Que Educação Defendemos? – Outubro/2010
14 de outubro de 2013
Este artigo foi publicado originalmente na edição nº 39 do Jornal do Espaço Socialista – Outubro/2010
Fogo Monteiro, Alexandre Ferraz e Cláudio Santana
Para além das mazelas estabelecidas nos marcos da luta pela educação enquanto pólo de “salvação social”, a questão aqui abordada busca colocar a educação como problema chave na superação do capital, porém destacando o seu papel fundamental para o próprio sistema do capital.
Marx trata esta questão, em seu terceiro ponto das “Teses sobre Feuerbach”, da seguinte forma: “ A teoria materialista de que os homens são produto das circunstâncias e da educação e de que, portanto, homens modificados são produto de circunstâncias diferentes e de educação modificada, esquece que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o próprio educador precisa ser educado. Leva, pois, forçosamente, à divisão da sociedade em duas partes, uma das quais se sobrepõe à sociedade (como, por exemplo, em Robert Owen). A coincidência da modificação das circunstâncias e da atividade humana só pode ser apreendida e racionalmente compreendida como prática transformadora.”
A importância desta observação de Marx está justamente no fato de que a educação não é algo externo às circunstâncias sociais históricas, mas antes parte constitutiva do tecido social em questão, na atual conjuntura histórica: o sistema do capital. Logo, a transformação da educação e das circunstâncias sociais não podem ser concebidas separadamente, porque estão intrinsecamente ligadas e sua superação depende da prática transformadora dos homens.
Esta afirmação tem importância particular, ao demonstrar que a transformação da educação passa necessariamente pela transformação da lógica da reprodução capitalista, inviabilizando assim, enquanto possibilidade transformadora, a mera transformação da educação como agente transformador do quadro social estabelecido.
Uma outra importante constatação de Marx aparece no primeiro parágrafo de “O Capital” e diz: “A riqueza das sociedades em que domina o modo de produção capitalista aparece como uma ‘imensa coleção de mercadorias’…”. Dentro desta aparência imediata que Marx apreende em suas análises, está uma das principais características do sistema capitalista, notadamente a produção de mercadorias e a transformação de todos os aspectos da vida social em mercado.
Sendo assim, a educação enquanto produto histórico é colocada inevitavelmente no âmbito da produção capitalista, não apenas como reprodutora dos valores essenciais da sociedade capitalista burguesa, e como formadora técnica da mão-de-obra necessária para a produção do capital, mas sobretudo como mais uma mercadoria dentre todas as outras. Sendo assim, não é nada surpreendente que dentro da lógica expansiva do capital, a educação tenha se transformado em um grande mercado capitalista, que atende às necessidades de formação de mão-de-obra (barata, no caso brasileiro), mas também enquanto mercadoria vendida como se vende qualquer outro produto.
Estas constatações, porém, não significam que a luta pelo acesso à educação (ainda que burguesa) não seja importante, e isto fica evidente quando falamos do caso brasileiro.
Afinal como disse Guevara: “Um povo que não sabe ler nem escrever é fácil de ser enganado.”
Por isso, é tarefa dos socialistas é lutar sempre pela qualidade e pelo acesso à educação, com vistas aexpandir as possibilidades de debate e de compreensão da classe trabalhadora sobre a necessidade histórica de superação do regime do capital.
O acesso do trabalhador no ensino superior e os interesses do capital:
No que se refere ao ensino superior no Brasil, apenas 4% da população tem acesso a este, sendo que estão matriculados nas universidades públicas do país majoritariamente os membros dos 20% mais ricos da população. Está situação tem contribuído diretamente para o controle social da classe trabalhadora brasileira, por meio da exclusão cultural, o que significa que a luta pela educação pública, gratuita, de qualidade e acessível faz parte do embate com os interesses do capital e contribuem para a luta pela emancipação da classe trabalhadora.
Hoje no Brasil, a educação é parte essencial do projeto de expansão do capitalismo mundial e do processo de reestruturação produtiva empreendido desde as décadas de 80/90 com as políticas neoliberais, a terceirização da mão-de-obra e a redução da classe trabalhadora diretamente engajada no processo de produção.
As novas tecnologias implantadas na produção – com vistas a reduzir o número de trabalhadores diretos engajados nesta produção e os empecilhos do sindicalismo de massas – forçaram a ampliação do ensino técnico e do acesso às tecnologias microeletrônicas – não surpreendem os gritos dos próprios capitalistas por inclusão digital -, e desta forma a ampliação do número de pessoas que ingressam no ensino superior está ligada a esta necessidade imperativa do capital em formar mão-de-obra barata e qualificada para dar cabo da nova demanda da produção capitalista. Por outro lado, essas tecnologias expandiram os negócios capitalistas e a especulação na educação, por meio das universidades privadas e a mais grave transferência de recursos públicos através de projetos federais como o PROUNI e o FIES.
O ensino público do país vem sendo extirpado em favorecimento direto aos especuladores da educação, e o acesso fictício dos trabalhadores à educação superior representa apenas a expansão do ensino técnico nas universidades, para a formação de mão-de-obra barata qualificada.
Atendendo assim aos interesses especulativos do capital na educação é que assistimos ao desmantelamento das universidades públicas e ao processo de privatizações do ensino superior no Brasil.
As formas de acesso à educação promovidas pelo capital PROUNI e PROMÉDIO, FATECs, escolas técnicas e cursos profissionalizantes.Com base em uma demanda real dos setores mais explorados entre os jovens – incluindo os negros que vinham ampliando sua luta contra o racismo e pela inclusão no ensino universitário –, o governo Lula/PT teve como política a criação do PROUNI.
A partir daí, o PROUNI foi apresentado como a grande política para a inclusão dos jovens trabalhadores e de periferia no Ensino Universitário, e aplaudido como avanço, inclusive por segmentos importantes dos movimentos sociais, do movimento negro, embora também seja verdade que houve setores críticos. No entanto, através de um olhar mais profundo é possível constatar que o PROUNI tem sido uma forma de atender a duas necessidades do capital:
a) Ampliar a formação rápida de uma mão-de-obra com nível universitário como um diferencial limitado, em cursos de curta duração, de modo a exercer uma pressão para baixo em termos salariais e de direitos ligados a essas profissões.
b) Salvar grandes grupos de empresas (inclusive internacionais) que compraram redes que nos anos 90 apostaram a fundo no mercado de cursos universitários, e que passavam por dificuldades devido à saturação desse mercado. Assim, o estado entrou para contrabalancear um mecanismo natural do capitalismo, que seria a falência pura e simples dessas faculdades.
Uma das áreas com maior quantidade de cursos disponibilizados pelo PROUNI é a de licenciatura, destinada a formar professores que geralmente vão trabalhar nas escolas públicas.
Há uma profunda ligação entre a precariedade da formação desses profissionais e a precarização das condições de contratação e salários a que estão cada vez mais submetidos, pois o estado, ao mesmo tempo em que é o agente da precarização da formação acadêmica, usa o argumento – quando quer justificar uma política de corte de direitos e de rebaixamento salarial – de que esses profissionais não atendem aos pré-requisitos desejados pelo governos e que, em última instância, são os responsáveis pela baixa qualidade do ensino.
PROMÉDIO, a aplicação do PROUNI ao ensino médio
“Batizado de ProMédio, o programa é um dos itens presentes na proposta de programa de governo entregue pelo PMDB, partido de Michel Temer, vice de Dilma, ao PT, e propõe a expansão do sistema que vigora hoje no ProUni, que distribui bolsas de estudo em instituições privadas, ampliando-as para os ensino Fundamental e Médio.” (www.uol.com.br – 2010/07/19)
Já no Estado de São Paulo, Serra criou o “Programa de Aperfeiçoamento em Idiomas, da Secretaria de Estado da Educação. A iniciativa disponibiliza cursos gratuitos de inglês, espanhol e francês em 586 escolas de idiomas particulares conveniadas com o governo do Estado. O investimento é de R$ 296 milhões e são oferecidas 362.539 vagas.” (noticias.terra.com.br 18/03/2010)
Cursos à distância
A gigantesca expansão do EAD (Ensino à Distância) representa de modo mais nítido essa lógica perversa de subordinação total da educação aos interesses do capital, pois a qualidade é sacrificada de vez em função da formação imediatista e mercantilizada de profissionais. “Em 2000, o Brasil tinha apenas 1.682 alunos no ensino a distância, segundo censo da educação superior do Inep –órgão do MEC. Em 2009, já eram 814.183, segundo a Secretaria de Educação a Distância.” (http://www.observatoriodaead.com/2010/02/)
ETEC’s, FATEC’s, SENAI’s – Formação Tecnicista, Destituída de Reflexão
Outras formas de ensino apregoadas como modos de inserção dos jovens no mercado de trabalho têm sido as ETEC’s, FATEC’s, SENAI’s e cursos profissionalizantes implantados inclusive em parcerias entre o estado e empresas.
Esses cursos têm um certo reconhecimento em termos de formação de uma mão-de-obra com maior qualidade, mas uma qualidade que serve apenas aos interesses empresariais, destituída de crítica e de reflexão, a partir de um contato pragmático e superficial com o conhecimento. Katlin Cristina de Castilho, em seu estudo sobre “Estudar e Aprender de Alunos do PROUNI” e de outras instituições voltadas para a formação de mão-de-obra, afirma: “Estas instituições que se voltam à profissionalização priorizam a formação condicionada pelas determinações do mercado de caráter instrumental e pela aprendizagem de conhecimentos “úteis” à atuação profissional, que não implicam necessariamente a pesquisa, a discussão e a análise (…) Esta formação – ideologicamente ajustada às configurações flexíveis da economia e da sociedade contemporânea – se caracteriza pela aprendizagem rápida e fácil de conhecimentos transmitidos pelos professores, na maioria das vezes resumidamente, e que, em suma, são aceitos pelo público de estudantes sem que sejam compreendidos os embates teóricos e científicos próprios do desenvolvimento do conhecimento (…) “Tal profissionalização não implica, ao estudante, desenvolvimento de uma postura epistemológica crítica frente ao conhecimento e ao mundo, ou, como esclarece Robinson Santos, tem como resultado: “pessoas incapazes de estabelecer relações entre fatos, de analisar situações e debater sobre temas que fazem parte do cotidiano numa perspectiva global e crítica. Tecnicamente são ‘experts’, mas sócio, política e culturalmente alienadas”.
Isso se dá em um processo destinado à formação que não tenha compreensão dos aspectos sociais, econômicos e políticos envolvidos na constituição do conhecimento e no papel da educação em sua dimensão mais ampla (histórica e crítica).
Que Educação devemos defender?
Em uma abordagem transformadora, a educação deve estar situada numa dimensão mais ampla, como parte da relação dos indivíduos com a realidade prática em que vivem, para além portanto da sala de aula e da preparação para o mundo do trabalho, numa formação global e interativa, que esteja vinculada às necessidades gerais e concretas dos trabalhadores, de modo que se apropriem dos processos teóricos e metodológicos envolvidos na produção do conhecimento.
Essa dimensão educacional implica uma profunda ligação e engajamento consciente com a luta de classes e com seus desdobramentos nos campos econômico, político, ambiental, científico, de gênero, racial, filosófico, enfim, de todos os aspectos vinculados à produção do conhecimento. Requer portanto a ruptura com os limites do capital e a combinação entre a expropriação da burguesia do controle do conhecimento e da pesquisa científica – o que logicamente implica a luta pela expropriação dos meios de produção – e sua transformação em propriedade coletiva sob controle dos trabalhadores.
Como parte de um programa de transição para a Educação defendemos:
Investimento já de 10% do PIB na Educação, rumo aos 13%!!
Para viabilizar esse investimento: não pagamento das dívidas públicas, interna e externa, e investimento desse dinheiro nos serviços públicos, sob controle dos trabalhadores, em especial na educação, saúde, moradia, transporte, cultura e lazer;
Verbas públicas apenas para instituições públicas! Estatização sem indenização das redes de ensino privadas, sob controle dos trabalhadores;
Fim da remessa de verbas públicas para instituições privadas (PROUNI, PROMEDIO, etc). Criação de vagas suficientes a partir da Expansão das Universidades Públicas, de modo que todo jovem tenha acesso ao ensino superior, possibilitando o fim do vestibular;
Que o estudo seja considerado parte da jornada de trabalho, sem redução do salário;
Cotas proporcionais para negros e negras em todos as universidades e cursos;
Democratização das Universidades com a composição paritária nos órgãos de deliberação das Universidades e Escolas (1/3 de professores, 1/3 de funcionários e 1/3 de alunos) e sem ingerência dos governos e empresas;
Produção do conhecimento voltada para as necessidades dos trabalhadores e da humanidade, e não do capital.
A Educação global dos trabalhadores precisa ser parte do programa da emancipação socialista, e como tal deve ser incorporada à luta dos vários setores e categorias dos trabalhadores do campo e da cidade. É necessário ir além dos muros das escolas e universidades. Os trabalhadores, de um modo geral, precisam participar das discussões sobre a qualidade de ensino e da luta dos estudantes e professores. Os sindicatos, sobretudo os de esquerda, devem romper com os limites corporativistas e discutir no âmbito de suas categorias os problemas da educação, como parte da luta por um poder dos trabalhadores apoiado em suas organizações de base, rumo socialismo.