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Curiosidades sobre as eleições estadunidenses – Daniel Delfino


4 de outubro de 2012

  Este texto é uma contribuição individual, não necessariamente expressa a opinião da organização e por este motivo se apresenta assinado por seu autor.

CURIOSIDADES SOBRE AS ELEIÇÕES ESTADUNIDENSES

Daniel Delfino

Em fins de 2008 os Estados Unidos estavam no epicentro da maior crise econômica mundial em várias décadas (epicentro hoje deslocado para a Europa), e estavam com sua imagem perante a opinião pública mundial arruinada pelas estúpidas aventuras militares de Bush. As prévias eleitorais do Partido Democrata para escolha do candidato, que opuseram Obama e Hillary Clinton, foram mais disputadas do que a própria eleição presidencial. Qualquer que fosse o candidato democrata, a vitória estava certa, por conta do imenso desgaste dos republicanos, e produziria um presidente inédito, fosse um negro ou uma mulher. Para recompor a imagem interna e externa do país, foi preciso realizar uma imensa operação política, ideológica e midiática para criar a impressão de que uma mudança absolutamente inédita e “revolucionária” estava acontecendo, da qual Obama foi o produto.

Duas alas do partido da burguesia

Nas eleições de 2012, nada espetacular desse tipo está em curso. Obama deve se reeleger, mesmo não sendo com ampla margem. Seu adversário, Mitt Romney, não está identificado com a ala dos neoconservadores do Partido Republicano, de onde saíu Bush, com seu discurso belicoso, apocalíptico e ultra-chauvinista, nem com a ultra-direita do Tea Party. As alas mais fanáticas de seu partido gostariam de ver uma campanha centrada em teorias da conspiração delirantes, como a de que Obama não nasceu nos Estados Unidos (e portanto legalmente não poderia ser presidente), pratica secretamente o islamismo e pretende instalar um governo comunista a serviço da ONU. Sites na internet defendem o assassinato de Obama como um ato patriótico para livrar o país da invasão de imigrantes muçulmanos, africanos, latinos, comunistas e homossexuais.

Essas imbecilidades encontram larga credibilidade entre amplos setores do eleitorado estadunidense, que são suficientemente ignorantes, provincianos e chauvinistas para acreditar em qualquer bobagem (isso por si só é o indício de uma direitização de um setor da população). Entretanto, a campanha de Romney segue morna e não propõe nada diferente do neoliberalismo a que já estamos acostumados: corte de impostos dos ricos e corte de gastos sociais com os trabalhadores. O foco de sua campanha tem sido a gestão econômica de Obama, que não conseguiu fazer a economia do país decolar novamente nem reduziu o desemprego (apesar do lucro das empresas ter voltado). A pobreza avança para os padrões estadunidenses, e é claro, nem Obama nem Romney estão de fato preocupados com os pobres. Governam para o grande capital e compõem as duas alas de um partido único, o partido da burguesia. O sistema eleitoral do país é montado para que não haja alternativas reais a esses dois setores do partido do capital, Republicano e Democrata.

Eleições indiretas

As eleições estadunidenses carregam uma série de características peculiares. Num país que se põe a dar lições de democracia para o mundo inteiro, as eleições presidenciais são indiretas! O eleitor estadunidense não vota diretamente para presidente, ele elege os representantes do seu estado no colégio eleitoral, onde de fato se elege o presidente. Cada estado tem um número determinado de representantes, conforme a sua população, que é atualizada a cada censo. Mas o mais curioso é que o voto dos representantes não é proporcional à votação dos candidatos: em 48 dos 50 estados o candidato vencedor leva todos os votos desse estado para o colégio eleitoral. Assim, por exemplo, no estado da Califórnia, o mais populoso do país, que tem direito a 55 representantes, não importa se o candidato vencedor tem 99% ou 51% dos votos dos eleitores, ele leva o voto de todos os 55 representantes para o colégio eleitoral.

Com isso, pode ocorrer de um candidato vencer num maior número de estados, mas com uma margem menor de diferença, e perder em menos estados, mas por uma diferença maior. Matematicamente, é possível o candidato que venceu em menos estados ter mais votos populares no total, e mesmo assim perder a eleição no colégio eleitoral. Historicamente, isso de fato aconteceu 4 vezes na história: em 1824, 1876, 1888 e em 2000, quando George Bush filho venceu Al Gore. Mas para ter os votos decisivos, Bush precisou dos representantes do estado da Flórida, onde houve fraudes de todos os tipos, facilitadas pelo fato de que seu irmão era governador do estado e chefe da autoridade eleitoral encarregada da apuração… Em meio aos pedidos de recontagem, a eleição de 2000 foi decidida na Suprema Corte, onde os republicanos tinham maioria, graças às nomeações feitas nos governos Reagan e Bush pai, entre 1980 e 1992.

Não há uma justiça eleitoral única no país, e cada estado decide seu sistema de votação e apuração, o uso de urna eletrônica ou cédulas, a vinculação ou não dos representantes ao voto popular (embora não haja uma regra constitucional a respeito, raríssimas vezes um representante votou contra a deliberação dos eleitores do seu estado, mas isso é teoricamente possível!), a nomeação dos representantes (que podem ser eleitos ou indicados de diversas formas pelo governo ou os partidos), a composição das mesas de votação e autoridades eleitorais (que podem ser filiados aos partidos!), a possibilidade de votar antes da data, etc.

A exclusão da votade popular

Mais do que uma curiosidade cultural ou uma excentricidade a mais da terra do baseball e futebol americano, o sistema de colégio eleitoral tem a função política precisa, que é a de impedir que outros partidos que não os dois gigantes, Democrata e Republicano, tenham chances de vitória. O sistema foi projetado pelos “pais fundadores”, os líderes da independência do país no século XVIII, explicitamente para impedir que a maioria do povo, inculto e despreparado, tivesse condições de interferir na escolha do presidente. Para ter chances de vitória, um partido precisa ter maioria numa grande quantidade de estados, no país inteiro. Isso só é possível para as gigantescas máquinas de campanha dos partidos do capital. Existem candidatos de partidos menores e independentes, legalmente habilitados a concorrer, mas que não conseguem nada além de uma repercussão anedótica.

As campanhas eleitorais estadunidenses são decididas pelo poder econômico. O voto não é obrigatório como no Brasil e não há horário político obrigatório (não que o sistema brasileiro seja bom, ao contrário, ver nossas matérias sobre as eleições). Nem todos os cidadãos habilitados a votar se inscrevem como eleitores e nem todos os eleitores comparecem na votação. Para convencer o eleitor a votar é preciso gastar fortunas em campanha. Para arrecadar essas fortunas, os candidatos são obrigados a realizar eventos (chamados “fundraisers”), onde passam o chapéu entre doadores.

Os custos das campanhas eleitorais têm subido astronomicamente. O custo total das campanhas para as eleições atuais (que além da presidência inclui legislativos estaduais, prefeituras e plebiscitos em vários estados) deve chegar a US$ 9,8 bilhões, o que significa o triplo das eleições de 1992 (Estadão, 10/09). Em 2008 Obama obteve a maior parte de suas doações de pequenos contribuintes. Mais de 3 milhões de doadores participaram da campanha democrata, com quantias que na média ficavam em torno de US$ 100. Esse tipo de campanha reforçou a demagogia do candidato em sua suposta identificação com os trabalhadores e os pobres, além de uma série de expediantes de mídia viral na internet, que conquistaram o voto dos jovens.


O investimento da burguesia nas campanhas

Numa tentativa de virar a mesa em favor dos republicanos, uma mudança recente na legislação autorizou doadores individuais a contribuir com qualquer valor (antes havia um limite), o que deu origem aos “super PACs” (comitês de ação política, na sigla em inglês) compostos por milionários. Em 2012 os super PACs estão virando a balança da arrecadação em favor de Romney. Mas mesmo com uma campanha milionária à altura do rival, o candidato republicano provavelmente não conseguirá fazer frente à popularidade de Obama. O carisma do presidente permanece elevado entre os negros, latinos e jovens. Celebridades como Michael Jordan, George Clooney e Madonna já protagonizaram eventos para arrecadar fundos para a campanha de Obama.

Quando a burguesia faz uma contribuição para uma campanha eleitoral, isso não é uma doação, é um investimento. A doação retorna na forma de contratos da empresa doadora para fornecer ao governo seus produtos, serviços, obras, etc. Essa é a base da corrupção, que é inerente ao sistema capitalista e seu estado burguês. Além da compra das decisões dos políticos por meio do financiamento de suas campanhas, existe o lobby, a pressão direta sobre parlamentares e funcionários de alto escalão para beneficiarem determinados setores empresariais, por meio de subornos, propinas e “presentes”. O lobby é uma profissão legalmente reconhecida e regulamentada nos Estados Unidos!

Como se vê, não há nas eleições estadunidenses uma alternativa que contemple as necessidades dos trabalhadores. Ambos os partidos são instrumentos do capital. Não há meios de furar o bloqueio dos dois partidos gigantes através do sistema de colégio eleitoral. Não há possibilidade de que a vontade democrática da maioria se expresse através do voto e das instituições. Os sindicatos, movimentos de minorias, ONGs, acadêmicos “de esquerda”, etc., estão todos ligados ao partido Democrata, portanto não servem como alternativa. Por isso, a classe trabalhadora estadunidense precisa desenvolver instrumentos e organismos de luta independentes, com um caráter classista, e combativo, para criar um movimento político que se coloque contra o sistema capitalista vigente. Somente organismos de poder da classe trabalhadora, independentes e opostos ao Estado burguês, poderão liderar um processo de mudanças que atenda às necessidades da classe, que terá que romper com o capitalismo e iniciar a transição ao socialismo.