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Escola pública: a violência como instrumento de destruição das potencialidades humanas– Maio-Junho/2011


14 de outubro de 2013

Este artigo foi publicado originalmente na edição nº 43 do Jornal do Espaço Socialista – Maio-Junho/2011

 

Iraci Lacerda e Cláudio Santana

 

[…] Enfim, agonia de múltiplas faces.
Mas com uma raiz única
feita de várias partes e entraves…
de vários entraves e diversas partes.
Entraves da acumulação,
da distribuição, da divisão
e apropriação privada da vida
mutável do ser social. […]
Tico Pádua

 

Abordar a questão da violência no cotidiano das escolas é maçante, sobretudo, para quem lida e sofre diretamente com o problema. Mas, o fato ocorrido em Realengo, amplamente explorado e difundido pela mídia, desnuda parte do sistema educacional brasileiro e necessita de uma reflexão que extrapole o corporativismo.
Ressaltar que a violência é inerente ao sistema de exploração parece redundância, no entanto, precisamos reafirmar que enquanto uma pequena parcela da humanidade, a burguesia, usufruir das benesses do capitalismo em troca da vida de trabalhadores teremos, sistematicamente, massacres ou chacinas.
“Nunca se produziu tanta comida e ao mesmo tempo nunca tantos seres humanos passaram fome como agora; temos as mais altas tecnologias no campo da saúde, por exemplo, enquanto muitas pessoas continuam morrendo de doenças comuns que já deveriam ser erradicadas; fala-se tanto em ecologia, proteção ao meio ambiente, porém os mesmos grupos que propagam tais teorias são os que mais destroem o planeta com suas indústrias poluentes, agrotóxicos, armas nucleares, automóveis, entre outros.” (Freitas, Luiz Carlos de. In: Reflexões sobre a luta de classes no interior da escola pública, p. 100)

Essa divisão social, obviamente, também se expressa nas políticas educacionais. A escola é tão bem enquadrada nessa lógica que se torna cada vez mais visível a divisão entre as que “podem mais”, “as que podem menos” e “as que nada podem”. E as escolas públicas já divididas entre as centrais e as periféricas concorrem diretamente com as particulares na qualidade do ensino e na formação humana.
Tem sido comum situações de violência nesses vários espaços escolares e a Justiça também responde de acordo com a divisão social: Para uns a impunidade é parte do processo educativo recebido ao matarem moradores de rua, assassinarem camponeses, discriminarem negros ou homossexuais, etc. Para outros o processo pedagógico somente é pensado a partir da repressão direta e contenção diária através de monitoramento por câmeras, policiais militares, atuação constante do Conselho Tutelar e etc. com a finalidade de transformar as escolas periféricas em semifebéns.

Diante dessa divisão capitalista da sociedade precisamos romper – professores, estudantes e trabalhadores – com a lógica do isolamento por categorias profissionais e estabelecermos uma unidade de fato, se quisermos reverter a situação.

A moral como instrumento da violência

Segundo Lefebvre (In: Marxismo, p. 53) a moral é enganosa, pois codifica e legaliza no indivíduo – sob forma de consciência moral, e, no exterior, sob a forma de punição e de prédica – a prática social mediana em um dado momento.

Dessa forma, a sociedade capitalista, que é de consumo, estabelece padrões de beleza e “bem-estar” como ideais, transformados em mercadorias, que devem ser alcançados.

Junto com isso os costumes e valores para favorecerem cada vez mais essa classe dominante e que são expressos a todo tempo pelos meios midiáticos estão em contradição com a própria situação das escolas públicas e de suas comunidades.

Quem não consegue seguir esses padrões são isolados e inferiorizados. Isso faz com que muitos vivam constantemente as dificuldades do ter ou ser, que tem como mal do século a depressão. Outros buscam saídas como o suicídio, as brigas diárias para descarregar ou carregar as raivas, o homicídio banal, roubos e tudo mais que faz parte do cotidiano dos alunos nas escolas estaduais, certamente como tentativa de se enquadrar nos valores capitalistas.

A competitividade e o individualismo

A competitividade e o individualismo são os valores mais propagados pela ideologia burguesa:“As pessoas se voltam cada vez mais para si, para seu mundo pessoal. Perde-se, assim, o espírito de coletividade, o sentido de solidariedade, de humanidade, a noção de comunidade, de conjunto…”(Novaes & Vilmar. In: O capitalismo para principiantes, p. 193). Enquanto isso se mantém, temos como exemplo, na Proposta Pedagógica para as escolas estaduais de São Paulo a obrigatoriedade de se desenvolver uma “intervenção solidária na realidade, respeitando valores humanos.”

Dessa forma, mantém-se a contradição entre a realidade e o discurso oficial, o que torna a valorização da capacidade individual uma das mais poderosas armas do capitalismo para manter a classe trabalhadora competindo entre si e se autodestruindo.

O sistema de avaliação dos estudantes e escolas por órgãos externos, a política de bônus e de mérito no estado de São Paulo e que estão sendo encaminhadas em todo o país – como políticas educacionais pensadas e desenvolvidas pelos governos do PSDB e PT – seguem esse caminho da individualidade e da competitividade. Procura-se hierarquizar para responsabilizar cada um pela sua “incapacidade” de competir de acordo com o padrão e valores estabelecidos.

Encobre-se que o capitalismo não suporta a igualdade de oportunidades, que somente tem condição de sobrevivência com a dura competição e que é esse tipo de sociedade que gera tantos quantos realengos.

A violência na hierarquia entre as classes sociais e o papel do Estado

O Estado burguês cumpre um papel fundamental no sentido de encobrir essa violência e fingir uma harmonia social.

Ao não atender com qualidade o interesse da classe que gera a riqueza para representar os interesses de bancos, empresas, empreiteiras, etc., o Estado obriga-se a cortar gastos com serviços públicos essenciais para os trabalhadores. Somente com o governo Dilma a Educação perdeu R$ 3,1 bilhões.

Essa obrigação é tornada pública com o objetivo de buscar a compreensão e o sacrifício do trabalhador ao mesmo tempo em que reforça políticas como Bolsa-família aliada à frequência escolar e avaliação do professor. Busca-se afirmar, com todo o apoio da imprensa burguesa, que o problema é apenas da qualidade do ensino e da gestão não do sistema educacional voltado para atender um tipo de sociedade que separa as pessoas entre aqueles que precisam trabalhar para sobreviver e aqueles que exploram para se manter.
Nesse universo desnuda-se um ciclo em que o que menos se considera é a qualidade do ensino ligada às potencialidades humanas, pois o nível de qualidade a ser conquistado precisa, necessariamente, atender a essa hierarquia social.

Poucos poderão ocupar postos de destaque no mundo do trabalho. Para a maioria restará o espaço público escolar como contentor das consequências diretas deixadas pelas contradições da competitividade e individualidade. E nem que seja através da repressão policial o Estado capitalista e seus governos continuarão tentando encobrir a violência existente no sistema educacional brasileiro.
A luta por uma Educação com qualidade deve ser de toda a classe trabalhadora!

A violência expressa na Educação brasileira faz parte da realidade de crise estrutural do capital e do papel reservado à produção dos países “em desenvolvimento”. A escola precisa ensinar a dosagem certa entre competitividade e obediência, individualidade e submissão, aliadas indispensáveis no meio produtivo capitalista.

Nesse sentido, já não se pode manter lutas isoladas em escolas – a repressão sobre estudantes e professoras é cada vez maior – muito menos se pode reduzi-las à categoria de professores – já que se trata da Educação para os filhos da classe trabalhadora.

Uma pedagogia de luta contra o conformismo e que busque a formação plena do ser humano precisa voltar à cena. No entanto, esbarramos também nas direções dos movimentos sindicais e sociais atreladas diretamente ao governo petista e/ou aos antigos métodos para frearem as lutas.

Os sindicatos, centrais sindicais (Intersindical, CSP-Conlutas) e movimentos sociais de esquerda também não podem compactuar com o fato da Educação pública transformar-se em instrumento de destruição das potencialidades humanas da classe trabalhadora por omissão, negligência ou até mesmo pela repetição de métodos alheios a democracia operária.

Não se muda a realidade apenas com teoria. Mas, a luta também não pode estar desprovida da teoria marxista. É preciso uma base material para que a própria teoria se desenvolva. As lutas imediatas na Educação precisam estar vinculadas à defesa de uma realidade que garanta a apropriação do conhecimento científico em favor da classe trabalhadora e não contra.

Precisamos por fim à autodestruição da classe trabalhadora, às chacinas e massacres. Precisamos que todos os trabalhadores e trabalhadoras em empresas, comércio, hospitais, bancos, órgãos públicos, desempregados, aposentados e os estudantes estejam unidos na luta em favor de uma escola pública com qualidade de ensino e aprendizagem que favoreçam as potencialidades humanas de quem trabalha e gera a riqueza do país.