Polícia dos ricos expulsa brutalmente trabalhadores do Pinheirinho
25 de janeiro de 2012
“Na primeira noite, ele aproxima-se e colhem uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem, pisam as flores, matam o nosso cão.
E não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles, entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.
E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada.”
Eduardo Alves da Costa, 1985
Operação de guerra desocupa o Pinheirinho
No dia 22 de janeiro de 2012 a polícia militar do Estado de São Paulo cercou, invadiu e desocupou o bairro do Pinheirinho, em São José dos Campos, por meio de uma gigantesca operação de guerra, que envolveu mais de dois mil homens. Desde 2004 viviam no bairro cerca de 1.600 famílias, ou 5.500 pessoas. A desocupação aconteceu sem que houvesse uma decisão judicial definitiva, pois a justiça federal suspendeu a ordem de desocupação emitida pela justiça estadual, que por sua vez desconheceu a decisão e ordenou a continuidade da operação.
Enquanto o “conflito de competências” não se resolve na burocracia do judiciário, que com sua revoltante inoperância jamais atua quando é preciso defender os interesses populares, a polícia não espera e arrasa as vidas de milhares de trabalhadores, que perdem suas casas e não têm para onde ir. Todos os acessos ao bairro foram bloqueados e nem as organizações dos trabalhadores nem a imprensa podem verificar o que está se passando. Eletricidade, sinal de telefone e internet foram cortados na região. A desocupação prossegue casa a casa, a demolição das moradias está programada para acontecer logo em seguida, os habitantes do Pinheirinho estão sendo alojados em tendas. Aqueles que resistem são presos, espancados, torturados. Há a informação de que houve mortes, mas até o momento em que este texto foi escrito, no domingo há noite, não foi possível confirmar.
Justiça a serviço da classe dominante
O terreno de 1 milhão e 300 mil metros quadrados do Pinheirinho está registrado em nome da massa falida do especulador Naji Nahas, que deve R$ 15 milhões em impostos e usava o terreno para especulação imobiliária, ou seja, para nada socialmente útil. Não se viu a mesma agilidade da polícia para prender Nahas quando suas operações fraudulentas provocaram a falência da bolsa de valores do Rio de Janeiro no fim dos anos 80. Os crimes da classe proprietária jamais são punidos. Já os trabalhadores, quando lutam pelo direito à moradia, e lutar por direitos não é crime! – são tratados como bandidos.
Para destruir as casas e as vidas de milhares de trabalhadores, unem-se a prefeitura, o governo do Estado, o governo federal, o Judiciário, a polícia e a mídia. Seja por ação ou por omissão, todos compactuam com a barbárie. Na tarde de domingo as televisões e portais da internet noticiavam o congestionamento na Via Dutra, que liga São Paulo ao Rio e passa por São José dos Campos, e não a destruição de todo um bairro. A sociedade é mantida na ignorância do que está realmente se passando, para que não se sensibilize com a brutal realidade.
Em defesa da vida!
Os moradores do Pinheirinho não eram criminosos, eram trabalhadores, os mais explorados e sofridos, que atuam nos piores empregos, ganham os mais baixos salários, trabalham nas piores condições. São os operários da construção civil, as empregadas domésticas, os motoristas de ônibus, vigilantes, garis, balconistas, que constroem a riqueza da sociedade e lutam para construir suas vidas. Desde 2004 os trabalhadores transformaram o Pinheirinho em um bairro, em parte da cidade. Igrejas e comércio foram construídos, ruas foram asfaltadas, melhorias foram feitas, crianças nasceram no bairro e estudavam nas escolas da região.
Ao longo de oito anos, com muita luta, sacrifício e dificuldades, os moradores do Pinheirinho construíram não apenas casas, mas lares, vidas, famílias, amores, sonhos. Tudo isso tem muito mais valor, do ponto de vista humano, do que os pedaços de papel que dizem que o terreno pertence a um especulador. A justiça, a polícia e o conjunto do Estado servem para defender a propriedade privada, que está acima da vida das pessoas. Isso só faz sentido na lógica do capital, a lógica de uma sociedade desumana, que coloca o dinheiro acima da vida e da humanidade das pessoas.
Contra a repressão!
Os moradores do Pinheirinho são negros, mestiços, nordestinos, assim como outros milhões expulsos pela miséria e pela violência dos coronéis, confinados nas regiões pobres e nas periferias das grandes cidades, e agora expulsos novamente pelo Estado. São os herdeiros de uma história de violência e massacre, que vem desde o quilombo dos Palmares e a epopéia de Canudos, até as chacinas de Eldorado dos Carajás, Corumbiara e Candelária.
A violência do Estado contra os trabalhadores não é novidade na história do país, mas há algo de muito grave acontecendo no atual momento histórico. A desocupação da USP, da favela do Moinho e da Cracolândia, e agora a operação de guerra contra o Pinheirinho, são mostras da disposição do Estado em esmagar qualquer resistência contra seus projetos. Está em curso um processo de “higienização” social e “limpeza” urbana para “embelezar” o país e torná-lo apresentável para a burguesia mundial. Esse processo está passando por cima da vida e dos direitos elementares de trabalhadores em todo o país. Pobres estão sendo mortos, presos, espancados, torturados, despejados, pelo “crime” de serem pobres, numa sociedade em que jamais tiveram outra chance.
A “democracia” em que vivemos não admite nenhuma manifestação que questione o controle absoluto da classe proprietária sobre a produção e a distribuição de riqueza. Ocupações, piquetes de greve, manifestações de rua, expressões de opinião divergente, ações da classe trabalhadora, são tratadas como crime
O que está reservado aos trabalhadores
São os trabalhadores que constroem toda a riqueza do país, tudo o que existe é produto do seu trabalho. Mas ai daqueles trabalhadores que ousam questionar o destino daquilo que produzem, e questionar porque ficam sempre com a menor fatia. Ai daqueles que lutam por melhores salários, por melhores condições de trabalho, por moradia, saúde, educação. Ai daqueles que não se contentam!
O recado que está sendo dado pela classe dominante, através do Estado e da mídia, é muito claro: contentem-se com a “glória” de saber que vivem na 6º maior economia do mundo, contentem-se em saber que o país vai sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas, contentem-se em saber que “a crise não chegou ao Brasil” (certamente os trabalhadores do Pinheirinho discordam!), contentem-se em saber que terão que pagar prestações para o resto da vida para algum dia poder ter um apartamento, um carro, um eletrodoméstico, dos quais não terão tempo nem saúde para desfrutar.
Aceitem os empregos que têm hoje (ou o subemprego e o desemprego), aceitem a superexploração, aceitem os baixos salários, as péssimas condições de trabalho, aceitem o assédio moral, aceitem o adoecimento, aceitem a carestia, aceitem a falta de serviços públicos decentes, aceitem a falta de hospitais e escolas, aceitem as mentiras da mídia, aceitem o lixo cultural, aceitem que apenas alguns poucos privilegiados desfrutem do luxo e do conforto, aceitem o controle do Estado e das instituições. Aceitem a parte que lhes cabe, e não reclamem!
Não aceitamos!
Nós trabalhadores não aceitamos essa realidade! No mesmo dia, às 17:00 hs do domingo, trabalhadores e estudantes se reuniram na Avenida Paulista para protestar contra a barbárie que o governo do Estado promoveu no Pinheirinho. Cerca de mil pessoas paralisaram a principal avenida do país por duas horas e protestaram em frente ao prédio da Justiça federal. Atos semelhantes se reproduziram em várias capitais e grandes cidades do país. Nós que estivemos mobilizados em defesa do Pinheirinho, nós que estivemos na Avenida Paulista, nós integrantes de diversas organizações da classe trabalhadora que se mobilizaram rapidamente de forma unitária, nos fizemos presentes para dar também um recado muito claro: não aceitaremos a violência do Estado, não aceitaremos a destruição da vida, não aceitaremos as mentiras e o cinismo da mídia! Vamos dizer aos trabalhadores:
Abaixo a repressão!
Não à criminalização dos movimentos sociais!
Fora polícia do Pinheirinho!
Liberdade para os presos políticos!
Punição ao uso e ao abuso da força!
Reforma urbana já, expropriação dos imóveis ociosos, direito à moradia para todos!