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Sideways


13 de dezembro de 2008

SIDEWAYS

Nome original: Sideways

            Produção: Estados Unidos

            Ano: 2004

            Idiomas: Inglês, Armênio

            Diretor: Alexander Payne

            Roteiro: Rex Pickett, Alexander Payne

            Elenco: Paul Giamatti, Thomas Haden Church, Virgina Madsen, Sandra Oh, Marylouise Burk, Jessica Hecht

Gênero: aventura, comédia, drama, romance

Fonte: “The Internet Movie Database” – http://www.imdb.com/ 

            Quando um escritor não encontra um tema sobre o qual escrever, ele escreve sobre a dificuldade de escrever. O escritor elabora então um personagem, invariavelmente um escritor, que está às voltas com os desafios da atividade literária, e esse personagem se torna o porta-voz das dificuldades do autor. Esse truque só pode ser usado uma vez por cada autor, do contrário se torna abusivo, e nem sempre dá certo. Mas às vezes isso acontece, pois o escritor em questão pode ser realmente talentoso e se utilizar do truque apenas para vencer o primeiro e maior obstáculo de todos, a horrenda página em branco. Depois de dado esse passo, as coisas podem fluir com mais naturalidade.

Pode então surgir um livro realmente bom com esse tema, esse livro pode até ser publicado com sucesso, os direitos podem até ser vendidos para um estúdio de Hollywood e um filme pode até ser produzido a partir de tal livro. O resultado dessa desconcertante série de possibilidades incertas é o filme “Sideways”.

            No caso de “Sideways”, o escritor em questão, o atrapalhado Miles (Paul Giamatti) conseguiu escrever seu livro. Aliás, escreveu demais. Criou um romance de mais de 700 páginas. A sua dificuldade passa a ser publicar o livro. Ao longo do filme, testemunhamos a ansiedade de Miles, à espera de uma resposta da parte de editoras possivelmente interessadas. O obstáculo que embaraça a concretização dessa possibilidade é a falta de um expediente adequado para “marketear” o livro. As editoras podem até reconhecer que o livro é bom, mas admitem que não é de qualidade que se trata. Trata-se de encontrar a estratégia ideal para colocar o produto no mercado. Se o produto é mercadologicamente difícil, as editoras desistem dele sem sequer tentar.

            Os produtores de “Sideways” encontraram, porém, uma abordagem que lhes permitiu marketear seu filme. Ele foi embalado como um “road movie” etílico, o que é caracteristicamente sublinhado pelo horrendo subtítulo em português “entre umas e outras”, que remete a farras e bebedeiras. Trata-se sim de farras e bebedeiras, não há problema nenhum nisso, mas não de maneira tão banal e superficial quanto o subtítulo sugere. O mergulho nas propriedades “humanizadoras” das bebidas alcoólicas não é assim tão raso.

O filme trata basicamente da viagem de dois amigos pela região vinícola da Califórnia. Um deles é o escritor Miles, apreciador de vinhos; o outro é seu amigo, o ator de telenovelas e comerciais Derek, em uma “tour” de despedida de solteiro. Temos então o feito notável de um filme sobre dois quarentões, sem figuras jovens e atraentes no elenco, sem efeitos especiais, sem tiroteios, sem perseguições automobilísticas (ou quase…), sem apelo ao sobrenatural; que consegue ainda assim deixar as linhas de montagem hollywoodianas e chegar ao circuito comercial mais amplo.

            Um tipo de filme raro, com qualidades ocultas, perspectivas diversificadas, que exige algum tempo de maturação para ser apreciado e alguma sensibilidade para os seus atributos mais refinados. Exatamente como uma garrafa de vinho. Pode-se discernir então uma sutil metáfora metalingüística, relacionando um bom e raro vinho a um filme de igual valor. Ou na verdade, uma metáfora nem tão sutil assim, já que até mesmo este escriba, que nem sequer bebe vinho, foi capaz de percebê-la.

            A viagem de Miles e Derek não é (felizmente) um exercício pesado de elucubrações intelectuais sobre o vinho (que inclusive são até satirizadas). Na verdade a intenção de Derek é de fato cair na gandaia, já que a viagem é o pretexto para uma despedida de solteiro. E ele concretiza sua intenção, a despeito da resistência de Miles, com sua dificuldade para se relacionar com outras mulheres depois do divórcio. Dificuldade essa intensificada pela recusa dos editores em publicar seu romance, o que faz com que ele não seja propriamente um escritor de verdade e sim um reles professor de inglês de 8a. série, o que não ajuda muito na hora de passar cantadas. É preciso lembrar que os Estados Unidos são uma cultura obcecada por sucesso aparente e verdades simples, o que complica as coisas para os “perdedores” que precisam de alguma maneira fingir algum tipo de sucesso para sequer ter uma chance.

            Temos então o contraste entre a personalidade complexa e retraída de Miles e a transparência (e vacuidade) instintiva de Derek. Desse contraste emergem tanto as cenas de humor rasgado (como as da última aventura sexual de Derek) como as de sensibilidade e inteligência. Incidentes bizarros entremeiam e temperam as pílulas de um estudo sobre relacionamentos. Ou melhor, sobre a maneira como as pessoas encaram seus objetivos na vida em relação a carreira, amizade, amor, etc.. Não é nada extraordinário, mas também não é pouca coisa.

            E quando um crítico não sabe muito bem como abordar um filme, o que é o caso deste escriba, uma vez que tal filme não diz muita coisa sobre temas que são sua especialidade e obsessão, como as sórdidas estratégias de dominação global do capital, ou os trágicos aspectos da barbárie moral e cultural contemporânea, ou ainda os descaminhos do governo Lulla; não resta outra escolha a não ser escrever sobre a dificuldade de escrever. Não se pode usar esse truque com freqüência, mas às vezes dá certo…

Daniel M. Delfino

25/02/2005