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Boletim 11 – Todo voto é nulo


25 de fevereiro de 2009

TODO VOTO É NULO!

 

            Existem três tipos de campanha pelo voto nulo. A primeira e mais disseminada nas eleições de 2006 é a dos setores que estão “decepcionados” com o governo Lula, acham que “os políticos são todos iguais”, pensam que “nada nunca muda mesmo” e que “a política não vale à pena”. A segunda e mais tradicional é a dos anarquistas e ultra-esquerdistas que consideram que em nenhuma hipótese os inimigos do sistema podem cogitar em participar das instituições. A terceira e mais difícil é a que defende o voto nulo programático, ou seja, mantendo o foco num programa socialista, considera que o mesmo não se encontra presente nas atuais eleições e portanto não endossa nenhuma das candidaturas em disputa. É neste terceiro tipo de campanha que nos engajamos.

            Ao dizermos que o programa socialista não está presente nas eleições, isso significa que nos colocamos em uma polêmica direta com os agrupamentos que compõem a frente de esquerda PSOL/PSTU/PCB. Esta frente teria o propósito e a missão de colocar o socialismo em discussão nas eleições. Acontece que um programa não é apenas um conjunto de princípios, ideais e palavras de ordem, mas também se materializa em atitudes práticas. A prática política da frente de esquerda não é socialista, é eleitoralista, aparatista e burocrática.

Antes mesmo de ter chances de chegar ao poder como Lula, HH atenua o discurso, se omite quanto a qualquer medida de ruptura, esconde o socialismo e se transforma em “Heleninha paz e amor”. Além disso, a frente de esquerda está se desfazendo antes mesmo de encerradas as eleições. A Intersindical, claramente impulsionada por setores do PSOL, surge com o projeto de impedir a ruptura dos sindicatos com a CUT e a sua adesão à CONLUTAS, por sua vez um projeto caro ao PSTU. Se a justificativa para a constituição da frente era a necessidade de unidade para as lutas, que é uma necessidade real da classe trabalhadora, as forças políticas que a compõem demonstram assim que não estão de fato comprometidos com ela.

            É por isso que a luta por um programa socialista não passa pela candidatura de HH e sim pelo fortalecimento das lutas imediatas em curso: contra as demissões na Volks, nas campanhas salariais como a dos bancários, na luta pelo passe livre, na luta por terra e moradia; em todos os pontos em que os interesses vitais dos trabalhadores estão confrontados com os da burguesia. É para esse cenário que voltamos as atenções, é aí que concentramos nossas forças.

Nesse sentido, a campanha pelo voto nulo programático não é exatamente uma campanha contra a frente de esquerda, pois sabe que a frente é um arranjo temporário que logo será desfeito. E que a unidade que interessa de fato é aquela que será construída pelos próprios trabalhadores em suas lutas, estejam aquelas organizações presentes ou não. A campanha pelo voto nulo programático é também, e principalmente, uma campanha contra a burguesia.

            A burguesia está muito bem servida nessas eleições. De um lado, ela tem Alckmin, o candidato Daslu/Opus Dei, com um programa neoliberal agressivo. Do outro, ela tem Lula, o operário padrão do imperialismo, que implanta o neoliberalismo com mediações. Sem Lula, a rejeição popular à FHC poderia ter resultado em mobilizações de massa, ameaçando a “estabilidade” e o regime. Com Lula no controle das organizações do movimento social (CUT, UNE, MST, Igreja, etc.), a insatisfação se transformou em esperança vaga de melhoria, inoperância prática e ausência de resistência material.

            Entretanto, uma vez utilizado Lula para desarmar o movimento social, a burguesia calculou que poderia descartá-lo. Passou então a expor o “modus operandi” da política burguesa: “mensalão”, mala preta, dólares nas cuecas, etc.; práticas que a cúpula do PT adotou com risível amadorismo. Com a exposição da corrupção, as gangues partidárias preferenciais da direita, que tradicionalmente monopolizavam o butim da corrupção, esperavam poder inviabilizar Lula para as eleições de 2006. Queriam se livrar da concorrência da camarilha sindical petista, a qual sempre foi vista como um estranho no ninho.

Essa estratégia comportava uma série de variáveis imprevisíveis, que estão se desdobrando nesse momento. De um lado, a burguesia foi bem-sucedida ao desmoralizar o PT. Com isso, não foi apenas o projeto eleitoral da camarilha de Dirceu e Cia. que saiu avariado. A própria idéia original do partido, a idéia da mobilização popular como alternativa de mudança, sofreu um duro golpe. Muitos passaram a pensar que “a esquerda também não presta”, “a esquerda também se corrompe”, etc. O maior crime de Lula e do PT está na desmoralização da esquerda inteira.

            Por outro lado, o próprio regime em si também acusou o golpe, pois aumentou a percepção de que as eleições não mudam nada e não servem para nada. Não se pode subestimar que Lula foi, para uma boa parte da população, durante duas décadas, o último cartucho, a “última esperança” de um “salvador da pátria”. Se nem mesmo Lula e o PT agiram diferentemente dos demais, o que fazer?

            Vem daí, do desencanto dos que apostavam no PT como alternativa de mudança, boa parte do voto nulo “decepcionado”.

            A grande questão é que, decepções à parte, ao contrário do que a velha direita putrefata e seus lacaios na mídia planejavam, a campanha de denúncias não foi suficiente para fazer a massa do eleitorado rejeitar Lula. A campanha de Alckmin, vulgo “picolé de chuchu”, o candidato menos carismático que se poderia inventar, claramente não decolou. Ninguém vê no PSDB, PFL e adjacências os porta-vozes autorizados da ética.

            Logo, as eleições de 2006 estão especialmente apáticas, devido à percepção generalizada de que não há alternativas reais em disputa. A eleição se transformou num ritual burocrático que não vai interferir com a realidade material. Todos têm pressa de que acabe logo, para se verem livres do horário político na televisão.

            Mas é preciso explicar ainda porque a campanha de denúncias não foi suficiente para fazer a massa rejeitar Lula. O enfrentamento que a burguesia travou com Lula em 2005 foi prematuro. De fato provocou a ruptura de um setor mais esclarecido da população com o PT, revoltados com a corrupção. Mas o fator numérico decisivo nessas eleições será o apoio de Lula entre os mais pobres. Uma revista semanal antes respeitável (Carta Capital nº. 406) estampou uma triunfante capa com a imagem de “Lula pai dos pobres”. E convenientemente esqueceu de acrescentar: “mãe dos ricos”. Bastaria perguntar aos banqueiros e especuladores que ganharam fortunas obscenas com Lula para saber para quem ele governa.

            Por que os mais pobres votam maciçamente em Lula? Por um lado, trata-se do efeito material dos diversos tipos de bolsa-esmola distribuídos nas regiões mais pobres, no pior estilo demagógico dos velhos coronéis e caciques. Antes que digam que alguém que é contra os programas assistenciais certamente não passa de “um pequeno-burguês que faz suas três refeições por dia e não sabe o que é a fome”, é preciso lembrar que, se Lula estivesse realmente interessado em governar para os pobres, o grosso do gasto público não estaria sendo desviado para os especuladores da dívida. E os pobres estariam sendo estimulados e organizados para arrancar com suas próprias mãos, em massa, a terra, a moradia, o emprego e tudo de que necessitam. Pelo contrário, estão contentes com suas esmolas, como quer a burguesia.

A luta de classes não se faz colocando o candidato dos pobres contra os dos ricos, se faz com o conteúdo programático peculiar ao caráter ontológico de cada classe. O programa da burguesia é o capitalismo e suas crises. O programa da classe trabalhadora é o socialismo. Fora disso, não há alternativas reais. Administrar o capitalismo, “democratizá-lo” ou “humanizá-lo” resulta no desastre que foi o governo Lula, a continuidade agravada da era neoliberal de FHC.

Mas mesmo fora dos setores diretamente beneficiados pelos bolsa-esmola, o apoio popular a Lula é maciço. O povo reconhece que houve corrupção, mas não reconhece à direita a prerrogativa de acusar Lula por isso. Trata-se de uma versão brasileira do “esse governo é uma m@#$%, mas é o meu governo”, que os trabalhadores chilenos diziam de Allende. O povo se conforma e se resigna com a idéia de que “todos roubam”, e de que, se é para roubar, que seja “um dos nossos”.

Portanto, salvo algum acidente de percurso muito sério e também muito improvável, Lula estará reeleito no 1º. turno. O que fazer com a indignação dos que não aceitam a corrupção, nem de Lula nem de ninguém, muito menos da turma de Alckmin, e não vêem em HH uma alternativa viável? Essa indignação primária e despolitizada, porque desprovida de conteúdo de classe, resultou na campanha pelo voto nulo dos “decepcionados”. A principal materialização dessa campanha é a corrente que circulou na internet pregando que a eleição estaria anulada se mais de 50% votassem nulo.

            Prontamente, a burguesia tratou de acabar com a festa e mobilizou um de seus esbirros, o Ministro do STF Marco Aurélio de Mello, para dar sua doutoral interpretação de que não existe a possibilidade de cancelar as eleições por meio do voto nulo. Essa interpretação está errada à luz do espírito da lei, como demonstrou o estudo do companheiro bancário e advogado Márcio Cardoso. Mas o aspecto mais importante a ser lembrado aos defensores do voto nulo “indignado” é que não é o voto em si, ou seja, a atitude de ir até as urnas e apertar um botão qualquer, e sim a atitude de ir para as ruas, que pode fazer alguma diferença.

Se as eleições fosse mudar alguma coisa, a burguesia não colocaria uma urna em cada esquina (se é que alguém acredita que o resultado que sai das urnas eletrônicas, a cujo programa ninguém tem acesso, realmente reflete o conteúdo das votações, que é impossível de ser verificado). Mesmo que fosse através de um voto nulo maciço, seria fácil demais para ser verdade.

O propósito da campanha do voto nulo programático não é cancelar a eleição com uma batelada de 50% de votos nulos (infelizmente, tal hipótese, assim como o 2º. turno, é muito improvável); ainda que seja divertidíssimo imaginar o que a burguesia faria para lidar com esse imbróglio jurídico. A questão é que a burguesia sairia do imbróglio, pois os fundamentos estruturais de seu poder material não teriam sido abalados. O propósito do voto nulo programático é organizar as forças de oposição para destruir materialmente o poder da burguesia de uma forma que jamais possa ser recuperado. Nesse sentido, o resultado da votação em si é secundário.

É por isso que todo voto é nulo, inclusive o voto nulo. A atual eleição é nula, porque é politicamente morta como alternativa real de mudança. Todo voto é nulo, seja aquele entregue a algum candidato, seja o voto em um número que não existe.

Mas os defensores da ordem não se limitam a tentar barrar preventivamente a avalanche de votos nulos indignados naturalmente esperada. Tentam ainda convencer o eleitor de que o seu voto é o responsável pela realidade do país. Inventam uma série de slogans para estimular a participação, fazendo do voto o limite máximo da cidadania, quando na verdade, trata-se de um ato de renúncia à política. Dizem que “o Brasil é tão bom quanto seu voto”, exortam o eleitor a ser “responsável” e ainda por cima passam sermão no povo, dizendo que a culpa da eleição de políticos corruptos é do eleitor.

            Como se a farsa da democracia representativa funcionasse. Como se existisse algum canal pelo qual os eleitores pudessem realmente controlar seus representantes. Como se a causa de termos um Congresso de mensaleiros e sanguessugas fosse da amnésia do eleitor, que não se lembra em quem votou. Como se o povo não fosse, no intervalo das eleições, alienado por telenovelas, futebol, programas de auditório e telejornais imbecilizantes que o impedem de pensar sobre sua realidade. Na realidade, o voto do eleitor brasileiro não conta para nada. A opinião de Wall Street sobre qual candidato é “confiável” é o que decide. De nada adianta dizer “vota Brasil!” se o mercado vota todos os dias.

Essa pérfida campanha quer que o eleitor se recolha num ato de contrição, arrependa-se do pecado de sua despolitização e volte a sonhar com um novo salvador da pátria. Quer trazer o povo de volta ao redil das ilusões na “democracia”. É por isso que o voto nulo incomoda tanto a essas vestais da ordem. Por que mostra que, na realidade, o Brasil não vota.

Na realidade, não há voto útil. Só a luta muda

a

vida! Lutar é preciso, votar não é preciso! Nossos sonhos não cabem nas urnas!