Jornal 04: Novembro de 2001
27 de janeiro de 2013
Leia as matérias online:
- Apresentação
- Revigorar a luta pelo Socialismo.
- Sujeitos da Revolução: A Classe Trabalhadora
- A Emancipação dos Trabalhadores será Obra dos Próprios Trabalhadores
- Avanços e Limites do Novo Internacionalismo
- Os Revolucionários e o Estado
- Faz falta uma Nova Concepção de Organização
- Revolucionári@s: Unamos na Nossa Diversidade
APRESENTAÇÃO
A ofensiva do capital, a crise da perspectiva socialista como alternativa ao capitalismo, e a enorme dificuldade dos revolucionários recuperarem seu papel, impõe a todos nós a necessidade de um esforço por restabelecer novos pilares de uma concepção da revolução socialista.
Com esta publicação, nós do Espaço Socialista, pretendemos impulsionar um diálogo com os ativistas dos movimentos sociais, nossos leitores e simpatizantes acerca de alguns temas que, mais do que nunca, devem ser rediscutidos criticamente pelos revolucionários para que consigamos nos armar para a luta contra o capital, que é cada vez mais complexa.
Consideramos isso uma necessidade por entendermos que todo o processo do Leste Europeu a que se chamou “socialismo real” nos deixou, entre outras, uma lição das mais importantes, a de que o marxismo não é um dogma e, portanto, precisa ser “rejuvenescido” a partir das experiências das lutas dos trabalhadores contra o capitalismo.
Não podemos dar “velhas respostas aos novos problemas”. Sem abandonar as experiências históricas dos trabalhadores, com seus acertos e erros, julgamos ser necessário rediscutir questões defendidas até bem pouco tempo com toda ênfase pela maioria da esquerda revolucionária, inclusive nós, e que a partir da nova realidade entendemos estarem, na sua totalidade questionadas.
Estamos firmemente convencidos de que é preciso imprimir um novo curso à teoria e à prática política dos revolucionários marxistas. Tal convicção surge, por um lado, do balanço profundamente autocrítico que fazemos de nossa trajetória
passada e por outro, dos acontecimentos que no final dos anos 90 modificaram a geografia política do planeta: a mundialização do capital e as revoluções contra o estalinismo no Leste Europeu.
Com esses artigos iniciamos uma série em que estaremos colocando algumas discussões e conclusões que temos acumulado neste último período, e que não estão fechadas, pois tudo está sob o permanente julgamento da luta de classes.
Reforçamos o convite a todos que queiram contribuir nesse processo de elaboração com observações, críticas e textos, inclusive polêmicos, que possibilitem os nossos contato
Revigorar a luta pelo Socialismo
Chegamos ao novo milênio com uma nova perspectiva: a de reconstruir a luta pelo socialismo. Dizemos reconstruir porque as burocracias dos Estados do Leste e da ex-URSS, sob o nome de “socialismo real”, construíram um regime que nada tinha a ver com o socialismo, muito pelo contrário. Eram países marcados pela decadência das condições sociais e o aniquilamento das mínimas liberdades democráticas. Eram Estados burocráticos, onde uma minoria controlava e se apropriava do produto do trabalho da imensa maioria do povo.
Assim, é importante deixar claro, em primeiro lugar, que aqueles países (e hoje Cuba ou China) em que os trabalhadores se levantaram contra a tirania e exploração jamais representaram qualquer forma de socialismo e nem caminhavam neste sentido. Havia um controle de uma minoria sobre toda a sociedade, controlando o Estado.
Todos esses burocratas tinham uma coisa em comum: serem usurpadores das lutas, conquistas da classe trabalhadora e do produto de seu trabalho. Foi assim com as revoluções do século XX e é assim nas nossas lutas diárias, onde sempre aparece “um dirigente para apontar o caminho” e retirar desses processos o que eles têm de mais importante que é participação direta de milhões de explorados contra o sistema que os oprime e explora. Assim como “esses dirigentes” traem nossas lutas na atualidade aqueles traíram grandes revoluções, se aliando ao capital mundial.
Com as mobilizações de milhões de trabalhadores contra as condições econômicas e sociais desses países e a queda espetacular das burocracias do Leste Europeu, simbolizada na queda do muro de Berlim, uma dúvida se instalou na cabeça de milhões de lutadores em todo o mundo: o socialismo acabou?
Os ideólogos e lacaios da burguesia logo se aproveitaram dessa situação e saíram gritando, repetindo como papagaios o coro de que o socialismo acabou. Os grandes poderes capitalistas festejaram a morte do socialismo. Mas, se enganaram. Bastaram poucos anos para que novamente o capitalismo estivesse totalmente questionado. É cada vez mais contundente a crítica contra a “globalização”, contra o “neo-liberalismo” e seus efeitos provocando uma séria crise de “legitimidade” desse sistema, poucas vezes vistas na década de 90.
Nós dizemos: o socialismo é historicamente possível e necessário e urgente para a humanidade.
Nós somos portadores do sonho de que os trabalhadores consigam construir uma nova sociedade em que não haja mais fome, miséria, guerra, poluição e desmatamentos, enfim, uma sociedade sem exploradores e sem explorados, em que haja o exercício de um autogoverno da maioria dos trabalhadores através de seus organismos de luta.
Esse sonho precisa ser difundido e enriquecido junto aos trabalhadores e explorados do mundo inteiro.
Nesta nova época histórica a alternativa “socialismo ou barbárie” (colocado por Rosa Luxemburgo no início do século) não só é atual, como adquiriu para o conjunto da humanidade uma plena significação imediata e histórica. A realidade cotidiana de exploração e marginalização de milhões de seres humanos, a opressão, as guerras, a crise ecológica do planeta e a persistente ameaça das armas de destruição massiva colocam para todos nós que, ou acabamos com o capitalismo ou a barbárie alcançará níveis que jamais imaginamos.
Impossível contar as vítimas da barbárie capitalista: Vietnã, Brasil, Argentina, Coréia, 1ª e 2ª Guerras, Iraque, Chechênia, Nicarágua, El Salvador, Afeganistão, etc. O capitalismo, se continuar a existir, vai levar a humanidade à sua própria destruição. Então só nos resta uma saída: lutar por uma nova sociedade.
Na sociedade socialista que defendemos, a humanidade construirá novos valores de solidariedade e fraternidade, uma nova moral e uma nova cultura que permita ao homem se emancipar enquanto espécie. Uma nova sociedade onde aqueles que foram humilhados e pisoteados durante milhares de anos pelo capital vão se tornar sujeitos de seu próprio destino e vão decidir o quê, como e quando fazer as coisas que são de interesses de toda a coletividade.
Precisamos reconstruir a teoria do socialismo. O socialismo não pode ser mais confundido com as desgraças da ex-URSS e dos países do Leste, com o assassinato dos estudantes na China (Praça da Paz Celestial) e os absurdos produzidos por outros países que se diziam ou ainda se dizem socialistas.
Revigorar a luta pelo socialismo também significa redescobrir vários revolucionários, como Gramsci, Rosa Luxemburgo, etc, que ficaram “esquecidos”. Esse redescobrimento deve ser a partir das idéias e do pensamento original e não de interpretações que foram surgindo e que, não rara as vezes, “adicionaram” idéias completamente alheias ao pensamento e prática desses revolucionários.
Aqui queremos apontar alguns elementos que achamos ser de fundamental importância para que constem de um projeto de revigoramento da luta pelo socialismo.
O SOCIALISMO SERÁ MUNDAL OU NÃO SERÁ.
A mundialização da produção capitalista e a liberalização dos fluxos de capitais financeiros criou, incontestavelmente, uma única economia-mundo. Por outro lado, também há a constituição de uma frente mundial político/militar dos países imperialistas que visa intervir em qualquer mobilização ou processo revolucionário. Diante dessa realidade caiu por terra qualquer possibilidade de socialismo num só pais. O proletariado deve responder a altura construindo seu próprio poder em escala mundial. Só uma revolução que se expanda pelo mundo inteiro terá forças para destruir completamente o capitalismo.
A REVOLUÇÃO É UM PROCESSO HISTÓRICO.
O socialismo não virá apenas com a tomada do poder dos burgueses, mas será todo um processo onde a humanidade experimentará formas e mecanismos de construção da nova sociedade sem nenhum tipo de privilégio.
Não basta uma mera alteração nas formas de Estado ou de propriedade dos meios de produção (privada para estatal). As relações entre as pessoas terão que se revolucionar permanentemente.
Terá que se dar um combate à morte contra toda e qualquer forma de dominação, exploração, opressão e principalmente a alienação das decisões mais importantes;
SOCIALIZAÇÃO DOS MEIOS DE PRODUÇÃO.
Por muito tempo se confundiu que estatização e socialização fosse a mesma coisa. Para nós não é a mesma coisa. A estatização é o controle dos meios de produção nas mãos de um Estado (capitalista ou não) e socialização é a apropriação DIRETA de todo o planejamento e produção dos produtos necessários para toda a coletividade pelos produtores e consumidores;
FIM DO ESTADO.
A existência de qualquer tipo de estado (capitalista ou mesmo “operário”) pressupõe uma opressão na sociedade. Contra a idéia dominante na esquerda tradicional e como marxistas lutamos pelo fim do estado. No processo revolucionário, os trabalhadores precisarão de uma forma de organização geral para o combate à reação burguesa. Mas deverá estar desde o início subordinada à organização proletária e caminhar no sentido de sua supressão, na medida em que as formas de auto-organização e democracia direta forem assumindo as antigas funções do estado.
DEMOCRACIA DIRETA.
Já dissemos que todo processo revolucionário começa a perder seu fôlego exatamente quando as decisões mais importantes são entregues para “meia dúzia de dirigentes” e os trabalhadores deixam de se fazerem presentes e transformarem, eles mesmos, a condição a que estão submetidos. Defendemos a democracia direta dos trabalhadores auto-organizados, descartando e lutando contra qualquer possibilidade de existência de partido único.
O planejamento coletivo da produção colocará fim ao uso irracional e à destruição dos recursos naturais
SUJEITOS DA REVOLUÇAO: A CLASSE TRABALHADORA
Hoje, os ideólogos burgueses, e mesmo uma série de movimentos sociais, ativistas, intelectuais e até trabalhadores questionam não só a posição e o papel do proletariado, mas até mesmo sua própria existência como classe e inclusive a atividade que o identifica: o trabalho.
Esses questionamentos e negações se apóiam nas aparências do período atual – de crise e tentativa/possibilidade de recomposição de sua identidade, métodos de luta e organização – e não na essência do papel social do trabalho e dos trabalhadores.
É fundamental e decisivo reconhecer os êxitos e fracassos históricos da classe em luta pela emancipação social e entender suas causas, transformando em lições,
assim como compreender as mudanças que levaram à crise e ao fim um período da luta de classes, ao mesmo tempo em que já há mostras das novas tendências deste novo período em que entramos.
Hoje, a melhor forma de entendermos a força e o papel da classe operária em toda a sua profundidade é olharmos para a totalidade da classe: a classe trabalhadora mundial como sujeito da produção mundializada do século XXI.
A própria mundialização capitalista colocou 80% dos produtos e serviços produzidos no mundo sob o domínio de 200 grandes corporações transnacionais. E quem produz de fato a riqueza mundial, desde a operação dos modernos e avançados processos produtivos até a realização das tarefas mais humilhantes e degradantes? São os trabalhadores
do mundo todo, interligados na cadeia da produção capitalista mundializada, ainda que com todos os problemas da alienação decorrentes.
AS BASES ECONÔMICAS DO PAPEL DA CLASSE TRABALHADORA
O capital é antes de tudo uma relação social controladora, cujos tentáculos se estendem atualmente a todas as esferas da vida humana, na sede pelo lucro. Sua constante expansão quantitativa é sua condição de sobrevivência, somente possibilitada pela intensificação brutal da exploração e da conseqüente destruição da natureza e dos seres humanos.
O intercâmbio da força de trabalho por um salário é o véu que encobre a exploração que sofrem os trabalhadores, pois o salário corresponde ao menor valor por eles criado, que é em sua maior porção, apropriado pelos capitalistas.. Essa relação se estabeleceu historicamente pela expropriação que destituiu os trabalhadores de seus meios de produção obrigando-os a venderem a única coisa que lhes restou: a sua capacidade de trabalho, agora considerada com mera mercadoria, cada vez mais desvalorizada e explorada, quantitativamente descartada, mas intensamente utilizada e nunca eliminada.
Se a relação capital só é capaz de subsistir enquanto puder levar a uma apropriação da mais-valia, e dado que na sociedade dos seres humanos a produção de valor só é possível pelo trabalho decorre daí que a
sociedade aparentemente todo-poderosa do capital é na verdade a sociedade dependente do trabalho vivo, dos trabalhadores, por mais que hoje ela se esforce para se apresentar como capaz de elimina-lo.
Mas se o trabalho (enquanto trabalho social) continua sendo, hoje mais do que nunca, o elemento central da sociedade, ainda que na sua forma alienada, estranhada, desprovida do controle dos próprios trabalhadores, é justamente a partir dos sujeitos do trabalho, que se pode potencializar, tornando real a possibilidade da libertação, da emancipação humana, tomando em suas mãos, juntamente com os demais setores oprimidos da sociedade, a condução das enormes forças produtivas desenvolvidas sob o regime do capital, utilizando-as desta vez para a livre satisfação das necessidades humanas.
Dessa forma compartilhamos com Ricardo Antunes a tese de que:
“…Embora heterogeneizado, complexificado e fragmentado, as possibilidades de uma efetiva emancipação humana ainda podem encontrar concretude e viabilidade social a partir das revoltas e rebeliões que se originam centralmente no mundo do trabalho; um processo de emancipação simultaneamente do trabalho e pelo trabalho. Esta não exclui nem suprime outras formas de rebeldia e contestação. Mas, vivendo numa sociedade que produz mercadorias, valores de troca, as revolta do trabalho têm estatuto de centralidade”. (Adeus ao Trabalho?)
A SITUAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA HOJE
A classe trabalhadora se diversificou e aqueles padrões de organização que foram forjados em outros períodos (os sindicatos de categoria e os partidos políticos com atuação parlamentar) se esgotaram como formas eficazes de resistência ao aumento da exploração e muito mais como alternativas estratégicas de emancipação da classe trabalhadora, coisa que na sua grande maioria, as burocracias dirigentes desses aparatos sempre fizeram de tudo para impedir, com suas teorias sobre a humanização do capitalismo (Estado de Bem-Estar Social) ou da possibilidade da coexistência pacífica com ele (Estados Burocráticos do Leste Europeu).
Quanto à questão de aumento de trabalhadores: aumenta o número de pessoas que trabalham, mas diminui o número de pessoas com carteiras assinadas. Os setores da economia formal estão diminuindo bastante. Surgiu o desemprego estrutural, uma margem de trabalhadores que sob a ótica do capitalismo são considerados descartáveis.
Então, nós vivemos uma situação onde o proletariado, como classe, principalmente aqueles setores mais tradicionais, que se organizavam antes, passa por uma crise, uma crise de identidade, por uma crise de organização, por uma crise de alternativas, de resistência e de horizontes.
A questão do movimento sindical é que hoje ele não consegue minimamente dar respostas à altura dos ataques, fruto não só da burocratização das suas direções, mas até da própria situação da classe. Essa confusão da nossa classe talvez seja o elemento que permita que tenham mais destaques nas lutas do que antes, os movimentos antiglobalização e da juventude.
REFORMISMO X REVOLUÇÃO
Reforma ou revolução continua mais presente do que nunca. Não acreditamos em qualquer possibilidade de que haja uma transformação radical da relação de exploração capital-trabalho se não for por um rompimento brusco com a ordem instaurada.
Com a ofensiva do capital, colocando “a olhos vistos” a barbárie capitalista, um setor importante do velho movimento operário levanta como consigna central: “abaixo o neoliberalismo”, sem questionar a fundo o sistema capitalista.
Pelas próprias características da exploração capitalista mundializada, está cada vez mais distante qualquer possibilidade, pacífica, de se obter conquistas econômicas. Não vemos que seja possível acabar com a fome e a miséria com soluções paliativas. Há poucas possibilidades de conseguir melhoria do nível de vida dos trabalhadores nos marcos do capitalismo globalizado.
Os reformistas estão representados nas mais distintas organizações, como sindicatos (CUT, Força sindical, etc), partidos políticos (PT, PC do B, etc), ONGS e outras entidades do movimento popular e sindical. Têm como política central construir um “outro capitalismo, mais humano”. O velho reformismo sustentava mudar o sistema por dentro, de maneira gradual, com conquista de postos parlamentares e sindicatos e que as reformas iriam gradualmente mudando o caráter do sistema. Já o neo-reformismo não trabalha mais com a utopia de mudar o sistema. Para ele, não há outro caminho que mudar as faces do capitalismo.
O combate ao reformismo (novo e velho) é fundamental para se construir uma consciência anticapitalista, principalmente porque partem do pressuposto de aceitarem a dominação capitalista sobre a humanidade e também porque milhões de pessoas que lutam são influenciadas por essas correntes reformistas por falta de uma alternativa revolucionária e socialista. Outro elemento complicador é que essas direções reformistas estão à frente de lutas de resistência, defensivas, que lutam com uma limitação política e ideológica, pelo fato de não verem uma proposta alternativa ao capitalismo.
É fundamental a luta pelo agrupamento dentro do movimento dos coletivos anticapitalistas e de sua afirmação não só contra a ideologia do neo-reformismo, mas também para a construção e apresentação de uma proposta de emancipação socialista.
Outra ação nefasta do reformismo na atualidade é a defesa das instituições burguesas como o parlamento e o direito à cidadania sem que seja feita uma crítica mais radical contra os mecanismos ideológicos de dominação. Evidentemente que devemos defender o aprofundamento das conquistas democráticas, exigi-las, inclusive para demonstrar aos trabalhadores e explorados que o capitalismo é o sistema mais antidemocrático, que sua democracia vai só até onde não impeça seus lucros. Assim a ação de defesa da democracia burguesa, sob os regimes democráticos, termina por ser uma política reacionária. Defender a igualdade de todos perante a lei, sem fazer uma crítica radical contra o capital, é aceitar a diferença social, é estabelecer uma igualdade formal.
ESTRATÉGIA E PERSPECTIVAS
Apesar de que a correlação de forças ainda está a favor da burguesia, podemos afirmar com certeza de que existe a gestação de um amplo movimento anticapitalista e anti-imperialista, ou seja, existem mais espaços para estarmos militando. As mobilizações antiglobalização e a situação da Argentina são exemplos claros.
Na atualidade existe uma outra perspectiva para as lutas dos trabalhadores, pois até o chamado consenso de Washington está sendo mais profundamente questionado, inclusive por setores da própria burguesia (os setores que são contra o ALCA, por exemplo). Sem dúvida que eles implementam, mas não significam que defendem o liberalismo com o mesmo entusiasmo, pois algumas medidas vão contra os seus interesses. Antes eles tinham uma proposta: o Estado mínimo, o mercado, o crescimento, a desregulamentação, a privatização. Hoje, discurso capitalista é mais comodista: “A situação que está aí não pode mudar”. É um discurso mais fraco do que era em 1990. Na verdade existe uma crise de legitimidade do neoliberalismo.
Assim os movimentos sociais podem cumprir um duplo papel: o caráter de ativismo, que a classe operaria não está, pelo menos por hora, cumprindo e o outro é que são setores primordiais para acumulação de forças socialistas.
Estamos num período de acumulação onde as forças revolucionárias, socialistas e autônomas se desenvolvam em diversos aspectos, desde o sindical, cultural, étnico até novas experiências comunitárias. O capitalismo tem que ser combatido em todos os campos e das formas mais criativas possíveis até o ponto em que esses novos métodos de combate prefigurem as formas de poder da classe no futuro. Não há separação entre os organismos de luta e de resistência da classe que se desenvolvem contra a barbárie capitalista e a sua construção, como embriões de organismos de poder da classe. Tem que haver uma ligação entre esses dois aspectos.
A única garantia de que o processo de produção não vai ser alienado é se os próprios produtores tomarem a gestão e o controle desse processo. É por isso que o Marx fala da associação dos produtores livres, isto é, somente quando os produtores gerirem coletivamente a sociedade e todas as formas de sociabilidade é que nós vamos ter uma sociedade livre, pois aqueles que produzem vão produzir de acordo com os interesses coletivos da classe e da sociedade.
É necessária a retomada da educação da classe, da sua história e por aí, da sua identidade enquanto classe, que é um dos elementos mais importantes que se perdeu. De certa forma, o próprio ressurgimento do anarquismo é parte de um resgate, numa outra situação, da própria história do movimento operário que se apagou e que é necessário se rediscutir e se rever para poder encontrar as lições e responder aos desafios que estão colocados na atualidade.
A reconstrução de uma identidade de classe é uma outra preocupação que devemos ter em relação ao nosso trabalho cotidiano. Assim, além de uma intervenção real, concreta nas atividades e na luta de classes da forma que for possível, o papel educativo de uma organização revolucionária, neste momento, cumpre um papel fundamental de recuperar a história de combate ao capital, protagonizado pelo proletariado mundial.
Isso começa até mesmo na capacidade das pessoas se indignarem com a realidade, de verem a exploração, de verem a injustiça da realidade, de forma que se possa florescer e avançar até que se possa desenvolver uma consciência de classe.
Para uma prática socialista, realmente revigorada, temos que encarar a discussão da educação, da saúde e outras funções públicas, na perspectiva real de que deve a classe assumir essas tarefas sem a ingerência do Estado.
A intervenção dos revolucionários no dia-a-dia, enquanto um movimento social, é determinante na construção de uma nova perspectiva para a humanidade. Assim deve ser o trabalho de conscientização do proletariado, ou seja, a partir de uma realidade concreta dos explorados.
É preciso uma nova estratégia de união e organização. Temos que ir para os bairros, escolas, juventude e setores que vivem do trabalho. Hoje, o movimento de resistência é bastante disperso e atomizado onde cada movimento pega apenas alguns aspectos da realidade e por aí se confrontam contra ele (o sistema) refletindo apenas uma determinada realidade do meio em que esteja inserido.
Talvez por isso exista todo um sentimento que vai no sentido de poder reunir os vários agrupamentos dispersos para poder trocar experiências e ter uma intervenção, uma ação minimamente unificada que possa aparecer como alternativa aos velhos e podres aparatos existentes.
Precisamos desenvolver o exercício de perceber a realidade e tentar interferir, acompanhando, sendo parte, propondo, errando, junto com os trabalhadores. Tentar aprender com as lições que o movimento vai tomando com a própria atitude.
Outra questão fundamental é a da comunicação para uma filosofia de ação. Uma filosofia de prática revolucionaria de fato. Além de jornais, que é o tradicional, temos a tarefa de tentar desenvolver outras formas de comunicação que sejam capazes de contribuir com o movimento dos trabalhadores e aumentarmos os recursos humanos pra essa tarefa de construção de algo diferente.
A EMANCIPAÇÃO DOS TRABALHADORES SERÁ OBRA DOS PRÓPRIOS TRABALHADORES
É uma frase muito utilizada por vários setores da esquerda e escritores, mas nos parece que de forma extremamente abstrata, pois não é compreendida e praticada em seu real sentido e significado.
É preciso recuperar a lição histórica de Marx de que a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores. A possibilidade de que a revolução seja permanente e de que avance até a construção do socialismo, só pode existir se a revolução e seu programa forem parte da consciência das mais amplas massas de explorados e oprimidos. Esta consciência significa não só a compreensão geral e concreta do processo em curso, mas também a organização consciente do proletariado e oprimidos, de forma independente e dirigida pelas próprias massas de maneira amplamente democrática. Consciência e auto-organização são, pois, duas características necessárias para o triunfo socialista dos processos revolucionários.
A esquerda tradicional, tratando os trabalhadores como incapazes de guiar o seu próprio destino, tem atuado no sentido de assumir tarefas, que por sua própria natureza e necessidade, são da classe trabalhadora de conjunto. Tem procurado (sem sucesso) substituir o proletariado em ações, que se tornam marginais e distantes das reais necessidades da classe trabalhadora.
Sem os trabalhadores, como sujeitos da transformação social não existe revolução. Essa crítica é central para nós, pois muitos ainda militam com a idéia de “construir o partido” para que este, com a ajuda das massas, faça a revolução. O que significa, na prática, ter uma relação utilitária com os oprimidos, de “usá-los” para fazer a revolução e depois constituir o poder do ou dos partidos e não do conjunto da classe trabalhadora e dos oprimidos.
Negamos o conceito de partido-guia da classe operária, assim como conceito de crise de direção revolucionária, ou seja, de que a crise da humanidade é uma crise de direção, que é uma crise de partido. A vitória de uma revolução não depende somente de organizações revolucionárias, mas da sua inter-relação com vários outros elementos, entre os quais os mais importantes são a consciência, a auto-organização e a decisão dos trabalhadores de realizarem a revolução. Assim procuramos retomar a importância do elemento subjetivo (da consciência) da classe trabalhadora, compreendendo-a como principal elemento do processo revolucionário. Uma organização revolucionária também deve ter bem claro que o seu papel não é de ficar “ditando ordens” e muito menos de ser o guia da “revolução”.
Com isso não queremos menosprezar a importância da existência e desenvolvimento das organizações revolucionárias, pois tão pouco acreditamos na possibilidade de que a classe trabalhadora possa desenvolver uma consciência revolucionária e socialista de forma espontânea e dispersa, sem a organização e atuação coordenada dos seus elementos revolucionários. O papel dos revolucionários é ajudar a classe a desenvolver sua rebeldia e suas manifestações em luta consciente contra o capital e pelo socialismo. Por isso achamos necessário a construção de organizações revolucionárias e programáticas como uma necessidade para que as diversas experiências e reflexões da classe não se percam, mas sejam continuamente processadas e acumuladas nessa relação entre os trabalhadores e essas organizações. Mas não podemos pensar a revolução sem uma ação autodeterminada dos trabalhadores e demais oprimidos, da qual sejamos parte.
Buscamos realizar esta critica de forma prática. Deve estar presente em nossa atuação cotidiana a luta por desenvolver essa consciência de que qualquer luta contra o capital só pode ir adiante se for exercido diretamente por setores cada vez maiores até atingir o conjunto da classe e demais oprimidos, ou seja, da maioria da sociedade.
A existência de organizações revolucionárias, assim como de todas as organizações independentes do Estado e da classe burguesa, é parte fundamental da resistência da classe, pois ao se organizar por fora das instituições burguesas e de sua lógica, os trabalhadores podem reapropriar-se do seu tempo livre utilizando-o para satisfazer algumas de suas verdadeiras necessidades, libertando-se, mesmo que por algum tempo e somente em alguns aspectos, da dominação prática e ideológica, ao mesmo tempo em que exercita sua autonomia e forma novos valores de solidariedade e humanidade.
A ORGANIZAÇÃO DOS REVOLUCIONÁRIOS E O PODER
Enfrentar o capitalismo com eficácia, hoje, implica compreender como ele se organiza – sua totalidade – que abarca desde o aspecto geográfico (o capitalismo está mundializado) até o da sua penetração em todos aspectos da vida humana.
Hoje, quando a classe trabalhadora encontra-se dispersa e buscando reconstituir-se enquanto tal, mais do que nunca, é decisivo o papel dos revolucionários, no sentido de que os trabalhadores possam se constituir como classe o mais rápido possível e fazer frente ao ataque cada vez mais centralizado e global do Capital, que ocorre, tanto do ponto de vista material – com o aumento brutal da exploração e da miséria – como também ao ataque ideológico – em que a burguesia usa todo o seu aparato de Estado, os meios de comunicação, a dominação cultural, as modernas técnicas psicológicas – para perpetuar sua dominação e impedir a constituição de uma verdadeira consciência da classe trabalhadora.
A grosso modo estão colocadas duas formas opostas de dar o combate contra o capitalismo. Uma, de concentrar a luta na tomada do poder do Estado. Esse foi um dos mais graves erros políticos/teóricos do século XX, porque a quase totalidade do movimento marxista (diferente das idéias de Marx) ao longo do século perdeu a noção de que o processo revolucionário deve ir além da destruição do Estado burguês e sua substituição por um poder dos trabalhadores. Deve avançar em direção ao fim do próprio estado.
No processo revolucionário russo e nas revoluções vitoriosas posteriores, desenvolveu-se a idéia de que os revolucionários tomam o poder de Estado, modificando-o, mas ao mesmo tempo o fortalecendo como aparato.
Essa concepção levou a que o estado tomasse uma dinâmica própria a serviço dos interesses do seu corpo de burocratas e se convertesse em inimigo dos trabalhadores, de sua luta pela revolução mundial e por sua autodeterminação.
O Estado se tornou a expressão e o fator impulsionador da alienação e da exploração dos trabalhadores, terminando por reconhecer sua própria impotência enquanto subsistema de exploração regido pela mesma lógica do capital (extração de mais valia, mercado, estado), pois antes mesmo que as revoluções anti-burocráticas explodissem, esses estados já estavam empenhados no processo de restauração do capitalismo. Quando caíram as ditaduras burocráticas do Leste Europeu, com a Rússia em primeiro plano, ficou demonstrado, que esse tipo de estratégia não pode se constituir em uma alternativa ao capitalismo.
Contra essa concepção estatista da revolução julgamos ser necessário retomar e desenvolver a genuína concepção marxiana que, ao nosso ver, compreende que a revolução deve ser, ela mesma, o processo de quebra não só das relações capitalistas de produção e distribuição, mas também a quebra do poder estatal burguês e em certo sentido a quebra do próprio poder estatal enquanto aparato autônomo, ao instituir no lugar do estado burguês um estado-não-estado, ou um semi-estado. Um estado dos trabalhadores que já não seja um estado no sentido próprio do termo mas que, ao se constituir como força organizada da maioria da sociedade contra uma minoria (os exploradores) seja desde o seu início, não uma organização totalitária e todo-poderosa, mas a expressão e impulsionadora das livres manifestações de ação e auto-organização da classe, travando desde o seu primeiro momento de existência uma batalha no sentido de que os trabalhadores tomem em suas mão todos os aspectos da luta revolucionária e da vida social.
A definição de que a revolução é um processo de quebra do Estado, não apenas do estado burguês, mas até mesmo do estado enquanto aparato totalitário e independente, por cima da sociedade, substituindo-o por um estado-não-estado é uma noção que deve guiar a nossa prática de luta diária e em todas as esferas. O capital e o estado devem ser combatidos em todas as suas frentes. Isso significa lutar para que os trabalhadores e oprimidos em geral desenvolvam suas energias, sua criatividade e espontaneidade na luta permanente contra a tentativa do estado e do capital de subordinar todos os momentos de nossa existência às necessidades de lucro.
A experiência do Leste Europeu indica que a classe trabalhadora deve começar a se preparar, hoje mesmo, para que, no processo da revolução, esteja em melhores condições de se libertar e assumir o poder de fato, ou seja, possa assumir as decisões que norteiam a vida social. A classe trabalhadora precisa se constituir como alternativa, não só alternativa de gestão da produção mas de gestão da sociedade como um todo, numa nova cultura, com novos valores que já prefigurem um novo homem e um novo mundo.
Para nós parece lógico, que ao defendermos o fim do estado, também deverá desaparecer todas as instituições e formas de representação e hierarquia. Haverá uma administração dos bens públicos e dos recursos naturais de forma horizontal, pela totalidade dos povos.
COMO O PROLETARIADO PODE CONSTRUIR O SEU PODER?
A grande questão da revolução e sua tarefa é desenvolver organismos e formas de poder da maioria que permitam liberdade de ação e expressão, e que ao mesmo tempo combine essas diversas iniciativas num único movimento coordenado que enfrente e destrua o capitalismo. Isso só pode ser construído e desenvolvido a partir de experiências práticas da classe, com erros e acertos.
Devemos nos apoiar em experiências, como a Russa que demonstrou claramente que, se o poder deixa de estar nas mãos da maioria e é monopolizado por um partido ou por uma minoria, fatalmente estará condenada ao fracasso.
A burguesia consegue manter seu domínio sobre o proletariado, tanto o pressionando materialmente com a ameaça do desemprego cada vez crescente, como exercendo um controle cada vez mais sofisticado sobre o trabalho, e também apropriando-se do seu tempo livre e de sua família, através da televisão, do rádio, das manifestações culturais, do lazer, etc.
O rompimento com essa situação não é como mágica, é todo um processo de construção de uma autonomia do proletariado, no sentido de construir mecanismos que enfrente essas armas (poderosas) da burguesia e ao mesmo tempo construa formas de poder autônomo, ou seja, no processo revolucionário faz parte o desenvolvimento de um “poder dos de baixo”.
Os embriões desse novo poder da classe e de um novo mundo, precisam necessariamente serem impulsionados e desenvolvidos hoje mesmo, ainda que de forma limitada (pois vivemos numa sociedade regida pelo capital e pelo estado ), não só como experiências de poder proletário, mas também como prova concreta da possibilidade de construção de uma outra sociedade superadora do capitalismo.
Pensamos que o exercício da democracia direta é fundamental e deve ser exercida pelos organismos dos explorados. Mas seria fazer fetiche da democracia direta, se não tivermos claro que esta também precisa ser exercitada. Quando houver necessidade de algumas formas de representação estas devem ser rotativas, revogáveis e vistas como fruto da necessidade momentânea, mas sempre buscando desenvolver a iniciativa e a auto-organização da classe.
Precisamos de uma nova prática militante que confie na capacidade da classe dos produtores de desenvolver sua própria ação e auto-organização para construir uma nova sociedade. Por isso estamos nos propondo, enquanto uma das organizações revolucionárias, a ser parte ativa e consciente dos processos de auto-organização do proletariado.
AVANÇOS E LIMÍTES DO NOVO INTERNACIONALISMO
O surgimento do movimento AGP (ação global dos povos) vem modificar a atmosfera modorrenta destes anos de refluxo do movimento dos explorados. Vinda a luz nas mobilizações de Seattle em 1999, a AGP trouxe de maneira prática, a luta internacionalista contra o capital, a despeito das quimeras ideológica em torno das quais giram a maioria dos grupos de esquerda.
Muito tem se afirmado sobre a mundialização do capital, principalmente nos meios jornalísticos que tratam de embelezar o status quo e se preocupam em infundir nos trabalhadores e explorados a inexistência de alternativas ao capitalismo. Fazendo coro com a burguesia e seus meios de difusão ideológicos, os partidos de esquerda (sejam os oficialmente reformista ou pretensamente revolucionários) defendem somente a luta por melhorar as condições dentro do capitalismo, de tentar humanizá-lo, de lutar contra o neo-liberalismo, seja através das lutas sindicais de categorias sejam através das eleições. Esquecem que ao expandir o seu domínio sobre todo o mundo de maneira direta e incontestável, o capitalismo acirra uma série de contradições sociais, políticas, econômicas e culturais que estão levando a humanidade à barbárie e que não há margens de reforma para aliviar o sofrimento dos trabalhadores. No seu movimento de valorização, o capitalismo não está preocupado em produzir bens que satisfaçam as necessidades da humanidade. Sua preocupação central é valorizar-se, indiferentemente se o meio para isto seja a produção de alimentos, de armas ou de drogas. E temos visto a opção dos capitalistas pelas drogas, armas e, principalmente, o dinheiro puro e simples fruto de especulações na economia-cassino das bolsas de valores, das dívidas externas e internas, responsáveis pela atraso, fome, miséria e destruição de países e continentes inteiros.
Mas ao mesmo tempo em que o capitalismo cria uma situação qualitativamente nova no que diz respeito a internacionalização da economia, vai corroendo uma das principais travas que o movimento revolucionário sofreu no período do pós guerra que foi o nacionalismo e o mito do Estado-Nação já que a mundialização do capital coloca em contato direto milhões de produtores e consumidores por meios de comunicação cada vez mais velozes..
Isto não ocorria no período anterior do pós-guerra até os anos 80. Apoiado pela burocracia dos Estados burocráticos (URRS, China, Cuba), que tinha interesse em manter os trabalhadores sob seu domínio atomizados e desorganizados para poder explorá-los, e pelas burocracias sindicais e partidárias que fortalecidas com o boom capitalista do pós guerra, o imperialismo na fase fordista centrou suas ações em conter os trabalhadores nos restritos marcos dos Estados Nacionais, infundindo-lhes que o Estado de Bem Estar Social era o máximo que eles poderiam alcançar em troca de se subordinarem aos domínios do capital, uma vez que a revolução socialista era uma utopia que nunca seria alcançada, bastando olhar para a URRS e Leste Europeu e ver a situação dos povos desses países…
Este esquema ruiu com a crise capitalista dos anos 70 e com a queda do muro de Berlim. A crise do modelo fordista do capitalismo e a queda do estalinismo abriu um novo ciclo histórico na luta de classes e, dentre outras coisas, colocou os trabalhadores frente a necessidade de encontrar um novo curso para seu movimento na luta contra o capital.
No entanto, houve, no decorrer dos anos 70 e 80, várias lutas importantes onde os trabalhadores foram derrotados (Inglaterra, EUA, Itália) e que gerou um refluxo que se mantém e que impede até o momento, que o movimento operário retome a cena dos enfrentamentos contra o capital.
Esta situação pela qual passa o movimento operário obscurece um fato transcendental que é o novo marco das lutas contra o capital se dá na esfera internacional. Este conceito presente no início do movimento operário, foi abandonado com a ascensão das burocracias sindicais e estalinistas aos postos de direção dos sindicatos e partidos de esquerda. Hoje, o marco nacional está questionado pela própria burguesia ao expandir seus domínios e negócios pelo mundo. O livre movimento de capitais pressupõe fim de barreiras alfandegárias e as políticas econômicas devem ser homogêneas e ajustar-se aos ditames dos especuladores.
Frente a falência dos Estados e governos diante do novo ciclo histórico, o imperialismo tem procurado construir novas organizações que lhe dêem suporte no seu movimento de valorização. Estas organizações são a OMC e o Banco Mundial, além do velho FMI, e tem se comportado como um verdadeiro governo sobre todos os países, especialmente sobre os países subdesenvolvidos. Impõe política de juros, de abertura de mercado, de privatizações, de patentes de tecnologia e de investimentos, aos governos de plantão, cabendo a estes apenas aplicar tais políticas, sob pena de verem o capital migrar para outros países que lhe sejam mais favoráveis.
Frente a essa realidade é que surge a AGP, num marco defensivo, como uma reação aos novos senhores do mundo, que governam sem controle e que definem o destino de milhões de pessoas a miséria e à fome.
AS VIRTUDES DO NOVO INTERNACIONALISMO
Um dos elementos mais importantes que se destaca com o movimento AGP é que esta foge dos padrões normais de organização, aos quais estamos acostumados. Lembrando que o movimento operário retrocedeu em sua consciência internacionalista no pós guerra fruto das relações estabelecidas pelas direções estalinistas e pelo imperialismo. O internacionalismo proletário passou a ser apenas uma bandeira na mão de pequenos grupos de esquerda. Tornou-se também sinônimo de Internacional partidária e assim, ficou circunscrito ao jargão abstrato de uma esquerda isolada e palco de lutas fracionais.
A luta internacionalista, conduzida pela esquerda vanguardista não atingia setores do proletariado e reduzia-se a comemorações anuais ritualistícas. A AGP vem transformar este quadro. Não consideramos que o internacionalismo tenha sido recuperado, longe disto. No entanto, ao a AGP centrar a sua luta contra o centro do poder institucional do capital, arregimenta setores de vanguarda e de massa. Questiona de maneira prática o papel das organizações como o FMI, a OMC e promove uma luta de maneira concreta contra as ditas organizações. Deste modo, supera de maneira brilhante, uma etapa de propaganda que ficava restrita aos pequenos agrupamentos e traz a discussão para um circulo muito mais amplo do movimento, promovendo um choque contra-cultural sobre os trabalhadores, que ao verem as imagens televisivas dos confrontos de rua em Seattle e Washington, passam a questionar o FMI e a OMC. Com isso, abre-se grandes oportunidades para a realização de trabalhos de conscientização junto ao movimento proletário.
O segundo elemento a se destacar é que a AGP rompe com os padrões economicistas do movimento operário tradicional. Ao abordar em seu manifesto as várias facetas da dominação do capital neste ciclo onde se insere a mundialização e dos seus desdobramentos sobre a realidade, consegue ser ponte de mobilização de amplos setores que estão por fora das estruturas tradicionais de mobilização. Com seu manifesto, a AGP procura se inserir em vários setores como indígenas, feministas, imigrantes, juventude, etc e o que é mais importante, respeitando as diversidade e as identidades de cada movimento. Consegue desse modo ser aglutinador de forças e não um entrave às mobilizações.
A forma organizativa (caberia falar em não-forma organizativa) da AGP é sem dúvida a mais desconcertante sacada. Ao se definir como uma não-organização, e entendemos como um não-aparelho que seja controlado/controlador, a AGP elimina com um só golpe, toda a tradição secular da esquerda tradicional e leva um questionamento prático sobre os dogmas organizativos que regem as esquerdas tradicionais. Não criando um aparelho, elimina a necessidade da parafernália burocráticas, com suas respectivas burocracias, e evita que surjam grupos ou frações que lutem em torno do controle deste aparelho a fim de se beneficiar das regalias econômicas e de status que o domínio do aparelho traz. Evitam também a possibilidade de repressão e de cooptação ao não ser uma organização institucional a qual os governos deveriam se dirigir. Resgata praticamente, em estado puro, o conceito central de uma organização de ser um meio de organizar e não um fim em si mesmo. Ou seja, só pela não- organização (aparelhística) é que foi possível organizar lutas contra a OMC e por em movimento uma gama de setores que nunca estariam juntos através das organizações tradicionais. O resgate do conceito de organização como meio e não como fim é uma conquista que não pode se perder. Cabe também ressaltar a horizontalidade e a ausência de líderes, o que nos leva ao terreno da auto organização e da auto disciplina para enfrentar o capital, derrubando o mito do centralismo democrático no aspecto de que o controle das direções é fundamental para o sucesso de uma ação. Seattle e Washington falam por si sós.
ELEMENTOS PARA REFLEXÃO SOBRE O NOVO INTERNACIONALISMO
Nos reivindicamos dos marcos de luta propostos pela AGP. No entanto, nos cabe apresentar alguns questionamentos sobre o movimento AGP. A contradição fundamental da sociedade é a contradição entre capital e trabalho e daí derivam todas as outras. Neste ponto cremos que falta ao movimento AGP uma maior definição programática, a fim de superar os marcos difusos de uma luta contra o capitalismo neoliberal. As ações feitas até aqui, promovidas pela AGP, foram irrepreensíveis, mas faltaram em atingir os destacamentos da classe trabalhadora para ações de maior fôlego contra o capitalismo e cremos que este é o mais importante limite do novo internacionalismo.
Ao não ter definições mais claras sobre a questão de classe, a AGP acaba concentrando-se apenas em ações de caráter superestruturais, perdendo a oportunidade de transformar este movimento em uma potência contra o capitalismo. Por exemplo a AGP poderia desenvolver uma campanha contra a discriminação do trabalho imigrante, contra o desemprego, contra o trabalho infantil, etc
Falta também no programa uma definição de que tipo de sociedade queremos que suplante a atual. Nesse sentido, as definições programáticas da AGP são difusas e podem não servir para orientar uma luta mais ampla contra o capitalismo. Corre-se o risco de que sejam alimentadas ilusões do tipo “retorno ao modelo econômico fordista” ou “humanização do capitalismo” o que seria um erro, tendo em vista que não é possível humanizar o capitalismo.
Outro elemento polêmico é o do privilégio da desobediência civil e da não violência como forma central de mobilização. Cremos que é equivocado definir a priori como o movimento vai se mobilizar. E mais, o descarte de que não será empregada a violência. O Estado capitalista domina tanto por meio da violência institucional como por meio extra legais. Estas formas de violência só podem ser enfrentadas de maneira resoluta pelo emprego da força do movimento de milhões de trabalhadores e explorados. Somente a análise cuidadosa da correlação de forças é que pode dizer se podemos ou não empregar a força para nos defender dos ataques do capitalismo ou mesmo para derrotá-lo. Não cabe ao movimento fazer apologia da utilização da violência. Mas cabe ter claro a necessidade de defesa frente aos ataques dos Estados Capitalistas, a desconfiança dos órgãos da justiça e da democracia burguesa e de que a transformação radical das formas de propriedade e de sociedade implicarão na utilização de meios violentos.
Este debate insere-se no marco de que queremos avançar na superação do capitalismo. Nossos referenciais são os da revolução total contra o capital. Com isso queremos resgatar o que de melhor existiu na luta de todos os revolucionários, independente de qual corrente ideológica, aprender com os erros do passado e transformar estas experiências em ensinamentos e programa. Não faremos isto isoladamente nem acreditamos que tal empreitada seja cumprida por um grupo ou partido. Somente o esforço conjunto de todos os lutadores poderão cumprir com esta tarefa.
A AGP surge em um momento da realidade da luta de classes e é fruto desta realidade. Suas virtudes prenunciam um caminho que o movimento anticapitalista deverá percorrer para ter sucesso na superação do capitalismo: o da auto organização e auto disciplina, da democracia direta e sem burocratas da solidariedade e do respeito as identidades.
Os limites de programa inserem-se no marco da etapa atual da luta de classe, de refluxo e de desmoralização de todo um setor da vanguarda, das crises ideológicas que afetam milhões de trabalhadores em todo o mundo. Não é possível afirmar a priori o programa acabado para a luta pelo socialismo. Será preciso muita luta e paciência, debates e estudos para que possamos chegar a uma proposta superadora do capitalismo, que mobilize milhões de mulheres e homens. O primeiro passo foi dado. Ao colocar em movimento setores de vanguarda ampla e ganhar as ruas contra as instituições de governo global do capitalismo, a AGP deu um passo fundamental para ajudar a superação do estado atual das coisas. Caberá aos milhares de ativistas em cada país, que se mobilizam sob suas bandeiras fazer avançar não só o movimento mas também o programa.
OS REVOLUCIONÁRIOS E O ESTADO
Um dos grandes desafios teóricos e práticos colocados para o movimento revolucionário após a queda do Muro de Berlim é entender o atual papel do Estado e a necessidade de uma ruptura com o estatismo (defesa de um “Estado operário” como um fim em si mesmo) que marcou profundamente as principais correntes do movimento revolucionário, no século XX.
Hoje essa questão adquire uma complexidade maior, em função da conjuntura de ofensiva neoliberal, pois a burguesia tem como discurso a construção de um chamado Estado mínimo, atacando as conquistas dos trabalhadores e a privatizando as estatais.
Qual deve ser a posição dos revolucionários frente às privatizações, por exemplo? A partir de que idéias discutiremos com os trabalhadores? Como vincular as resistências cotidianas contra determinados aspectos do aparato estatal com a luta pela emancipação humana? Qual o conceito de socialismo que devemos defender? Queremos construir um Estado operário?
O ESTADO NOS TEMPOS DE MUNDIALIZAÇÃO
A luta contra o Estado é uma luta concreta. Deve ser travada a todo o momento pelos revolucionários. É uma luta cotidiana, implacável. E quase todas correntes revolucionárias, sucumbiram a esta luta, seja quando “estiveram no poder” ou mesmo quando foram oposição.
Não basta simplesmente negar o Estado. É preciso que a prática militante esteja a serviço deste preceito. E mais ainda quando a conjuntura coloca o movimento frente a situações aparentemente contraditórias, como lutar contra a privatização das estatais e ao mesmo tempo pela autonomia e, consequentemente contra o Estado.
Uma das questões que a globalização econômica trouxe à tona foi a crise do Estado-Nação, concebido pela ordem mundial do pós-guerra. Baseado nisto, a burguesia imperialista, querendo reverter a crise do sistema capitalista, investiu contra o chamado Estado-de-Bem-Estar-Social e contra o poder de regulamentação econômica exercido por esse modelo, criado pela própria burguesia para sair da crise do pós-guerra e enfrentar o movimento operário.
Como parte da política de enfrentar a crise econômica dos anos 70, que encerrou o ciclo de crescimento do pós-guerra a burguesia, em todo o mundo, desencadeou uma profunda mudança no regime de acumulação e que entre outras coisas além do ataque sobre os trabalhadores em todo o mundo passou a desmontar o sistema de bem estar social e de regulamentação econômica e a enfraquecer o papel de agente de fomento econômico que os Estados tiveram após a II Grande Guerra.
Essa nova fase do capital tem como elemento central a exigência de liberdade absoluta de sua movimentação e lucratividade (desregulamentação econômica, fim da política de substituição das importações, fim das reservas de mercado, flexibilização das leis trabalhistas, privatização, etc.). É a fase da predominância do capital financeiro.
Estas políticas vieram mudar a configuração do sistema de dominação da burguesia e conseqüentemente colocou em questão o papel do Estado, da maneira como tinha sido desenvolvido no pós-guerra, ou seja, modificou os princípios que regiam as políticas econômicas naquele período histórico (desenvolvimento do mercado interno, fomento econômico e planejamento por parte dos governos) por outros baseados na ideologia livre cambista (abertura de fronteiras à mercadorias e capitais, deslocamento do papel de condução de políticas produtivas do Estado, desregulamentação econômica, etc.).
A queda do muro de Berlim e do sistema burocrático soviético veio aparentemente dar razão à onda neoliberal e seus preceitos. A própria burguesia levou “água ao moinho” da crise do sistema de Estados ao se lançar ferozmente contra a participação ativa do Estado na economia.
No entanto, não podemos concluir, em base a todas estas transformações, que o Estado tenha perdido o significado para a burguesia e de que seja possível exercer a dominação mundial sem contradições ou de que não é mais necessário o Estado para dominar o mundo.
Ledo engano! Mais do que nunca as burguesias precisam de seus Estados para seguir dominando e explorando os trabalhadores e para manter seu sistema que não se sustentaria um minuto sequer sem a presença de um aparelho repressivo (físico e ideológico) e que garanta o funcionamento da economia para a burguesia manter seus lucros. Um pequenino exemplo foi o caso da greve da polícia no Brasil em julho, colocando a burguesia nacional e o governo em crise.
Hoje em dia vemos em todas as partes do mundo e sentimos na própria pele o poder do Estado, sua intervenção cada vez maior, na vida social, desde as funções de segurança até as ideológicas e de controle. O Estado tem desempenhado suas funções de outra maneira. Assim não podemos esquecer de que ele esta a todo momento na vida das pessoas, seja através da política, da ação econômica em favor da burguesia, da repressão e controle, na cultura, no lazer e até na arte!. Podemos, com certeza, afirmar que o Estado tem cada vez mais estendido seus tentáculos em pró de uma classe social, a burguesia, sem fingir ser um Estado de todos.
O que de fato ocorreu foi uma mudança na forma do Estado exercer o seu papel, no marco dos novos preceitos econômicos vigentes, de subordinação ao capital financeiro. Mas não só isso, pois redefine também o papel das classes sociais e da política. Nesse sentido, é correto afirmar que estamos em um novo período, aberto com a queda do muro de Berlim, da URRS e da mundialização do capital.
Temos que entender que a burguesia não é principista. Se hoje faz juras de amor ao livre comércio e deplora a intervenção econômica do Estado, ontem ela exaltava a rigidez econômica e abominava a idéia de liberação. O que ela tem em mente é sempre um único princípio: O QUE É MAIS LUCRATIVO E SEGURO.
Para nós é fundamental entender que o Estado burguês tem um papel definido e imutável: SER UM INSTRUMENTO DE DOMINAÇÃO E OPRESSÃO SOBRE OS TRABALHADORES E EXPLORADOS EM GERAL.
Se em um determinado momento o Estado, forçado por uma situação de lutas da classe trabalhadora, concedeu benefícios, isso tinha a finalidade de manter o regime capitalista. O Estado, dentro dos seus princípios, busca controlar as classes sociais desfavorecidas e servir aos propósitos do capital financeiro. No entanto, setores da burguesia, principalmente a imperialista, utiliza o Estado em proveito próprio, seja para as funções acima descritas ou mesmo para mediar e enfrentar outros setores da burguesia na luta pelo lucro, como é o caso da brida Embraer/Bombardier e da ALCA.
SOCIALISMO DE ESTADO?
No marco de um domínio esmagador do estalinismo e da social democracia, não é difícil entender porque o socialismo revolucionário se tornou profundamente estatista. O peso do Estado e da política, como meio de obter reformas, juntamente com o peso social adquirido pelas instituições da classe trabalhadora dentro do sistema capitalista (sindicatos, cargos parlamentares e executivos, etc), fizeram com que os revolucionários se iludissem com as reformas e passassem a realizar suas ações visando “ganhar” espaço dentro do aparelho de Estado e de suas instituições. Não foram poucos os que sucumbiram a esta situação e capitularam, sepultando de vez a centralidade da luta contra o aparato estatal burguês.
Houve então, uma adaptação teórica e programática a essa situação que impediu as correntes revolucionárias de se apresentarem como alternativa e ajudar a desenvolver uma consciência de classe realmente socialista. Um dos casos mais gritantes foi a elaboração trotskista do conceito de Estado operário degenerado para a URRS e depois estendido para os outros Estados dominados pelos PC´s no pós-guerra. Essa teoria e política tiveram vários desdobramentos, dentre os quais a apologia e defesa da URRS e desses Estados, que terminou por contribuir na crise terminal em que esta corrente se encontra. Ainda hoje existem correntes que afirmam que a Rússia, a China e a Iugoslávia são Estados operários e que devem ser defendidos por todos os revolucionários.
Esta dupla adaptação (ao Estado burguês e ao burocrático) levou a que a maioria das correntes que se reivindicavam revolucionárias tivesse uma atuação superestrutural e alienada frente aos trabalhadores que elas diziam representar. Neste sentido as ações destas correntes giravam em torno das eleições, das disputas sindicais e do choque entre correntes. Baseados nisso podemos explicar as inúmeras rupturas que houve em todo o mundo (existem hoje em dia mais de 40 “Internacionais Revolucionárias”).
A luta por cargos nos aparatos (sindical, estatal, etc) e para aparecer para as massas dominou a política das correntes e moldou seu comportamento, tanto internamente como externamente (burocratismo, sectarismo, autoproclamação intolerância, alienação, arrogância, etc).
Esta prática tem a ver com o caráter alienado da política de muitas correntes. Como partem da adaptação ao Estado, que por si só é a alienação da sociedade, das suas decisões e funcionamento, sua prática resulta em uma política e teoria alienadas.
Se estas correntes chegassem a “tomar o poder” imporiam aos trabalhadores as mesmas práticas alienantes que a burguesia. Basta ver as correntes que tinham ou têm seus pontos de referência no Leste Europeu, Rússia, China ou Cuba, onde sequer denunciam o caráter alienado da situação da classe operária nestes países.
Quase todas as correntes, tiveram sua vida focada na “tomada do Palácio de Inverno”, onde o grande objetivo era a chamada tomada do poder do Estado. A partir daí, acreditavam elas, estavam dadas as condições iniciais para levar adiante o projeto do socialismo.
E quais seriam as conseqüências disto? Novamente a criação de um Estado alienado e opressor sobre os trabalhadores, mesmo que seus dirigente achassem o contrário.
Para nós a luta pelo socialismo deve ter como finalidade a destruição do Estado. Essa estratégia deve ser construída desde já na prática cotidiana. Desde já precisamos impulsionar junto com os setores mais avançados dos trabalhadores a construção/reconstrução de valores socialistas que se choquem com os da sociedade burguesa. É necessário reconstruirmos o projeto de sociedade socialista, impulsionando a auto-determinação social da classe operária e dos explorados em geral, incentivando toda iniciativa que rompa a passividade das pessoas, que as possibilitem tomar coletivamente seus destinos nas próprias mãos.
Este processo passa por uma nova forma de atuação e militância. O foco sai das instituições e das lutas internas pelo poder, seja ele de Estado ou sindicatos, e passa a ser o desenvolvimento dos organismos autônomos da classe como um todo, pela construção de novos valores, socialistas e humanos. E essa luta deve ser travada em todas as esferas: escola, bairro, fábrica, família.
O enfrentamento com o Estado seguramente vai existir e estará colocada a questão: quem dirigirá a sociedade? E no momento que isto estiver colocado, os trabalhadores terão que Ter condições de não só destruir a sociedade antiga, arrancando todos os valores burgueses, mas devem ser capazes de construir uma sociedade nova, rompendo com a alienação e inaugurando uma nova era.
Num processo revolucionário os trabalhadores e os explorados terão a necessidade de constituir o seu poder contra a burguesia. Este necessitará de formas de coordenação e decisão que se apoiem e sejam a expressão real do movimento da classe. Em outras palavras, este novo Estado já deve ser a negação de si mesmo, um estado-não-estado, tendo como tarefas centrais 1) o desenvolvimento da iniciativa e da criatividade dos trabalhadores e, conseqüentemente, o desaparecimento do próprio estado e 2) o desenvolvimento da revolução e da destruição do capitalismo em todo o planeta.
O socialismo ou é obra dos trabalhadores ou não será socialismo. Somente a ação de homens e mulheres conscientes, tomando seus destinos nas próprias mãos, de forma democrática e enérgica poderá derrotar a burguesia e construir um mundo novo.
E AS EMPRESAS PÚBLICAS?
O entendimento do papel e do combate ou não ao estado têm conseqüências práticas na atuação das correntes. O caso das privatizações é um exemplo.
De maneira geral, todos os setores envolvidos levantam a bandeira de não privatização das estatais de maneira não-crítica, inclusive defendendo-as como patrimônio do povo.
O resultado dessa luta nós sabemos. Tem sido uma imensa derrota, pois a maioria dessas empresas foram privatizadas, em todos os países. O que aconteceu?
Em todos os países onde houve a privatização e mesmo nos estados do Leste Europeu e URSS, os trabalhadores não assumiram a defesa da luta contra a privatização. Eles não identificavam estas empresas ou estes Estados como sendo seus. E isto as correntes de esquerda não questionam nunca, defendem a propriedade estatal, como sendo dos trabalhadores, se calando sobre o fato de que, no capitalismo, essas empresas estão atreladas a um estado que serve aos interesses do capital.
É importante ressaltar que somos radicalmente contra as privatizações, mas não pelas mesmas razões (ideológicas) que as
correntes de esquerda. Não tratamos dessa questão fazendo um fetiche da propriedade estatal como sendo melhor ou pior que a propriedade privada. A existência da propriedade significa que há exploração e alienação dos trabalhadores desta propriedade, pois eles não são donos do seu destino, são apenas dentes da engrenagem para geração de lucro, que em última instância vai para as mãos da burguesia.
O fato de que a propriedade seja estatal não quer dizer que a situação do trabalhador seja qualitativamente diferente daquele que pertence à iniciativa privada. Ele continua alienado da propriedade e do destino do seu produto. O produto do seu trabalho não lhe pertence, nem sua atividade e está alienado e enfrentado com os outros trabalhadores.
O que não podemos perder de vista nunca é que, pelo fato de estar alienado, o trabalhador não se identifica com o seu trabalho. E isso é um fato e não uma ideologia ou uma questão de política. O fato de que os outros trabalhadores que não pertenciam as empresas estatais não as tenha defendido baseia-se nisso, na alienação do processo de trabalho e de não ver nas empresas estatais qualquer diferença essencial com a iniciativa privada.
O centro de luta contra as privatizações é denunciar o caráter de exploração da propriedade e da alienação. Isso significa dialogar com os trabalhadores no sentido de questionar a forma da propriedade a que estão submetidos, de que eles poderiam assumir o controle de sua atividade, de planejá-la junto com a população, de oferecer outro tipo de serviço e produto à população.
FAZ FALTA UMA NOVA CONCEPÇÃO DE ORGANIZAÇÃO
O funcionamento e estrutura de uma organização devem ter como referencial a correlação de forças, a realidade da luta de classes e suas contradições.
É evidente que a forma de organização e relação entre os revolucionários não deve ser engessada, utilizada da mesma maneira em qualquer etapa da luta de classes. Cada etapa exige uma forma e um método, pois o nosso inimigo, o capital, também se modifica (como o camaleão), buscando se perpetuar.
Assim, sob um regime ditatorial, os trabalhadores sempre souberam desenvolver novas formas de organização, que permitissem manter a luta e ao mesmo tempo preservar a vida dos companheiros. Da mesma forma, sob o chamado regime democrático burguês, os trabalhadores devem desenvolver formas de organização que questionem a ordem estabelecida, sem depositar nenhuma ilusão na democracia dos ricos.
Na etapa em que vivemos, grande parte dos ativistas, da vanguarda e dos jovens em geral, buscam fazer algo novo. Rechaçam todo aquele que tente impor sua verdade, sua linha, sua consigna, suas receitas, ignorando e substituindo o processo real que estão vivendo. Os partidos, inclusive os da esquerda, estão fortemente questionados. E é muito justo que este sentimento seja assim, pois foram anos de erros, equívocos e traições. Em nome da revolução e do centralismo democrático se praticaram os maiores absurdos, traições, perseguições e falsificações.
Mas, ao mesmo tempo, devemos combater a idéia que a burguesia tenta nos passar de que “não é preciso nenhuma forma de organização independente, porque vivemos numa democracia plena, onde a partir do exercício da cidadania e do voto é possível resolver todos os problemas que nos afligem”.
Consideramos necessário que os trabalhadores, mais do que nunca, se organizem para se defender e se reconstituir enquanto classe em todos os aspectos da vida, contrapondo-se a todas as formas de dominação, sejam econômicas, políticas, ideológicas, culturais, etc. Esta é uma questão central para que possamos superar os problemas: termos como referência a luta contra a totalidade do sistema.
Para nós, é absolutamente central a construção de um novo tipo de organização, que expresse a construção prática do máximo de relações e elementos que combatam a lógica do capitalismo e da alienação e representem os embriões da nova sociedade que vai se construir.
O chamado “novo movimento internacional e anticapitalista” tem nos mostrado que nova organização não significa um novo nome, uma nova direção, um novo jornal, uma nova sede. Significa uma nova forma de funcionamento, uma nova concepção de militância revolucionária. E para nós, significa desafiar a nossa história e reconstruir tudo outra vez, sob uma nova ótica.
Então, além da responsabilidade de desenvolver essa nova filosofia organizativa a partir da realidade da luta de classes, também temos uma outra tarefa fundamental que é construir uma nova consciência e prática de militância em que todos se sintam, se percebam capazes e procurem ser sujeitos de sua militância, de que podem fazer (ou aprender a fazer) as mesmas coisas que os companheiros mais experientes fazem.
Não basta que exista uma democracia formal. É necessário que os militantes queiram e procurem exercê-la realmente. E isso vai desde o simples uso de um computador até as decisões mais importantes da política revolucionária.
A organização deve colocar como uma de suas preocupações centrais o desenvolvimento total da potencialidade dos militantes, rompendo com a tradicional divisão entre “alguns” que se apropriam da informação, do conhecimento teórico e, portanto, das decisões e “outros” que se ocupam da atividade prática cotidiana no bairro, na escola ou na fábrica. Todos devemos assumir a construção de um novo conceito de militância, em que a atuação de cada um e do coletivo, como um todo, combine prática cotidiana com a busca da informação e construção do conhecimento. Ao desenvolvermos nossas atividades devemos sempre levar em conta não apenas os objetivos imediatos a serem cumpridos, mas também essa tarefa que é estratégica.
Não podemos abordar este tema, sem também colocar que houve (e ainda há) uma prática, à qual não escapou quase nenhuma das organizações da esquerda revolucionária, em que a construção do partido ou da organização aparece como um fim em si mesma e não como um meio para ajudar o desenvolvimento da consciência revolucionária e auto-organização do proletariado. O partido se apresentava como um fator determinante por cima do processo real, não considerando a classe como sujeito da revolução e do socialismo.
As organizações revolucionárias não podem substituir a classe na realização das tarefas da derrubada do capital e na condução da futura sociedade socialista. Tampouco nenhuma coordenação ou direção pode substituir o conjunto da militância em suas tarefas de compreensão e avanço da consciência entre os trabalhadores.
Defendemos um funcionamento extremamente democrático das organizações dos revolucionários, rompendo com os métodos sectários e centralistas do passado, quando as direções impunham sobre os militantes uma disciplina na teoria e no programa que impedia o imprescindível debate e a elaboração coletiva.
O estalinismo conseguiu impor às organizações dos trabalhadores, contaminando inclusive setores do marxismo revolucionário, uma concepção de organização política que nada tinha a ver com a tradição do proletariado e do movimento revolucionário.
Precisamos recuperar a tradição do movimento revolucionário que até o início do séc. XX era de ampla democracia nas organizações, de uma vida interna onde todos colaboravam na elaboração da política e da teoria. A própria história do bolchevismo até os primeiros anos da Revolução Russa é de existência de correntes internas, de debates públicos e livre expressão de idéias. Sem negarmos os seus erros, o bolchevismo durante muitos anos foi um partido extremamente democrático, com publicação aberta, sem censura a qualquer posição política. Era tradição a existência de correntes internas no partido.
Estamos nos propondo a construir uma organização com a concepção de que seja perfeitamente possível e louvável conviver com as diferenças dentro de um campo comum.
Pensamos que uma organização política deve ter plena liberdade de discussão sobre todo e qualquer um dos temas, com debates públicos, com plena liberdade para qualquer setor, tendência ou agrupamento de publicar seus próprios órgãos de imprensa.
A unidade ou “disciplina” de uma organização só pode ser alcançada ou conquistada de forma voluntária, livremente assumida pelos militantes, por convencimento próprio e não por imposição de uma direção. A centralização na ação só pode se dar a partir de uma compreensão comum da realidade e das tarefas e confiança mútua entre os militantes.
Assim, a democracia de uma organização não pode ser abstrata. Tem que ser um exercício permanente entre todos. Devemos colocar acima de todas as disputas políticas, um funcionamento democrático. Deve impulsionar a educação e criar mecanismos para o desenvolvimento das discussões sobre todos os temas do programa e tática da organização.
Dessa maneira, a diversidade e a pluralidade devem adquirir e reafirmar seu sentido na construção de uma forte homogeneidade: a luta contra o capitalismo e pelo socialismo, em transformar em uma totalidade todos os processos de luta que hoje estão completamente fragmentados e desarticulados.
A luta contra o capital, leva a uma necessidade de coordenação e, em momentos cruciais, até de uma centralização, porque enfrentamos cada vez mais uma sociedade centralizada. Para nós, a centralização não significa a hierarquização militar. Não pode significar a falta de debates, de discussões, de autonomia. Pode parecer um paradoxo, mas a necessidade de centralização é também necessidade de democracia. Uma greve decidida pelos trabalhadores também tem que ser centralizada, imposta sobre a minoria, porque dentro do proletariado há vários elementos indecisos em momentos cruciais da luta de classe. Em várias condições de luta se não houver centralização, não há movimento. Mas, nesses casos deve ser precedida da máxima discussão e se restringir à ação e não às idéias.
Nos opomos à construção de uma organização em que exista uma hierarquia, cheia de dirigentes (e dirigidos) que tenha relações de poder internas a ela. Nos opomos à construção de uma organização burocrática, formal, onde exista aqueles que pensam e aqueles que fazem, aqueles que dominam o poder e aqueles que ficam ouvindo e executando as tarefas. Lutamos pela construção de uma organização revolucionária, ligada aos trabalhadores, que seja parte da classe trabalhadora e do processo revolucionário.
REVOLUCIONÁRI@S: UNAMOS NA NOSSA DIVERSIDADE
Entre as questões que também queremos discutir, está o resgate da estratégia, que há muito tempo foi descartada ou colocada com o único objetivo de unificar organizações: a unidade dos revolucionários.
É pura ilusão acreditar que todos os revolucionários possam estar reunidos em uma única organização. A existência de várias organizações e outros tantos revolucionários atuando individualmente expressa a diversidade da classe trabalhadora. Por isso o movimento revolucionário deve ser compreendido em toda a sua amplitude. Isso deve-se não só a crise do marxismo, mas também devido as mudanças ocorridas nos últimos anos. É impossível que pessoas que querem “mudar o mundo” pensem da mesma maneira.
A construção e reconstrução de estratégias e programas devem ocorrer no diálogo das diversas
organizações revolucionárias com os trabalhadores e destas entre si.
Nesse processo deve haver amplos espaços para o debate, experiências em comum ou intercâmbio de experiências diferenciadas e condições para a elaboração coletiva.
Pensamos que é fundamental procurar atuar na luta de classes de forma unitária. Isso pode fortalecer a atuação dos revolucionários e a formação política da classe trabalhadora. A unidade e a convivência de diversas organizações revolucionárias na luta de classes é uma importante fonte de aprendizado para o movimento como um todo.
É evidente que a unidade das organizações e indivíduos, atuando conjuntamente com os trabalhadores, potencializa a luta contra o capital.
Diante da necessidade de desenvolver as idéias do socialismo no movimento, não podemos acreditar que o trabalho de grupos minúsculos agindo de forma individualizada e descoordenada vai atingir tal objetivo. Por isso, adquire enorme importância o impulso às diversas formas de unificação e coordenação entre os coletivos e indivíduos revolucionários, a formação de comitês de lutas específicas, fóruns de discussão e elaboração teórica e ações conjuntas.
Entendemos ser perfeitamente possível uma organização lutar pelas suas idéias e ao mesmo tempo defender a unidade entre os revolucionários. A luta pelo desenvolvimento das idéias socialistas entre os trabalhadores, contra o conceito de partido único, pela construção de organismos independentes dos trabalhadores, são questões que não podem ser negadas, pelo contrário, são cada vez mais urgentes .