar no Brasil
No dia 31 de março desse ano, a ditadura militar brasileira terá completado cinquenta anos. Essa data deve marcar uma série de reflexões e de debates no país. Essas reflexões, que já há algum tempo acontecem na historiografia e na filosofia, têm ficado restritas a um discurso sobre o uso da tortura, os direitos humanos ou os abusos de poder por parte dos militares e o apoio ou não da classe média. Essas reflexões são muito relevantes, mas precisamos refletir, no entanto, também sobre o caráter capitalista-imperialista que nos levou à ditadura brasileira e às outras ditaduras na América do Sul.
É preciso, para uma análise mais precisa, colocar o golpe militar brasileiro no contexto histórico de meados do século XX, onde a bipolarização do mundo entre capitalismo e regime “socialista” do leste europeu disputavam áreas de influências e algumas revoluções aconteciam ou pareciam estar por vir. A América Latina, que desde a Doutrina Monroe (a América para os americanos) estava sob o controle da águia americana, viveu entre as décadas na segunda metade do século XX várias ditaduras. Isso é mais uma evidencia de que o golpe militar no Brasil não foi uma decisão isolada de militares autoritários e com sede de sangue, foi antes uma decisão orquestrada por interesses de setores da burguesia nacional e internacional, com apoio dos EUA, com participação direta do coronel americano Vernon Walters e a total aprovação da USAID (Agência dos Estados Unidos para o desenvolvimento internacional).
Em um contexto de guerra fria e com o recente sucesso da revolução cubana, toda e qualquer medida de caráter nacionalista ou que se opusesse minimamente à lógica do capitalismo de mercado se tornavam uma ameaça aos planos do capitalismo internacional. As reformas de base, propostas pelo populista João Goulart estavam entre essas “ameaças”. Jango não era um socialista, jamais propôs uma revolução popular, mas suas propostas de reforma bancária e tributária, embora não fossem radicais, eram contrárias aos interesses de um capitalismo que não poderia mais garantir nenhum bem estar social, que deveria ser voltado exclusivamente para a eficiência do mercado.
João Goulart jamais falou em construir um país socialista, nem tentou dar golpes, suas propostas de reforma não eram anticonstitucionais e contavam com apoio de alguns setores da sociedade, sobretudo de estudantes. O Brasil vivia um clima democrático, e essas reformas eram amplamente debatidas nas ruas. A reforma agrária não representaria uma ameaça ao agronegócio, nenhuma das reforma mexeriam no “sagrado direito” à propriedade privada dos meios de produção. Essas reformas, se não eram um passo para o socialismo, também estavam longe de coadunar com os interesses do capitalismo imperialista, do ponto de vista do capital internaciona. O estado aos moldes varguistas baseado no trabalhismo e em políticas nacionalistas representavam um entrave às possibilidades de expansão de lucro.
Esse certamente não foi o argumento utilizado pelos militares e pelas elites para justificar o golpe. A moral burguesa-cristã jamais aceitaria reconhecer que mudava as regras do jogo porque com o fascismo se produziria mais lucro e se continuaria a impedir os mais pobres de estudar e de ter acesso à terra. Como sempre, foi utilizada uma retórica maniqueísta e moralista “a ameaça dos terríveis comunista”. Dessa forma, uma reforma agrária que distribuiria terras sem dono e improdutivas se tornou no discurso burguês na violenta “vão tomar o seu pedaço de terra conseguida com mérito”. Com o apoio dos seguimentos ultraconservadores da sociedade, a Marcha com Deus pela Família e a Liberdade reunia mais de 500 mil pessoas. O golpe do dia 31 de março estava montado, contou com o apoio de vários governadores, empresários e órgãos internacionais.
Os interesses econômicos logo ficaram evidentes no novo papel das estatais com os governos militares. A vida se tornou mais cara para todos, e isso não se devia apenas à dívida externa contraída por JK (argumento sempre utilizado como bode expiatório), mas porque as estatais agora precisavam dar lucros, serviços ligados ao petróleo e a energia tiveram um aumento bastante substancial. Durante todo o regime militar os salários dos servidores públicos cresceram menos do que a inflação, o que acarretou um empobrecimento desses servidores. A suposta forma de combater a inflação pensada pelos ministros da fazenda Otávio Gouveia de Bulhões e do planejamento Roberto Campos durante o governo de Castelo Branco, se tornava uma força bastante eficiente de sucatear a saúde, a educação e outros serviços públicos.
O regime que se autodenominava de revolução democrática e prometia eleições em 1965 deu mais um golpe e em 1967, mostrando o seu lado mais violento com a chegada da linha dura ao poder. O general Artur da Costa e Silva não pouparia esforços no combate aos comunistas, aos guerrilheiros, e a todo e qualquer pensamento de esquerda.
Enquanto parte de classe média brasileira era seduzida pelo chamado milagre econômico, resultado de uma verdadeira injeção de capital estrangeiro, com a chegada de algumas empresas multinacionais que aqui se estabeleciam se aproveitando dos baixos salários e da inexistência de sindicatos livres, a esquerda procurava meios de combater um dos períodos mais violentos da nossa história. Na legitimidade era impossível fazer o combate, pois com o bipartidarismo haviam apenas o partido dos militares, ARENA, e a oposição consentida, o MDB. Os partidos comunistas foram decretados ilegais. Ainda influência das revoluções cubana e chinesa, a estratégia da luta armada se tornava mais que uma alternativa possível.
A estratégia de guerrilha de Che Guevara parecia aos militantes do PC do B (dissidência do PCB) uma via plausível.
A luta armada seguiu em duas frentes, no interior com a batalha do Araguaia e na guerrilha urbana. A ideia do Araguaia como ponto estratégico foi um erro, a distância das massas e a falta de comunicação com a sociedade deixou isolados os revolucionários que foram facilmente vencidos pelas forças do exército. A guerrilha urbana de Carlos Marighela foi mais incômoda à ditadura e mais difícil de ser vencida, não havia um plano perfeito por parte dos militares, não poderiam usar tanques de guerra nas ruas, precisaram usar a inteligência para capturar e matar as lideranças comunistas. Marighela foi morto, os guerrilheiros do Araguaia torturados, presos, mortos, a ditadura sanguinária usou do extremo da violência e essa prática marca até hoje a nossa polícia. O discurso ideológico da mídia, que precisava transformar comunista em terrorista, revolucionário em bandido, e ditador em “homem de bem” também encontra seus ecos nos programas policiais de fim da tarde atualmente.
A violência dos militares se tornou tão incontrolável e sádica que atingiu os conservadores da classe média. Com o fim do “milagre” econômico e a ausência de liberdade individual e política se tornando cada vez mais evidentes, a ditadura mostrava a sua cara fascista. O caminho para a redemocratização partiu de estudantes e trabalhadores do campo e da cidade país afora. A abertura “lenta e gradual” de Geisel era o embuste dos milicos para manter o regime.
No percurso para a democratização e com a derrota da luta armada, as organizações de esquerda começaram a priorizar a luta pela abertura política, adiando assim o discurso do socialismo e das transformações sociais. A revolução deixava seu caráter social e se restringia à esfera política. Com o intuito de fortalecer o combate à ditadura e defender a democracia, construiu-se uma luta conjunta e ampla pela aprovação da Emenda Dante de Oliveira (MDB) que estabelecia eleições diretas para presidente em 1985. A campanha “diretas já”, que começa vinte ano após o golpe, envolvia artistas, políticos de várias colorações e tendências, intelectuais e até setores progressistas da igreja católica.
A emenda Dante de Oliveira não foi aprovada. Mesmo assim em 1985 com a eleição de Tancredo Neves, o primeiro civil a ser presidente desde o golpe, o regime militar tinha fim. Com a democratização houve ganhos sim, para os trabalhadores, lutar na democracia burguesa é sempre melhor que em um regime fascista.
Não podemos ser anacrônicos e querer agora julgar e mostrar o dedo na cara daqueles que lutaram, morreram e foram torturados pelos milicos. Precisamos, contudo, aprender com a história. Os principais erros da esquerda nesse período estão centrados em uma leitura romântica e parcial da realidade. A vontade de fazer a revolução não significa que temos base política para isso, não basta pegar em armas para ter o apoio das massas; a vanguarda precisa estar próxima das massas e não em um mundo à parte.
Devemos defender sempre a democracia no sentido mais pleno do termo, a democracia e o socialismo são sinônimos, pois somente com o socialismo o trabalhador decide sobre seu trabalho, somente no socialismo há liberdade; a substituição, no Brasil, da ditadura pela democracia burguesa deixou muito claro como o capitalismo convive bem com os dois regimes, e pode sempre recorrer ao fascismo quando precisar, um exemplo disso é o DEM (democratas), o partido que já foi chamado de PFL, era o antigo ARENA, partido da ditadura. A democracia burguesa elegeu torturadores como Sergio Paranhos Fleury, permitiu Collor, que sempre foi a favor da ditadura, como primeiro presidente. O que precisamos aprender com a luta pela democracia no Brasil, é que isso é possível apenas no socialismo. No capitalismo, apenas o mercado é livre.
DITADURA MILITAR OU DEMOCRACIA AUTORITÁRIA?
PARA MANTER PRIVILÉGIOS, BURGUESIA MANTÉM APARELHO REPRESSIVO.
“…Tropas de choque, PM’s armados, mantêm o povo no seu lugar
Mas logo é preso, ideologia marcada, se alguém quiser se rebelar
Oposição reprimida, radicais calados, toda angústia do povo é silenciada
Tudo pra manter a boa imagem do Estado!”
Plebe Rude
Embora a natureza de qualquer estado seja garantir a ordem da classe dominante através do monopólio da violência, no Brasil, tal natureza adquiriu contornos particulares.
A história da repressão surge na formação das forças militares europeias que invadiram, ocuparam e organizaram o sistema político, econômico e administrativo que garantiu a drenagem da riqueza em benefício dos invasores e o controle da força de trabalho. Dessa forma, o aparelho repressivo se construiu à imagem e semelhança das elites que se assenhorearam de terras. Mesmo enquanto disputavam fronteiras contra a Espanha, França e Holanda, o aparelho repressivo controlava a força de trabalho, combatendo quilombos e aprisionando índios.
Embora o autoritarismo e a violência contra o trabalho sejam características das forças repressivas desde sua origem, é o Golpe Militar de 1964 que irá gerar a máquina de massacrar trabalhadores que existe hoje.
Em defesa do capital internacional, principalmente o estadunidense, aliaram-se oficiais do exército oriundos do Movimento Tenentista e setores ultraconservadores da economia brasileira para bloquear qualquer iniciativa independente de modernizar as estruturas econômicas brasileiras e sufocar as demandas históricas dos trabalhadores.
As estreitas relações desenvolvidas entre esses militares brasileiros e dos EUA durante a II Guerra Mundial geraram cooperações de todo o tipo na construção do aparelho repressivo que existe hoje. Inspirados na National War College, os militares golpistas fundaram a Escola Superior de Guerra e nela desenvolveram a Doutrina da Segurança Nacional.
Por meio dessa doutrina criaram-se todos os instrumentos físicos, ideológicos e jurídicos para sufocar qualquer contestação, incluindo a eliminação física da oposição com as proibições de direitos, as torturas e os assassinatos. Toda e qualquer atividade política, artística ou cultural que expressasse as contradições surgidas do processo de urbanização e industrialização que passava o Brasil eram violentamente sufocadas.
Demandas por reforma agrária, urbana e educacional, a luta do revigorado movimento negro e a reconstrução das organizações operárias a partir da década de 50 encontraram “o sinal fechado” para qualquer possibilidade de solução pacífica, o golpismo fechou qualquer via para escoar a insatisfação política não deixando outra via senão a luta armada como forma de resistência.
No bojo dessa doutrina a Escola Superior de Guerra ganhou força e pariu o Serviço Nacional de Inteligência -SNI- e a Lei de Segurança Nacional, dois importantes sustentáculos do regime militar, da opressão contra os trabalhadores e da garantia da lucratividade dos amigos da ditadura.
A Doutrina da Segurança Nacional foi capaz de corromper grande parte da intelectualidade brasileira, suas feridas foram tão profundas que sangram até hoje. Os “patriotas” golpistas de 64 abandonaram qualquer preocupação estratégica com a cobiça estrangeira sobre nossos recursos naturais para apontar suas armas para todo brasileiro que não concordasse com o projeto de dominação do imperialismo Yankee.
Para viabilizar o uso cotidiano e sistemático da violência e impedir a menor possibilidade de insatisfação das forças policiais, somente civis na época, surge a manobra de militarizar as polícias estaduais. Rapidamente, o regime ganhou um reforço de centenas de milhares de efetivos que ficaram presos à hierarquia, a justiça militar e sem qualquer instrumento pra defender seus interesses. Tudo em nome do combate ao crime e da Segurança Nacional.
A DITADURA CONTINUA
Seguindo a tradição de nossas elites de massacrar oposições e manobrar transições sem rupturas, os golpistas foram capazes de iniciar um regime “democrático” sem desmontar o aparelho estatal construído para aprofundar o controle sobre o trabalho. Ou seja, a chamada política de Distensão Lenta e Gradual do regime preservou todas as ferramentas usadas na ditadura. A defesa dos interesses do capital internacional e a camada política (Sarney, Collor, Calheiros, Maluf, etc..) segue até hoje usufruindo do dinheiro público.
A Constituição Federal de 1988 permitiu à polícia seguir militarizada e continuar tratando qualquer contestação como atividade subversiva e qualquer demanda dos trabalhadores como atividade inimiga. Reconheceu o estado de defesa, de sítio, a provisória suspensão de direitos e o caráter das PMs como força auxiliar do exército, subordinados à Justiça Militar. Não há direito de greve, associação política ou qualquer forma de interferir na realidade de seu dia a dia.
A Lei de Segurança Nacional ainda vige e serviu para indiciar manifestantes em 2013, o SNI foi substituído pela Agência Brasileira de Inteligência – ABIN -. A formação das policias estaduais ainda segue militar na forma e antidemocrática na prática. Quem participou das manifestações de junho ou contra os gastos com a Copa viu de perto. Ou seja, o Ato Institucional n. 05, que retirou liberdades civis, permitiu a tortura e o extermínio e serviu de base para a transição sem rupturas segue vigente nas entrelinhas, sendo seu coroamento o fato de que torturadores e assassinos civis e militares continuaram suas carreiras e foram anistiados.
DE PERTO É BEM PIOR!
A ausência de penas aos criminosos da ditadura explica o fato da polícia brasileira se acobertar na versão oficial de combate ao crime para matar mais de cinco pessoas por dia (1890 vítimas em 2012, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública). A militarização das polícias com base na Doutrina de Segurança Nacional foi capaz de criar uma força repressiva com tradição de ver todo elemento sem farda como inimigo, ainda mais quando se trata de trabalhadores organizados politicamente para lutar por melhores condições de vida. Se o trabalhador for negro e morar na periferia, então é pena de morte! Segundo o IBGE, 71% dos casos de mortos pela polícia no estado de São Paulo em 2012 são negros.
O vínculo entre a Doutrina da Segurança Nacional e o genocídio da população trabalhadora se demonstra na afirmação do Tenente-coronel da PM paulista Adilson P de Souza: “O homicídio do marginal é visto como uma importante arma de trabalho, eles chegam a declarar que se fossem impedidos de matar, ficariam sem condições de trabalho. É a lógica da Doutrina da Segurança Nacional, segundo a qual estamos lidando com inimigos. E o inimigo no campo de batalha você tem que aniquilar” (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/11/1366434-revolta-nas-ruas-reflete-incapacidade-do-estado-na-seguranca-diz-tenente-coronel.shtml).
DESMILITARIZAR A PM? OU DISSOLVER A PM?
A proposta de desmilitarizar as polícias estaduais surge de tempos em tempos como solução para os problemas do chamado combate ao crime, à máquina de excessos e abusos promovidos pelas tropas contra manifestantes e como forma de integrar aos direitos civis centenas de milhares de homens e mulheres que atualmente não têm como reivindicar salários, denunciar organizadamente abusos de comandantes ou alteração nos cursos de formação estruturados em práticas humilhantes.
O leque dos movimentos pela desmilitarização abrange desde a ONU, organizações de luta racial e denúncia contra o genocídio do povo da periferia, Associação de Cabos e Soldados do Espírito Santo, Clube de Oficiais da Polícia Militar da Paraíba, parlamentares de direita como o major Fábio (DEM) e a base governista que através de Lindbergh Farias (PT-RJ) apresentou a PEC-51 sobre o tema.
Podemos estar assistindo a elite manobrar a transição sem ruptura mais uma vez. Qualquer mudança institucional no presente necessita acertar as contas com o passado.
A desmilitarização das polícias não pode significar uma extensão da polícia civil, tão truculenta, servil aos poderosos e talvez mais corrupta que a PM. Qualquer militância no movimento de desmilitarização deve servir de alavanca.
Ocorre que as propostas de desmilitarização são de autoria de representantes do estado, inimigos dos trabalhadores. Se ontem a militarização das polícias surgiu para aparelhar o estado para reprimir quem trabalha e contesta, hoje a burguesia estuda uma forma mais eficaz, desmilitarizada ou não, que permita cumprir o desafio de reprimir os conflitos cada vez mais frequentes e agressivos neste Século XI, submerso em crise econômica globalizada.
Embora a militarização da polícia seja um ponto importante para controlar a força de trabalho, é de extrema necessidade ter consciência de que só a desmilitarização das PMs, apesar de ter aspectos imediatos progressivos, não significa o desmonte do aparelho repressivo burguês parido pelo Golpe Militar de 64, pode significar sua manutenção com outra roupagem. O autoritarismo e a brutalidade presente na formação das instituições brasileiras segue presente na Doutrina da Segurança Nacional, na Escola Superior de Guerra, na ausência de transparências dos gastos com a repressão e na composição conservadora do Judiciário brasileiro.
A desmilitarização das PM’s apesar de progressiva, ainda deixaria de pé a hierarquia militar e o controle das polícias pelo estado burguês e dessa forma a serviço de reprimir as lutas dos trabalhadores. Sua essência de aparelho repressivo da burguesia contra os trabalhadores permaneceria.
A estratégia deve ser solapar o aparelho repressivo estatal-burguês, com a dissolução das PM’s e a destruição de todo o arcabouço militar, jurídico, material e ideológico herdado do Golpe de 64.
A discussão de uma política de segurança pública é inseparável da pergunta: segurança para o trabalho ou para a exploração do capital? Segurança para os trabalhadores ou para a burguesia? Do ponto de vista dos trabalhadores e de sua emancipação o que os processos revolucionários sempre colocaram na prática foram as guardas civis de trabalhadores, com caráter rotativo, sem hierarquia permanente e sob controle de suas organizações de luta ou de poder. (Ver Comuna de Paris, Revolução Russa, Revolução Espanhola, etc)
ESTRATÉGIAS E LIMITES
O desmonte da máquina repressiva montada pelos golpistas nunca será realizado por aqueles que se beneficiam dela. Nenhum partido político com bancada no Congresso Nacional tem interesse em humanizar o estado brasileiro, pelo simples motivo de serem representantes do agronegócio, do latifúndio, da especulação imobiliária, do capital financeiro, da indústria, da exploração dos serviços públicos e da burocracia sindical. Estes setores só têm a ganhar com a repressão às reivindicações dos trabalhadores sem terra, povos quilombolas e indígenas, movimentos por moradia e reforma urbana, luta por trabalho, renda e mobilidade nas cidades.
A desmilitarização deve resultar da revogação prática da Doutrina da Segurança Nacional, da Lei de Segurança Nacional, da revogação dos artigos constitucionais que permitem o estado de defesa e sítio, do fim do monitoramento político dos movimentos sociais realizado pela ABIN, da abertura dos arquivos da ditadura e da Escola Superior de Guerra, bem como os acordos internacionais que permitem aos agentes de inteligência dos EUA livre trânsito no Brasil (http://archives.lists.indymedia.org/cmi-saoluis/attachments/20040609/15664609/CCartaCapital05mai04-0001.pdf).
Tais medidas, por sua natureza, vão contra a própria função do estado numa sociedade capitalista, portanto, são impossíveis de alcançar sem a organização da classe trabalhadora em torno de um projeto de sociedade capaz de mobilizar todas as demais classes exploradas.
Construir tal projeto e convencer os explorados são nossas tarefas imediatas.
Entrevista com o operário Severo sobre a resistência à ditadura
SEVERO: “…na realidade a democracia burguesa é uma forma mascarada, diria uma ditadura”
Um dos capítulos mais importantes da história da classe trabalhadora brasileira foi a resistência aos regimes ditatoriais que passaram pela história brasileira. A militância clandestina, os riscos de prisão e até de morte, as demissões foram situações enfrentadas pelos militantes de esquerda. Nesta edição entrevistamos Severo, militante operário desde a década de 70 para contar parte de sua história pessoal, mas principalmente para que sirva de experiência para as novas gerações de militantes.
COMO COMEÇOU A SUA MILITÂNCIA E A LUTA CONTRA A DITADURA?
A resistência dos trabalhadores ao golpe militar se deu em nível nacional, era muito maior nos centros industriais, mas no campo também havia resistência.
Na década de 70, 10 anos aproximadamente após o golpe, eu já participava com o meu pai, nas pequenas organizações em comunidades agrícolas no interior do Ceará. Como existiam dúvidas naquela época em relação à repressão – por exemplo, na comunidade onde eu morava, conviviam militares e os que resistiam ao golpe-, então a resistência se dava de certa forma, em pequenas organizações clandestinas, não era nada aberto, era tudo bastante cuidadoso.
Posteriormente, já no final da década de 70, mudei para São Paulo e fui trabalhar na indústria gráfica, onde também havia grupo de resistência à ditadura, onde logo me incorporei. A comunicação com os trabalhadores era feita por “mosquitinhos” (pequenas filipetas com pequenas frases) tratando da resistência ao golpe, de como resistir de forma concreta e também questões políticas, sobre a organização política dos trabalhadores. Normalmente não existia identidade para este boletim, era jogado pra cima no chão da fabrica, ou era jogado no chão do banheiro e daí o pessoal ia vendo a forma de se integrar na luta.
A distribuição era feita de forma extremamente clandestina, se a patronal descobrisse era tranquilo que o trabalhador era levado à demissão ou até mesmo à prisão.
Posteriormente me mudei para Santo André, aqui no ABC. Comecei a trabalhar em uma empresa metalúrgica e logo me incorporei à luta política na então Convergência Socialista. Quando vieram as primeiras greves conseguimos formar um bom trabalho nas fábricas que nos deu força para organizar a oposição aqui ao Benedito Marcilio (que depois resultou em uma chapa para disputar a direção do sindicato), então presidente do sindicato de Santo André, que, sindicalmente, tinha ligações com o Lula, mas politicamente era ligado ao MDB (que deu origem ao atual PMDB).
Os sindicatos eram muito controlados pelo Estado, com forte fiscalização do Ministério do Trabalho e com constantes intervenções. Nas eleições sindicais de 1981, quando participamos de uma chapa de oposição chamada Solidariedade (referência ao movimento Solidarinosc na Polônia), aconteceu ali a intervenção no sindicato e a apuração aconteceu na sede do DEOPS (Polícia política).
Como não conseguimos ganhar as eleições todos os membros da chapa foram demitidos e também perseguidos, não encontrava emprego em fábrica metalúrgica ou quando encontrava nem passava na experiência, passava um dia, dois dias, era demitido.
A minha situação ficou insustentável em metalúrgicos, eu fui pra construção civil. Mais uma vez mudei de categoria e desta vez fui na trabalhar na construção civil também participando de um grupo de oposição, mas neste momento o movimento tinha avançado bastante e a militância era pública. Continuava a ditadura, os cuidados com a segurança, mas havia conquistas que permitiam uma militância pública.
PARA CONTROLAR O MOVIMENTO OPERÁRIO A DITADURA INTERVIU NOS SINDICATOS. JOAQUINZÃO, INTERVENTOR DOS METALÚRGICOS DE SÃO PAULO, ENTRE OUTROS, COLABORAVA COM A POLÍCIA. COMO OS MILITANTES LIDAVAM COM ESSA REALIDADE?
Essa era uma realidade na maior parte dos sindicatos, as direções sindicais estavam a favor dos militares, pois eram interventores do Ministério do Trabalho. Nem os militantes e muito menos os trabalhadores confiavam nestas direções. Eram informantes da polícia.
Logo após o golpe a luta mais importante do movimento operário, que eu não acompanhei, foram as greves dos metalúrgicos da Cobrasma de Osasco e de contagem, uma luta de enfrentamento. Teve repressão braba, com prisões das principais lideranças. Com a derrota destas greves, a ditadura praticamente dominou os sindicatos mais importantes do país.
Por causa desta situação a militância era clandestina também nos sindicatos. Não confiávamos nestas direções e a militância se concentrava nas fábricas, nos locais de trabalho. Então era muito nos grupos clandestinos nas fábricas e por oposições sindicais.
Por exemplo, no sindicato dos metalúrgicos de São Paulo, que era o maior sindicato da América Latina com quase 500 mil trabalhadores na época, a luta passava pela organização da oposição, o MOMSP (Movimento Oposição dos Metalúrgicos de São Paulo) que tinha grande representatividade na base e muitas empresas eram obrigadas a negociar com a oposição que era a entidade reconhecida pela categoria.
E LULA NA DIREÇÃO DO SINDICATO DOS METALÚRGICOS DE SÃO BERNARDO?
Em São Bernardo também existia um pelego, o Paulo Vidal, que não era um interventor, mas também não tinha compromisso com os trabalhadores. Defendia uma proposta de pacificar a resistência que existia na região do ABC. É neste período que Lula entra para a direção e depois se torna presidente do sindicato. Lula não tinha nenhuma postura de esquerda e defendia abertamente que não poderia misturar política com luta sindical.
São as greves dos metalúrgicos que empurram Lula e a direção do sindicato para o enfrentamento com a patronal e a ditadura. Foi um processo da base, não foi por vontade da diretoria do sindicato. A greve da Scania começou sem que o sindicato soubesse.
Esse movimento se espalhou rapidamente pelo país, forçou a direção ir a esquerda e assumir a luta contra a ditadura. Lula nunca foi de esquerda. Os mandatos dele na presidência da república só confirmam isso.
COMO PARTE DESSE “NOVO SINDICALISMO” HOUVE A RETOMADA DE VÁRIOS SINDICATOS POR MOVIMENTOS DE OPOSIÇÃO SINDICAL, VOCÊ PODE CONTAR PRA GENTE UM POUQUINHO SOBRE ESTE PROCESSO ?
Como eu disse antes, os movimentos de oposição sindical na realidade já aconteciam há algum tempo. Com o surgimento das lutas e de uma nova vanguarda eles ganharam um grande impulso. As oposições foram se multiplicando e retomando os sindicatos dos pelegos. Metalúrgicos, bancários, químicos, funcionalismo público (que naquela época se organizavam por associações). Era um processo em nível nacional.
Era uma discussão de dentro das fábricas, dos locais de trabalho, representavam a vontade dos trabalhadores em várias categorias. Os trabalhadores já estavam se colocando de forma aberta dentro das fábricas, dentro dos locais de trabalho, já apontando para maior resistência. Era uma discussão interessante, que os trabalhadores já tinham coragem de sair às ruas, de fazer passeatas, de discutir a greve geral, de fazer a greve geral, mas a gente fez muita greve que ajudou realmente a derrubar o regime.
E VOCÊ PARTICIPOU DE ALGUMA OPOSIÇÃO SINDICAL NESTE PROCESSO OU O SINDICATO QUE VOCÊ PARTICIPAVA, NA CATEGORIA EM QUE VOCÊ PARTICIPAVA, JÁ TINHA UM SINDICATO COMPATÍVEL?
Então, a primeira oposição que eu participei foi de forma bem clandestina, que era dentro de uma indústria gráfica, junto com três companheiros. As reuniões aconteciam rapidamente no banheiro e no vestiário, discutia de fazer o mosquitinho para soltar no dia seguinte na fábrica. Tinha esse trabalho e às vezes íamos no sindicato falar para o presidente do sindicato fazer a pauta de reivindicação.
A outra oposição que eu participei foi quando fui morar um tempo no RJ. Eu participei da oposição metalúrgica reunindo com um dos dirigentes ligados ao Partido Comunista, mas ele mesmo tinha medo de enfrentar o pelego.
Depois foi na oposição metalúrgica de Santo André e posteriormente na da Construção Civil e Moveleiros de São Bernardo e Diadema, quando organizamos uma oposição ao pelego, ganhamos as eleições. Fiquei 2 mandatos como secretário geral e desenvolvemos muitas lutas. O sindicato era da construção civil e moveleiro, com indústrias grandes que chegavam a ter 1500 trabalhadores.
AS MAIORES CONQUISTAS DESTE PERÍODO DE RESISTÊNCIA OPERÁRIA À DITADURA FORAM A CUT E O PT?
A questão de uma saída política para esse processo era uma coisa importante. A Convergência Socialista (que se transformou em PSTU e nos quais militei até 1998) defendia no congresso estadual dos metalúrgicos a proposta de fundação de um Partido, o PT. Lula no início era contra a fundação do PT porque não podia se misturar a política com luta sindical.
Outra coisa importante foi a construção de uma central sindical independente, classista e de luta. Isso aumentou o som das ruas, das mobilizações, porque agora tinha uma central que unificava todas as lutas e se posicionava a favor da resistência à ditadura militar que já demonstrava sinais de esgotamento.
Esses dois instrumentos foram sem dúvida algo muito importante que a classe trabalhadora brasileira construiu. Dá orgulho em ter participado. Pena que se transformaram em instrumentos do capital contra os trabalhadores.
OUTRA QUESTÃO É QUE AS GREVES NO FINAL DA DÉCADA DE 70 COMEÇARAM POR REIVINDICAÇÕES SALARIAIS E LOGO PASSARAM A SER CONTRA A DITADURA.
Essa questão é muito interessante porque antes dessas mobilizações houve lutas dos estudantes, com grandes mobilizações na PUC, na USP e nas públicas do Rio de Janeiro. Eram lutas mais políticas, pela anistia, por democracia.
Depois dessas lutas estudantis, logo a seguir vieram as greves aqui no ABC e que começaram com greves por reivindicações para repor os índices da inflação que Delfim Neto (ministro da Fazenda da ditadura) tinha retirado dos cálculos oficiais.
Uma greve muito forte que questionava toda a política econômica da ditadura. Não era só contra as empresas, mas contra esse modelo. Por isso que logo foi colocada a questão do regime.
Em 1983 houve outro fato interessante, na realidade muito bonito, que foi a greve dos metalúrgicos de SBC, de Santo André e outras categorias, senão me engano bancária, que chegaram a parar em solidariedade aos trabalhadores da Petrobrás lá em Paulínia.
Foi o primeiro movimento unitário com várias categorias paralisando as principais cidades do país. Teve muita repressão e também teve muita repercussão na imprensa em relação a esta questão, que os trabalhadores jamais poderiam fazer uma greve em solidariedade a outra categoria. Mas foi uma greve interessantíssima na realidade que desencadeou um processo mais político mais pra frente.
VIVEMOS NUM CHAMADO REGIME DEMOCRÁTICO. PODEMOS DIZER QUE EXISTE DEMOCRACIA?
O que eu acho é que na realidade a democracia burguesa é uma forma mascarada, diria uma ditadura. Você também não pode reivindicar muita coisa que logo é reprimido. Dentro das fábricas quem reclama é demitido. É uma ditadura. Vai lá o bancário reclamar com o gerente de que está ganhando pouco, está sendo assediado. É demitido na hora e sem direito a defesa.
Por isso a luta tem que ser coletiva, de toda categoria. Assim se protege das ameaças e se defende coletivamente.
Isso que chamam de democracia também cooptou muita gente. Dos que naquela época organizaram as grandes mobilizações por melhores salários, hoje uma boa parte ou está em ministério ou está em secretarias de prefeituras do PT ou do PSB ou do PC do B.
Então vejo como uma ditadura que você não tem muito direito a reivindicar não. Dizem que temos direito de reivindicar, mas quando se tem greve nem negociam. E agora a moda é processar e criminalizar os que lutam: prendem e ameaçam. Como posso dizer que isso é democracia? Só se for para os ricos.
A escalada da violência contra a mulher
Falar contra a violência à mulher tornou-se algo fácil de fazer, afinal, temos hoje uma legislação em vigor, a conhecida “Lei Maria da Penha”, a primeira mulher presidente do país, propagandas e campanhas na mídia. E assim muito se fala.
Mas a realidade ainda reafirma a sociedade machista e a intensificação da exploração, que busca retroceder em conquistas de anos de luta, para avançar na opressão e no controle.
Nesse tipo de sociedade em funcionamento, em que a maioria das pessoas se habitua a obedecer sem questionar, em que votar significa entregar a alguém uma decisão cega, na qual se insiste em manter a mulher envolvida em mentiras e fofocas para sufocar qualquer debate político sério, podemos nos deparar com intensos retrocessos no nível de consciência mesmo em momentos de avanço nas lutas.
É exatamente nesse tipo de sociedade e nesse momento da história que presenciamos, no Brasil, a dobrar o número de femicídios (homicídio de mulheres no Brasil – Mapa Violência atualização 2013); aumentar em quase 20% o número de estupros (7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública); e a não aplicação, pelo governo Dilma, de 68,8% dos recursos públicos no combate a violência contra a mulher (TCU mar/2013).
O assédio moral e sexual, a prostituição infantil, os índices de desemprego e de trabalho precário ou escravo, os baixos salários em categorias majoritariamente femininas, o salário desigual para trabalho igual, a tripla jornada com o trabalho doméstico, o papel da mídia machista e a exploração da imagem da mulher, a má qualidade dos serviços públicos, etc. são mais algumas das várias formas de violência contra a mulher sob o capitalismo, com governos a serviço da burguesia, que não se busca combater para naturalizar uma situação e insistir na opressão e na exploração.
E assim segue também a hipocrisia burguesa: O Banco Mundial patrocina a campanha internacional de eliminação da violência contra a mulher. Conta com o apoio de diversos famosos. Ao mesmo tempo, estimula as parcerias público-privadas que além de garantir aos empresários investimentos sem risco, “assessora” o governo obrigando o pagamento da dívida pública, responsável pelo corte de verbas para construção de delegacias da mulher, casas abrigo e hospitais com serviços especializados de atendimento a mulher em situação de violência.
A mídia, reprodutora das ideias burguesas, prega contra a violência à mulher ao mesmo tempo em que incentiva a criminalização do aborto, reforça o machismo nas novelas e programação, omite informações sobre a real situação da mulher trabalhadora no Brasil e deixa de prestar serviços de utilidade pública, obrigatórios nas concessões públicas.
Além disso, utiliza discursos a favor da democracia, mas busca criminalizar os movimentos sociais que lutam por serviços públicos, necessários para a vida da mulher trabalhadora.
Com tudo isso, podemos juntar governo, empresariado e imprensa burguesa no mesmo balaio para compreendermos o quanto vivemos um momento importante para avançarmos nas lutas e não retrocedermos nas conquistas.
No decorrer desses 50 anos do Golpe Militar no Brasil, sabemos o quanto a luta foi imprescindível para a classe trabalhadora impor leis favoráveis às melhores condições de trabalho, de vida e pelo fim da ditadura, mas foi ainda insuficiente.
Já iniciamos 2014, ano de Copa, presenciando despejos irregulares, aumento da prostituição nas obras da Copa, carestia e tentativas de impedir manifestações com o Poder Judiciário, Polícia, empresariado e governos todos unidos para criar leis que condenam como terroristas aqueles que lutam.
O Estado vem falhando sistematicamente no combate da violência contra a mulher. Querem nos fazer acreditar que apenas porque temos uma lei específica – como a Maria da Penha – já estamos à frente no combate a violência contra a mulher. Como se uma lei pudesse sozinha terminar com toda essa violência. Estudos estão sendo feitos e eles mostram que após a Lei Maria da Penha no ano de 2006, apenas em 2007 os índices diminuíram.
Depois disso, os índices de violência aumentaram, indicando o que já sabemos – a lei sozinha é incapaz de combater a violência, não intimida os agressores, não ajuda as mulheres. Um estudo do Ipea (um órgão do governo que faz pesquisas), avaliou o impacto da Lei Maria da Penha sobre a mortalidade de mulheres por agressões e constatou que não houve redução das taxas anuais de mortalidade, comparando-se os períodos antes e depois da vigência da Lei. Apontou, inclusive, nos últimos anos, o retorno desses valores aos patamares registrados no início do período.
DESMASCARAR PARA AVANÇAR NAS LUTAS
Diante de toda essa situação, caberia a quem luta trilhar o caminho do anticapitalismo e do antigovernismo contra toda a opressão e todas as formas de violência e exploração, e apostar na luta buscando, no cotidiano, convencer demais trabalhadoras e trabalhadores da necessidade de organização e manifestação para garantir a vida e conquistar direitos.
Mas, custarão muito caro à esquerda – especialmente PSTU, PSOL e PCB – as exigências ao governo do PT e o alimentar da crença em Dilma. Denunciar o projeto dos capitalistas e dos partidos da direita para o Brasil é, também, nomear, para desacreditar, o governo, sua base de apoio e seus fóruns de sustentação (centrais sindicais como CUT, sindicatos, entidades estudantis como UNE, etc.) que paralisados estão diante da realidade de violência contra a mulher se calam diante da intensificação da repressão. Além disso, se faz urgente girar a intransigência para os esforços com a construção da unidade na luta de militantes e ativistas contra democracia burguesa, cada vez mais comparável à ditadura.
Desmascarar Dilma, que chama as Forças Armadas para conter mobilizações por melhorias nos serviços públicos, significa também não compactuar com setores que apóiam seu governo.
O governo Dilma não fala em nosso nome, as organizações que apóiam seu governo não nos representam e não lutam de fato contra a violência à mulher!
Aos movimentos feministas ou de organização de mulheres se faz urgente o combate claro ao avanço do fascismo e do fortalecimento da direita no Brasil, pois é exatamente a mulher da classe trabalhadora que mais sofre com o parco investimento nos serviços públicos, com o retrocesso nas conquistas e com a repressão.
O nosso chamado é a todas as mulheres e homens da classe trabalhadora que, diante da miséria capitalista, dispostos a lutar têm a coragem de dizer que uma outra sociedade é possível! Que Copa do Mundo e Olimpíadas não melhoram as condições dos hospitais, dos ônibus e metrôs lotados, das escolas e universidades públicas, nem o preço dos alugueis ou dos alimentos, mesmo com ingressos tão caros. E somente com o não ao pagamento da dívida pública que o dinheiro público poderá ser utilizado para serviços públicos, inclusive para construção de delegacias da mulher e casas abrigos!
A unidade das lutas, a solidariedade entre ativistas e lutadorxs e o fortalecimento das manifestações já têm como base o dia a dia de quem trabalha. São as condições de vida que têm gerado tantas manifestações e não é à toa a participação massiva de mulheres.
Contra todas as formas de violência à mulher continuamos na luta! Para reduzir o número de assassinatos de mulheres trabalhadoras: Construção imediata de Delegacias da Mulher, Casas abrigo e hospitais especializados em todos os municípios do país!
Não aceitaremos nenhuma retirada de direitos ou conquistas!
A cada passo dado pela burguesia e pelo governo contra as conquistas e as lutas da classe trabalhadora maior é a necessidade da unidade de quem luta!