Resoluções sobre situação internacional da Conferência de 2012
1 de fevereiro de 2013
Esse documento se compõe de três partes: 1º) elementos de análise – Economia, Fatores estruturais; Consequências de longo prazo; A era da “austeridade”; Necessidade de uma reconfiguração; As várias formas da guerra imperialista; A guerra social pelas vias democráticas, Democracia burguesa e avanço da direita; Mundialização do capital, fragmentação da classe e crescimento da ultradireita; A Europa e a instabilidade na zona do euro, Estados Unidos, A lenda dos 50% do PIB mundial, Imperialismo, G8, G20 e “emergentes”; O caso dos chamados “BRICs”; A desaceleração da Primavera Árabe, Oriente Médio, América Latina; 2º) resoluções; e 3º) palavras de ordem.
Economia
A situação mundial segue sendo determinada pelas consequências da crise econômica de 2008. As políticas adotadas pela burguesia para administrar a crise e obter uma retomada do crescimento em 2009 e 2010 provocaram uma recaída em 2011, que de certa forma se prolonga em 2012. A estabilização que a burguesia obteve no curto prazo foi fruto de três fatores principais: 1º) o ataque generalizado sobre a classe, com as demissões, reduções de salários, retirada de direitos, etc.; 2º) a intervenção do Estado, com o dispêndio de trilhões de dólares; e 3º) o crescimento que se manteve alto em alguns países periféricos importantes, principalmente os chamados BRICs. A crise se manifestou em sua primeira etapa como uma crise no mercado financeiro, que provocou uma redução do crédito e do comércio mundial, com impacto na produção. Para resolver o problema do crédito, o Estado socorreu as instituições financeiras, absorvendo para si o endividamento. Isso provocou a crise das dívidas soberanas na zona do euro em 2011, com novas instabilidades no mercado financeiro que permanecem ao longo do ano de 2012.
A taxa de crescimento do PIB mundial oscilou de 3,94% em 2007 (último ano antes da crise) para 1,5% em 2008 e para -2,05% em 2009, auge da crise, e retomando os 4% em 2010 e 2011 (dados do Banco Mundial, via google public data), com previsão de alcançar 3,5% em 2012 (World Economic Outlook, FMI, edição de abril de 2012). Podemos falar de uma “recuperação técnica”, no que se refere à produção física e aos resultados financeiros das empresas, mas não de uma superação da crise, mesmo nos marcos capitalistas, devido a fatores como a escala do endividamento público e privado, a deterioração das condições de vida de importantes setores da população nos países centrais, a instabilidade social daí decorrente, que permanece também em regiões como o Oriente Médio, a instabilidade também no terreno geopolítico (dificuldades no interior da UE e também em relação ao Oriente Médio), etc.; fatores que projetam a continuidade da crise para o futuro imediato.
As dificuldades para administração da crise e as fragilidades do crescimento atual permitem afirmar que a crise segue em andamento. Mesmo que a média mundial aponte para uma dinâmica de crescimento econômico ao longo deste ano, o fato de que esse crescimento esteja muito fraco num determinado conjunto de economias nacionais não é um problema secundário, pois pode ter consequências políticas de peso. A situação de crise ainda permanece vigente, pois mesmo num momento de crescimento os fatores que podem provocar uma recaída continuam presentes. Desde 2008 o mundo vive em um “estado de emergência permanente”, um “estado de sítio econômico”, no sentido de que o risco de uma nova recaída não foi afastado. O temor de uma recaída na crise e as medidas para evitá-la determinam as políticas da burguesia no atual período e as respostas que a classe trabalhadora será obrigada a desenvolver.
Fatores estruturais
É qualitativo o fato de a Zona do Euro e a União Européia estarem com o crescimento econômico – oficial – muito aquém daquilo que é necessário para impulsionar a economia. Oficialmente a Zona do Euro teve crescimento negativo de 0,2%. Apenas Alemanha (0,3) e França (estagnada) não tiveram resultado negativo no último trimestre. Nos países que compõe a União Europeia 8 países estão em recessão. É qualitativo pelo fato de que esses problemas, que se acumulam há anos, não encontram soluções rápidas, principalmente pelas saídas construídas anteriormente estarem se esgotando, como é o caso do papel da China no mercado mundial.
O processo de financeirização e endividamento que se prolonga desde meados dos anos 1970 resultou em massas de capital fictício que possuem valor nominal muitas vezes maior do que o total da produção mundial. O valor nominal do capital fictício em circulação na forma de derivativos e outros papéis especulativos alcançou US$ 720 trilhões no período entre 2007 e 2009, enquanto que o PIB mundial estava em US$ 62 trilhões (dados do dossiê “Quem manda no mundo”, do Le Monde Diplomatique Brasil, pg. 23).
O próprio capital produtivo, embora seja a única fonte de valor, se torna uma esfera subordinada, submetendo-se à lógica especulativa, colocando-se sob controle das frações financeiras do capital, que perseguem estratégias de valorização globais. O próprio Estado se transformou numa agência a serviço do capital financeiro. Na verdade, a fuga para a esfera da especulação/endividamento que se intensificou a partir de determinado momento histórico é uma expressão da crise estrutural do capital, em que a queda da taxa de lucro atinge um ponto tal que o capital não pode mais seguir se valorizando pelas vias “normais”, pela via preponderante da produção.
Em face dessa dificuldade estrutural, as alternativas utilizadas no passado, como a destruição de capital sobrante pela via “clássica” da depressão e das guerras mundiais, têm se mostrado, por enquanto, política e socialmente impraticáveis. Diante dessa dificuldade, recorreu-se então, entre outras medidas, à criação de capital fictício como paliativo. O capital fictício é um papel que representa uma expectativa de lucro futuro que é vendida no presente. Acontece que o lucro que pode ser gerado no presente jamais alcança a mesma proporção prometida por esse capital fictício. Ao invés de fazer o ajuste de contas e admitir que a expectativa de lucro era irreal, e que portanto o valor que era atribuído ao papel não será alcançado, esse papel é revendido a outros compradores por um preço ainda maior. Cria-se uma “bola de neve” de papéis sem valor que são soterrados por outros papéis com preço cada vez maior.
Estamos falando de uma situação em que o sistema capitalista como um todo recorre à financeirização da economia como modo de funcionamento predominante. Entretanto, ainda que o capital financeiro apareça somente como uma saída de exceção do capital, na verdade, a própria existência do capital financeiro decorre do funcionamento do sistema social do capital. O capital financeiro não é algo “estranho”, “de fora” do funcionamento do capitalismo. Na verdade, ele é a forma mais irracional e acabada do próprio funcionamento do capital: ele gera a ilusão de que dinheiro cria mais dinheiro, simples assim! O que se esconde nesse tipo ilusão é que o próprio capital é uma relação social e que, portanto, para que seja alcançada essa geração de mais-dinheiro, faz-se necessária a exploração ao máximo do trabalho. E é aqui que reside outro problema: mesmo com o aumento da exploração do trabalho, em nenhuma hipótese o montante a ser extraído da exploração daria conta de tornar rentável todo capital hoje existente. Muito pelo contrário, o que se dá é: com o aumento da necessidade de se extrair um montante da exploração sempre maior, os capitais em concorrência fazem de tudo para ter menos custos na produção e uma maior produtividade, o que acarreta um desemprego estrutural crescente. Esse mesmo desemprego estrutural crescente cria novas e maiores dificuldades para que circulem as mercadorias, resultando na própria inviabilidade de muitos capitais. Temos, então, como resultado, uma situação incontrolável em que o capitalismo vai se colocando em um beco sem saída: o capital financeiro termina sendo o seu grande problema e a única solução para sua manutenção.
Para que essa bola de neve especulativa se pusesse em movimento e continuasse funcionando foram necessárias várias medidas por parte do Estado em favor do capital financeiro. A desregulamentação das finanças deu um salto com a mundialização do capital nas últimas décadas, juntamente com as demais políticas neoliberais. A sobrevivência do mecanismo foi ainda favorecida pela queda dos Estados burocráticos (que possibilitou a exploração de um “novo” mercado) e a subsequente crise da alternativa socialista (que intensificou a desmobilização da classe trabalhadora). Essa desmobilização abriu caminho para uma brutal ofensiva política e ideológica sobre as conquistas, a organização e a consciência dos trabalhadores, em nível mundial. Como resultado dessa ofensiva ideológica e da derrota e desmobilização dos trabalhadores, a burguesia conseguiu limpar o terreno para uma aplicação tranquila das políticas neoliberais por praticamente duas décadas.
Consequências de longo prazo
Os efeitos mais nefastos da irracionalidade e insustentabilidade do mecanismo da bola de neve especulativa vêm à tona com mais intensidade a cada crise periódica A crise iniciada em 2008 representa o limite para esse mecanismo e para o atual padrão de funcionamento do capitalismo neoliberal mundializado. O volume de capital fictício acumulado se tornou grande demais para ser deixado à própria sorte, mas ao mesmo tempo não há um poder capaz de impor controle ao movimento desse capital. O sistema se depara com uma de suas contradições essenciais, o fato de que não haja um único Estado mundial do capital, mas vários Estados nacionais em competição uns com os outros em defesa dos interesses das suas burguesias. Os Estados mais fortes podem impor sobre os mais fracos as consequências da administração das deficiências do sistema. Um país como os Estados Unidos, apesar de ter sido o epicentro de irradiação da última crise, sai dela menos debilitado do que as potências de segundo escalão da Europa, porque conta com o recurso da emissão de dólares (mesmo que para os próprios Estados Unidos, o impacto da crise tenha sido muito grande).
As consequências da crise mais recente, como dissemos, se farão sentir ainda por muito tempo, de modo que podemos afirmar que estamos no limiar de uma mudança de etapa histórica. Há dois motivos que permitem supor que não é mais possível uma volta às condições anteriores. Primeiro, porque a queima de capital fictício (e de capital sobreacumulado em geral) foi muito limitada, e as quantidades desses papéis em poder do Estado e das corporações são grandes demais para caber em qualquer medida racional. As margens para a rolagem desses papéis se estreitam gradativamente e se torna mais urgente encontrar alguém para pagar a conta. Esse movimento de descarregar sobre a população em geral e a classe trabalhadora os custos do ajuste já está em andamento desde 2008 com os pacotes de salvamento e as medidas de “austeridade”, e vai prosseguir pelos próximos anos. Pelas proporções do ajuste necessário, o ataque sobre os trabalhadores na verdade apenas começou.
Um brutal ataque sobre as condições de vida dos trabalhadores dos países imperialistas está em curso e não deve parar até que o capital que opera nesses países encontre aí condições de valorização. Os Estados imperialistas seguem numa corrida para se tornarem mais competitivos uns em relação aos outros. Precisam rebaixar salários, benefícios, direitos, gastos sociais, serviços públicos, condições de vida em geral. O sucesso de cada país na aplicação desses ataques determinará o seu sucesso na tentativa de permanecer à tona entre as maiores economias mundiais. E pode determinar também o seu fracasso, pois a classe trabalhadora começa a se mover em resposta à crise.
Eis então o segundo motivo pelo qual a crise de 2008 representa um divisor de águas: a partir de 2011 a classe trabalhadora começou a reagir aos ataques. As maiores mobilizações de massa vivenciadas em mais de 20 anos tomaram lugar em 2011 e um estado de intranquilidade prossegue ao longo de 2012. No primeiro momento de impacto da crise, em 2008, a classe trabalhadora foi pega completamente desprevenida e forçada a aceitar uma onda de demissões e ajustes. Entretanto, o mesmo não aconteceu em 2011, quando os ajustes foram confrontados por gigantescas mobilizações e greves. As lutas contra os ajustes tiveram como principais protagonistas os funcionários públicos, vítimas da política de cortes e sucateamento dos serviços públicos, e a juventude, por onde grassa uma taxa de desemprego calamitosa, com peso minoritário do setor operário. Em seu conjunto o levante da classe trabalhadora é um fenômeno progressivo, mesmo que ainda padeça de grandes limites políticos, fruto da crise da alternativa socialista.
Os efeitos da derrota da década de 1990 e da ofensiva política e ideológica da burguesia começam a ficar para trás com a retomada das lutas. Mesmo assim, as condições para a superação da crise da alternativa socialista estão apenas começando a se colocar no cenário. Depois de décadas os trabalhadores retomaram a consciência de que é possível lutar, fortalecidos pelas lições da Primavera Árabe, que prossegue, com todas as suas contradições. O foco das lutas em nível mundial deve estar na Europa, onde os trabalhadores possuem mais conquistas históricas, que do ponto de vista do capital representam uma gordura a ser queimada, mas que não devem ser entregues facilmente. Podemos esperar por enfrentamentos muito duros no continente.
A era da “austeridade”
Devido a essas duas questões, a profundidade dos problemas a serem administrados pelo capital e o ressurgimento da disposição de luta da classe trabalhadora, a crise de 2008 representa um ponto em relação ao qual já não há mais retorno possível. Aquela relativamente tranquila aplicação das políticas neoliberais de décadas atrás deu lugar a um estado permanente de atrito político e difíceis negociações entre os Estados, e também de conflitos sociais potenciais ou abertos no interior de vários países. Não é mais possível tratar dos negócios como antes, pois as margens de manobra estão mais estreitas. Essas dificuldades não são passageiras ou conjunturais, pois dizem respeito a problemas estruturais que não podem mais ser ocultos.
Os Estados Unidos apresentam uma dívida externa de US$ 15.81 trilhões, equivalentes a 103% do PIB (dados para junho de 2012, disponíveis embaseado em https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/rankorder/2079rank.html e http://www.jedh.org/jedh_instrument.html). Essa cifra se refere ao total da dívida externa pública e privada dos países, e os dados se referem ao período entre 2010 e 2012. Na mesma lista, o endividamento total da União Européia era de US$ 13,72 trilhões, equivalentes a 85% do seu PIB. Há casos mais dramáticos, como o Reino Unido (endividamento de 360% do PIB) e Holanda (344%), não muito citados. Os chamados PIGS apresentavam índice de endividamento bem “menor”: 217% (Portugal), 174% (Grécia), 108% (Itália e Irlanda), 84% (Espanha). A pressão sobre os países mais endividados por parte dos mercados financeiros não decorre exatamente do volume total de endividamento, que se refere a débitos de longo prazo, públicos e privados, mas ao déficit público e de curto prazo.
Na lista que se refere ao endividamento público, os Estados Unidos devem 62% do PIB, enquanto que os países em situação mais problemática são o Japão (198%), a Grécia (143%) e a Itália (120%). Quando se considera porém o volume absoluto da dívida, os Estados Unidos são os maiores devedores do mundo, com US$ 9,13 trilhões, seguidos do Japão (US$ 8,51 trilhões) e logo atrás, mas bem abaixo, Alemanha (US$ 2,44 trilhões) e Itália (US$ 2,11 trilhões). A China aparece numa situação confortável, com uma dívida pública que equivale a 19% do PIB, com um volume total de US$ 1,90 trilhão. O Brasil já deve 59% do PIB, ou US$ 1,28 trilhão. Como na tabela anterior, os dados se referem ao período entre 2010 e 2012 (http://en.wikipedia.org/wiki/Government_debt#By_country). O total do déficit público mundial está em US$ 46,21 trilhões (http://ca.gdc.economist.com.s3.amazonaws.com/index.html#debt_per_capita+2012+o+cn+us+br).
A velocidade em que cresce o endividamento também aumentou. O déficit público dos Estados Unidos teve um acréscimo de US$ 5 trilhões entre 2008 e 2011, resultado dos pacotes de salvamento às empresas (Dados do Departamento do Tesouro e outros órgãos na tabela “Recent additions to the public debt of the United States” disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/United_States_public_debt e recolhidos a partir dos seguites links: http://www.treasurydirect.gov/NP/BPDLogin?application=np, http://www.treasurydirect.gov/govt/reports/pd/histdebt/histdebt.htm, http://www.gpo.gov/fdsys/pkg/BUDGET-2011-TAB/pdf/BUDGET-2011-TAB.pdf e http://www.bea.gov/national/index.htm#gdp). Na Europa o endividamento público também aumentou enormemente em poucos anos, passando de uma média de 60% do PIB em 2007, antes da crise, para mais de 80% em 2011 (dados do Eurostat no gráfico “Dívida pública em percentagem do PIB” em http://www.google.com/publicdata/directory?hl=pt-PT&dl=pt-PT). Esse aumento explosivo do endividamento público somente se explica com os gastos extraordinários contraídos pelos governos para as várias modalidades de salvamento das empresas por causa da crise (redução de impostos, empréstimos subsidiados, redução dos juros, perdão de dívidas, compra de títulos “tóxicos”, etc.).
Uma grande reconfiguração da ordem mundial será necessária, mudando a forma como a burguesia gerencia o capitalismo e o discurso dos seus representantes no Estado. As receitas tradicionais de política econômica à disposição não dão conta do problema. O principal problema, do ponto de vista do gerenciamento da crise, é o fato de que, quando houver um novo agravamento da crise, os Estados terão menos munição para gastar salvando grandes bancos e empresas, pois queimaram volumes incalculáveis de dinheiro para tirar a economia do risco de depressão na primeira etapa da crise atual. Apenas isso já projeta no horizonte uma aura sombria de incerteza. Os próprios gestores da burguesia trocaram seu discurso do triunfalismo da “globalização” e da “Nova Economia” de décadas passadas para uma amarga predicação da “austeridade”.
O projeto dos gestores do capital é diluir as consequências da crise num largo período de tempo, uma “Grande Recessão”, como tem sido chamado o próximo período que se prevê para a economia mundial. Projetam-se vários anos ou talvez mais de uma década de baixo crescimento, tempo ao longo do qual os Estados terão que realizar ajustes estruturais (ou seja, rebaixar as condições de vida dos seus trabalhadores), reduzir seu endividamento, fortalecer suas empresas, realizar uma queima organizada de algumas porções de capital fictício; tudo isso sem provocar novas crises financeiras ou crises fiscais, e principalmente, sem provocar instabilidades políticas, ou seja, reações dos trabalhadores. Esse é o plano da burguesia, com a promessa (na verdade irrealizável) de que depois do purgatório dos ajustes venha o paraíso da retomada do crescimento. Resta saber se conseguirão aplicá-lo sem que a classe trabalhadora apresente outro projeto. O mais provável, porém, é que justamente devido à ausência de uma racionalidade coletiva superior a todas as burguesias e dos correspondentes instrumentos de gestão, as contradições voltem a se manifestar numa nova crise cíclica em poucos anos.
Necessidade de uma reconfiguração
Os Estados Unidos, epicentro da crise, reencontraram um meio de voltar ao crescimento por meio de um ataque brutal sobre os seus trabalhadores, mas também socializando com o restante do mundo capitalista as suas instabilidades, inundando o mercado financeiro com dólares. O FED aplicou a política de “alívio quantitativo”, que significou colocar mais dólares em circulação, para permitir que os negócios continuassem em andamento, mesmo com o risco de inflação.
Combinado com o ataque aos trabalhadores, essa política de desvalorização do dólar tornou as mercadorias estadunidenses mais baratas. Trata-se de uma política consciente de buscar reverter o gigantesco déficit da balança comercial ou impedir que aumente. O déficit comercial dos Estados Unidos foi de US$ 726,3 bilhões em 2011, um incremento no déficit de 14,46%, na comparação com 2010. Apenas com a China o déficit foi de US$ 295,4 bilhões, seguido de México (US$ 65,5 bilhões), Japão (US$ 62,6 bilhões), Alemanha (US$ 49,2 bilhões) e Canadá (US$ 35,7 bilhões). Com o Brasil houve superávit de US$ 11,6 bilhões (os dados são do Departamento do Comércio do governo estadunidense, disponíveis no site Brasil Global.Net., mantido pelo Ministério das Relações Exteriores, http://www.brasilglobalnet.gov.br/Noticias/frmDetalhe.aspx?noticia=447, publicado em 23.2.2012). Essa política tem repercussões também no plano externo, com as pressões sobre a China para que valorize sua moeda. Essa pressão é exercida não apenas pelos Estados Unidos, mas pelo conjunto dos países imperialistas. Todos sentem a necessidade de diminuir o déficit comercial com a China. Ao mesmo tempo, dependem da economia chinesa para financiar suas dívidas.
Essa relação de conflito-dependência com a China é uma das características do capitalismo atual. Assim como a China, há um conjunto de países que vem adquirindo maior peso devido ao seu crescimento econômico, os quais precisam ser contemplados de alguma forma na gestão do sistema. O grupo dos países mais ricos do mundo, o G-8, foi ampliado para G-20 na tentativa de encontrar soluções comuns para a gestão da crise em 2008. Ao mesmo tempo em que são chamados para discussão, os países do G-20 são chamados também a assumir responsabilidades na defesa do projeto em aplicação. Países como o Brasil são chamados a fazer aportes ao FMI para ajudar a apagar o incêndio da crise bancária na Europa.
Enquanto os Estados Unidos tentam se recuperar e os maiores países periféricos são parcialmente integrados na gestão do sistema, a Europa luta para se manter à tona. Apesar do gigantesco déficit comercial e déficit público dos Estados Unidos, não foi o dólar que mais sofreu com a crise, mas o euro, devido aos problemas dos países da periferia europeia. Para tentar salvar o euro e tentar salvar a si mesma, a Alemanha tem tentado forçar as burguesias dos demais países europeus a aceitar a sua condução na imposição das políticas de “austeridade”.
A burguesia mundial procura construir a sua unidade contra os trabalhadores no projeto da “austeridade”, ao mesmo tempo em que cada fração nacional da burguesia precisa se reconstruir para se manter viva na disputa interimperialista contra as demais. Por conta da aplicação desse projeto, as relações entre os Estados estão sendo reorganizadas. As potências imperialistas precisam reafirmar seus interesses e colocar cada um no seu lugar na “cadeia alimentar” do capitalismo.
As várias formas da guerra imperialista
No passado as disputas interimperialistas provocadas pelas crises eram resolvidas por meio da guerra entre as maiores potências, que se transformavam em guerras mundiais. No cenário atual, em que todas as grandes potências e até algumas médias possuem arsenais nucleares, o cenário de uma guerra mundial apocalíptica está longe de ser o mais provável. Entretanto, a insanidade de alguns setores da burguesia nunca pode ser totalmente descartada como possibilidade, mesmo que distante. A luta pela paz e pelo desarmamento das potências nucleares deve estar sempre colocada como horizonte.
Ao mesmo tempo em que a guerra mundial total está descartada como possibilidade imediata, as guerras limitadas ou de menor intensidade se tornam uma possibilidade mais presente e ameaçadora. O estado de pressão permanente sobre o Irã por conta de seu programa nuclear e as ameaças de intervenção direta na Síria são exemplos desse tipo de guerra. Tais guerras podem atender ao triplo objetivo de destruir capital sobrante, fazer girar a roda da demanda por meio de encomendas do Estado ao complexo industrial-militar, e garantir às potências vencedoras o controle sobre regiões estratégicas como o Oriente Médio e Ásia Central, fontes de petróleo e gás natural. Essas guerras podem ser travadas entre os Estados Unidos (acompanhados talvez da OTAN) e a Rússia e/ou China, não diretamente, caso em que se transformariam em guerras mundiais, mas indiretamente, através de seus aliados na região, como Israel e Arábia Saudita de um lado, Síria e Irã de outro.
O “estado de emergência permanente” ou “estado de sítio econômico” tem como feição política o estado de beligerância permanente, as guerras e ameaças de guerra. Além das guerras regulares entre Estados, estão em vigor também as guerras declaradas sem inimigo definido, como a “guerra ao terror” e a “guerra às drogas”. Tais guerras podem se prolongar indefinidamente, movendo-se de um alvo ao outro, de um país para outro, sempre que alguma ameaça fantasma como a “Al Qaeda” for mobilizada para reativar o estado de pânico e ódio chauvinista da opinião pública. Do Iraque e Afeganistão para a Síria e o Irã, da Colômbia para o México, as guerras sem alvo definido também não têm fim e podem se prolongar indefinidamente no tempo. Primeiro é Saddam, depois Bin Laden, depois algum chefão do tráfico de drogas, e assim sucessivamente.
Para cúmulo do cinismo, há também as intervenções que se disfarçam de “ajuda humanitária”, como no Haiti, ou de defesa da “democracia”, como na Líbia. Com isso cria-se a legitimidade para a intervenção armada de grandes potências imperialistas, especialmente os Estados Unidos, no território de países formalmente soberanos. Tropas de terra, bombardeios com aviões-robôs, bases militares permanentes, agentes de espionagem, etc., estendem seus tentáculos por todo o globo terrestre, atuando mesmo que não haja um estado de guerra formalmente declarado.
A guerra social pelas vias democráticas
Sob o pretexto de combater esses inimigos artificiais, a militarização visa na verdade destruir a contestação e a luta social nos países e regiões estratégicas em disputa, impedindo a organização e a luta dos trabalhadores e dos povos contra os interesses imperialistas.
Além da guerra direta e das “guerras infinitas”, não se podem descartar também os golpes de Estado. No caso de países periféricos como os da América Latina, em que as margens de manobra diante da crise mundial são ainda menores, os setores mais reacionários não podem admitir qualquer perda mínima de controle sobre o Estado, qualquer possibilidade de ameaça aos seus interesses, qualquer possibilidade de um cenário em que os trabalhadores possam colocar em pauta suas reivindicações. Por isso apelam para golpes de Estado, como em Honduras em 2009 e no Paraguai em 2012. Trata-se de golpes desfechados a partir das regras da própria democracia burguesa, por meio de processos fraudulentos, mas que acabam por se impor institucionalmente.
Também podemos classificar como golpes de Estado a imposição de governos como os de Papademos na Grécia e Monti na Itália nos primeiros meses de 2012. São governantes impostos diretamente pelos bancos para garantir que os governos desses países sigam aplicando os planos de “austeridade” e pagando aos bancos à custa do sofrimento de suas populações. No caso da Grécia houve eleições recentemente, em que um representante de um dos partidos oficiais foi legitimado para aplicar o memorando de ajuste das instituições europeias. Foram necessárias duas votações para constituir um governo, nas quais a população grega foi bombardeada com a ameaça de caos caso não votasse “corretamente”, ou seja, de acordo com os interesses dos bancos.
O discurso ideológico da não intervenção do Estado, típico do auge do neoliberalismo, foi substituído na prática por uma espécie de “consenso de Pequim”, em que o Estado assume o papel central de sustentação da economia capitalista, com características mais autoritárias. Isso não significa que o capital financeiro, maior beneficiário da desregulamentação neoliberal, tenha sido alijado do poder político, mas pelo contrário. O Estado precisa se tornar mais autoritário e reduzir a democracia a uma farsa precisamente com o objetivo de viabilizar o saque dos fundos públicos para socorrer as instituições financeiras. A submissão direta do Estado ao capital financeiro resulta em um regime de características mais autoritárias, em que a democracia formal é atropelada para impor diretamente e sem mediações os interesses dos bancos.
Tal é o caráter da democracia burguesa na época atual, uma democracia em que se pode expressar qualquer opinião, desde que não signifique um questionamento aos fundamentos do sistema. Pode-se dizer qualquer coisa, desde que fique no terreno da opinião e não tenha consequências práticas. Pode-se fazer uma conferência mundial como a Rio+20 com o discurso de proteger o meio ambiente para fazer exatamente o contrário, sacramentar a continuidade da destruição. Pode-se fazer greve, desde que não cause prejuízos aos patrões e mantenha os serviços em funcionamento. Pode-se fazer manifestações, desde que não paralise o trânsito, não incomode ninguém, não seja notado, ou seja, não manifeste realmente nada. Qualquer coisa que vá além desse roteiro previamente traçado é tratado como crime. A repressão aos movimentos sociais por meio de gigantescos operativos policiais, judiciais e midiáticos se tornou uma rotina em escala mundial.
Além da repressão por parte do Estado, os trabalhadores em movimento, seus setores de vanguarda, militantes e dirigentes, enfrentam a perseguição direta da patronal, os assassinatos nas mãos de jagunços e milícias, as prisões arbitrárias e torturas, demissões e processos administrativos, perseguição e assédio moral, as calúnias e campanhas de difamação na mídia, etc. Tudo isso visa intimidar as vanguardas em luta e mantê-las isoladas do contato com o restante da classe trabalhadora, para impedir que o germe da mobilização se espalhe.
Democracia burguesa e avanço da direita
Nos momentos de crise a sociedade acaba passando por uma polarização em que os seus elementos mais extremos se manifestam e algumas mediações artificias se dissolvem. As contradições se explicitam de forma mais pura. A gestão da sociedade nas mãos da classe dominante aparece em toda a sua crueza como um brutal absurdo: trilhões de dólares sendo entregues aos bancos e milhões de pessoas passando fome, morrendo de doenças tratáveis, sendo exterminados em guerras travadas contra seus interesses, vivendo na miséria material e espiritual.
Essa gestão é realizada por meio do Estado, para cuja administração rotineira forma-se um imenso campo de consenso político entre os partidos da ordem, desde os partidos burgueses conservadores tradicionais, até os partidos de “esquerda”, reformistas, centristas, stalinistas reciclados e ex-revolucionários, todos comprometidos com a continuidade da ordem, contra as soluções “extremas”. Os planos de “austeridade” são o horizonte com que trabalham, com matizes de diferenciação apenas no ritmo da aplicação dos ataques à população. O que ninguém se atreve é a questionar todo o projeto que está em curso, de modo que todos esses partidos funcionam como representantes da burguesia.
Contra esse imenso centro político pró-“austeridade”, levantam-se setores sociais e manifestações com caráter de classe e metodologia opostas: a ultradireita de um lado e as lutas dos trabalhadores do outro. De um lado, cresce a indignação, a revolta e o desejo de lutar contra essa realidade, por parte dos trabalhadores afetados pelas medidas de “austeridade”, na forma da greve e das mobilizações da juventude, controladas com relativa dificuldade pelas burocracias sindicais e partidárias. De outro lado, cresce o apelo das soluções da extrema direita, que colocam a culpa da crise em setores da classe trabalhadora, imigrantes, negros, árabes, muçulmanos, homossexuais, jogando uma parte da classe contra a outra. Prometem uma solução “nacional” para os problemas sem questionar o capitalismo. Mobilizam a ignorância e a despolitização de amplos setores da classe para apoiar políticas que são contrárias aos seus interesses. Esses setores de ultradireita crescem e se organizam em diversos países, formam partidos e alcançam resultados eleitorais expressivos. Em meio à desorganização e fragmentação da esquerda revolucionária, a ultradireita vai colhendo seus frutos.
Além dessa expressão eleitoral, o pensamento conservador de modo geral encontra maior respaldo e legitimação social do que antes. Além dos partidos neofascistas, as seitas religiosas crescem entre a classe trabalhadora. Políticos ultraconservadores nos Estados Unidos querem aprovar leis antiaborto, pelo ensino do criacionismo bíblico, pela “cura” de homossexuais, etc. Nos países em que as ditaduras foram varridas pela Primavera Árabe, ganham eleições os partidos islâmicos, com uma ideologia conservadora, patriarcal, machista e homofóbica. Nos centros “desenvolvidos” do capitalismo, nos países imperialistas e nas metrópoles da periferia os ataques às minorias, imigrantes, negros, árabes, muçulmanos, homossexuais, intelectuais, etc., são organizados por bandos fascistas para intimidar esses setores.
Mundialização do capital, fragmentação da classe e crescimento da ultradireita.
A mundialização colocou o capital numa posição bastante vantajosa em relação ao trabalho no que se refere às possibilidades de gerir suas operações em escala global. Não é apenas o capital especulativo que circula entre os países, mas também a própria produção. Grandes empresas transnacionais estabelecem bases em dezenas de países e podem arbitrar, com grande liberdade de movimento entre esses diversos territórios, onde serão feitos os investimentos, onde serão montadas as fábricas, onde será dado o acabamento final dos produtos, onde será comprada a matéria prima, como será feito o transporte intercontinental, etc., e principalmente, onde e a que preço serão contratados os trabalhadores.
Com essa flexibilidade, as grandes empresas podem forçar para baixo o preço da força de trabalho em nível mundial, forçando trabalhadores de um determinado país a aceitar os salários e condições de trabalho mais baixas disponíveis. Isso é feito mediante a ameaça de transferir os negócios para outros países onde os custos são mais baratas, levando embora os empregos, ou trazendo trabalhadores “importados”. Como não há resistência à altura por parte do movimento sindical e muito menos dos governos, para impor a nacionalização das empresas que fecharem ou ameaçarem se transferir, o que acaba acontecendo é o oposto, a mundialização do mercado de trabalho local, a sua regulação efetiva pelos preços mundiais, ou seja, o estabelecimento de regras e contratos de acordo com o que é mais vantajoso para as empresas.
Essa mundialização do mercado de trabalho no interior do país divide os trabalhadores em vários setores, os mais velhos contra os mais jovens, os nacionais contra os imigrantes, e assim por diante, em diversas combinações. Os mais velhos, que tem mais compromissos assumidos ao longo da vida, família, etc., se revoltam com a “invasão” de jovens que aceitam trabalhar por baixos salários. Os “nativos” se revoltam com a “invasão” do país por negros, árabes, latinos, muçulmanos, etc., que vêm “roubar seus empregos”. Os jovens se revoltam por não ter empregos como os dos seus pais, que lhes permitam sair de casa, etc. Os imigrantes, confinados em bairros periféricos, em empregos precarizados e em condições de vida inferiores, se revoltam com a perseguição policial, o racismo, o autoritarismo dos chefes, etc. Ao mesmo tempo, formam a clientela e a força de trabalho de pequenos e grandes negócios criminosos, do tráfico de drogas internacional, das máfias, etc. Quando acontecem lutas trabalhistas, é muito mais difícil que os sindicatos, partidos ou qualquer organização possa organizar uma classe assim fragmentada. A maioria das correntes se acomoda com a defesa de um determinado setor, abandonando os demais.
Com isso, é mais fácil para a burguesia jogar os trabalhadores de um país contra os de outros países, alimentando rivalidades nacionalistas, ressentimentos e ódio racial e religioso, xenofobia, etc. É desse caldo de cultura que se alimentam as organizações de extrema direita, neonazistas e fascistas. Esses grupos prometem o retorno da velha prosperidade, dos empregos, salários e condições de vida do velho Estado do bem-estar social, mediante a expulsão dos estrangeiros e dos diferentes em geral. Com suas promessas eleitorais de limpeza étnica, volta da segurança, volta da moralidade, volta dos valores cristãos, os partidos de extrema-direita obtém resultados eleitorais expressivos.
Um dos exemplos mais marcantes desse crescimento eleitoral da ultradireita foi o de Marine Le Pen, na França, com 27% no primeiro turno das eleições presidenciais de 2012, chegando a terceiro lugar. Seu discurso foi parcialmente assumido pelo segundo colocado, o presidente Sarkozy, que tentava reeleição (e perdeu), e apelou para os valores tradicionais (conservadores) da França contra a ameaça estrangeira. Também chamou a atenção a expressiva votação do partido “Aurora Dourada” na Grécia, que obteve 7% dos votos nas eleições de 2012, elegendo 18 deputados para o parlamento grego, que tem 300 cadeiras. A Aurora Dourada defende a expulsão de todos os imigrantes da Grécia para deixar os empregos para os gregos. Seu líder é um ex-militar formado pela CIA que combateu como voluntário ao lado dos nacionalistas sérvios para exterminar muçulmanos na guerra da Bósnia nos anos 90, defende a volta da ditadura dos coronéis (que governou a Grécia entre 1967 e 1974), adota a saudação nazista, um símbolo semelhante à suástica em sua bandeira e diz que Hitler deveria ter vencido a guerra. Mais moderado (ou menos monstruoso), o partido “Gregos Independentes”, também de extrema direita, obteve 12% dos votos.
Outro fenômeno importante é o do Tea Party nos Estados Unidos (o nome foi tirado da “revolta do chá” de Boston, em 1773, quando comerciantes americanos se revoltaram contra o monopólio do chá estabelecido pela Inglaterra e se disfarçaram de índios para jogar carregamentos de chá no mar, no porto de Boston, e esse fato foi o estopim que detonou a formação do movimento independentista, que proclamou a emancipação das 13 colônias em 1776), a ala de extrema-direita do partido republicano, que acaba de indicar Paul Ryan como vice na chapa de Mitt Romney para concorrer à Casa Branca. O Tea Party defende um programa econômico radicalmente neoliberal (corte de impostos das empresas e grandes fortunas, corte de gastos nos programas sociais, fim das regulamentações no mercado financeiro, fim das restrições ambientais às atividades das corporações) e uma visão social fundamentalista cristã (contra o casamento homossexual, contra o uso de contraceptivos, contra o aborto, contra a pesquisa com células tronco, em defesa do ensino do criacionismo bíblico, a favor da expulsão de imigrantes).
Essas ideias são bastante populares nos setores mais ignorantes do eleitorado, também propensos a odiar negros, latinos, asiáticos, muçulmanos, etc., e a acreditar nas mais delirantes teorias da conspiração (como a de que Obama não nasceu em território estadunidense, secretamente pratica a religião islâmica e é um “comunista” enviado pela ONU para invadir os Estados Unidos, instalar um regime ditatorial, acabar com as “liberdades democráticas” e abrir caminho para o saque da nação por bárbaros negros, latinos, asiáticos, muçulmanos, homossexuais, etc.). Foi com base nesse tipo de crença que um terrorista de extrema direita matou 6 pessoas num tempo sikh no Estado de Wisconsin. Sites na internet defendem o assassinato de Obama como um ato patriótico que libertaria o país da ameaça “comunista”, muçulmana e homossexual.
Portanto, além dos partidos organizados de extrema direita disputando eleições e obtendo resultados expressivos, temos o fenômeno de grupos clandestinos e ativistas agindo individualmente em defesa de sua “causa”. Esse fenômeno existe não apenas nos Estados Unidos, mas também na Europa, como o norueguês que matou mais de 77 pessoas em um acampamento da juventude do partido trabalhista (atual partido governante) em 2011 para protestar contra a invasão do continente por muçulmanos.
Características das lutas
Ao longo de várias décadas de reformas neoliberais, a burguesia criou camadas de trabalhadores separadas por níveis de remuneração, direitos e organização diferenciados. De um lado, há uma camada de trabalhadores mais velhos, que ingressou no mercado de trabalho sob um determinado conjunto de regras salariais, de benefícios, de aposentadoria, de sindicalização, etc., e que trabalha num núcleo reduzido de empresas estratégicas. De outro lado, há uma massa de trabalhadores mais jovens, que já entra no mercado para trabalhar mais, ganhando menos, sem segurança com relação à aposentadoria, em trabalhos precarizados, temporários, etc. Esse escalonamento entre as diversas gerações de trabalhadores explica porque os jovens estão na linha de frente da luta contra as medidas de “austeridade” e as demais consequências da crise, pois suas perspectivas de futuro são cada vez mais reduzidas.
Ao mesmo tempo, os trabalhadores das antigas gerações e núcleos industriais mais estratégicos são a base de sustentação da antiga burocracia sindical ligada aos velhos partidos social-democratas (hoje “social-liberais”) e ex-stalinistas reciclados, que cumprem o papel de impedir a unificação das lutas. Em muitos países essa antiga burocracia sindical participa diretamente da gestão das empresas, como uma espécie de departamento de recursos humanos externalizado, com a função de legitimar os sucessivos acordos com demissões, rebaixamento dos salários, retirada de benefícios, revogação de direitos, precarização, etc. Isso explica também o repúdio dos jovens aos sindicatos, partidos e quaisquer formas de organização política, postura prevalecente nos atuais movimentos de luta.
Desde o início da crise mundial vários movimentos de luta dos trabalhadores foram desencadeados em resposta aos ataques da burguesia. Os mais importantes desses movimentos, como a Primavera Árabe, Ocupar Wall Street (e seus derivados), os Indignados, revoltas da juventude, etc., além das várias greves gerais em países europeus já foram analisados por nós desde o seu aparecimento em 2011 passada. Consideramos esses movimentos como progressivos, em função de terem representado uma reentrada da classe trabalhadora na cena política com um peso que não se via em várias décadas, modificando ligeiramente a correlação de forças e dificultando a aplicação dos planos da burguesia. Entretanto, identificamos que esses movimentos possuem sérios limites, como: 1º) o fato de que lutam por questões parciais, como objetivos políticos ou econômicos restritos, sem colocar em questão o capitalismo como um todo e a necessidade de superá-lo, 2º) a recusa em desenvolver formas de organização permanentes que deem sequência e organicidade às lutas e que permitam à classe se reconstruir como sujeito, 3º) a negação da organização política ou antipartidarismo, o repúdio aos partidos organizados, que se estende às organizações revolucionárias.
Desde o início de 2011 várias lutas continuaram eclodindo, reproduzindo aproximadamente as mesmas características dos movimentos acima. De toda forma, a situação mundial se mantém com o importante aspecto de que o imperialismo não consegue aplicar sua política com a mesma desenvoltura de décadas passadas ou mesmo dos primeiros anos da crise. A resistência da classe trabalhadora é muito mais massiva e também multifacetada, ainda que permaneça atravessada pelos limites acima. Podemos citar vários exemplos pontuais dessa resistência ao longo do último período aberto pela nova situação mundial.
Um elemento que permanece desde o início da década passada é a resistência armada em países como Iraque e Afeganistão contra a ocupação militar estadunidense e imperialista. Desde o início da invasão o imperialismo jamais alcançou um grau de estabilidade que lhe permitisse desenvolver seus negócios como tinha sido originalmente planejado, o que fez com que o custo humano, político e financeiro da invasão fosse muito maior do que os ganhos. Por outro lado, os setores que lideram a resistência não têm qualquer identidade com o programa e os métodos operários e revolucionários: são grupos armados islâmicos e sectários. Ainda assim, há um repúdio da população em geral contra a invasão imperialista, mesmo que não se reflita em apoio explícito às lutas armadas. Em fevereiro de 2012 uma onda de protestos varreu o Afeganistão depois que foram reveladas imagens de soldados estadunidenses queimando cópias do Alcorão ou urinando sobre os cadáveres de soldados afegãos. Esse tipo de ofensa já era conhecido e já havia provocado protestos anteriores no próprio Afeganistão e em outros países de maioria muçulmana. Entretanto, os protestos de 2012 alcançaram uma escala tão grande que o próprio Obama foi forçado a pedir desculpas. Os afegãos protestavam não apenas contra a presença estrangeira, mas contra a condição de miséria da maioria de sua população, com palavras de ordem dirigidas igualmente contra os Estados Unidos e contra o governo títere de Hamid Karzai.
A Índia é uma das estrelas dos chamados BRICs e um dos novos paraísos da expansão capitalista baseada na superexploração de força de trabalho barata, com índices de crescimento próximos daqueles da China. Entre fevereiro e março de 2012 uma gigantesca greve geral paralisou partes importantes do país, com adesão de algo em torno de 100 milhões de trabalhadores, em luta contra a carestia (impulsionada principalmente pela alta dos preços do petróleo), pela implantação de direitos trabalhistas e benefícios sociais (praticamente 80% da força de trabalho indiana está no mercado informal), e contra a corrupção do governo. As greves foram comandadas por centrais sindicais atreladas a partidos que pertencem à coalizão governista, por isso a luta não avançou, mas a adesão massiva expressa o amplo descontentamento entre os trabalhadores. A miséria ainda domina amplas regiões do país, tanto nas aldeias do interior como nas favelas em torno das metrópoles, e há inclusive focos de luta armada em vários estados.
O massacre de 34 trabalhadores de minas de ouro e prata em greve em Marikana, África do Sul (há ainda a informação de pelo menos mais dez assassinatos de trabalhadores que lutam por melhores condições de vida e salário), por policiais fortemente armados, demonstra também a necessidade de unidade da classe trabalhadora e da internacionalização das lutas contra os governos, partidos e sindicatos que defendem os interesses das grandes corporações e empresariado. Consideramos que as empresas que atuavam no ramo da mineração durante o regime do apartheid continuam atuando e discriminando cruelmente os trabalhadores negros e mantendo-os em condições subumanas em favelas ao redor das minas.
A Europa e a instabilidade na zona do euro
A Europa foi o continente para onde se deslocou o epicentro da crise iniciada nos Estados Unidos em 2008. Ao longo de todo o ano de 2011 o foco da crise passou de um país para outro da periferia europeia. Portugal, Irlanda, Grécia, Espanha, os chamados PIGS (“porcos” na sigla pejorativa em inglês), foram um por um “resgatados” por pacotes de salvamento da chamada “troika” (União Europeia, Banco Central Europeu, FMI). Esses pacotes consistem em empréstimos de dezenas de bilhões de dólares para que esses países paguem suas dívidas de curto prazo com os bancos e especuladores internacionais. Para receber os empréstimos, os governos precisam se comprometer em aprovar medidas de “austeridade” contra suas populações. Esses chamados “ajustes” constam de um documento que está sendo chamado de “memorando”.
Na realidade, o dinheiro desses pacotes nem chega a entrar no país, vai direto para os bancos credores. O país assim “beneficiado” fica manietado pelos acordos e obrigado a pagar longos parcelamentos a essas instituições, mais ou menos como aconteceu com os países latino-americanos nas décadas de 1980 e 1990, forçados a aceitar planos neoliberais para receber pacotes de ajuda do FMI. A novidade é que se trata de países da Europa, continente com o melhor nível de vida do planeta, em que os trabalhadores estavam acostumados a décadas de condições de trabalho e serviços sociais de qualidade.
Na Irlanda, o pacote da troika foi aprovado por meio de plebiscito. Em Portugal houve uma greve geral, mas o memorando passou. Na Grécia foi preciso realizar duas eleições, com ameaça de caos contra o país, para que se formasse um governo comprometido com o memorando, sempre debaixo de mobilizações massivas. A batalha se deslocou então para a Espanha, país muito maior e mais importante que os outros três. O pacote da troika foi aprovado para salvar os bancos espanhóis, no mesmo momento em que os subsídios para as minas de carvão do norte do país eram cortados. O corte ameaça milhares de empregos diretos e indiretos, num país que tem a maior taxa de desemprego do continente, tendo como resposta uma greve dos mineiros.
O esforço da troika para forçar a aprovação dos pacotes é uma batalha de vida ou morte para a burguesia alemã e francesa sustentar a existência do euro. Para o grande capital alemão e francês, a existência de um gigantesco mercado comum com moeda única é vital para as suas exportações. Os grandes países da Europa transformam os países menores do continente em colônias econômicas por meio da moeda única. Forçados a comerciar com os grandes sem terem moeda própria, os países menores, com menor poderio econômico, se endividam crescentemente e são forçados a recorrer aos pacotes de salvamento.
A sobrevivência do euro é fundamental para que a Europa tenha alguma chance de lutar no mercado mundial contra a concorrência dos Estados Unidos e do Japão. O problema é que nem todas as burguesias europeias concordam com os termos impostos pela Alemanha. As negociações por meio das quais os planos de “austeridade” são impostos a cada país são cada vez mais difíceis. No contexto dessas negociações a própria França se prestou em certo momento a servir de porta-voz dos países menores e da “Europa social” contra a ortodoxia pró-“austeridade” da Alemanha, mas sem muita efetividade.
Estados Unidos
Os Estados Unidos foram um dos países em que a economia voltou a crescer depois da crise. Entretanto, o que mais chamou a atenção no crescimento obtido e na chamada “recuperação” é que o ritmo da queda do desemprego foi o menor já visto em toda a história das recuperações pós-crise anteriores. As empresas voltaram a produzir, vender e obter lucro, sem contratar de volta os trabalhadores que foram demitidos no auge da crise. Isso só foi possível de uma maneira, através de um violento ataque sobre a classe trabalhadora estadunidense. Um número menor de trabalhadores nas empresas foi forçado a aceitar uma carga maior de serviço, com os mesmos salários ou menores, menos benefícios, direitos, etc. Houve também renovação do maquinário e dos softwares, visando tornar as empresas mais competitivas.
Tudo isso responde pela “recuperação técnica” da economia estadunidense. Os problemas que originaram a crise continuam presentes. O endividamento público e privado, das empresas e dos consumidores, continua altíssimo. Há uma nova bolha, a do crédito estudantil, ameaçando estourar no mercado financeiro. E acima de tudo, as condições sociais no país vêm piorando ano a ano desde o início da crise.
O governo da união e os governos estaduais e municipais fazem cortes brutais no orçamento e demitem em massa técnicos, professores, médicos, enfermeiros, assistentes sociais, policiais, bombeiros, fechando departamentos inteiros, escolas, hospitais, etc., precarizando o atendimento à população. Como uma boa parte da população não pode pagar pelo atendimento das redes privadas, são deixados à própria sorte. As pensões e ajudas a idosos e indigentes também são cortadas ou reduzidas. Os índices sociais nos Estados Unidos pioram sensivelmente e os bolsões de pobreza se multiplicam no coração das grandes cidades.
Essa degradação social não se reflete ainda em um aumento das lutas. A burocracia sindical da AFL-CIO, principal central sindical do país, permanece apoiando o partido democrata, de Obama, que concorre à reeleição. A política desse setor é a do nacionalismo econômico, culpando os trabalhadores de outros países por roubar empregos estadunidenses, e chamando os trabalhadores estadunidenses a “vestir a camisa” das empresas para reativar a economia (enquanto o desemprego permanece alto para os padrões históricos do país). Da mesma forma, as entidades dos movimentos de negros, latinos, mulheres, jovens, etc., continuam em boa parte apoiando o partido democrata.
Nas eleições estadunidenses a burguesia literalmente paga para eleger os governantes. Os candidatos recebem doações milionárias para suas campanhas vindas de grandes empresas ou dos empresários individualmente. Campanhas milionárias são necessárias para convencer os eleitores a votar, já que o voto não é obrigatório. Não há financiamento público das campanhas nem horário gratuito para os partidos, e os meios de comunicação cobram caro para veicular anúncios, como qualquer anúncio comercial. O grau de apoio a uma candidatura é medido pelo montante de doações que recebe para a campanha.
Até o momento a burguesia estadunidense aposta na continuidade da administração Obama, não na volta dos republicanos, como forma preferencial de gerir seus interesses. Ao mesmo tempo, do lado republicano, cresce a penetração do “Tea Party”, o setor de ultradireita, que na eleição passada foi visto como uma espécie de novidade anedótica, mas que na atual eleição polarizou com o “centro” republicano a disputa para a indicação do candidato Mitt Romney. A direitização do partido republicano provoca uma direitização geral da política da união e dos estados, na direção de mais ataques e “austeridade”.
A lenda dos 50% do PIB mundial
Uma das lendas mais difundidas no momento de manifestação aguda da crise foi a de que os países “emergentes” em breve teriam 50% ou mais do PIB mundial. O problema dessa lenda é a definição exata do que seriam países “emergentes”. O tema da classificação dos países em blocos é polêmico, pois os critérios variam. Na época da Guerra Fria se falava em 1º, 2º e 3º mundos, correspondendo respectivamente aos países capitalistas desenvolvidos, aos países do antigo bloco soviético e ao restante do mundo “subdesenvolvido”. Dentro desse bloco do “restante do mundo” às vezes se fazia a distinção entre os países “em desenvolvimento” e os países muito pobres. Com a dissolução da URSS e do bloco soviético os critérios mudaram. As listas passaram a falar em “mercados emergentes” como eufemismo para designar os países pobres e criar a ilusão de que o “fim do socialismo” e a adoção do “livre mercado” levaria aqueles que aplicassem as políticas neoliberais a um rápido crescimento e a se tornarem “ricos”.
A lista mais antiga dos chamados “países ricos” é a da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), fundada na Europa para reconstrução do continente depois da II Guerra Mundial e depois estendida para países de outros continentes. Fazem parte da OCDE: Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Grécia, Islândia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça, Turquia, Alemanha, Espanha, Canadá, Estados Unidos, Japão, Finlândia, Austrália, Nova Zelândia, México, República Checa, Hungria, Polônia, Coreia do Sul, Eslováquia, Chile, Eslovênia. A OCDE inclui países pobres como México e Chile, ou países recentemente empobrecidos, como a Grécia, mas ignora os chamados BRICs.
O problema do conceito de “emergentes” é que ele parte de uma visão da história econômica em que não há conflitos nem dominação, e os países “ricos” se tornaram “ricos” por seus próprios méritos. Os pobres, por sua vez, são pobres por causa de sua própria incompetência. Mas, segundo essa “teoria”, se seguirem as receitas dos economistas burgueses, do FMI e outros órgãos, um dia esses países vão se tornar “ricos”. Enquanto estão “na transição” para um dia serem “ricos”, todos os países pobres, tanto os miseráveis como os que estão numa condição intermediária, em rápido crescimento, são chamados de “emergentes”. Com isso, a luta de classes é colocada para escanteio e cria-se uma visão em que os países estão numa espécie de corrida, alguns com mais velocidade, outros com menos, alguns sendo ultrapassados, outros estacionando.
Nessa visão é como se todos tivessem partido de uma mesma linha de largada, em condições iguais, todos tivessem as mesmas chances e oportunidades, e o seu mérito ou competência definisse as mudanças de posições. Essa visão idílica esconde os processos históricos de dominação imperial, pelo qual um pequeno grupo de países dividiu o restante do mundo, massacrou e escravizou suas populações, saqueou suas riquezas e se estabeleceu como conquistador. É isso que explica a desigualdade entre os países, e não a sua “competência” em seguir o “modelo” e “emergir” para um dia se tornarem “ricos”. A verdade é que não há chances iguais, pois o desenvolvimento capitalista é desigual e combinado, com a pobreza de uns sustentando a riqueza dos outros, entre os países, as classes e os indivíduos.
Imperialismo, G8, G20 e “emergentes”
A literatura marxista desfaz essa confusão e estabelece uma diferença nítida entre países imperialistas e países periféricos. O imperialismo, na definição de Lênin, é a fusão entre o capital financeiro (que na sua origem é a fusão entre os bancos e a indústria, e se desdobra depois sob outras formas) e o Estado, com vistas à exportação de capital para países coloniais, nos quais uma taxa de lucro mais elevada (baixa composição orgânica do capital) compensaria a queda da taxa de lucro na metrópole. Os países imperialistas, além de terem o poderio militar necessário para expandir seus negócios por outros continentes, dominam a produção de bens de produção, são geradores autônomos de ciência e tecnologia, e exercem também uma influência cultural além de suas fronteiras. Das duas guerras mundiais do século XX, que foram guerras entre as potências imperialistas, emergiram os Estados Unidos como principal potência imperialista (ao lado da antiga URSS), seguido por um conjunto de países imperialistas de menor poder.
Esse grupo de países imperialistas reuniu-se no que foi chamado de G7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Canadá), com encontros anuais desde 1975, sendo depois ampliado para G8 com a inclusão da Rússia (como “herdeira” do posto de superpotência da antiga URSS, depois da restauração capitalista). Desde a época de sua formação houve mudanças no peso desses países na economia mundial, com a China chegando ao posto de 2ª maior economia do mundo e o Brasil ao 6º. Embora tenham alcançado essa posição, Brasil e China não participam do G8. O PIB somado dos países do G8 chegou a US$ 35,517 trilhões em 2011, para um total mundial de US$ 69,659 trilhões. Este cálculo foi efetuado a partir dos dados da Lista de Países por PIB Nominal do FMI (disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_pa%C3%ADses_por_PIB_nominal e baseado em: Fundo Monetário Internacional, World Economic Outlook Database, Abril de 2012: Nominal GDP list of countries. Dados para o ano de 2011.. Acessado em 20 abr. 2012.). Ou seja, apenas o G8 sozinho possui metade do PIB mundial.
Não sendo parte do G8, China e Brasil compõem o G20, grupo formado a partir da crise de 2008 para encontrar “soluções” do ponto de vista do capital (não se pode confundir esse G20 com o grupo de mesmo nome formado em 2003, no âmbito das negociações da OMC, quando um grupo composto por grandes países exportadores de commodities, especialmente agrícolas, travou uma batalha contra os países centrais por acordos mais vantajosos a suas exportações). O G20 formado para administrar a crise é composto pelo G8 mais 11 países (África do Sul, Argentina, Brasil, México, China, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, Arábia Saudita, Turquia e Austrália) e uma representação da Comissão Européia. Os chefes de Estado do G20 se reúnem semestralmente desde 2008, além de reuniões e consultas permanentes entre seus ministros de finanças e dirigentes de bancos centrais.
O PIB somado dos 11 “convidados” do G20 é de US$ 18,279 trilhões, ou seja, pouco mais da metade do G8… Na classificação do FMI, todos os países do mundo que não fazem parte do G7 são chamados de “mercados emergentes”, com exceção de Cuba e Coréia do Norte, que estão fora porque não são economias de mercado. O movimento de expansão de capital em direção a espaços de valorização relativamente inexplorados não se limita aos BRICs, estendendo-se também a um conjunto de outros países periféricos, como Turquia, República Checa, Indonésia, etc., e toda uma nova geração de “tigres” econômicos prestes a serem assolados pelas contradições da industrialização acelerada.
O caso dos chamados “BRICs” – I
Um dos temas recorrentes na análise da situação mundial tem sido o papel desempenhado pelos grandes países periféricos. Há o discurso de que esses países tiraram a economia mundial da crise e mesmo de que representam as futuras grandes potências do capitalismo, em substituição a Estados Unidos, Europa e Japão, ou no mínimo ao lado deles, num mundo chamado “multipolar”. Tais países foram agrupados na sigla “BRICs” (“tijolos” em inglês) pelo economista Jim O’Neill, funcionário do banco Goldman & Sachs, a partir das iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China (aos quais se acrescentou posteriormente a África do Sul, mas sem que haja consenso sobre essa última incorporação por parte dos usuários do termo “BRICs”). Há vários problemas nesse discurso a respeito dos “BRICs” que precisam ser desmontados se quisermos alcançar uma compreensão científica do que está acontecendo na realidade mundial.
Em primeiro lugar, é preciso analisar o conteúdo e o significado do crescimento econômico desses países. É verdade que os “BRICs” responderam por boa parte do crescimento mundial no momento imediatamente posterior à crise de 2008 e que a China, por exemplo, tem experimentado taxas de crescimento dignas da Revolução Industrial, com algo em torno de 10% ao ano há pelo menos 30 anos. Com isso, o país saltou para o 2º maior PIB mundial em poucas décadas. Entretanto, esse crescimento tem se dado na maior parte devido à mais valia absoluta, ou seja, extensão da jornada de trabalho, típica dos países periféricos, mais do que à mais valia relativa, que vem dos ganhos de produtividade, típica dos países imperialistas, onde predomina elevada composição orgânica do capital e alta tecnologia. O capital mundializado se serve de territórios onde é possível estender a níveis subumanos a jornada e a exploração dos trabalhadores para compensar uma taxa de lucro que não consegue mais obter nos países centrais.
A maior parte desse crescimento diz respeito à produção de manufaturas para exportação para os mercados consumidores dos Estados Unidos, Europa e Japão. Transnacionais estadunidenses, europeias e japonesas se instalaram na China para explorar uma mão de obra abundante e barata. Nesse caso, a China representa uma reprodução em tamanho gigante da receita dos chamados “tigres asiáticos”, países da periferia asiática como Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura, etc., exaltados como modelo de sucesso na década de 1990 por terem se transformado em plataformas de exportação. Esse modelo, no caso da China, funciona devido a uma associação sui generis entre a burocracia do Partido Comunista, que controla o Estado, as forças armadas e as finanças do país, com as transnacionais estrangeiras, para explorar a força de trabalho. Esse modelo depende do controle ditatorial sobre a força de trabalho, na maioria migrantes vindos do interior do país, contratados sob condições extremamente precárias, sem qualquer proteção social e sem qualquer organização sindical ou trabalhista independente.
As enormes taxas de crescimento não significam que tais países periféricos estejam enriquecendo a maioria de sua população, mas que estão produzindo mais para as transnacionais, que ficam com a boa parte do lucro e o remetem para suas matrizes imperialistas. Também não significam que estejam se tornando potências imperialistas, pois carecem de uma série de pré-requisitos para isso, como o poder de intervenção em outros países (por mais que Rússia e China sejam potências nucleares), influência geopolítica e cultural, etc. (a China tem expandido seus interesses para outros continentes, mas sua influência ainda não se compara a que os países imperialistas clássicos tiveram e ainda detém).
Além disso, os “BRICs” carecem da capacidade de gerar endogenamente alterações tecnológicas. Esses países não dominam a tecnologia de produção de bens de produção, alicerce para o desenvolvimento capitalista independente. Campos de atividade estratégicos como design de produtos, microeletrônica, softwares, etc., permanecem como monopólio das transnacionais imperialistas. Esses campos demandam muitas décadas ou mesmo séculos de investimento pesado em pesquisa científica para que sejam dominados por um determinado país. A burocracia chinesa apenas começou a dar passos nessa direção e está longe de poder desenvolver tecnologia própria comparável à de Estados Unidos, Japão e Europa. A Rússia ainda detém alguma “expertise” em termos de tecnologia armamentista, nuclear e aeroespacial (herança do período soviético), a Índia possui armas nucleares e alguma capacidade em softwares, e sobre o Brasil, nesse campo, nem sequer é preciso se estender, já que o país passa por um processo de desindustrialização e especialização regressiva.
O caso dos chamados “BRICs” – II
Em segundo lugar, com relação aos “BRICs”, é preciso discutir se o seu modelo de crescimento é viável ou pode permanecer ao longo do tempo sem perturbações. Já citamos acima o caso da China, que exporta uma porcentagem enorme da sua produção. Qual é o destino da produção chinesa nos momentos em que o mercado mundial está retraído, como agora, em que os consumidores estadunidenses e europeus estão diminuindo suas compras? O mercado interno ainda não é capaz de absorver a maior parte dessa produção atualmente exportada, devido justamente à baixa remuneração da força de trabalho, que é o grande atrativo da China para as multinacionais.
Existe, porém uma burguesia chinesa em formação ou que retorna/associa-se à diáspora chinesa (milhões de chineses que fugiram da revolução em 1949 para outros países do sudeste asiático, mais ou menos como os cubanos que fugiram para Miami, e que se tornaram especialistas em determinados nichos de mercado nos países de adoção) e pode responder por esse consumo. A questão então passa a ser como manter essa burguesia nascente/emergente longe do poder político, que permanece monopolizado pela burocracia do Partido Comunista. E ainda, é preciso encontrar uma fórmula para manter a classe trabalhadora dócil e domesticada diante da ostentação dessa burguesia e da ditadura e dos privilégios dos burocratas, dadas as condições de vida degradantes de centenas de milhões de trabalhadores migrantes e a miséria de outras centenas de milhões que permanecem no campo.
Milhares de conflitos sociais acontecem todos os anos na China, com greves parciais de empresas e ramos de produção, motins e protestos, ocupações de prefeituras e prédios públicos, suicídio em massa de trabalhadores em determinados ramos e fábricas, etc. A classe trabalhadora chinesa não está suportando passivamente o peso da superexploração que lhe foi imposta. Apesar desse estado de conflitividade social crescente, as lutas permanecem isoladas, carecendo de unidade, organização independente (sindicatos são proibidos e todas as instâncias são controladas pela burocracia do partido e do Estado), programa e consciência. Mas esse estado de dispersão não deve continuar para sempre… Além desse problema político interno, a burocracia tem que lidar com problemas geopolíticos, pois o resultado das suas exportações é o acúmulo de uma reserva gigantesca de moeda internacional, o dólar, que fica no país, nas mãos da burocracia, depois que as transnacionais remetem sua parte para as matrizes. Pois bem, o dólar tem seu valor cada vez mais questionado devido ao ritmo com que crescem os chamados “déficits gêmeos” da economia estadunidense, o déficit do governo e o da balança comercial. Para impedir a queda do dólar e a desvalorização de sua reserva, o BC chinês compra títulos da dívida pública estadunidense. Com isso, torna-se de certa forma “prisioneiro” de uma relação simbiôntica com a economia estadunidense, emprestando dinheiro para que o dólar se mantenha e os consumidores estadunidenses possam comprar mercadorias chinesas, num circuito que alimenta o crescimento do déficit da balança comercial estadunidense e das reservas chinesas, e assim sucessivamente. Essa parceria com os Estados Unidos está sempre por um fio, na medida em que os chineses ameaçam se desfazer dessa reserva em dólares e acumular outra moeda, seja euro ou outra a ser criada internacionalmente.
Os conflitos com os Estados Unidos não se limitam ao terreno da moeda. Os Estados Unidos apoiam outros países asiáticos nos seus conflitos de fronteira com a China, ou apoiam a independência do Tibete atualmente ocupado pela China, apoiam a independência de Taiwan que a China tenta reverter, além de ameaçar constantemente a Coréia do Norte, aliado da China. E ainda, há o problema da dependência chinesa do petróleo do Oriente Médio, território em que os Estados Unidos projetam sua aventura imperial (no momento, o alvo é o Irã). Trata-se, portanto de uma parceria em estado de permanente tensão devido a fatores que são estruturais e não facilmente superáveis.
Por último, é preciso destacar que o modelo de crescimento dos “BRICs” é ambientalmente insustentável, devido ao tipo de industrialização da China, à destruição da Amazônia e outros ecossistemas pela expansão da fronteira agrícola no Brasil, à degradação da infraestrutura russa, herdada do período soviético, etc. Tais países não conseguiriam manter seu ritmo de crescimento sem manter o nível de destruição ambiental atualmente praticado, razão pela qual se opõem às restrições à poluição discutidas nos fóruns ambientais oficiais da ONU (as quais, por sua vez, são propostas por países que já exportaram suas indústrias “sujas” para a periferia e agora precisam saquear os recursos como terras férteis e água potável dessas regiões). Independentemente do fato de que o debate ambiental seja feito à revelia dos interesses dos trabalhadores, a degradação ambiental provocada pelo modelo de crescimento dos “BRICs” é um problema real que pode se converter em um limitador para esse modelo.
É discutível enfim que a China ou o conjunto dos “BRICs” possam manter o seu crescimento imperturbável diante de fatores fora do seu controle, como uma possível desaceleração devido à queda das exportações para Estados Unidos, Europa e Japão, as lutas da classe trabalhadora chinesa, atomizadas e desorganizadas, mas radicalizadas e disseminadas, o crescimento da demanda por alimentos por causa da migração de camponeses para as cidades, etc.
O caso dos chamados “BRICs” – III
A ideologia burguesa produz absurdos em série a partir da visão fragmentada e desconectada da realidade, negando a unidade dialética e contraditória da totalidade histórica. A economia é tomada em separado para forjar a unidade arbitrária de um conjunto de países, pelo simples fato de que são os que mais cresceram na última década, como se por isso fossem uma absoluta novidade na cena mundial. Ora, a Rússia (como herdeira do poderio soviético) e a China são potências mundiais há várias décadas (a China há milênios)! Não são novidade nenhuma! Pertencem ao seleto rol dos membros permanentes com poder de veto no Conselho de Segurança da ONU desde os anos 1940! O Conselho de Segurança tem como membros permanentes a 1ª (Estados Unidos), a 2ª (China), a 5ª (França), a 7ª (Inglaterra) e a 9ª (Rússia) economias mundiais, mas exclui a 3ª (Japão), a 4ª (Alemanha) e a 6ª (Brasil). Qual é o critério para incluir umas e excluir outras? Certamente não é apenas econômico, mas militar, geopolítico e histórico!
Além disso, são países histórica e culturalmente muitíssimo distintos entre si. A China é uma potência mundial há praticamente 5 mil anos, com uma civilização riquíssima e orgulhosa, e a Rússia é um Estado da periferia europeia que mal havia se constituído antes do ano mil da era cristã, e se converteu em potência relevante apenas nos últimos dois séculos. A Índia também é uma sociedade multimilenar e uma potência nuclear de menor porte, mas possui também uma história absolutamente distinta e uma composição social de características muito próprias. Convivem em seu interior enclaves mundializados e “high tech” como Bombaim e um oceano de aldeias camponesas que formam um caleidoscópio étnico e religioso, que inclui o regime de castas, o separatismo islâmico, “pogrooms” periódicos, o conflito de fronteiras com o vizinho (e também “nuclearizado” Paquistão), etc. E o que o Brasil tem a ver com esses países, seja em termos de história e cultura, seja de peso político e militar? Tais perguntas o “conceito” de “BRICs” deixa sem resposta (e nem precisamos adicionar o “S” de África do Sul para complicar ainda mais a equação).
As diferenças assinaladas entre os componentes dos BRICs não apagam as semelhanças entre eles, que inclusive não se restringem ao terreno da economia, que foi o critério que levou um ideólogo burguês a criar tal “conceito” para agrupá-los. Os BRICs são países de industrialização recente (não tão recente no caso da Rússia, que já tinha uma base industrial relativamente desenvolvida, e do Brasil, que contraditoriamente, está se desindustrializando para se especializar em commodities), que experimentam um processo acelerado de urbanização, com todo o corolário de problemas que isso representa em termos de falta de moradia, saneamento, saúde, transporte público, etc., e de outra parte o acúmulo de lixo, poluição, violência, etc. Cruza-se com isso as rivalidades raciais, religiosas, linguísticas, culturais, que separam e opõem os trabalhadores entre si ou os opõem ao aparato do Estado enquanto minorias oprimidas, vítimas de extermínio, pogrooms, perseguição, racismo, intolerância, etc.
O caso dos chamados “BRICs” – IV
Os BRICs não são um desafio à ordem capitalista instalada, no sentido de que não trazem consigo um modelo econômico e político alternativo ao capitalismo. O que eles representam é uma possível mudança no equilíbrio de forças entre as potências no interior do próprio capitalismo. Essa mudança, por sua vez, não tem nada de imprevista ou estranha em relação a lógica essencial do sistema, mas é antes uma manifestação dessa lógica profundamente problemática. Uma vez atingida uma determinada composição orgânica do capital num determinado conjunto de países (imperialistas) e aproximando-se os limites da extração de mais valia relativa, o sistema tem como uma de suas opções, além da destruição de capital (que não tem acontecido na escala necessária para reativar o sistema, muito longe disso), a exportação de capital excedente para países com estruturas produtivas mais primitivas, em que prevalece a mais valia absoluta.
A exportação de capital para regiões inexploradas traz um alívio imediato ao sistema nos primeiros anos e décadas, mas causa um problema político num prazo mais longo. A concentração de capital nas novas regiões pode fazer com que as novas frações do capital ganhem vida autônoma e esbocem a tendência de lutar contra as antigas na disputa por mercados. E na nossa realidade atual, isso aconteceria num mundo em que os mercados estão particularmente saturados e já não há mais novas fronteiras para expansão. Os BRICs estão nesse estágio de concentrar em si grandes quantidades de capital e de buscar autonomizar-se em relação aos poderes imperialistas, com exceção do Brasil, cuja burguesia não tem nem ambição nem capacidade para aventuras geopolíticas, (por mais que se tenha festejado poucos anos atrás a “política externa independente” do governo Lula). O momento em que os BRICs emergem no cenário é extremamente delicado, pois quando o que o capitalismo mais precisa é de coordenação e cooperação, mais o que despontam são disputas.
A China possui a sua relação simbiôntica-conflitiva com os Estados Unidos, maior potência mundial, em que os dois acompanham milimetricamente os movimentos um do outro. Cada um tem como objetivo de longo prazo encontrar formas de sair dessa relação em posição mais vantajosa, mas nenhuma das formas disponíveis pode ser acionada sem provocar conflitos no curto prazo. Por exemplo, os Estados Unidos não podem retirar em massa suas transnacionais da China, pois não há outro local para onde deslocar a produção de forma vantajosa, e a China não tem outro mercado consumidor do mesmo porte para onde exportar seus produtos. Em qualquer caso, os conflitos provocados por essa relação refletem interesses de diferentes personificações do capital, nunca os interesses dos trabalhadores.
A Rússia é governada por um setor que representa os restos do antigo aparato de segurança interna da URSS. Desde Stalin, passando por Kruschev, Brejnev e Gorbatchev, os governantes da Rússia são ex-dirigentes do colossal aparato policial construído pela burocracia soviética, com a exceção de Yeltsin. O recentemente reeleito Putin também representa esse setor e busca remediar os estragos na estatura geopolítica russa provocados pela década neoliberal de Ieltsin. As forças armadas estão sendo reaparelhadas e o cerco montado pelos Estados Unidos via OTAN está sendo cada vez mais desafiado. O governo Putin funciona como uma autocracia, brutalmente corrupta e autoritária, que governa para os “amigos do rei”, burgueses que acumularam imenso patrimônio às custas do saque ao antigo patrimônio público soviético, em privatizações mafiosas. Aos inimigos, sejam frações concorrentes da burguesia (isto é, mafiosos dissidentes), e também outros setores da classe média e dos trabalhadores em luta por maior democracia, estende-se a dureza da repressão e da lei. Economicamente, a Rússia é dependente das exportações de petróleo e gás natural para a Europa.
A Índia é internamente o mais heterogêneo dos “BRICs”, mas em seu interior prevalece o setor que tenta imitar o modelo chinês de plataforma de exportação, não exatamente de commodities, mas de serviços e softwares, a partir de algumas ilhas de excelência, deixando o interior do país e o entorno das metrópoles entregue à miséria ancestral. Por sua vez, o Brasil é também governado por uma burocracia que representa o conjunto do capital que opera no país, sem ser o porta-voz direto de nenhum setor, mas beneficiando a todos (bancos, agronegócio, construção civil, montadoras estrangeiras), conduzindo a integração do país no mercado mundial como fornecedor de commodities e manufaturas de baixo valor.
Por essas características, tais países não formam um “bloco” (a não ser em disputas comerciais ocasionais que não refletem mais do que interesses pontuais e temporários das frações da burguesia) nem apresentam nenhum “projeto” de sociedade ou de “civilização” diferente daquele que é imposto pela fração hegemônica da burguesia mundial, o capital financeiro. Além de não serem em seu conjunto um contrapeso aos interesses do imperialismo (no âmbito do G20 compactuam com o projeto da “austeridade” e assumem a sua parte na tarefa de geri-lo), também não são eles próprios portadores de um projeto imperialista próprio em condições de competir com o das demais potências.
O uso do termo “BRICs nos meios de comunicação e acadêmicos burgueses em um momento de crise, em que as contradições se agudizam, é feito como se este conjunto de países representasse um “modelo” de sucesso que pudesse levar a um desenvolvimento ilimitado dentro do próprio capitalismo, o que levaria a uma melhora nas condições de vida dos trabalhadores nos países que adotarem tal “modelo”. Este discurso tem um conteúdo ideológico que está a serviço de ocultar um fato determinante da realidade, que é uma crise com o grau de profundidade como a que atravessamos. Esta forma de apresentação da realidade também representa uma forma de defesa da manutenção do projeto de sociedade colocado pela burguesia, e contra o avanço da consciência dos trabalhadores da necessidade de uma ruptura para alem do capital e rumo a uma sociedade sem classes.
A desaceleração da Primavera Árabe
O principal elemento da nova situação mundial inaugurada em 2011, a Primavera Árabe, foi o estopim para uma onda de lutas dos trabalhadores e da juventude em nível mundial. Apesar de se tratar de um fenômeno que mudou a correlação de forças em nível mundial, recolocando os trabalhadores e a juventude em movimento, não se trata de um processo unitário, mas de uma série de acontecimentos que num curto espaço de tempo percorreram sociedades muito diferentes. A Primavera Árabe não foi a mesma coisa no Egito e na Líbia, para ficar em apenas dois exemplos.
Os países do Norte da África e do Oriente Médio não formam uma totalidade homogênea, apesar dos estereótipos. O que há de comum é o fato de serem países periféricos, governados por burguesias débeis e associadas ao imperialismo, mas ferozes na repressão aos seus povos. Há nesse conjunto de países alguns dos maiores produtores de petróleo do mundo, e também a maior hostilidade à dominação imperialista vigente em qualquer região. Essa hostilidade se manifesta não como hostilidade ao capitalismo, mas à dominação nacional, e aparece traduzida na linguagem religiosa do islamismo.
Essa combinação explosiva de governantes corruptos e autoritários com seus povos, mas ao mesmo tempo subservientes a um imperialismo que é odiado pelo povo, finalmente explodiu na forma de revoltas em 2011. Essas revoltas foram motivadas por causas econômicas, como a alta do preço dos alimentos, o desemprego da juventude e a falta de perspectivas com o fechamento da “válvula de escape” da imigração para a Europa. Entretanto, elas se traduziram em linguagem política como lutas democráticas, contra o aspecto autoritário dos regimes em vigor na maioria dos países. Não se converteram em lutas sociais contra a dominação de classe.
Através da “brecha democrática”, o imperialismo interveio para instalar outros governantes capazes de viabilizar a continuidade da pilhagem dos recursos. Por meio dessa brecha, os Estados Unidos e a Europa “militarizaram” a insurreição popular na Líbia e a transformaram numa sangrenta guerra civil, por meio da qual puderam construir um governo títere. O mesmo processo está sendo testado na Síria, dessa vez com a oposição da Rússia e da China, obstáculo mais difícil de contornar. Nos demais casos, como Egito, Tunísia, Iêmen, os governantes foram forçados a se retirar antes que a insurreição popular avançasse contra as instituições do regime e alcançassem modificações mais radicais.
Em todos esses países a ausência de uma alternativa social anticapitalista limitou as lutas ao aspecto democrático. Com isso, foram feitas concessões, como as eleições, as constituições e alguns direitos civis e democráticos. Entretanto, essas concessões serviram para empossar o único tipo de oposição organizada que existia, os partidos islâmicos, que são socialmente conservadores. A elasticidade da democracia burguesa permitiu a formação de novos governos que aparentemente correspondiam ao desejo popular por democracia, mas que na prática mantinham o controle da burguesia e do imperialismo.
Entretanto, os motivos originais da Primavera Árabe, a crise econômica mundial e seus reflexos, como a carestia e o desemprego, não foram resolvidos. Por isso, as tensões sociais tendem a continuar. As lutas e greves devem continuar explodindo nos vários países, mas não devem alcançar o mesmo porte daquelas verificadas em 2011, capazes de derrubar os governos. As populações não estão mais no mesmo estado de exaltação e ofensiva em que estiveram em 2011. Estão na expectativa dos resultados que as vitórias democráticas podem trazer, mas que não trarão, sabemos. Por outro lado, tais populações não retornaram para o estado de passividade em que permaneceram por décadas, pois as lições de que é possível lutar dificilmente serão apagadas da memória dessa geração, mesmo naqueles países em que não houve queda dos governos. Essas lições ficarão “guardadas” para os momentos em que as contradições em desenvolvimento gerarem novos conflitos, que exigirão a sua utilização.
Oriente Médio
A peça chave de todo o processo da Primavera Árabe foi o Egito, maior, mais populoso e mais rico país da região, onde o controle das forças armadas sobre os elementos fundamentais da vida social jamais foi de fato revogado, mesmo nos momentos mais agudos do levantamento popular (até porque os militares controlam diretamente um terço das empresas do país). O longo tempo decorrido desde a deposição de Mubarak até a eleição de um presidente da Irmandade Islâmica foi usado para que os militares consolidassem seu poder. Ao mesmo tempo em que o povo se mantinha na expectativa da eleição, o espírito combativo arrefeceu com a vitória parcial alcançada, as lutas mais radicalizadas dos trabalhadores e que ameaçavam avançar para uma consciência classista foram sufocadas, e o aparato repressivo se reconstituiu.
A continuidade do controle dos militares foi fundamental para o imperialismo do ponto de vista geopolítico, pois o Egito é um aliado crucial dos Estados Unidos no conflito Israel-palestinos. Os tratados de paz entre o Egito e Israel são a garantia de que os palestinos não terão nenhum ponto de apoio na principal potência do Norte da África. Ao mesmo tempo em que conseguiu manter o Egito sob seu controle apesar da Primavera Árabe, os Estados Unidos estão buscando destruir um dos poucos focos de relativa independência na região, a Síria, justamente graças à Primavera Árabe. A luta por democracia está sendo usada para forçar a derrubada de um governante que representava um parco suporte aos palestinos, graças ao apoio dado aos setores pró-palestinos no Líbano. Foi criado um exército guerrilheiro para enfrentar o governo sírio, mas de forma artificial e a partir do exterior, com intermediação da Arábia Saudita, sem conexão com a oposição popular no interior, que de qualquer forma é mais fraca do que nos outros países como o Egito ou mesmo a Líbia. Esse mecanismo deve ser a tática do imperialismo para derrubar o governo sírio, sem se envolver numa guerra direta, caso em que sofreria a oposição da Rússia e da China.
Esse mesmo expediente, o de se colocar como porta-voz da democracia, aproveitando o embalo da Primavera Árabe, não pôde ser usado pelo imperialismo para o Irã. Nesse caso, ressuscitou-se o velho e batido mote do programa nuclear iraniano como ameaça. Também é improvável uma intervenção militar direta, devido ao impasse em que as forças imperialistas se envolveram no Iraque e no Afeganistão. Os dois países foram deixados semidestruídos e entregues a autodilaceração das rivalidades tribais e religiosas, sem construir governos estáveis que viabilizassem a pilhagem de seus recursos petrolíferos, como tinha sido originalmente previsto. Esse exemplo e o cálculo dos custos financeiros e humanos proibitivos de uma invasão direta ao Irã tornam essa guerra a hipótese menos provável, mesmo com as escaramuças diplomáticas periodicamente veiculadas na mídia internacional.
América Latina
A crise mundial do capitalismo encontrou os países árabes e do norte da África entregues a ditaduras corruptas e subservientes. Na América Latina, ao contrário, a crise vem sendo gerida por governos de retórica antineoliberal e em alguns casos anti-imperialista. A direita tradicional e os neoliberais assumidos já tinham sido varridos do governo da maior parte dos países como resultado das lutas do início da década passada. Essas lutas produziram mobilizações massivas contra os resultados mais desastrosos do neoliberalismo, em países como Argentina, Bolívia e Equador. As lutas de caráter popular (sem a hegemonia de setores organizados enquanto proletariado) chegaram a derrubar governos nesses países. Entretanto, tiveram como produto distorcido a eleição de governos “de esquerda” que faziam oposição aos conservadores e neoliberais tradicionais. O mais “ousado” desses governos, o de Chávez na Venezuela, chegou a falar em “socialismo do século XXI” para dar nome ao seu projeto.
A América Latina foi o continente em que se concentraram os mais importantes movimentos em resposta à crise cíclica anterior, em 2000 e 2001, na forma das lutas de setores populares em geral, sem presença ou hegemonia de setores organizados de trabalhadores, contra as consequências do neoliberalismo. Esses movimentos foram desviados para a disputa eleitoral e resultaram na eleição de governantes nacionalista burgueses, inspirados e representados pelo chavismo venezuelano. Depois de um primeiro momento de chegada ao poder, com discursos altissonantes e práticas assistencialistas, esses governantes passaram por um momento de consolidação, desfrutando da conjuntura favorável do auge do ciclo econômico de 2002 a 2007 e alcançando a reeleição, exportando o “modelo”, etc. Nesse período viveu-se a alta do preço das commodities agrícolas, minerais e hidrocarbonetos, em que esses países são especializados, o que deu aos seus governantes margens de manobra para a relação assistencialista com a população e para certa estabilidade na relação com a burguesia.
A crise atual exauriu as margens de manobra desses governos. Antes era possível fazer concessões parciais aos trabalhadores, na forma de políticas assistenciais, bancadas pelos recursos gerados pela exportação de commodities petrolíferas, minerais ou agrícolas, parcialmente nacionalizadas em alguns desses países, no bojo do último ciclo de crescimento da economia mundial. Com o esgotamento desse ciclo, a queda dos preços das commodities, e consequentemente, da arrecadação estatal com a venda direta ou indireta dessas mercadorias, o orçamento público ficou mais apertado. A crise sobrecarregou os orçamentos com um encargo adicional, a ajuda aos bancos e empresas para evitar o mergulho dos países do continente no mesmo grau de recessão que atingiu os países avançados.
A disputa pelos orçamentos públicos se tornou mais acirrada entre as frações da burguesia e os setores da burocracia que impulsionavam esses governos “de esquerda”. Tanto os de perfil social-liberal como os de tipo nacionalista burguês reciclado são forçados a priorizar a continuidade do funcionamento da economia capitalista, a garantia do lucro das empresas, o pagamento dos juros ao capital financeiro, os cortes orçamentários. O assistencialismo e as pequenas concessões já não são suficientes para contentar a população, que permanece vivenciando a miséria capitalista, e desencadeia alguns movimentos limitados com exigências e diferenciações em relação a esses governantes (como no caso da luta dos camponeses originários bolivianos contra a passagem de uma estrada a serviço de empreendimentos de transnacionais no território TIPNIS em 2011). Ao mesmo tempo, a burguesia parte para a ofensiva, buscando retomar o controle do Estado pela via eleitoral, baseada em acusações de corrupção, ineficiência administrativa, autoritarismo, etc., mas também na insatisfação da população.
Quando a via eleitoral não é suficiente, começam a haver movimentos abertamente golpistas contra tais governos, como aconteceu em Honduras em 2009 e no Paraguai em 2012. Qualquer movimento no sentido de que possam querer fugir da prioridade que é a sustentação do capital é punido com golpes de estado ou ameaças golpistas. Essas punições são alavancadas por campanhas cínicas da mídia centradas no discurso contra a corrupção e o aparelhamento do Estado que grassam em tais governos.
Ou ainda, o “desvio” em relação aos interesses estritos do capital pode ser punido com resultados eleitorais desfavoráveis, pois a direita tradicional tem um amplo repertório de argumentos para explorar nas disputas eleitorais, desde a corrupção e ineficiência geral do Estado, a ameaça do “comunismo” ou de Hugo Chávez, a necessidade da alternância “democrática” de partidos, até a continuidade da miséria e dos problemas sociais, violência, etc.
O mais trágico é que a derrota de tais governos, pela via golpista ou “democrática” eleitoral, repercute não apenas sobre seus dirigentes e partidos (que de resto são também inimigos dos trabalhadores), mas sobre a população em geral e a classe trabalhadora que neles confiaram. A vitória da direita tradicional legitima a ofensiva contra os restos de conquistas, lutas e organização popular e dos trabalhadores. É cada vez mais importante e urgente lutar para desenvolver alternativas de organização independentes dos partidos governistas, contra a direita tradicional e contra os governos “de esquerda” e nacionalistas burgueses reciclados, pois somente a organização independente pode representar defesa contra os golpes e o retorno da direita tradicional aos governos e contra os ataques da burguesia às condições de vida.
Resoluções
1. A situação econômica dos países centrais aponta para a persistência da crise e a probabilidade de que se resolva em um curto espaço de tempo é muito pequena. As medidas que os governos e os órgãos públicos governamentais (FED, Banco Central Europeu, etc.) são obrigados a adotarem aumentam as contradições que, por sua vez, empurra os trabalhadores para a mobilização.
Assim, apontamos, como tendência geral da correlação de forças, para o fato de que as lutas sigam. No entanto, também apontamos para, a partir da crise de alternativa e do papel das direções político-sindicais desses processos, que é pouco provável que elas adquiram um caráter de ofensiva, ou seja, continuam se defendendo das medidas do projeto de ajuste que o capital desfere contra os trabalhadores tanto nos países periféricos como nos países centrais.
Mesmo com o caráter defensista é muito provável que a existência dessas lutas empurre governos e países para a crise política, como é o caso da situação grega e espanhola. Como exemplo podemos citar as inúmeras greves gerais na Grécia e a passeata dos mineiros das Astúrias até Madri.
Como organização revolucionária nos cabe apoiá-las com a realização de campanhas políticas, ajudando a que a classe trabalhadora mundial possa desenvolver sua consciência política.
A existência dessas lutas e a dificuldade de o capital aplicar a fundo o seu projeto sem resistência da classe trabalhadora são marcas dessa nova situação política mundial, a qual caracterizamos como de instabilidade econômica, política e social. Isso quer dizer que é improvável que o imperialismo consiga impor seu projeto na dimensão que necessita para, pelo menos, jogar a crise para um futuro mais distante.
Se as lutas dos trabalhadores são defensistas, também merece destacar que é um processo desigual, com níveis e ritmos distintos de um país para outro, mas o que determina a situação mais global é neste momento a impossibilidade de o imperialismo impor uma derrota histórica ao proletariado e assim conseguir impor uma ordem contrarrevolucionária.
2. Essas contradições devem explodirnum processo de crise aguda ainda mais sério do que o de 2008. Ainda que a burguesia consiga impedir essa explosão na forma de uma crise mundial geral ou depressão, as instabilidades no mercado financeiro e na política internacional, com picos de localizados de país para país ou região para região, continuarão dando a tônica no período. Dentro de um processo de crise estrutural ou declínio do capitalismo há vários ciclos e mudanças no padrão de acumulação, com fases distintas como as das décadas de 1970-80 (em que se deu a gestação do neoliberalismo) e as de 1990-2000 (em que se deu a queda dos Estados burocráticos e o auge da mundialização neoliberal). A crise atual é uma crise cíclica no interior de um processo de crise estrutural. É também o fim de um padrão de acumulação do capitalismo que durava décadas. A crise atual representa o fim do período “clássico” da mundialização neoliberal. Entramos num novo período, em que um novo modelo terá que ser imposto pela burguesia. O capital precisa se reorganizar e definir um novo padrão de acumulação. Será preciso construir um novo acordo entre os imperialismos e as burguesias e setores dirigentes dos países periféricos de maior peso para viabilizar a continuidade do sistema. Esse acordo não será obtido sem conflito, pois é preciso definir quem será o perdedor. A disputa interimperialista em si não significa necessariamente uma possibilidade de desafio à ordem capitalista. Para que esse desafio aconteça é preciso que o antagonista histórico do capital, a classe trabalhadora, se coloque em cena como portadora de um projeto social alternativo.
3. Os ciclos econômicos estão mundializados e sincronizados a partir da referência da economia dominante, que são os Estados Unidos. Os países periféricos chamados “BRICs” não formam qualquer tipo de unidade no sentido político ou mesmo econômico, nem são portadores de nenhum projeto alternativo ao do imperialismo, e de outro lado não têm ainda condições de lutar por um projeto imperialista próprio. Os BRICs não são ainda aspirantes à condição de imperialistas, são economias dominadas de grande porte, que partilham uma relação especial de simbiose e conflitividade em relação aos imperialismos tradicionais.São países com funções específicas subordinadas dentro do sistema capitalista mundial. Dentro desse conjunto, o Brasil tem a função de subcentro do imperialismo na América do Sul e na relação que desenvolve com alguns países da África. O crescimento desse grupo de países é parte de uma busca do capital por espaços de valorização, baseados na mais valia absoluta, sem que contudo consiga fugir de suas contradições. Esses países estão longe de representar um manancial inesgotável para a acumulação de capital, pois seu crescimento está determinado por limites que tem a ver com seus papéis específicos subordinados na ordem capitalista.
4. A crise do capitalismo não é apenas uma crise da economia capitalista, mas uma crise do sistema capitalista. Além de ser um modo de funcionamento da economia, um modo de produção, o capitalismo é também um modo de dominação, que se compõe de um conjunto de instituições dedicadas a reproduzir a hierarquia social em que as personificações do capital concentram e exercem o poder econômico e social. Essas instituições estão centralizadas no Estado, cuja legitimação se mostra mais difícil na medida em que a crise explicita perante a sociedade o seu papel como garantidor do funcionamento do capitalismo, e em última instância, como instrumento do seu setor dominante, o capital financeiro.
5. A burguesia sempre apresentará algum tipo de projeto de gestão ou política econômica, afinal sua função como classe dominante é gerenciar o sistema, mas nenhum projeto pode solucionar as contradições ativadas pela crise estrutural, pode apenas afastá-las momentaneamente. Não há solução para a crise, por mais que a burguesia apresente políticas, programas e discursos, pois as contradições não podem ser objetivamente resolvidas nos marcos do capitalismo. Também não houve uma queima maciça de capital como na crise de 1929 e nas Guerras Mundiais. A queima da maior partedo capital sobrante é impossível pelo fato de que as empresas se tornaram grandes demais para quebrar. O capital precisa impor uma derrota histórica sobre a classe trabalhadora para recompor a taxa de lucro, mas sem uma guerra mundial, deve fazê-lo por meio de guerras parciais.
6. O novo projeto da burguesia para gestão do capitalismo ainda não está definido. O que se prevê nos círculos dirigentes e intelectuais burgueses é a continuidade das medidas emergenciais adotadas durante a crise por um período de tempo indefinido, ou seja, a sua transformação em medidas permanentes. A “austeridade” passa a ser o discurso dominante e a lógica de todos os governantes burgueses. E por “austeridade” entende-se o controle total do orçamento público pelo capital financeiro, em prejuízo da população e dos trabalhadores, forçados a enfrentar a degradação das suas condições de vida.
7. A crise de 2008 encontrou os gestores do capital desprevenidos, mas ainda com cartas na manga para gerenciar a situação. Colaborou para isso o fato de que a classe trabalhadora estava ainda menos preparada. No momento atual o capital já está de “sobreaviso” e realizando os ajustes preventivos para a próxima recaída na crise, mesmo que agora tenha menos munição. O capital pode apelar para deslocar as contradições por meio de formas autoritárias ou “democráticas”. O capital pode deslocar os seus investimentos de um país para outro, de uma cidade para outra, colocando setores da classe trabalhadora em conflito uns contra os outros. Enquanto não houver uma ofensiva da classe trabalhadora, os ajustes vão sendo aplicados pela via eleitoral, pelo parlamento, judiciário e outras instituições, com a colaboração dos sindicatos burocratizados.
8. A crise de 2008 encontrou a classe trabalhadora política e ideologicamente desarmada, de modo que não houve resistência séria. A partir de 2011 a situação política está mais polarizada, e a classe trabalhadora está mais mobilizada. Existe uma nova correlação de forças. A imposição dos ajustes não se dá de maneira automática. Há dificuldade para o capital impor os ajustes que são necessários, pois há setores da classe trabalhadora que se levantam em luta contra tais ajustes. Nessas lutas têm prevalecido os funcionários públicos e a juventude trabalhadora desempregada, mas há também segmentos da classe que trabalham no setor produtivo em luta, embora minoritários. De modo geral, a classe operária industrial não se pôs em luta de forma massiva. A luta anticapitalista precisa ser internacionalizada e incorporar os trabalhadores por outros aspectos para além do local de trabalho, como a organização por bairro, por demandas como transporte, questões ambientais, etc.
9. Existe hoje uma superacumulação de capital, especialmente de capital especulativo, fictício. Esse capital financeiro especulativo é o setor cujos interesses prevalecem na condução da economia mundial. A ditadura do capital financeiro leva a uma diminuição dos espaços democráticos. O Estado se coloca cada vez mais como agente direto da sobrevivência do capital e instrumento específico do capital financeiro. No novo padrão de funcionamento as funções de planejamento do Estado passam a ser assumidas diretamente por instituições representativas do capital financeiro. FMI, Banco Mundial, BCE, FED, etc., passam a ditar a política de governo para os diversos Estados e fiscalizar o seu cumprimento. Os governantes eleitos passam a ter o papel de administrar as medidas ditadas pelas finanças, as quais são assumidas como único programa político possível. Presidentes e primeiro-ministros são testa de ferro e relações públicas dos bancos.
10. O período agudo de uma crise econômica, em que acontecem as quedas da produção e do comércio, quebras de bolsas de valores, falências de bancos e empresas, demissões em massa, etc., tem sempre uma duração limitada, pois o Estado adota medidas para evitar que esse processo siga sua própria lógica, e consegue alcançar alguma estabilização. O problema é que a cada crise o Estado tem menos munição para gastar com essas medidas de estabilização. Na crise atual a quantidade de dinheiro do Estado gasta com a estabilização foi muito grande e a oposição à “austeridade” cresceu enormemente dentro da sociedade. O próximo período agudo de crise terá consequências sociais e políticas muito maiores que a de 2008. É impossível determinar exatamente quando a atual estabilização vai se esgotar, se em um, dois anos ou mais, mas não muito mais do que isso. O que é certo é que a polarização entre as classes deve se acirrar e as lutas devem ser muito mais agudas. Lutas com caráter de rebelião social ou mesmo revoluções voltarão a ser possibilidades históricas prováveis.
11. A crise da alternativa socialista não se limita à esfera da política, pois atinge toda a subjetividade humana, todos os aspectos do processo de se colocar como sujeito na realidade. Entretanto, a partir da crise capitalista atual, a situação mudou. O capitalismo pode voltar a ser questionado e os elementos desse questionamento encontram terreno fértil para germinar nas lutas detonadas pela crise atual.
12. O socialismo não é uma ideia, mas o processo de movimentação da realidade. Dentro de uma sociedade cada vez mais socializada e interligada, o domínio sobre as coisas é cada vez mais restrito e privatizado. O socialismo tem como base objetiva a interligação da produção e das relações sociais. Essa base objetiva se choca com as relações capitalistas que impõem o domínio de uma restrita minoria. A possibilidade da revolução socialista volta a se colocar na realidade. Se as revoluções vão ser vitoriosas ou não, e se vão desenvolver uma consciência e conteúdo socialistas, isso depende da intervenção dos revolucionários.
13. Após o balanço histórico das tentativas de concretizar a perspectiva socialista ao longo do século XX – que se mostraram insuficientes e contribuíram para o descrédito da alternativa socialista nos dias atuais -, é necessidade imperativa aos revolucionários de hoje, que apresentem uma perspectiva claramente distinta das anteriores em termos de socialismo, que 1) se contraponha diretamente a qualquer perspectiva reformista; 2) seja anti-Stalinista; 3) defenda, claramente e ofensivamente, um sociedade autodeterminada, baseada no controle social da produção (em harmonia com o meio-ambiente) pelos trabalhadores, à serviço dos interesses e necessidades sociais e humanas.
Palavras de ordem
1. Solidariedade às lutas dos trabalhadores em todos os países, independentemente de raça, religião ou orientação sexual;
2. Em defesa dos empregos, salários, benefícios, direitos e condições de vida dos trabalhadores em todos os países, contra as políticas de “austeridade” e os cortes nos gastos públicos;
3. Contra as políticas de ajuste ditadas pelo capital financeiro, contra as privatizações e aumento de impostos;
4. Pelo não pagamento das dívidas aos especuladores internacionais, pelo cancelamento da dívida dos países pobres, por reparações dos países imperialistas aos países da África pelos séculos de escravização;
5. Reafirmamos a necessidade de indenização financeira por parte de todos os países que saquearam e ainda saqueiam as riquezas do continente africano no geral e da África do Sul, em específico. Repudiamos a ação do PC africano e da COSATO por não reivindicar a imediata soltura dos trabalhadores presos durante a manifestação que resultou no massacre de Marikana.
5. Em defesa dos direitos civis e democráticos, pelo direito de greve e de manifestação, contra a criminalização dos movimentos sociais;
6. Contra os partidos neonazistas e de ultradireita, contra a xenofobia, o racismo, a homofobia e o machismo, direitos iguais para os trabalhadores imigrantes independentemente de raça, religião ou orientação sexual;
7. Contra as invasões e guerras imperialistas, fora os imperialistas do Iraque e do Afeganistão. Fora Israel da Palestina, fim do Estado de Israel, por um Estado laico e multiétnico que reúna o proletariado israelense e palestino. Contra a intervenção imperialista no Irã. Nem Assad nem intervenção imperialista na Síria, por uma saída independente dos trabalhadores.
8. Pelo desarmamento das potências imperialistas e desmantelamento dos arsenais de armas de destruição em massa, nucleares, químicas e biológicas;
9. Em defesa da soberania dos povos e contras as invasões imperialistas, que nenhum país seja forçado a se desarmar até que haja o desarmamento das potências imperialistas;
10. Contra o agronegócio, os transgênicos e a destruição ambiental, contra a especulação com alimentos, em defesa da agricultura familiar e da soberania alimentar dos povos;
11. Contra a destruição ambiental provocada pelas corporações imperialistas, expropriação sob controle dos trabalhadores das empresas que cometerem crimes ambientais;
12. Contra os golpes de Estado, fraudes eleitorais e intervenções imperialistas na soberania dos países, contra o golpe no Paraguai e a fraude eleitoral no México;
13. Em defesa das conquistas democráticas nos países árabes, contra os militares no Egito e o governo do CNT na Líbia, pelo avanço das reivindicações dos trabalhadores;
14. Nenhuma confiança nos governos burocráticos, nacionalistas e islâmicos, pela organização independente dos trabalhadores;
15. Por governos dos trabalhadores baseados em suas organizações de luta;
16. Por uma sociedade socialista internacional.