Desde março de 2019 o Espaço Socialista e o Movimento de Organização Socialista se fundiram em uma só organização, a Emancipação Socialista. Não deixe de ler o nosso Manifesto!

Trânsito: caos do modo de produção burguês


25 de abril de 2010

O trânsito e a poluição urbana é um dos “calcanhares” dos administradores burgueses. Adota-se todo tipo de medida (restrição de circulação de ônibus e de carros, obrigação de vistoria, etc), mas os problemas continuam se agravando, uma vez que nenhuma delas mexe com o ponto central que é adotar um sistema de transporte que não privilegie o lucro e sim as necessidades da população. Não fazem porque teria que romper com a lógica capitalista que ordena o modelo de transporte adotado e da própria organização da cidade na sociedade capitalista.

É um debate importante porque a luta pelo socialismo compreende uma totalidade que envolve as transformações econômicas, mas também a cultura, o sistema de saúde (que está relacionado com a qualidade de vida), a localização das fábricas (e o que produzir), das escolas e dos hospitais e evidentemente a organização das cidades e do transporte, etc. No socialismo tudo será organizado racionalmente de modo que o nosso tempo esteja voltado para a satisfação das necessidades da coletividade e não para os interesses do capital.

A produção capitalista se caracteriza pelo caos, completamente desorganizada e dispersa obrigando as pessoas se deslocarem por quilômetros para venderem sua força de trabalho com consequências para o sistema de transporte e para a própria saúde. Mais duas questões (entre outras tantas que se poderia falar) que pode demonstrar  o caos é o que se produz e a especulação imobiliária que repercutem no sistema de transporte e na própria organização da cidade. O carro além de congestionar ainda polui e a especulação imobiliária joga os trabalhadores e explorados para as periferias, locais distantes do trabalho, da escola e dos hospitais.

 

Cidades e trânsito: o caos provocado pela burguesia

O atual sistema de transporte no Brasil foi construído a partir da década de 50, como parte do acordo com o imperialismo para a instalação das montadoras no país. Para garantir o lucro delas a malha ferroviária (de carga e de passageiros) foi sucateada e o transporte público passou a funcionar em torno dos ônibus produzidos por elas.  A base desse sistema são os veículos automotores seguidos pelos ônibus e caminhões e com o petróleo como matriz energética. Uma escolha para atrair e agradar as montadoras que desde então lucraram – e remeteram para as matrizes- bilhões e bilhões.

A insanidade do capital faz com que suas escolhas ocorram pelo lucro e isso causa vários problemas como a poluição, os congestionamentos, o deslocamento de bilhões para a construção e reforma da malha rodoviária (só trecho sul do Rodoanel em São Paulo tem um custo estimado em 4 bilhões de reais e é responsável por 25% do desmatamento na Grande SP no ano de 2008), a impermeabilização do solo e ideologicamente, em detrimento de um modelo coletivo, uma concepção individualista no transporte, pois a imensa maioria dos veículos são ocupados por uma pessoa. Um modelo que só atende aos interesses da burguesia.

Em relação a poluição não é novidade para ninguém que os carros estão entre as principais fontes de poluição do Brasil e do mundo. A causa é óbvia: o combustível. Tanto faz a gasolina, o álcool ou o diesel. Todas as medidas adotadas pelos governos de plantão, ou não têm nenhum efeito ou ele é desprezível. Já com relação ao meio de transporte a lógica também é perversa, pois com um transporte público de péssima qualidade muitos são empurradas para os carros o que agrava a poluição e os congestionamentos, mas garante o lucro das montadoras.

Há outras tecnologias que poderiam ser aplicadas no desenvolvimento de transporte com fonte energética muito menos poluidora, como são os trens e ônibus elétricos. Esses transportes além de poluírem menos podem transportar muito mais pessoas em um espaço muito menor. Mas adotar medidas que substitua os automóveis por um sistema coletivo de transporte significaria mexer com os interesses de grandes capitalistas das montadoras, das empresas ligadas ao refino do petróleo e da máfia que controla as empresas de transporte coletivo nas grandes cidades. Isso nenhum governo burguês está disposto a fazer.

Quanto aos congestionamentos os trabalhadores são as maiores vítimas, uma vez que na atual configuração da produção capitalista os trabalhadores são obrigados a irem trabalhar cada vez mais longe o que por si já representa o aumento na jornada de trabalho provocando maior desgaste físico e mental. Essa combinação do tempo gasto para o trabalho e o tempo gasto nos congestionamentos representa a continuidade da apropriação pela burguesia do tempo do trabalhador e que não é remunerado. Assim o trabalhador sequer consegue descansar para se recompor para o dia seguinte e sem falar na dificuldade de que o trabalhador possa participar de reuniões sindicais ou políticas. Ou seja, a burguesia utiliza o caos que o seu modo de produção provoca para manter os trabalhadores sob controle. É uma apropriação física e espiritual dos trabalhadores.

Em uma sociedade socialista, portanto racional, os trabalhadores além de terem uma jornada de trabalho muito menor trabalharão próximo de suas residências ou terão computado na sua jornada o tempo de deslocamento, podendo aproveitar essas horas “economizadas” para atividades políticas, culturais, de lazer e para descanso. Só uma sociedade irracional como a capitalista desperdiça tanto tempo.

Outro efeito devastador para a natureza é a impermeabilização das cidades. Para comportar a quantidade de carros que estão sendo produzidos (em 2009 foram  quase 3,2 milhões) é preciso construir uma extensa malha rodoviária, o que faz com que as cidades sejam permanentemente redesenhadas, representando uma destruição de força de trabalho e da natureza, uma vez que mais e mais árvores precisam ser derrubadas, o solo é impermeabilizado e o curso e as margens dos rios sofrem constantes mudanças. As recentes enchentes (que Serra culpou a natureza, Kassab a Marta Suplicy e o povo) são conseqüência dessas alterações e não das pessoas.

Parte importante do orçamento do país é direcionado para a construção e/ou reforma de estrada (em alguns Estados representa 50% de tudo que é aplicado pelo governo Federal), retirando dinheiro de outras áreas como saúde e educação. Essa grande quantidade de dinheiro em todos os orçamentos (federal e estaduais) fez com que se desenvolvesse no país grandes grupos econômicos (Camargo Correa, Espasamco, etc) que são dependentes dessas obras e para mantê-las faz todo tipo de falcatrua, como licitação direcionada, caixa dois para a campanhas eleitorais (além de doação pública), etc. É só mais um elo dessa corrente que se construiu a partir da adoção desse modelo de transporte.

 

Ideologia e automóvel

A adoção do automóvel como central no sistema de transporte também implica em que as pessoas precisam ser convencidas de comprá-lo e utilizá-lo, precisa tornar-se necessidade. Para isso foi montado um imenso aparato ideológico que envolve agências de propagandas, televisão, psicologia de massas, etc que tem o poder de “embelezar” homens e mulheres, de mascarar e mudar o meio em que vivemos (todas as propagandas apresentam ruas sem buraco e sem congestionamento) e de declarar o poder dos e das possuidoras de carros sobre o mundo.

Por essa ideologia  quem tem um carro é diferente e não está submetido aos caos do transporte público, destinado aos de pouca sorte; quem te carro é diferente, mais inteligente, faz a escolha certa e “venceu” na vida. O automóvel é o símbolo do capitalismo e para a própria burguesia alocada no Brasil era importante essa escolha como demonstração de que definitivamente o país se modernizava. Como vemos a partir do automóvel se estrutura parte importante da vida em uma sociedade capitalista.

Outro aspecto dessa ideologia é colocar o indivíduo acima da coletividade. Veículos altamente poluidores que transportam pouquíssimas pessoas (na maioria das vezes uma só pessoa) são a representação de que o sistema de transporte também é voltado para a propagação do individualismo, fundamental para a ideologia dominante e para a própria indústria automobilística. A degradação do transporte coletivo é parte dessa lógica, pois a todo momento na mesma avenida congestionada podemos ver de um ônibus lotado -com as pessoas em pé e amassadas- um veículo com um indivíduo livre desse inferno que é o ônibus. A construção consciente dessas comparações é uma tática muito bem pensada pela burguesia de modo que  nesse cenário as pessoas possam pensar em saídas individuais e ver o automóvel como o meio de realização desse desejo.

Construir uma saída pela esquerda

A anarquia da produção capitalista faz com que ela desloque imensas forças de trabalho para a produção de bens que significam a destruição das próprias condições de vida da humanidade, ou seja, em vez de produzir bens que contribuam para  o bem estar das pessoas produz-se aquilo que interessa aos capitalistas. É a lógica da burguesia.  Uma sociedade socialista organizaria a produção de modo que se produziria aquilo que realmente atendesse as necessidades humanas e não do lucro.

Precisamos, a partir de nossas frentes de atuação, abrir essa discussão no movimento, incorporando reivindicações que garantam transporte coletivo público, gratuito e de qualidade para os trabalhadores. Em uma perspectiva da revolução também está colocado a necessidade do desenvolvimento de energias que garantam a produção das necessidades dos trabalhadores e que não poluam o meio ambiente. Em relação ao transporte coletivo até mesmo “especialistas” burgueses reconhecem que  o transporte sobre trilho é muito mais barato e menos poluente. Também é preciso redirecionar a produção automobilística do país para veículos que garantam a produção de alimentos, como os tratores.

Só com essas mudanças como essas (que são mínimas) quantas carretas poderiam deixar de circular  e poluir com a adoção do transporte de cargas para os trens? E quantos ônibus deixariam de poluir e congestionar se adotássemos o transporte ferroviário como prioritário? Quantas horas os trabalhadores poderiam se dedicar ao lazer, ao estudo e a própria militância anti capitalista?

Se temos consciência de essas medidas são fundamentais também sabemos que o capitalismo –pela sua própria lógica do lucro- não pode realizar essas tarefas. Só a revolução socialista poderá levar a frente essas tarefas. Por isso, viremos à esquerda.