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Balanço e perspectivas para os bancários


3 de janeiro de 2009

Daniel M. Delfino

Márcio Cardoso

Os bancos são hoje os verdadeiros donos da economia brasileira

Através da compra de títulos públicos, os bancos tornam-se credores do Estado. Ao mesmo tempo, seus representantes no governo (Banco Central “autônomo”) têm o controle da taxa de juros oficial da economia, que faz com que a dívida do governo se multiplique astronomicamente, e com ela os lucros dos banqueiros. Além de explorar a dívida pública, os bancos exploram também as demais empresas capitalistas, os consumidores e seus próprios trabalhadores. O setor bancário vem tendo lucros crescentes a cada ano e em especial desde a posse de Lula. As matérias da imprensa burguesa demonstram copiosamente o quanto o atual governo tem sido lucrativo para os bancos: “No período (1996-2006), em apenas três anos o retorno sobre o patrimônio líquido do setor bancário como um todo ultrapassou 20%: 2002, 2005 e 2006” (Ney Hayashi da Cruz, Folha de São Paulo, 12 de março de 2007).

A mesma matéria diz que, de 1996 para cá, a receita obtida com tarifas saltou de R$ 12,1 para R$ 47,5 bilhões (alta de 293%). Essa receita que antes cobria apenas 48% da folha de pagamento dos funcionários passou a cobrir 123%, ou seja, somente com as tarifas os bancos pagam todos os funcionários e ainda tem um lucro de 23%. O faturamento alcançado com juros de empréstimos chegou a R$ 152,3 bilhões em 2006, 137% a mais do que em 1996. No caso das aplicações em títulos, as receitas somaram R$ 87,8 bilhões, aumento de 119%.

Esses números excepcionais dos bancos brasileiros configuram um resultado único no setor bancário mundial, quiçá na história do capitalismo mundial. Essa excepcionalidade da economia brasileira é uma das explicações para a violenta concentração de renda e a bárbara miséria em que vive a maioria da população. Justamente por isso, na construção de uma economia socialista, a estatização dos bancos é uma das tarefas mais fundamentais, como forma de assegurar o controle social sobre os recursos econômicos.

A luta dos bancários

Naturalmente, os seguidores de Lula no movimento sindical da categoria bancária estão a anos-luz de lançar uma tal reivindicação. Ao contrário, a Articulação, corrente do PT que dirige os mais importantes sindicatos da categoria bancária e os principais sindicatos do país, lançou este ano a proposta de remuneração variável. A proposta reivindicava uma porcentagem sobre as tarifas e venda de produtos bancários, o que tornaria os trabalhadores escravos de metas abusivas de vendas, legitimando o assédio moral das chefias sobre os funcionários e a extorsão dos clientes por meio de práticas como a venda casada. Além disso, a Articulação mostrou-se favorável à proposta da patronal de acordos válidos por dois anos, o que a deixa de mãos livres para colocar os sindicatos a serviço do PT nos anos eleitorais.

Felizmente, essas duas propostas foram barradas com mais uma greve nacional dos bancários em 2007 a exemplo do que já ocorrera nas últimas quatro campanhas salariais desde a posse de Lula. No entanto, essa foi a greve mais fraca desde a retomada do ciclo de lutas da categoria, o que exige uma reflexão mais aprofundada.

Ao longo das últimas campanhas o Movimento Nacional de Oposição Bancária (MNOB) defendeu a estratégia de assembléias específicas como forma de alavancar a disposição de luta dos funcionários de bancos públicos, que constituem o grosso da vanguarda de ativistas e grevistas que mantiveram vivo o movimento nos últimos anos. Através de assembléias específicas na fase de preparação da campanha, haveria espaços democráticos para que as verdadeiras reivindicações viessem à tona e para que um comando democrático de campanha controlado pelos trabalhadores bancários fosse formado. Com isso seria possível construir uma luta que obtivesse conquistas parciais que serviriam de parâmetro para os demais segmentos. Concretamente, se algum dos bancos públicos obtivesse um plano de reposição de perdas ou de isonomia entre funcionários novos e antigos, essa conquista serviria de base para a reivindicação dos colegas de outros bancos.

A campanha salarial de 2007

O MNOB trabalhou nos últimos anos com a consigna de “campanha unificada em mesas separadas”. Em 2007, a Articulação atendeu essa reivindicação, mas do avesso, transformando-a no seu contrário: “mesa unificada para campanhas separadas”. Neste ano realizaram-se assembléias específicas, mas não na fase de preparação da campanha e sim somente depois que o formato da campanha já estava burocraticamente decidido no comando cutista hegemonizado pela Articulação. Mais uma vez, a campanha esteve amarrada com a reedição da fatídica mesa única da FENABAN. Assim, vendo-se mais uma vez diante da impossibilidade de lutar por suas reivindicações específicas, os funcionários do BB simplesmente não compareceram às assembléias das principais bases. Em São Paulo, havia cerca de 800 gerentes na assembléia para aceitar a proposta do governo Lula defendida pela Articulação e somente 300 bancários dispostos a rejeitá-la. Desse modo, foi fácil para a Articulação desmontar a greve no BB, nos bancos privados na maior parte dos Estados e enfrentar apenas uma greve da CEF.

Os problemas da oposição

O fechamento da campanha salarial deste ano também fecha um ciclo no movimento. O MNOB, consolidado na rebelião de base na greve histórica de 30 dias em 2004, já não tem a mesma força na categoria. Os trabalhadores vêem o Movimento como um corpo à parte, uma entidade destacada do conjunto da categoria. Os bancários não vêem a si próprios como Oposição, não entendem como tarefa sua o desafio de expurgar do sindicato a Articulação e seus pelegos, burocratas, governistas e agentes da patronal. Diante deste quadro, cabe-nos fazer um balaço profundo sobre a atuação da Oposição. Indicamos a seguir os principais problemas da oposição:

1. Priorizar as eleições sindicais – O MNOB é visto como um corpo à parte do restante da categoria porque na maior parte das vezes se apresenta apenas como uma chapa de oposição para a disputa de eleições sindicais e de entidades representativas. O MNOB só aparece na época das campanhas salariais e das eleições de entidades. No restante do ano, ele não existe. Sua atividade é sempre reativa, jamais pró-ativa. O MNOB somente tenta responder aos fatos, jamais se antecipa a eles. Embora esteja presente em todas as lutas, não é capaz de conduzí-las para a vitória, pois não acumula força política suficiente para inverter a correlação a favor da categoria.

Não se trata aqui de propor a ausência do MNOB nas eleições sindicais, mas de desenvolver um projeto estratégico que faça das campanhas eleitorais um meio e não um fim. A formação de chapas tem que ser um instrumento para fortalecer o movimento na categoria, com vistas às lutas cotidianas dos bancários e aos processos de longo prazo da luta de classes. A prioridade dada para as disputas superestruturais, sem um projeto estratégico claro, impediu que o MNOB desenvolvesse um trabalho estrutural de educação dos trabalhadores bancários e elevação da sua consciência.

2. Ausência de organicidade – A inexistência do MNOB na maior parte do ano se traduz pela ausência de reuniões. A falta de uma periodicidade das reuniões impede que os problemas sejam conhecidos por todos, que o debate se realize, que as propostas sejam refinadas, que as tarefas sejam distribuídas, que exista controle e balanço das atividades. A cada retomada do movimento, o MNOB é obrigado a reinventar a roda, redistribuir tarefas, refazer cadastros, retomar as finanças, que jamais deveriam ter parado de funcionar. Essa ausência de organicidade se reflete na diminuição do número de militantes. Não se acumula um saldo organizativo para os próximos embates.

3. Falta de um projeto estratégico – O projeto estratégico do MNOB deve ir além das campanhas salariais e das campanhas eleitorais dos sindicatos. Precisa ter como horizonte preparar a categoria para os enfrentamentos mais globais da luta de classes. Precisa desenvolver na categoria uma consciência capaz de nos situar no conjunto da classe trabalhadora, como participantes de um processo de lutas mais amplo, que se enfrenta não apenas com a Articulação no controle dos sindicatos, mas com o governo e a burguesia no controle da economia. É preciso fornecer aos trabalhadores um horizonte mais amplo, uma alternativa de sociedade que permita vislumbrar saídas concretas, socialistas, para a crise do Brasil e da humanidade.

Propostas para o próximo período

Conforme os problemas apontados acima, propomos as seguintes medidas para superar a crise organizativa do MNOB e sua conseqüente debilidade política:

1. Estruturação profissional do MNOB – É preciso retomar um calendário de reuniões periódicas (no mínimo, quinzenais) para debater estrategicamente os rumos da categoria e uma divisão de tarefas, como a organização das finanças, a redação de materiais e sua diagramação, distribuição dos boletins por circunscrição de influência dos militantes, etc.

2. Priorizar a disputa político-ideológica dos bancários e da população – Os boletins do MNOB precisam ir além de questões corporativas e incorporar os interesses de todos os trabalhadores. A luta dos bancários é uma luta contra a política dos bancos de agiotagem contra o conjunto da sociedade e de extorsão dos trabalhadores em particular (tarifas astronômicas, juros escorchantes, venda-casada, filas e péssimo atendimento nas agências). A classe trabalhadora precisa ver o trabalhador bancário como seu aliado e não como inimigo. E entre os trabalhadores bancários, é preciso contar os funcionários de bancos privados e também os terceirizados. Cabe ao MNOB desenvolver esse debate mais profundo: qual o papel dos bancos no capitalismo brasileiro? E numa transição ao socialismo?

3. Uma política definida para os bancários da rede privada – Os funcionários de bancos privados são a imensa maioria da categoria, mas não estão praticamente representados no MNOB. É preciso incorporar as bandeiras históricas deste setor fragilizado da categoria nos boletins da Oposição e desenvolver formas de atuação que viabilizem sua militância, tendo em vista a ameaça de demissão iminente dos ativistas.

Esperamos com essas propostas contribuir para superar a paralisia do MNOB, para retomar a sua estruturação e sua capacidade de iniciativa política, para enraizar o movimento na categoria e preparar os trabalhadores para os duros embates que se aproximam.