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É hora de tomar partido! (e de tomar os partidos)


20 de julho de 2013

Este texto é uma contribuição individual, não necessariamente expressa a opinião da organização e por este motivo se apresenta assinado por seu autor.

Daniel Delfino

A onda de manifestações do mês de junho deixou um saldo contraditório. De um lado, obteve pequenas vitórias, como a revogação do aumento das passagens, retirada da PEC 37 e da “cura gay”, mas acima de tudo, deixou uma conquista importantíssima, a lição de que é possível e necessário se manifestar e enfrentar o poder, experiência inédita para a atual geração, e que terá ainda largas consequências.

Por outro lado, essa onda expôs o imenso grau de atraso político dos diversos setores populares participantes, de um modo tal que a mídia foi capaz de impor o tema da corrupção (visando tão somente desgastar o governo do PT) e, o que é ainda pior, setores de extrema direita conseguiram banir os partidos de esquerda (PSOL, PSTU, PCB, PCO) das manifestações mais massivas, contando com a força bruta de bandos neonazistas, e sendo aplaudidos pelo restante dos manifestantes.

O antipartidarismo deixou no fundo um gosto amargo que maculou o sabor de vitória que as manifestações deveriam ter deixado. A rejeição aos partidos atingiu indistintamente o PT, partido burguês composto de burocratas que administram os interesses do capital no Brasil, e também os partidos de esquerda, que se definem como partidos classistas, socialistas e revolucionários. Para todos os que se colocam na perspectiva anticapitalista, esse tema do antipartidarismo se reveste da máxima importância.

Unidade da esquerda contra o antipartidarismo

Para alcançar as raízes desse antipartidarismo, será preciso ir além de uma posição meramente superficial, ainda que correta, de defender os partidos de esquerda, e iremos além nos pontos seguintes. Antes de avançar nesse campo do antipartidarismo, é preciso deixar claro que essa defesa dos partidos é um pressuposto, um princípio incondicional. A constituição de uma frente única antifascista, unificando os partidos de esquerda, as organizações menores, coletivos e militantes independentes, socialistas e anarquistas, deveria ser algo óbvio, natural e instantâneo, e não uma excepcionalidade que só começa a se cogitar devido à ameaça fascista.
Só é uma excepcionalidade devido aos vícios sectários e rivalidades aparatistas que fragilizam a esquerda brasileira há décadas. Com todas as discordâncias que se tenha em relação às demais organizações, por mais duros que sejam os debates e as polêmicas, por mais radicais que sejam as diferenças, é preciso que cada militante reconheça as demais organizações ou militantes independentes como seus irmãos de classe, companheiros de luta, que devem ser defendidos de qualquer ataque do estado, da patronal e de seus agentes fascistas. Essa solidariedade de classe era parte integrante da tradição do movimento socialista, deveria ser incondicional, uma questão de principio, o básico do básico.

Infelizmente, ainda não é. Essa lição de casa não está sendo feita e terá que ser retomada. É preciso agitar a necessidade de defender as organizações de trabalhadores, propagandear a solidariedade de classe, fazer unidade em torno do direito democrático de manifestação, tudo isso deve ser feito pelas organizações de esquerda, em suas frentes de atuação junto à classe trabalhadora.

É preciso retomar o trabalho de agitação e propaganda em torno dos elementos mínimos da consciência de classe, para que os trabalhadores se reconheçam como classe e reconheçam as organizações de luta, os sindicatos e partidos operários, e ao mesmo tempo denunciar as instituições da burguesia e seu Estado, os partidos burgueses e as ONGs, as igrejas e polícias, as televisões e jornais, os discursos individualistas e pós modernos. Mas isso, repetimos, ainda é apenas o básico do básico.

O antipartidarismo não pode ser um tabu

Para combater o antipartidarismo, é preciso ir além desse básico e fazer algo mais. É preciso não apenas tentar remediar urgentemente o atraso político dos manifestantes, mas também explicar as razões desse atraso e por que levaram ao antipartidarismo. Não é mais possível para os partidos e organizações ignorar a necessidade de um balanço da sua atuação nos últimos anos, que explique por que o discurso socialista revolucionário se encontra de tal maneira minoritário e isolado.

Como se construiu essa correlação de forças no interior das manifestações tão desfavorável para o socialismo revolucionário e tão favorável para a direita? Não é mais possível atuar como se nada tivesse acontecido e ignorar essa questão crucial. Não basta se refugiar nessa posição defensiva e auto proclamatória do tipo: “nós somos as organizações da classe trabalhadora!” Pois se os trabalhadores não reconhecem essas organizações como suas, de que adianta? Essa posição meramente defensiva parece dizer nas entrelinhas o seguinte: “nós somos os revolucionários, mas se vocês trabalhadores não nos seguem, o azar é de vocês!” “Nós somos o caminho, a verdade e a vida! Ninguém chega ao pai senão por meio de nós!” “Como vocês trabalhadores se atrevem a não nos reconhecer como os seus partidos e organizações? No nosso próximo congresso vamos votar uma resolução contra vocês!” Vista em perspectiva, essa postura meramente defensiva dos partidos e organizações em relação ao antipartidarismo, esse tom de queixa e essa atitude mendicante, praticamente implorando para ser aceito nas manifestações, tem algo de patético.

Os partidos e organizações evitam falar dessa questão, do seu não reconhecimento pelos trabalhadores, como se isso fosse um tabu. Como se fosse suficiente bater no peito e dizer: “nós somos a esquerda! A história nos dará razão” Essa postura de avestruz, que enfia a cabeça no buraco para não lidar com a realidade, é o primeiro passo para que os partidos e as organizações percam o bonde da história, que está passando debaixo dos seus narizes.

Para responder de fato ao problema colocado pelo antipartidarismo, é preciso sair dessa zona de conforto de se auto proclamar “nós somos a esquerda!”, e para limpar terreno, começar abandonando algumas falsas respostas.

A composição de classe não explica tudo

A primeira falsa resposta seria a que diz que os partidos foram expulsos das manifestações na Avenida Paulista, especialmente no dia 20 de junho, porque o público era composto pela classe média. Por trás dessa resposta está o pressuposto de que a classe média é automaticamente de direita e a classe trabalhadora é automaticamente de esquerda. Nada mais falso do que isso! A realidade é muito mais complexa e contraditória. Não é difícil encontrar indivíduos de esquerda no interior da classe média, e não é tão fácil achar trabalhadores politizados, com uma consciência de esquerda.

A própria militância dos partidos e organizações é composta, na sua maior parte, por elementos muito mais próximos da classe média! Quem consegue ser militante no Brasil hoje? Funcionários públicos ou de empresas estatais, que podem fazer greve sem serem demitidos (pelo menos por enquanto), estudantes de universidades públicas, que para passar no vestibular puderam estudar sem ter que trabalhar, porque tem pais que puderam bancar seus estudos. Ou seja, a maior parte das organizações que representam a classe trabalhadora é composta por um segmento muito reduzido, mais próximo da classe média!

E inversamente, os trabalhadores na sua maioria interpretam o mundo com os óculos da ideologia burguesa. Como advertia Marx, as ideias dominantes numa determinada época são as ideias da classe dominante. Quem está enchendo hoje as igrejas evangélicas, com suas ideias machistas, racistas e homofóbicas, são justamente esses trabalhadores que “deveriam” estar nos partidos e organizações de esquerda!

Ou seja, a classe média não é automaticamente de direita, pode ser ganha pela esquerda, como de fato muitas vezes é, e os trabalhadores não são automaticamente de esquerda, precisam ser ganhos pela esquerda, e muito mais dificilmente são. Entre os que “podem ser ganhos” e os que “precisam ser ganhos” há uma distância abissal. Logicamente, é muito mais fácil para a esquerda colher militantes entre os que “podem ser ganhos” do que entre os que “precisam ser ganhos”. É mais fácil justamente pelo fato de que a classe média tem acesso não apenas aos bens materiais, mas também aos bens espirituais que lhes propiciam os recursos culturais para entender e concordar com o discurso da esquerda, enquanto que os trabalhadores só tem acesso às redes de TV aberta.

Não é apenas porque as manifestações se compõem da classe média (ou são no mínimo policlassistas, pois não foi a classe média que atacou prédios públicos, prefeituras, etc., em centenas de cidades) que os partidos foram expulsos, mas porque esses próprios partidos se refugiaram em setores de classe média e numa elite cultural da classe trabalhadora, sem conseguir conquistar base social suficiente para garantir fisicamente sua presença quando surgiram as manifestações de massa.

Evidentemente, não se trata aqui de negligenciar o fato de que quem expulsou os partidos da manifestação do dia 20 de junho na Paulista não foi a classe média de esquerda, foi a classe média já ganha ideologicamente pela direita, e o fez contando com a força bruta de grupos organizados de fascistas. Não negligenciamos esse fato, apenas destacamos que a explicação das ações das massas pela simples evocação da composição social de classe e frações de classe é falsa, porque é simplista e mistificadora. Refugiar-se na crença de que, se fossem os trabalhadores na Avenida Paulista eles seriam automaticamente de esquerda e defenderiam os partidos, é uma forma de não entender o problema e continuar longe de resolvê-lo.

O vício do aparelhamento

A segunda falsa resposta consiste em negar a existência do vício do aparelhamento (ou minimizá-lo), que fez com que os partidos de esquerda fossem expulsos das manifestações muito antes delas ganharem um caráter de massa. O aparelhamento é o hábito que os partidos e organizações têm de se colocar à frente das manifestações, com suas faixas e bandeiras, como se fossem os seus dirigentes por “direito natural”. Ora, isso não passa do mais grosseiro oportunismo, e qualquer manifestante de primeira viagem percebe a manobra dos partidos e organizações que agem dessa forma, e os rejeita! “Quem são esses caras que não fazem trabalho de base, não disputam diariamente a consciência dos trabalhadores, não vão nas panfletagens e reuniões nos locais de trabalho, nas salas de aula e nos bairros, e agora querem estar na frente das manifestações?” É assim que pensa um manifestante minimamente atento, e havia muitos deles.

Claro que nem todos os partidos e organizações agem assim com uma metodologia tão rebaixada, mas infelizmente é essa postura que prevalece, e que acaba prejudicando a reputação das organizações perante os manifestantes e ativistas independentes. Para eles qualquer partido ou grupo organizado é um bando de oportunistas que só pensa em aparelhar e dirigir.
O antipartidarismo baseado na repulsa ao aparelhamento não nasceu nas manifestações de junho de 2013, ele já tem uma longa história de pelo menos duas décadas. Durante esse período, na falta de movimentos de massa, os partidos e organizações lutavam encarniçadamente para dirigir qualquer mínima manifestação, qualquer reunião de centro acadêmico, alimentando com isso a rejeição contra a forma partido-organização. Devemos dizer nesse caso, uma justa rejeição.

Sabemos também que não foram apenas os manifestantes independentes (corretamente) indignados com o aparelhismo que expulsaram os partidos e organizações das primeiras manifestações. Eles foram devidamente dirigidos para isso por um outro partido que já estava presente nas manifestações, o partido dos antipartido, o partido dos que tem como único programa ser contra a presença dos partidos, que finge não ser ele próprio um partido e assim dirige a base das manifestações contra os outros partidos. Estamos falando aqui do partido anarquista, que atua de forma tão aparelhista e sectária quanto os partidos de esquerda que combate.

Felizmente, esse partido anarquista não organiza todos os anarquistas, pois existem adeptos dessa ideologia que possuem um mínimo de consciência de classe e sabem que o programa de ser antipartido não pode ser a única bandeira do seu movimento e que esse programa contém em si uma armadilha, porque abre caminho para a ação da direita. Infelizmente, o que prevaleceu nas primeiras manifestações foi o partido anarquista que expulsou os demais partidos e organizações de esquerda, já compactuando assim com o discurso de direita que viria a se manifestar posteriormente de forma concreta na ação de neonazistas nos dias seguintes. Reconhecer esse erro político dos anarquistas, porém, não pode servir como desculpa para que os partidos e organizações não façam a autocrítica do aparelhismo e combatam esse vício que tantos males traz ao movimento.

A identificação com o PT e com o fracasso do reformismo

Uma terceira falsa resposta é a suposição de que o público das manifestações conhece os partidos de esquerda e os rejeita por seu conteúdo de esquerda. Há uma insistência em não perceber que os partidos de esquerda foram rejeitados em boa medida porque foram identificados com o PT. Para a imensa maioria dos trabalhadores e da classe média, os partidos de esquerda legalizados, PSOL, PSTU, PCB e PCO, são apenas uma versão requentada do PT. São apenas mais um grupo de oportunistas e demagogos que usam o nome de “trabalhadores”, mas que quando se elegerem, vão fazer o mesmo que o PT: roubar. Os partidos e as organizações menores (que no campo da disputa eleitoral invariavelmente fazem unidade de ação ou chamam voto critico nesses partidos) insistem em não fazer uma leitura critica dessa interpretação que os trabalhadores fazem da trajetória do PT. Insistem em não reconhecer que os trabalhadores já fizerem o seu balanço da experiência do PT e não estão dispostos a repeti-la!

Os trabalhadores sabem que o PT em sua origem era um partido combativo, que organizava greves, lutava pelos trabalhadores, etc., mas que com o tempo, conforme foi se elegendo para cargos mais importantes, foi fazendo acordos com os donos do país, chegando ao ponto de se corromper. Não é sem algum desgosto que os trabalhadores reconhecem isso, mas o reconhecem. O que eles vivenciam nesse reconhecimento é a decepção subjetiva causada pelo fracasso objetivo da estratégia do PT de mudar o sistema a partir de dentro, ocupando espaços no Estado e lutando por reformas.

Esse programa, socialdemocrata na essência, fracassou há 100 anos, com a socialdemocracia europeia, mas os trabalhadores brasileiros vivenciaram o seu fracasso agora, através da experiência do PT. A estratégia eleitoral e reformista já estava errada há 100 anos e está ainda mais errada agora, num período de crise estrutural do capital. Há 100 anos, Rosa Luxemburgo já denunciou o erro da estratégia que se limita ao reformismo e apontou a necessidade de, ao lado das reformas, lutar sempre pela revolução. A estrategia revolucionária admite que se ocupem espaços no Estado e se lute por reformas, mas desde que seja para fazer a denúncia do próprio Estado e de que não se abandone jamais a organização da luta pela revolução.

Os trabalhadores, no entanto, verificaram na prática que o PT abandonou a organização das lutas e se limitou a ocupar espaços no Estado. Os trabalhadores mais avançados podem até reconhecer que os partidos de esquerda estão nas lutas, podem até se colocar contra o PT e a CUT, que é a correia de transmissão do PT, no âmbito do movimento sindical, podem até votar contra os dirigentes do PT/CUT nas assembleias dos sindicatos, etc., mas no que se refere ao debate eleitoral e de projetos para a sociedade, esses mesmos trabalhadores mais avançados votam no PT, em nome do “voto útil contra a direita”, e simplesmente não reconhecem os partidos de esquerda como alternativa politica.

Para os trabalhadores brasileiros, o fracasso do projeto do PT significa o fracasso de qualquer partido de esquerda. Reconhecem instintivamente que esses partidos não possuem nem de longe o lastro social necessário para bancar o discurso revolucionário que às vezes emitem, porque sabem que os processos de luta atuais são infinitamente menores do que aqueles que o PT dirigia. Entre o PT que já conhecem e esses partidos cuja atuação conhecem e cujo discurso não parece factível, os trabalhadores votam no PT. O resultado dos quatro partidos de esquerda legalizados nas eleições de 2012, quando não passaram de 1% dos votos, dispensa mais comentários sobre isso. Esses resultados eleitorais pífios não são explicados pelos partidos e organizações nesses termos históricos estruturais, mas em função de acidentes de percurso, erros táticos das candidaturas, da estratégia das campanhas eleitorais, etc., evitando enfrentar o problema em sua profundidade.

Os partidos de esquerda (e as organizações que os acompanham no campo eleitoral) insistem em fechar os olhos para essa realidade, porque isso os obrigaria a reconhecer que não conseguiram construir uma estratégia para a revolução que seja diferente daquela do PT: ocupar espaço na legalidade burguesa e lutar por reformas. Por mais que a revolução seja a sua intenção declarada e o seu discurso para consumo interno da militância, a realidade é que os partidos conseguem apenas, quando muito, impulsionar pequenas lutas por reformas. A distância entre o que o discurso projeta e o que a prática realiza cobra seu preço quando esses partidos acabam confundidos com pálidas imitações do PT. Os trabalhadores mais atentos identificam os partidos de esquerda com o PT naquilo que o PT tinha de melhor, o seu passado de participação nas lutas, e mesmo assim, não confiam seu voto a esses partidos.

Nem contra nem a favor, muito pelo contrário

Os manifestantes em geral, por sua vez, identificam os partidos de esquerda com o PT naquilo que o PT tem de pior, o seu presente de um partido de corruptos. O fato de serem identificados com o PT é que levou os partidos e organizações de esquerda a serem expulsos. A cor vermelha, que é a cor histórica do movimento socialista, no Brasil é a cor das bandeiras do PT, a mesma cor que os partidos de esquerda também usam. Logo, para a massa de manifestantes, ser vermelho é sinônimo de ser oportunista e corrupto.

Repetimos, havia nas manifestações um setor organizado de ultra direita que sabe o que são os partidos de esquerda e se aproveitou do atraso ideológico das massas para expulsar os partidos. Mas a maior parte das massas não estava contra a presença dos partidos porque é contra o seu programa, mas porque sequer reconhece esses programas! Os manifestantes não são contra nem a favor do programa dos partidos de esquerda, muito pelo contrário: nem sequer os conhecem! Pode ser que, conhecendo os programas dos partidos, venham a ser contra (a maior parte da sociedade, os trabalhadores inclusive, repetimos, é conservadora, é contra as cotas, contra o casamento gay, a favor da pena de morte e da redução da maioridade penal, etc.), mas no momento preciso atual os partidos de esquerda foram rejeitados por pessoas que sequer sabem o que eles representam!

Os partidos de esquerda se recusam a reconhecer esse problema e jogam a responsabilidade nos próprios trabalhadores: o problema é o “atraso politico”, a “despolitização”. Como se ser politizado fosse sinônimo de reconhecer os partidos de esquerda, e especificamente, reconhecê-los como alternativa eleitoral. Com isso, identificam apenas o aspecto negativo da rejeição aos partidos, e não reconhecem que essa rejeição pode ter um aspecto positivo.

Afinal de contas, os trabalhadores

estão rejeitando não apenas a estratégia reformista (que pelas mãos do PT resultou em demagogia e corrupção) e os partidos de esquerda, estão rejeitando de certa forma os partidos de direita e o conjunto das instituições. É uma forma confusa de rejeição, mas é massiva e profunda. Se a esquerda não apresenta uma alternativa revolucionária para essa confusão, a direita tratará de apresentar a sua. Defensores da ditadura militar já se atrevem a por as asinhas de fora na internet.

Ao não conseguir apresentar um projeto que consiga distanciar a sua imagem daquela do PT, os partidos de esquerda parecem estar tão somente repetindo a mesma estratégia eleitoral-reformista já derrotada. Ao serem vistos de longe, não parecem estar propondo uma ruptura revolucionária, e esse público que os vê de longe é justamente o que está agora nas manifestações. Para esse público, o MPL pareceu muito mais revolucionário (e nesse episódio foi), porque apostou no método da ação direta (o que não é em si uma virtude, mas nesse episódio teve a qualidade de romper com a situação de defensiva que a classe estava). Há muito tempo os partidos e organizações abandonaram as ações diretas, deixando o “monopólio” desse método para os anarquistas e para os chamados “movimentos sociais”, como os de sem terra e sem teto. Quanto aos próprios partidos, estão habituados a uma rotina de negociações salariais institucionalizadas, em que a radicalidade passou longe.

E para cúmulo da incoerência, esses partidos ainda se dão ao desplante de criticar os movimentos sociais que abandonaram a radicalidade. Por muitos anos os partidos e organizações de esquerda criticaram corretamente o MST por ter abandonado a tática das ocupações e ter partido para a negociação de desapropriações e assentamentos com o governo. Perfeito. Mas que moral tem esses partidos e organizações para cobrar combatividade do MST, se há muitos anos esses mesmos partidos não organizam sequer uma ocupação de fábrica? Os partidos e organizações urbanos estão tão acomodados a uma rotina de negociações salariais institucionalizadas que o movimento contra as passagens passou por cima deles. E apesar de todos os erros dos anarquistas que comentamos acima, é preciso reconhecer que tiveram a virtude da ação direta, coisa que os partidos e organizações abandonaram.

Chorando o leite derramado

Quando uma imensa massa de trabalhadores e classe média aderiu ao movimento, os partidos e organizações ficaram no seu canto resmungando: “como essas pessoas se atrevem a abandonar a passividade e tomar iniciativa? Como essas pessoas se atrevem a se colocar em movimento e ir para a ação direta sem ser dirigidos por nós? Como essas pessoas se atrevem a convocar umas as outras por redes sociais, inventar cartazes e palavras de ordem? Como essas pessoas se atrevem a ser corajosas e criativas? Como essas pessoas se atrevem a se colocar como sujeitos, enfrentar o poder constituído e fazer história? Como essas pessoas se atrevem a tomar o destino nas próprias mãos? Essas pessoas não têm esse direito! Isso não estava previsto nas circulares do comitê central do partido! Nós é que somos a direção revolucionaria!” Com seu discurso amargo e ressentido, é isso que os partidos e organizações de esquerda estão dizendo quando se limitam a defender seu direito de estar nas manifestações e lamentam a “despolitização” dos trabalhadores. Isso é de uma miserabilidade politica e intelectual muito grande para quem se coloca a tarefa de ser direção revolucionária.

Ser direção não é dar ordens, é se colocar a serviço do movimento, integrar-se a ele, entender suas contradições e sugerir os rumos, dialogar com a realidade, testar e aprender com os erros e acertos, e acima de tudo ter humildade para começar de novo.

O resultado conjugado dessas falsas respostas ao antipartidarismo é a recusa em tratá-lo pelo seu conteúdo e a tentativa de resolvê-lo pela forma, pela reafirmação principista e abstrata da forma partido, no sentido de que “nós somos partidos sim e quem está contra os partidos está com a direita reacionária!” Esse tipo de raciocínio esconde vários problemas, e o primeiro deles é o abandono do método dialético e da análise das contradições da realidade. Se analisamos a realidade como um sim sim, não não, como se cada elemento não estivesse impregnado do seu contrário e em constante modificação, essa é a receita certa para não entender a realidade e ser atropelado por ela. Fazer a critica aos partidos, nesse momento, não é fazer unidade com a direita reacionária, é lutar a partir de dentro da esquerda para que os partidos e organizações façam uma autocritica e superem seus erros!
Os partidos e organizações lamentaram durante muitos anos que não havia manifestações de massa no Brasil, que estávamos num refluxo, que as pessoas estavam passivas e suportavam calados as misérias e insultos do capitalismo, etc. Agora que milhões de pessoas se puseram nas ruas, esses mesmos partidos e organizações lamentam porque não as estão dirigindo. Tenha dó! O roteiro que haviam previsto para o desenvolvimento da luta de classes não foi cumprido, e agora não conseguem improvisar um outro.

Levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima!

Esperamos que essa fase seja logo superada. Esperamos que se aprenda com as lições desse primeiro round. Esperamos que haja um balanço geral das estratégias, dos programas, das políticas, das táticas, dos métodos. O debate deve ir muito além de portar ou não as bandeiras nas manifestações. Para estar legitimamente portando bandeiras numa manifestação, os partidos e organizações deveriam primeiro ter contribuído de maneira decisiva, por meio de um longo e paciente trabalho de convencimento, para a construção dessa manifestação. Deveriam trabalhar longamente para construir os organismos do movimento, os espaços de discussão e deliberação, os fóruns, assembleias, redes, comitês, onde todas as ideias e tendências pudessem se manifestar. Deveriam tratar a auto construção do partido ou organização como uma consequência da sua atuação no movimento, e não o contrário, aparelhar o movimento priorizando a visibilidade e a construção do partido ou organização.

As manifestações de 2013 deixaram uma pista que não é possível ignorar: os novos movimentos não aceitarão pseudo dirigentes, pseudo representantes, pseudo porta vozes, pseudo lideranças, pseudo ideologias que lhes sejam impostas de fora. Isso é altamente positivo, pois os manifestantes se recusam a ser massa de manobra e querem ser agentes conscientes dos processos. Os grupos organizados de direita, que conduziram as manifestações numa direção antipartido, somente conseguiram fazê-lo porque não se apresentaram como partido (que são) e usaram uma rejeição ao PT previamente existente para expulsar os demais partidos (que não souberam se diferenciar do PT). Os anarquistas não foram rejeitados pelos manifestantes, porque ninguém desconfia que queiram dirigir nada (embora, como vimos, um certo partido anarquista tenha agido como direção aparelhista).

Seria mais inteligente da parte dos partidos e organizações que batalhassem pelas ideias, não pelas bandeiras, pelo conteúdo e não pela forma, até que o movimento adquira experiência e consciência suficiente para avaliar os programas de esquerda e de direita. Mesmo porque, o programa da direita tem vida curta, ele não conseguirá afastar as contradições do capitalismo, que continuarão levando as pessoas às ruas. Somente organizações anticapitalistas podem dar um rumo humanista às crises do capitalismo, que de outra forma conduzirão à barbárie. Os partidos e organizações têm um papel fundamental a desempenhar.

Precisa-se de socialistas!

O objetivo deste texto não é propor que se faça uma campanha de agitação entre os trabalhadores: “abaixo os partidos de esquerda!”, mas o contrário, dizer aos independentes: “entrem nos partidos!” Quando esse texto foi originalmente concebido, a ideia era fazer um apelo aos chamados independentes, para que ingressem nos partidos e organizações. O texto foi originalmente pensado em função da percepção da fragilidade da esquerda organizada nas manifestações. Era um ultimato dirigido aos independentes, os simpatizantes, os intelectuais, os acadêmicos, dizendo: “vocês vão deixar que os fascistas nos expulsem das manifestações? Vocês vão ficar aí de fora e não vão fazer nada? Não vão se juntar a nós e atuar de forma organizada? O que mais vocês estão esperando?”

A soma do número de indivíduos que se dizem marxistas, socialistas, revolucionários, esquerdistas, revoltados com as injustiças e opressões, que querem mudar a realidade, é muito maior do que a soma do número de militantes que estão nos partidos e organizações. O objetivo desse texto era fazer um chamado a todos esses indivíduos para que ingressem nos partidos e organizações. Por isso o título “É hora de tomar partido” foi mantido, embora ele esteja em aparente contradição com a maior parte do conteúdo, no seu nível imediato. Entre a concepção do texto e a sua realização, no entanto, novos elementos se acumularam. Um exame crítico das razões do antipartidarismo e das responsabilidades da própria esquerda nesse fenômeno, levou a que o texto tomasse outro rumo. Por isso, foi preciso acrescentar o subtítulo que une o título ao conteúdo: “e de tomar os partidos!” Diante dos problemas e erros dos partidos e organizações, e hora de dar uma sacudida na esquerda!

Se os partidos e organizações têm todos os defeitos e cometem todos os erros que comentamos acima, não é apenas por culpa daqueles que estão dentro, mas também dos que estão fora. Essa massa desorganizada de indivíduos que se dizem marxistas, socialistas, revolucionários, esquerdistas, revoltados com as injustiças e opressões, que querem mudar a realidade, precisa ingressar nos partidos! Precisam sair do discurso para a prática. Não se pode ser socialista como indivíduo isolado, mas apenas por meio de um coletivo. Ser socialista é precisamente isso, acreditar que o indivíduo se realiza e se desenvolve por meio do coletivo. Atuar coletivamente exige humildade e paciência, virtudes que não são compatíveis com o individualismo pequeno burguês que vicia a intelectualidade “de esquerda”. Ligar o seu destino pessoal ao destino de um coletivo é o passo decisivo que separa o mero discurso socialista da prática efetivamente socialista. A realidade demonstrou que precisamos urgentemente de mais indivíduos socialistas!

Esse era a proposta inicial do texto, mas como ela não pôde ser realizada tal como tinha sido originalmente concebida, a proposta fica mesmo assim como conclusão: É hora de entrar em massa nos partidos e organizações, ou de criar novos partidos e organizações! É hora de tomar a esquerda e arejar os ambientes, injetar ar fresco, novas reflexões e percepções, novas sensibilidades e linguagens, novos problemas e questões! É hora de revolucionar a revolução!