Por um movimento negro anticapitalista, independente dos partidos e antigovernista
3 de janeiro de 2009
O Brasil tem uma dívida histórica com os descendentes de africanos escravizados e que ainda não foi saldada. De uma hora para outra seis milhões de seres humanos, seqüestrados de sua terra de forma cruel e selvagem, passaram de mercadoria valiosa à terrível fardo. Foram jogados na rua da amargura por uma lei que pôs fim à escravidão legal, mas, não indenizou as vítimas da escravidão, e negou a esse povo o direito ao trabalho remunerado, à terra e à inclusão social. Desde que o primeiro africano escravizado aqui pisou, deu-se início a um processo de luta por sua liberdade, através dos quilombos, do suicídio coletivo e do aborto. Essa luta se estende até os dias de hoje, mesmo que tenha mudado de forma. Zumbi, grande líder revolucionário, não questionou apenas a escravidão, mas também o sistema de governo e da produção social da vida, pois a forma de convívio no quilombo era muito diferente da vida na colônia.
Hoje as ONG’s, mantidas e reguladas pelo governo, servem para levar a política oficial para dentro do movimento negro, pulverizando e interferindo no mesmo. Dando verbas e subvenções para projetos isolados, transformam o movimento em dois blocos: os antigovernistas e os governistas. Dentro destes ainda temos os de direita e os que pertencem à esquerda reformista que se mostram incapazes de solucionar os problemas da população, e com nenhum interesse em resolver os problemas dos negros, defendendo a causa negra em seus discursos nos dias de festa apenas com o objetivo de manter a divisão do movimento. Esta pulverização foi estrategicamente planejada para facilitar a ação da classe dominante e do governo que a representa, seja de direita ou da esquerda reformista. Ao conceder algumas migalhas às nossas organizações, governo e empresários encontram defensores para reforçar o mito da democracia racial. Afirmam que o governo não pode resolver em oito anos o que não foi resolvido em quinhentos, e que a Ford não é racista porque a Fundação Ford dá verbas para projetos de combate ao racismo. Entretanto, nesse governo há grandes dificuldades na titularização das terras de quilombo, não se avança nas cotas proporcionais no mercado de trabalho, avança-se pouco nas cotas universitárias, e ainda diz “o principal empecilho para o desenvolvimento do país são os ambientalistas e os quilombolas”.
Estamos num momento difícil para o conjunto da classe explorada, pois está sob novo ataque do governo petista de Lula, através do PAC, com o aval da direita e das centrais sindicais. Lula vai investir parte considerável do FGTS em obras que beneficiarão apenas a classe exploradora, sem garantia aos trabalhadores. A burguesia será beneficiada com portos, aeroportos e estradas para exportar a produção, sem obrigações de contrapartida financeira ou de criação de empregos por parte da burguesia. Não está previsto no PAC a construção de escolas, universidades, hospitais, verbas para a reforma agrária ou para ações afirmativas.
Zumbi, questionando escravidão, sistema de governo e produção social da vida, nos deu um exemplo a ser seguido. Isso mostra que o movimento negro deve abster-se de acordos com as elites e o governo que as representa, pois utilizaram o escravismo para impulsionar o capitalismo. Sendo assim, é o capitalismo e toda sua base de sustentação nosso principal inimigo. Se não formos capazes de compreender isso, não seremos capazes de derrotar nosso principal inimigo.
É neste contexto que diversas organizações negras a nível nacional estão instalando o Congresso Nacional de Negros e Negras, com objetivo de construir um Projeto Político de nação do Povo Negro para o Brasil, a ser instalado em Belo Horizonte, MG, e que terá a duração de um ano. Esse Congresso será vitorioso e dará um grande salto de qualidade se for capaz de lançar as bases necessárias para a construção de uma Organização Política Revolucionária, centralizada pela base em organismos de discussão, e que seja independente do governo e dos patrões, tendo como objetivo central a destruição do sistema capitalista. Sabemos que não será uma tarefa fácil, mas não existe um meio termo. Isso não se constrói da noite para o dia, como a liberdade não veio sem uma luta sem tréguas.
Devemos construir a unidade em torno de um programa que prepare a militância negra para o combate, através da formação e ação revolucionárias. Sendo assim, o Congresso terá, se respeitada a democracia, legitimidade para coordenar campanhas nacionais que possam mobilizar nosso povo. Além das campanhas “Reaja ou será Morto, Reaja ou será Morta” e “não gaste seu dinheiro em lojas que não contratam negros”, podemos propor a “Lei de Responsabilidade Racial”, em contraposição à lei de responsabilidade fiscal cujo principal objetivo era barrar investimentos sociais nas áreas pobres para garantir o lucro dos empresários com o pagamento da dívida pública. Essa nossa lei colocará atrás das grades o governante que não cumprir a lei de proporcionalidade. Em troca da adesão da parte branca da classe explorada, seria lançado junto o movimento por uma “Lei de Responsabilidade Social”, para prender e tornar inelegível o governante que priorizar o pagamento da dívida às custas do desemprego, da fome e da miséria de nosso povo, preto ou branco.
Se investirmos nosso precioso tempo num congresso para construir um projeto político que priorize acordos a portas fechadas em detrimento da luta organizada de nosso povo, perderemos tempo e desperdiçaremos uma oportunidade ímpar que talvez não tenhamos tão cedo, visto que o último Congresso Nacional de Negros se deu há mais de 50 anos.
CHAMADO ÀS ORGANIZAÇÕES REVOLUCIONÁRIAS
Diversas organizações revolucionárias se colocam solidárias a luta negra, e está dada a oportunidade de mostrar essa solidariedade. O movimento negro não dispõe de recursos para produzir todos os materiais necessários para a convocação do Congresso. Para construirmos a independência que necessitamos, precisamos de recursos próprios que ainda não temos. Por isso, é interessante que as organizações solidárias nos ajudem a construir um congresso que garanta a participação do povo “pé de barro” no congresso. Sua doação necessariamente não precisa ser em dinheiro, que é muito bem vindo. Mas, na confecção de materiais, principalmente das teses para discussão. Acreditamos que para muitos de nossos irmãos negros a maior parte do conteúdo das teses será novidade. Além disso, as organizações poderão disponibilizar espaço físico para a realização das plenárias e também realizar a discussão em suas respectivas bases, seja sindicato, movimento social ou coletivos de discussões.