Política vacilante e burocratismo versus reorganização do movimento por fora dos aparatos – essa foi a tônica do II encontro americano
11 de agosto de 2009
Política vacilante e burocratismo versus reorganização do movimento por fora dos aparatos – essa foi a tônica do ii encontro americano
Depois do sucesso ocorrido no I Encontro Americano pela Humanidade e contra o Neoliberalismo, realizado no ano de 1996 em Chiapas México, organizado pelos Zapatistas e que contou com a ampla participação democrática e um espírito de solidariedade dos povos oprimidos, esperava-se que o 20 Encontro Americano, ocorrido em Belém do Pará Brasil em dezembro de 1999, desse continuidade a esse importante processo de unificação e construção de um programa político (mínimo) que fosse capaz de organizar o movimento internacional em ações conjuntas em defesa dos direitos dos trabalhadores e de todos os que de alguma maneira tem historicamente sofrido com o preconceito, a discriminação e a opressão do sistema capitalista.
Um bom número de organizações ou representantes de movimentos organizados compuseram as 2600 pessoas credenciadas dos cerca de 24 países representados no evento. Entre as mais importantes ou que participaram ativamente podemos destacar Zapatistas do México, ELN da Colômbia, Movimiento por un Partido de los Trabajadores e CTA da Argentina, Movimento Bolivariano da Venezuela, representante do PC Cubano, PIT/CNT do Uruguai, Partido dos Trabalhadores do Brasil, PCR, PSTU, LBI, PCdoB, Movimento Hip-Hop, movimento Contra-Corrente Articulação dos Povos Indígenas do NE, MG, ES e PA, Comunidade Quilombolas, ONGs, Movimento Negro, de Mulheres, Gays, Lésbicas, entre outras.
A organização de um evento desse nível, que deveria fundamentalmente contar com a experiência dos Zapatistas e de outras organizações como a FARC, MST, CUT e os partidos políticos da esquerda socialista, acabou ficando sob responsabilidade da corrente petista Força Socialista, com grandes desvios burocráticos e sem nenhuma tradição de internacionalismo. Desenvolvendo uma política de disputa eleitoral, burocrática e sem mobilização e, atualmente, administrando a prefeitura de Belém através de aliança com a burguesia, esta corrente tomou para si a tarefa de transformar o II Encontro Americano em uma grande festa de propaganda da atual gestão petista sem um mínimo de respeito aos verdadeiros objetivos deste encontro. Desde o princípio, centralizando as decisões de organização e funcionamento do evento na cúpula do partido sem respeitar os fóruns de discussão internacional, esta corrente criou as condições objetivas para a burocratização do evento estabelecendo uma metodologia pouco participativa que acabou enfraquecendo os grupos de trabalho impossibilitando a participação da base. Além da limitação da voz e do voto nas decisões políticas que foram garantidas somente àqueles que pudessem pagar os 15 reais de inscrição.
Considerando todos esses fatores, o encontro, que deveria ser um momento de ampla unidade na luta contra o neoliberalismo e pela humanidade, teve dias de grandes conflitos internos causado pela tentativa de exclusão, por parte dos organizadores do evento, dos “sem crachás”, através da utilização da polícia da prefeitura de Belém. O descontentamento de um amplo setor de estudantes, trabalhadores, anarquistas, punks, além dos representantes indígenas, devido a presença da polícia municipal no evento, a falta de diálogo e as manipulações constantes, da direção petistas, foi o estopim para que acontecesse uma rebelião e ao mesmo tempo uma ruptura com os organizadores do encontro.
A construção de um encontro alternativo contou com quase 50% dos participantes levando a uma experiência interessante de auto-organização, conseguindo estabelecer o processo democrático até então inexistente, e demonstrando que ainda existe vontade política de um amplo setor da vanguarda de se desprender dos aparelhos burocráticos sem democracia direta. Este fato político criado teve grande repercussão na mídia fazendo com que os petistas da força socialista culpassem os Anarcopunks pelo acontecido, caracterizando-os como vândalos e desordeiros.
A presença dos Zapatistas no encontro de forma pouco incisiva na disputas políticas existentes e suas dificuldades de tomarem uma posição revolucionária em relação a crise provocou uma grande tensão, o que levou a realização de várias reuniões de esclarecimentos, onde os Zapatistas, com uma atitude centrista, colocaram a necessidade da unidade pela unidade, sem ter uma postura crítica em relação aos acontecimentos. Pressionados por uma ampla vanguarda para que tomassem uma posição definitiva em relação às disputas acabaram concordando em apresentar aos petistas uma proposta de unificação a partir dos critérios de democracia participativa, da não tolerância de policiais no encontro, do fortalecimento dos grupos de discussão e de elaboração e do credenciamento de todos os que quisessem participar, sendo então, todos os pontos aceitos pelos representantes da Força Socialista, já extremamente preocupados com o que estava acontecendo.
Não fosse a volta da polícia municipal para os portões do local onde aconteceria a plenária final, como forma de controle político das deliberações que viessem a ser votadas, e a presença de um grande contingente de policiais no interior do evento (o que criou uma revolta por parte de estudantes sem crachá que queriam participar) o encontro Americano teria recuperado o seu objetivo fundamental. Porém, a agressão sofrida pelos estudantes da Universidade Federal do Pará André Luís Silva de Miranda e Luciana Chaves que, após terem o seu direito de participar negado por não possuírem “crachás”, e mobilizarem os restantes para entrar, sendo rapidamente detidos e espancados na frente dos demais, levou a novos conflitos.
A tensão e o medo tomaram conta dos estudantes que tiveram que recuar sob a violência dos policiais até que viessem alguns dos participantes internos para socorrê-los, principalmente anarquistas e punks, que aproveitaram para denunciar a violência cometida pedindo aos representantes da mesa organizadora o direito de voz para os agredidos. O fato desse direito ter sido negado justamente no dia Internacional dos Direitos Humanos e de, nesse mesmo momento, utilizarem-se da calúnia e da mentira como única forma de isentarem-se da responsabilidade e da culpa pelo acontecido só fez aumentar a indignação e a revolta. Cercados por uma vanguarda de luta e protegidos por um pelotão de pobres mercenários (seguranças contratados) não viram outra saída senão decretar o fim do encontro Americano pela Humanidade e contra o neoliberalismo dispersando a multidão para o pão e circo que haviam preparado.
Como não poderia deixar de ser, o desdobramento dessa metodologia burocrática utilizada pelos petistas da Força Socialista no II Encontro, acabou refletindo nas deliberações política que foram aprovadas na plenária final. Estando os mesmos em maioria durante este processo, devido à distribuição de crachás em massa para a sua militância, garantiram a aprovação de uma política reformista sem estabelecer nenhum critério classista para os atos e mobilizações que serão realizados a partir desse encontro. Por exemplo, não se deliberou acerca da defesa do socialismo com única via capaz de garantir a emancipação dos povos contra a exploração capitalista, demonstrando o quanto essa corrente petista e a sua direção está distante da luta real contra o neoliberalismo. A aprovação de uma marcha dos povos oprimidos das Américas em direção ao México num período de 5 anos partindo de vários países, e o impulsionamento de um plebiscito sobre a dívida externa. Como se vê, nada concreto de fato no que se refere a atender a necessidade dos trabalhadores na América Latina hoje. Assim, este movimento corre o risco de não ter uma bandeira concreta de luta que unifique aqueles que defendem uma nova sociedade, diferente dos que acreditam na possibilidade de sensibilização dos capitalista burgueses para garantir maiores fatias de direitos sociais e renda para os pobres, ou seja, os setores reformistas, burocratas de gabinetes que vivem dos aparatos e que a muito vem negociando nos bastidores apostando na conciliação entre as classes.
Percebendo o quanto essa postura política é prejudicial para todos nós trabalhadores, estudantes, camponeses, negros, índios, mulheres e desempregados, hoje mais do nunca desesperados com a atual situação de miséria que os capitalistas historicamente tem produzido, acreditamos que temos muito a refletir acerca da necessidade urgente de construirmos uma nova forma de organização para encaminhar os nossos interesses, tendo como princípio fundamental a destruição do capitalismo e dos aparelhos e aparatos tradicionais de representação dos trabalhadores hoje tomados pelo vício e pela burocratização. A auto-organização através da democracia direta com ampla participação a partir de uma metodologia que garanta a elaboração na base, sem a tradicional hierarquização de cargos ou funções, conforme pudemos ver nesse encontro, possibilitaria uma real igualdade, solidariedade e liberdade entre os povos e um espírito de coletivismo. Isto nos daria condições objetivas de construirmos a tão sonhada sociedade sem classes e sem patrões preconizada pelos verdadeiros revolucionários de nossa história.
Essa reflexão, acerca do ocorrido no II Encontro, tem o intuito de esclarecer os fatos e ao mesmo tempo denunciar essa organização (Força Socialista), além de ratificar nosso posicionamento em defesa intransigente do socialismo, do não pagamento da dívida externa, da reforma agrária radical sobre o controle dos trabalhadores, do direito de autodeterminação dos povos, da redução da jornada de trabalho sem redução do salário, do fim da especulação financeira e da estatização do sistema financeiro, bem como das demais reivindicações da classe trabalhadora e dos povos oprimidos pelo sistema capitalista.
Saudações revolucionárias.
Gustavo Curuja – Belém-PA.