Jornal 28: Novembro/Dezembro de 2008
13 de dezembro de 2008
Leia as matérias online:
- A crise econômica atual
- Por um programa socialista para enfrentar a crise no Brasil
- As eleições estadunidenses
- A crise econômica mundial e os negros
- Crise econômica, crise ambiental: crise da humanidade!
- O homem e a natureza no século XXI – a Vila de Paranapiacaba
- A quem interessa uma educação pública de qualidade? E o que está por trás da avaliação dos professores?
- Homossexualidade
- Ensaio Sobre a Cegueira
A CRISE ECONÔMICA ATUAL
A lógica do capital e as crises
O mês de outubro de 2008 finalmente trouxe à tona aquilo que vinha se gestando há tempos na economia mundial, ou seja, a eclosão de mais uma crise periódica do capitalismo. As crises econômicas são parte essencial do mecanismo do sistema capitalista. Não são um evento extraordinário, acidental, inesperado, que poderia ser evitado caso se adotasse habilidosamente algum tipo de medida preventiva. A imprensa burguesa e seus batalhões de jornalistas, analistas, economistas e intelectuais regiamente pagos tentam apresentar a versão de que se trata de um fenômeno “anormal”, imprevisto, desencadeado aleatoriamente, como uma tempestade enviada por um capricho dos deuses. Impossibilitada de explicar o mecanismo básico da economia capitalista, a ideologia burguesa está também impedida de compreender suas crises.
A explicação real das crises econômicas capitalistas está na economia política dos trabalhadores, ou seja, na ciência da história fundada por Karl Marx no século XIX. A origem das crises econômicas está na irracionalidade fundamental do sistema capitalista. O capitalismo é um sistema que se caracteriza pela anarquia da produção. A alocação dos recursos, ou seja, a decisão sobre os bens que precisam ser produzidos e em que quantidade, não é planejada antecipadamente de maneira racional a partir das necessidades da população e dos recursos e tecnologias disponíveis. Ao contrário, as decisões sobre a produção são tomadas pelos proprietários dos meios de produção, que atuam como personificações do capital.
As diversas frações do capital (empresas) buscam seu lucro individualmente, produzindo de forma caótica, sem coordenação. Apenas “a posteriori”, quando os produtos já estão no mercado, é que se descobre se a produção efetivada correspondia a uma capacidade de poder de compra realmente disponível ou não. As empresas produzem primeiro e somente depois saberão se poderão vender. Lançam os produtos no mercado na expectativa de obter um retorno maior do que aquilo que investiram na produção. Somente assim podem realizar a mais-valia (trabalho não pago) incorporada às mercadorias no momento da produção.
A lógica da concorrência leva ao aumento da produção e também ao desemprego. A conjugação simultânea desses fenômenos faz com que haja em determinado momento uma quantidade maior de produtos disponíveis e uma quantidade menor de consumidores aptos a adquirí-los. Gera-se portanto uma crise de superprodução de mercadorias. Quando se fala em “superprodução”, o excesso não se refere às necessidades humanas, mas à quantidade de seres humanos que possuem a condição de consumidores, pois é apenas a estes que a produção capitalista se dirige. Do ponto de vista dos capitalistas, a crise aparece como um fenômeno de “subconsumo”. Na sua ótica, falta aos consumidores a “propensão a consumir” que poderia resolver o problema da demanda e manter a roda da expansão da produção em movimento.
O mecanismo do crédito e as crises periódicas
Uma das formas de contornar os limites para a capacidade de compra dos consumidores e das empresas é o crédito. Os bancos e o conjunto do sistema financeiro dão flexibilidade ao capitalismo, permitindo que os tomadores de empréstimo comprem agora aquilo que somente poderão pagar depois, conforme entrarem de posse de sua renda futura. Os bancos cobram por esse serviço uma remuneração, uma parte da mais-valia social, que são os juros. Entretanto, por suas próprias características, o sistema de crédito é instável, pois pode haver empréstimos que não serão pagos, porque a renda dos tomadores não será gerada (porque há empresas que não vão vender o que produziram, assim como trabalhadores que vão ficar desempregados).
Justamente por isso, as primeiras manifestações das crises estão no mercado de capitais, nos bancos e bolsas de valores, que adiantaram capitais ao sistema produtivo sem lastro em riqueza real a ser gerada. Isso faz com que a crise apareça de maneira invertida, como uma crise acionária, bancária e de crédito, que bloqueia o financiamento à produção material e acarreta ulteriormente a recessão no conjunto da economia. A produção material e as finanças estão entrelaçadas, de tal forma que a crise em um setor afeta o outro, mas o papel originário é sempre da produção material, enquanto que as finanças são um instrumento acessório, uma alavanca para o crescimento, que no momento da crise acaba aparecendo como freio para a atividade econômica.
De um movimento inicial de aumento da produção e de lucros extraordinários para as empresas tecnologicamente mais inovadoras, passa-se no momento seguinte para uma situação de queda do consumo, desemprego, fechamento de empresas, etc., num círculo vicioso que se auto-alimenta e produz a crise. A crise é o momento em que se dá o ajuste entre as expectativas iniciais dos capitalistas individuais que deram a partida no ciclo de alta da produção e a capacidade real de consumo disponível na linha de chegada. Na falta de uma coordenação racional prévia da produção, acontece a superprodução de mercadorias e um ajustamento posterior na forma da crise.
As crises periódicas e a história do capitalismo
Esse movimento de ascensão e queda constitui o mecanismo básico da economia capitalista, desde sua origem na Revolução Industrial até os dias de hoje. As crises periódicas são um fenômeno ineliminável e só podem desaparecer com a desaparição do próprio capitalismo. A história do capitalismo se compõe de ciclos periódicos, de duração relativamente curta, em que se sucedem as fases de aceleração, desaceleração, crise (chamada de depressão, quando muito grave, ou de recessão, quando menos grave), recuperação e novamente aceleração. Os ciclos periódicos historicamente apresentam uma duração que tem oscilado entre 6 e 10 anos, contados a partir de uma aceleração inicial até a próxima retomada da aceleração, depois da crise.
A maior das crises periódicas da história do capitalismo se iniciou em 1929, quando aconteceu a quebra da bolsa de valores de Nova York, tendo sido seguida pela chamada Grande Depressão do início da década de 1930, uma gravíssima crise mundial que teve entre seus efeitos diretos a ascensão do nazismo na Alemanha (1933). Apenas nos Estados Unidos, epicentro daquela crise, 4.000 bancos fecharam e 25% dos trabalhadores ficaram desempregados. A solução para a crise somente veio com a 2ª Guerra Mundial (1939-45), quando as encomendas do Estado ao complexo industrial-militar para abastecer os aliados reaqueceram a economia.
No pós-2ª Guerra, além dos mecanismos de crédito, desenvolveram-se várias válvulas de escape que permitiram ao capitalismo deslocar suas contradições internas (a anarquia da produção) e afastar temporariamente as crises mais virulentas: a intervenção do Estado, que consome improdutivamente a capacidade do trabalho social, na forma, por exemplo, do consumo de armamentos (guerras mundiais, guerra fria, corrida espacial, guerra ao tráfico, guerra ao terror, etc.); aumentos limitados do poder de compra dos trabalhadores (em alguns países e em algumas épocas) por políticas de bem-estar social; criação de novas necessidades artificiais; redução do tempo de vida útil dos produtos (obsolescência programada); criação de novas indústrias, novos ramos econômicos, colonização de novos territórios, mercantilização de outras esferas da atividade humana (artes, esportes, religião, sexo, etc.), etc.; etc.
A partir do início da década de 1970 desencadeou-se outro fenômeno, a crise estrutural do capital. Num quadro histórico geral que se caracteriza por uma sucessão de pequenas curvas ascendentes e descendentes (os ciclos periódicos), produziu-se uma grande curva que aponta para uma tendência geral de queda. A tendência geral resultante do jogo entre as forças contraditórias de ascensão e de queda passou a apontar para o predomínio da queda. O problema fundamental, que escapa à teoria e à prática das personificações do capital, é que o sistema se aproxima dos seus limites internos absolutos. As válvulas que lhe permitiam deslocar as contradições estão definitivamente bloqueadas por obstáculos irremovíveis, dentre os quais podemos citar: o desemprego tecnológico estrutural de massa, a crise ambiental, o agravamento da rivalidade entre os Estados capitalistas (sem a possibilidade de novas guerras mundiais para lhe dar solução).
As crises econômicas e a luta de classes
As crises econômicas não se desenrolam num vácuo histórico-social. As classes sociais em luta não são prisioneiras inermes dos mecanismos cegos da economia. As respostas políticas das classe sociais em luta determinam o cenário concreto em que se movem os fatores econômicos. Cada crise periódica possui características próprias, que são derivadas das soluções políticas adotadas na crise anterior. As medidas lançadas para administrar a crise pelas personificações do capital, que na condição de classe dominante, controlam o Estado burguês, serão as causas da crise seguinte. O capitalismo está permanentemente fugindo da própria sombra, empurrando o problema para frente, já que não pode resolvê-lo sem se dissolver enquanto modo de produção. Ou seja, o sistema está sempre preparando crises cada vez mais catastróficas para o futuro.
A atual crise cíclica se desenrola num cenário histórico determinado pela crise estrutural do capital, pela hegemonia do neoliberalismo, pela queda da URSS e a conseqüente ausência da alternativa socialista. As personificações do capital acreditaram no discurso do “fim da história” e da vitória definitiva do capitalismo e dissolveram todas as restrições ao movimento dos capitais especulativos. Teve início uma superprodução desenfreada de capital fictício (Marx), ou seja, de ativos financeiros sem correspondência em nenhuma riqueza real. Os capitalistas tentaram materializar a utopia de produzir dinheiro a partir do dinheiro: “O estoque financeiro mundial – o total de depósitos bancários, títulos de dívida privada, dívidas governamentais e participações acionárias passou de US$ 10 trilhões em 1980 (…) para US$ 167 trilhões em 2006, quase quatro vezes o PIB mundial” (Braudel Papers, nº43/2008).
Ao mesmo, desencadeou-se uma brutal ofensiva política e ideológica contra a classe trabalhadora mundial. Sob o pretexto de “fim do socialismo”, foi retirado do horizonte histórico o projeto de uma alternativa societária global ao capitalismo, privando os trabalhadores de um projeto político próprio e forçando-os a encontrar alternativas individuais de acomodação e sobrevivência nos marcos da sociedade existente. Desarticularam-se os mecanismos coletivos de luta e resistência contra a dominação capitalista. Os partidos políticos e sindicatos converteram-se em órgãos auxiliares da gestão neoliberal do sistema, sem qualquer pretensão de reformá-lo e muito menos de revolucionar a sociedade.
Entrementes, a globalização prosseguiu sem controle pela década de 1990 adentro, forçando os países periféricos a abrirem seus mercados, criando um mercado mundial de força de trabalho, deslocando a produção industrial para os países de mão-de-obra mais barata (a maioria dos quais está na Ásia), incorporando maciçamente as novas tecnologias (automação, informática, telecomunicações, internet, biotecnologia), reduzindo a força de trabalho no setor industrial e precarizando o trabalho de modo geral. A conseqüente elevação da composição orgânica do capital (proporção do capital fixo em relação ao capital variável, aquele que gera mais-valia) não deixou outra saída aos capitalistas senão a ampliação da especulação, por meio das facilidades para o deslocamento dos capitais e a da criação de instrumentos financeiros mais “ágeis” (ou seja, descolados da realidade) como os chamados “derivativos”.
A crise atual
O final do ciclo especulativo da década de 1990 se deu com o estouro da bolha das ações de empresas de tecnologia (NASDAQ), em 2000, quando se descobriu que tais empresas jamais produziriam uma quantidade de riqueza real capaz de recompensar o valor pelo qual suas ações eram negociadas. A solução adotada pelo governo estadunidense para contornar a recessão se deu em dois níveis: no plano geopolítico, a resposta aos atentados de 11/09/2001 propiciou uma violenta ofensiva militar contra os países periféricos, em especial os do Oriente Médio; no plano econômico, foi reduzida a taxa de juros administrada pelo Banco Central estadunidense (FED), criando as condições para um novo ciclo de crescimento, baseado nas facilidades para o crédito.
A queda da taxa de juros faz com que caiam os juros ao consumidor no financiamento de varejo. A queda dos juros nos empréstimos desencadeou uma euforia de empréstimos imobiliários, em que os consumidores tomavam dinheiro das financeiras hipotecando seus imóveis como garantia. Na febre das hipotecas, muitas financeiras começaram a negociar com um segmento do mercado denominado “subprime”, que designa as pessoas com renda insuficiente para quitar as prestações, ou ainda pessoas já muito endividadas, com histórico de calote na praça, etc. Criaram-se também empréstimos em que o valor das prestações somente começa a subir depois de dois anos, entre outras modalidades.
A febre das hipotecas estimulou a indústria da construção civil, já que os imóveis passaram a ser uma aplicação bastante rentável. É evidente que em determinado momento haveria um número de casas construídas maior do que o número de pessoas aptas a pagar o valor das hipotecas (ou seja, uma crise de superprodução de imóveis). Mas até que esse momento tivesse chegado, em meados de 2007, a especulação já tinha ido longe. A criatividade dos estelionatários capitalistas não tem limites. As dívidas hipotecárias eram negociadas no mercado financeiro como “créditos a receber”. Esses títulos de “créditos a receber” originados em hipotecas subprime eram “empacotados” em aplicações no mercado financeiro e vendidos sem que os aplicadores tivessem noção de quão duvidosa era a qualidade de tais créditos. Vendeu-se gato por lebre numa especulação desenfreada. Os grandes bancos rechearam suas carteiras com títulos desse tipo e a globalização fez o resto: o risco financeiro alastrou-se pelo mundo.
Quando um grande número de hipotecas subprime começou a não ser pago, as financeiras que haviam oferecido os empréstimos começaram a quebrar. Por sua vez, os bancos que negociavam os títulos dessas financeiras também começaram quebrar. Quando a quebradeira atingiu gigantes do mercado financeiro estadunidense, como a seguradora AIG, o banco comercial Lehman Brothers e o banco de investimentos Merryl Lynch, o governo estadunidense foi forçado a agir. Nesse momento, a crise já havia atingido os mercados financeiros internacionais, pois muitos bancos europeus também haviam comprado os títulos podres do mercado imobiliário.
A crise econômica atual, ao contrário do que é propagandeado pela imprensa burguesa, não começa nos bancos nem nas bolsas de valores, mas na produção material de imóveis. Os mercados financeiros não geram riquezas, eles apenas realizam riquezas geradas na produção. Quando não há essa riqueza material, os títulos negociados no mercado financeiro reduzem-se a meros papéis sem valor. A crise financeira é apenas a manifestação da ausência de valor desses papéis.
A socialização dos prejuízos e o caráter de classe do Estado
Para tentar acalmar os mercados, o governo estadunidense exigiu do Congresso um pacote de US$ 700 bilhões, o qual seria usado para adquirir os títulos podres do mercado financeiro, dando uma sobrevida às empresas especuladoras que haviam feito a farra. No caso da AIG, o empréstimo de salvamento foi feito tomando-se como garantia o controle acionário da empresa. Ou seja, na prática, a AIG foi estatizada pelo tesouro estadunidense.
As medidas iniciais do governo estadunidense não foram porém suficientes para fazer subir as bolsas. Na segunda semana de outubro, foi feita uma ação conjunta inédita dos dez maiores bancos centrais do mundo no sentido de baixar as taxas de juros. Finalmente, no fim de semana de 12 de outubro, os governos europeus anunciaram pacotes de ajuda aos seus bancos que ultrapassaram o total de US$ 2 trilhões.
No momento mais agudo da crise, o Estado burguês revelou escancaradamente o seu caráter de classe. O discurso sobre o “livre mercado”, desregulamentação, “ausência do Estado na economia”, etc., revelou-se o contrário disso na prática do maior país imperialista. Tal discurso não passava de uma impostura ideológica destinada a forçar os países periféricos a abrir seus mercados, privatizar seu patrimônio, retirar direitos dos trabalhadores, etc.. No momento da crise, o Estado abandonou o discurso neoliberal, assumiu para si os riscos da atividade dos capitalistas e socializou o prejuízo das falcatruas privadas. Revelou-se também o caráter promíscuo e mafioso das personificações do capital que dirigem o Estado burguês: o secretário do tesouro da administração Bush, Henri Paulson, trabalhou desde 1974 no banco Goldman Sachs e detinha ainda ações do banco em seu nome. Por coincidência, o Goldman Sachs foi um dos principais beneficiados do pacote de US$ 700 bilhões…
A única saída encontrada pela burguesia diante da crise é socializar os prejuízos, fazendo com que o Estado indenize os bancos e financeiras pela sua gestão temerária. Ao todo, os governos dos Estados Unidos e Europa injetaram nos bancos algo em torno de US$ 3 trilhões. Isso equivale a uma vez e meia o PIB do Brasil (soma de de todas as riquezas produzidas no país em um ano). Essa montanha de dinheiro aplicada pelos governos nos bancos não pode ser tirada da cartola num passe de mágica, precisa estar lastreada em algo. Ao emitir esse dinheiro, os governos estão na verdade se endividando. Essa dívida será paga pelo conjunto da sociedade que sustenta o Estado, ou seja, pela classe trabalhadora, única classe social que de fato gera riqueza. Direta ou indiretamente, a burguesia tentará fazer com que os trabalhadores paguem pela crise.
Conclusão
Mais impressionante do que a monumental quantia desembolsada pelo Estado burguês é o fato de que tamanha presteza e prodigalidade jamais seja vista em ação para debelar a verdadeira crise que afeta a humanidade, ou seja, a miséria em que vivem bilhões de seres humanos. Não é preciso fazer as contas na ponta do lápis para saber que uma quantia do porte desse pacote destinado aos bancos seria suficiente para propiciar a todos os seres humanos do planeta alimento, vestuário, moradia, saúde, educação, transporte, etc. Seria suficiente, mas nunca é concretizado, porque o bem-estar da humanidade é uma preocupação que passa longe das personificações do capital que dirigem o Estado. Suas preocupações estão concentradas no bem-estar dos bancos, no risco de “crise sistêmica”, na continuidade dos lucros privados e da acumulação de capital.
Se a burguesia tentará fazer com que os trabalhadores paguem pela crise, cabe aos trabalhadores se reorganizar para reagir. Dadas as circunstâncias excepcionais da crise periódica atual, que coincide com uma série de fenômenos como a crise energética (alta do preço do petróleo), crise ambiental (aquecimento global, catástrofes), crise da dominação imperialista (empantanamento das invasões do Iraque e Afeganistão); o desafio dessa reorganização se mostra ainda mais dramático e impõe objetivamente ao debate a necessidade de se discutir o socialismo como única alternativa para a sobrevivência da humanidade.
POR UM PROGRAMA SOCIALISTA PARA ENFRENTAR A CRISE NO BRASIL
Quando a imprensa burguesa em massa começa a bombardear incessantemente os trabalhadores com o discurso da crise, isso só pode ter um significado: querem nos passar a conta. A crise é apresentada como um fenômeno externo, alienígena, que desponta no horizonte como uma nuvem de tempestade, aparecendo repentinamente, sem que se possa impedir e contra a qual não se pode fazer nada, a não ser apertar o cinto (o nosso cinto). Esse discurso de pânico e fatalismo tem um objetivo preciso: preparar os ataques contra a classe trabalhadora que serão desencadeados no próximo período com a justificativa da necessidade de se combater a crise.
Do outro lado, a burocracia do PT, na condição de dirigente do Estado, precisa propagar a versão de que nada vai acontecer e de que o Brasil está protegido da crise, porque está “descolado” da economia mundial (ou estadunidense), possui reservas em moeda forte, e “seus fundamentos são sólidos”. O governo Lula/PT precisa desse discurso mistificador para defender a gestão neoliberal do Estado burguês que vem realizando desde 2002, para eleger seus candidatos no segundo turno das eleições municipais em 26 de outubro.
Tanto um discurso como o outro são falsos. A crise é real e tem origem na economia internacional. O Brasil, como um país capitalista periférico, ocupa uma função determinada na divisão internacional do trabalho, que é a de fornecedor de matérias-primas (commodities) e manufaturados de baixo valor. Nessa função de país periférico, o seu crescimento depende da demanda dos centros industriais (hoje majoritariamente localizados na Ásia) por matéria-primas, a qual por sua vez depende da demanda dos mercados consumidores, especialmente o dos Estados Unidos. Com a crise do mercado financeiro e a retração do crédito, o consumo dos países imperialistas centrais deve diminuir e com ele a demanda pelos nossos produtos. O mercado interno brasileiro tem crescido nos último 12 meses com base na oferta de crédito, ou seja, de empréstimos, justamente o mecanismo que por primeiro será afetado pela crise financeira internacional. As reservas em dólar do Banco Central não serão suficientes para enfrentar uma fuga maciça de capitais e a conseqüente desvalorização do real.
Tudo isso aponta para a conclusão de que o Brasil não está descolado da economia mundial e não tem condições de enfrentar uma crise de grandes proporções. A crise e a relação do Brasil com ela não são fenômenos aleatórios e imprevisíveis, pois decorrem das opções políticas que determinam a forma como o país se localiza na divisão internacional do trabalho. Tanto a mídia burguesa como o governo Lula /PT não oferecem alternativas capazes de enfrentar a crise, pois estão comprometidos com a continuidade da exploração capitalista e da subordinação do país ao imperialismo.
A resposta da burguesia diante das crises já é conhecida: demissões, fechamento de empresas, corte de direitos, degradação das condições de trabalho, intensificação da exploração. Para salvar o capital, vão nos dizer que a única saída é atacar as condições de vida da classe trabalhadora, já que a crise é incontrolável e somos vítimas passivas desse destino cruel. O governo Lula/PT não vai reagir contra esses ataques da burguesia, pois está comprometido com a continuidade dos lucros do capital. Os principais organismos do movimento de massas, como CUT, UNE, MST, na medida em que não se enfrentam com o governo Lula, colaboram para desarmar o proletariado brasileiro e impedir a preparação e a organização da classe para lutar contra os ataques da burguesia. Diante disso, consideramos que a principal tarefa dos socialistas nesse momento é organizar a resistência da classe.
Nós do Espaço Socialista estamos propondo a organização dos trabalhadores a partir da base para enfrentar os ataques que serão desencadeados por conta da crise. Estamos propondo um encontro dos ativistas, militantes e organizações que atuam na região do ABC para discutir um plano de lutas para o próximo período, a exemplo daquele que realizamos em 2007 contra a política do governo Lula.
A partir desses encontros de base nas regiões, estamos propondo uma plenária nacional dos ativistas e lutadores de todo o país, a exemplo do encontro de março de 2007 no Ibirapuera, para discutir um plano nacional de lutas dos trabalhadores contra a crise. Esse encontro deve ser aberto a todos os partidos, organizações e ativistas independentes que se coloquem no campo da classe trabalhadora, contra a burguesia e o governo Lula, bem como a todas as entidades do movimento social, como Conlutas, Intersindical, os setores do MST, Consulta Popular, pastorais sociais, sem teto, movimentos de minorias. Esse encontro é uma necessidade objetiva da classe, que coloca para a esquerda brasileira a tarefa de buscar a unidade para lutar.
Esse encontro nacional deve discutir um programa emergencial para a crise, que contenha medidas defensivas como:
- Não fechamento de fábricas e empresas; estatização sobre controle dos trabalhadores das empresas que ameaçarem fechar ou transferir suas fábricas;
- Nenhum apoio do governo aos bancos e grandes empresas; que os capitalistas paguem pela crise;
- Não à alta dos alimentos, congelamento dos preços dos gêneros de primeira necessidade;
Na medida em que essa crise não é uma fatalidade inexplicável ou um castigo dos deuses, mas um produto inevitável das relações sociais capitalistas, é preciso colocar em discussão o projeto de uma alternativa de sociedade, na qual os trabalhadores tenham o controle da produção e das condições de vida, ou seja, o projeto de uma sociedade socialista. Como o socialismo não é uma abstração, mas deve se construir a partir de medidas concretas, é preciso começar a discutir com as massas um programa que contenha medidas como:
- Não pagamento da dívida pública, interna e externa, e investimento desse dinheiro num programa de obras e serviços públicos sob controle dos trabalhadores, para gerar empregos e melhorar as condições imediatas de saúde, educação, moradia, transporte, cultura e lazer.
- Redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais, sem redução do salário;
- Carteira de trabalho e direitos trabalhistas para todos, em todos os ramos da economia, da cidade e do campo; fim das terceirizações e do trabalho precário;
- Salário mínimo do DIEESE para toda a classe trabalhadora;
- Reestatização das empresas privatizadas, sob controle dos trabalhadores, com reintegração dos demitidos;
- Estatização do sistema financeiro sob controle dos trabalhadores;
- Reforma agrária sob controle dos trabalhadores, fim do latifúndio e do agro-negócio, por uma agricultura coletiva, orgânica e ecológica voltada para as necessidades da classe trabalhadora;
- Por um governo socialista dos trabalhadores baseado em suas organizações de luta;
- Por uma sociedade socialista;
AS ELEIÇÕES ESTADUNIDENSES
Daniel M. Delfino
As eleições para a presidência dos Estados Unidos, em 4 de novembro de 2008, opõem o democrata Barack Obama ao republicano John McCain. A atual campanha tem sido uma das mais movimentadas em todos os tempos, desde a acirrada disputa entre Obama e Hillary Clinton pela indicação do partido democrata (que seria inédita tanto para um negro como para uma mulher), até a eclosão da crise financeira no início de outubro. A candidatura democrata de Obama tem sido vista tanto interna quanto externamente como uma alternativa de mudança na política estadunidense. Há uma indisfarçada torcida pró-Obama em curso, contagiando a opinião pública pequeno-burguesa e até a esquerda reformista, não só nos Estados Unidos como no restante do mundo, que acompanha intensamente essas eleições. Essa torcida superestima tanto as chances de vitória do candidato democrata quanto, muito mais grave, a possibilidade de um eventual governo Obama realizar mudanças efetivas na política do imperialismo.
Começando pelo primeiro ponto: embora a administração Bush esteja afundando em impopularidade, devido ao desastre da invasão do Iraque, à alta do petróleo, à criminosa omissão na catástrofe do furacão Katrina e à crise econômica que recentemente se somou ao rosário de tragédias; não se pode subestimar o peso do atraso ideológico do eleitorado conservador estadunidense. Para o eleitorado branco religioso que constitui a maioria nos estados do interior, a possibilidade de um candidato negro e ainda por cima ligado às causas “liberais” chegar à presidência é inaceitável. O eleitorado conservador vê a política como um terreno de disputa entre alternativas morais e individuais, em que se defrontam posições pró e contra o aborto, o casamento homossexual, a descriminalização das drogas, o multiculturalismo.
Paradoxalmente, as concepções reformistas que defendem a candidatura Obama enxergam a política sob esse mesmo prisma, o das opções morais e individuais. Obama é visto favoravelmente pelo fato de ser negro. Sua ascensão à presidência representaria uma vitória simbólica da minoria negra da população estadunidense, exatamente 40 anos depois do assassinato de Martin Luther King, líder da luta pelos direitos civis. Tal ponto de vista coloca a identidade étnica acima do conteúdo político-ideológico de classe, o que constitui um erro crasso. Basta lembrar o caso de Condoleeza Rice, Secretária de Estado do governo Bush, que além de ser mulher é negra, e aplica ferozmente a política externa do imperialismo contra os trabalhadores e os povos oprimidos do planeta.
O que se deve verificar em cada eleição são os interesses de classe representados por cada candidatura. Tanto McCain quanto Obama representam os interesses do grande capital estadunidense. Os partidos republicano e democrata são na verdade as duas alas do partido único da burguesia. Em que pesem as diferenças superficiais entre os partidos, que de fato existem, os dois estão ideologicamente comprometidos com a política geral da classe dominante. O imperialismo estadunidense atua por meio de uma política de Estado, que transcende os partidos. Além do parlamento e do judiciário, há no próprio poder executivo uma burocracia composta de milhares de funcionários de carreira (que permanecem nos cargos por vários mandatos presidenciais) pagos para manter o sistema em funcionamento segundo diretrizes precisas, ditadas pelos interesses das corporações estadunidenses. Essa burocracia se espalha pelas forças armadas, serviços de inteligência, diplomacia, organismos internacionais, agências reguladoras, instituições financeiras, aparelhos ideológicos, etc.
A gigantesca máquina do Estado faz o seu serviço, independentemente de quem esteja na Casa Branca. O presidente dos Estados Unidos não chega a ser uma figura decorativa, como a rainha da Inglaterra, que reina mas não governa. Por outro lado, está longe de ser “o homem mais poderoso do mundo”, como se costuma designar o ocupante de tal cargo. Não se trata de negar que o presidente dos Estados Unidos tenha poder, pois basta lembrar o comando das forças armadas, que inclui um arsenal nuclear capaz de aniquilar a vida na Terra centenas de vezes. Trata-se de dizer que este poder não está à disposição de um indivíduo para que o utilize a seu bel prazer, conforme caprichos ou inclinações pessoais. O poder do presidente dos Estados Unidos existe apenas enquanto este cumprir o papel de executor das políticas de interesse do capital, por mais que se tente mitificar figuras como Lincoln, Roosevelt ou Kennedy.
Obama pode ser mais um nesta lista. Pode entrar para a história como aquele que tirou o país da crise econômica, caso de Roosevelt, ou pode ser assassinado, como Lincoln e Kennedy. Seja como for, os limites da sua atuação já estão traçados por uma política de Estado bastante precisa. Essa política é determinada por algumas linhas fundamentais inalteráveis:
1. Complexo industrial militar. As indústrias que fornecem armamentos ao governo consomem anualmente algo em torno de meio trilhão de dólares do orçamento público. Para continuar lucrando, essas empresas precisam das guerras que o imperialismo estadunidense desencadeia sobre o mundo. As guerras deverão continuar, pois os executivos dessas empresas controlam a maior parte daquele aparelho de Estado (Pentágono, CIA, ONU e demais organismos internacionais, etc.). Obama já sinalizou a continuidade da política belicista do imperialismo, apenas deslocando o principal foco das operações do Iraque para o Afeganistão.
2. Petróleo. As reservas próprias de petróleo dos Estados Unidos, estimadas em cerca de 7 bilhões de barris, são suficientes apenas para cerca de 4 anos de consumo. Os Estados Unidos dependem mortalmente do petróleo estrangeiro, importado em sua maioria do Oriente Médio, mas também da América Latina (Venezuela e Equador). O controle sobre esses países é uma necessidade vital do império, o que explica por exemplo a reativação da 4ª Frota tão logo foi anunciada a descoberta de petróleo na camada geológica de pré-sal do litoral brasileiro.
3. Israel. A população judaica nos Estados Unidos compõe uma importante minoria de cerca de 10 milhões de habitantes, maior mesmo do que a própria população judaica em Israel. A alta burguesia judia-estadunidense controla ramos fundamentais da economia, como as finanças, a mídia e a indústria cultural (Hollywood). Nenhum presidente estadunidense assumirá o poder sem se comprometer perante esse setor a manter o apoio incondicional ao Estado de Israel, o que significa o apoio à política de extermínio dos palestinos e de confronto com países não-alinhados ao imperialismo, como Irã e Síria. Sabedor disso, Obama já discursou perante a alta burguesia judia-estadunidense comprometendo-se a manter essa política.
4. Finanças. As corporações do mercado financeiro estão entre as maiores doadoras de fundos para as campanhas eleitorais dos dois partidos. A rapinagem financeira de Wall Street sobre as economias do mundo inteiro deve continuar intocada. Antes mesmo das eleições, Obama se reuniu com Bush e McCain na Casa Branca para discutir as linhas gerais da ação entre amigos para salvar os banqueiros, encobrir suas falcatruas e diluir o custo do resgate na conta dos contribuintes (trabalhadores) estadunidenses e do restante do mundo explorado.
5. Corporações. Assim como o mercado financeiro, o conjunto das grandes corporações, das empresas industriais, dos laboratórios, do agro-negócio, etc., controlam a sociedade estadunidense e devem continuar atuando livres de qualquer regulamentação pública, superexplorando seus trabalhadores, destruindo o meio ambiente, degradando a saúde pública, etc. A campanha de um candidato presidencial nos Estados Unidos custa centenas de milhões de dólares, de modo que as grandes corporações, únicas capazes de financiar tais campanhas, terão o controle do governo eleito e ditarão sua política como sempre têm feito.
6. Mídia. Os interesses de todos esses setores da burguesia estadunidense são preservados pela maciça propaganda ideológica da mídia, das grandes cadeias de televisão, dos jornais e da indústria cultural. Os meios de comunicação difundem o consumismo, o preconceito, o medo, o individualismo, o moralismo hipócrita, o misticismo, valores que sustentam o capitalismo estadunidense. O bloqueio ideológico cerrado impede a população de obter um conhecimento mínimo da realidade e do papel do capitalismo estadunidense na perpetuação da miséria mundial.
Por todos esses motivos, uma eventual vitória de Obama não traria alívio nenhum para os trabalhadores do mundo inteiro, nem mesmo para os dos Estados Unidos. Nas eleições do Estado burguês, os trabalhadores precisam se colocar por meio de uma alternativa de classe e independente, que se expresse por meio de um programa socialista e de uma organização política autônoma. Esse programa deveria conter medidas como: desmantelamento do arsenal nuclear, retirada das tropas estadunidenses do Oriente Médio (e fim do apoio a Israel), retirada das bases militares estadunidenses em todo o mundo, nenhuma indenização aos banqueiros pela crise, estatização do sistema financeiro sob controle dos trabalhadores, legalização de todos os imigrantes, direitos e serviços sociais para todos, expropriação das grandes corporações, entre outras.
Apesar de todo o discurso sobre democracia, não existe nas eleições estadunidenses a possibilidade de se discutir tal programa, e também não existe a possibilidade de um outro partido, que não seja o republicano-democrata, atuar nessas eleições. Logo, os trabalhadores que se vêem forçados a optar entre McCain e Obama estão diante de uma falsa alternativa. A única saída para o proletariado estadunidense é a construção de uma alternativa política própria, classista e socialista, que pode se expressar pela via do movimento social, sindical ou como partido, que questione as bases do capitalismo naquele país.
A CRISE ECONÔMICA MUNDIAL E OS NEGROS
Fernando Brito e Eduardo Rosa
Uma crise no setor financeiro mundial deve ser observada em vários aspectos. A grande mídia faz notar a todo momento que os bancos estão perdendo ações bilionárias, os investimentos estão em queda, os trabalhadores estão perdendo seus bens de consumo, numa crise que tem seu começo há quase dois anos.
Vários economistas ao redor do mundo a comparam com a crise econômica de 1929, afirmam que essa será a pior crise da história do capitalismo. A burguesia de todo o planeta “rebola” dia e noite, atenta, diante da crise que abala os Estados Unidos e a Europa.
Para o negro, os reflexos da crise econômica mundial são nefastos mesmo quando não são visíveis para todos.
Na Europa:
Vítimas de uma política de exclusão racial promovida pela sociedade francesa e o governo que a representa, a juventude negra sacudiu a França em Outubro de 2005. O jovens lutavam contra essa política de exclusão, mas os jornais do mundo inteiro trataram a revolta negra como atos isolados de vandalismo. Na própria França, até o movimento sindical e estudantil se posicionaram publicamente contra a juventude negra, que segundo jornais da época estariam promovendo o vandalismo e o terror.
Esses negros lutavam por emprego e melhores condições de vida, foram tratados com violência e responderam à altura, e ainda assim foram tratados como criminosos. O interessante é que, quando o governo francês propôs um projeto de primeiro emprego precarizado para a juventude de classe média, esses reagiram ocuparam prédios públicos, mas foram defendidos tanto pelo movimento estudantil quando pelas lideranças sindicais.
O que justifica duas manifestações tão diferentes: para a juventude branca apoio e solidariedade; para a juventude negra discriminação e tentativa de criminalização da luta por direito a trabalho e melhores condições de vida?
O cinismo do governo e da sociedade francesa
A morte acidental de dois garotos que estariam sendo perseguidos pela polícia em Clichy-sous-Bois, na periferia de Paris, estopim de uma onda de violência que durou semanas e se alastrou para outros subúrbios da região, relançou novamente o debate sobre a política de integração social na França.
… O índice de desemprego é elevadíssimo nessas periferias, de acordo com dados do próprio governo: 21%, o dobro da média nacional.
Entre os jovens, o índice chega a atingir cerca de 40%, de acordo com o recente relatório do Observatório Nacional de Zonas Urbanas Sensíveis, divulgado em outubro pelo Ministério do Trabalho e da Coesão Social…
… “A violência que ocorre atualmente na periferia de Paris é a expressão de um certo desespero, de cólera, de raiva e de um sentimento de injustiça”, diz o sociólogo Michel Wieviorka, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris e um dos maiores especialistas franceses em violência urbana. Ele acaba de publicar o livro Violência, sobre o problema.
Para o sociólogo, os jovens de bairros populares estimam viver em um “estado de guerra, que os opõem a um sistema que eles julgam como repressivo”…
‘Ralé’
O então Ministro do Interior e hoje Presidente, Nicolas Sarkozy, acusado de ter piorado a situação ao utilizar termos como “ralé” para designar jovens dessas periferias, diz que a França enfrenta há três décadas problemas nas periferias consideradas “sensíveis”.
“A primeira geração de imigrantes se integrou melhor do que a terceira geração”, disse o ministro em uma entrevista ao jornal Le Parisien. “Os avós estrangeiros se sentem mais aceitos do que seus netos que nasceram na França e são, portanto, franceses”, afirmou o ministro.
Segundo ele, o problema é resultado da instalação na periferia de trabalhadores imigrantes que a França solicitou após o fim da Segunda Guerra e cujos descendentes não tiveram as mesmas oportunidades de trabalho…
Fonte: BBC Brasil de 03 de novembro, 2005 – 17h23 GMT (15h23 Brasília) por Daniela Fernandes de Paris
Nos Estados Unidos:
Um furacão atinge a Califórnia, estado com maioria de população não negra e rapidamente chega socorro governamental. Outro furacão atinge Nova Orleans, cidade com maioria de população negra e até hoje grande parte da população aguarda ajuda. Cinicamente até Bush reconhece que houve demora na resposta à situação.
Recentemente, uma eleitora de John McCain disse que ele não deveria confiar em Barack Obama por que ele era árabe, e o candidato republicano retrucou: “não, ele é gente boa”; como se ser árabe fosse sinônimo de coisa ruim. De qualquer forma, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, e porque não dizer, no resto do mundo, parece que a maneira civilizada de lidar com a crise é promover o racismo. Vale lembrar que a promoção do racismo teve peso determinante no desencadeamento da Segunda Guerra Mundial.
No Brasil:
Aqui a situação não é muito diferente. Sendo o país também atingido pela crise mundial, em proporções diferentes, evidentemente, as conseqüências ainda não podem ser mensuradas. Entretanto, o que mudaria nas propostas de solução para crise? De onde virão os recursos para cobrir o rombo mundial? Quem pagará ou já está arcando com o ônus da quebradeira? Para nós, não restam duvidas, de que será a classe trabalhadora como um todo e nós os negros em particular sofreremos o impacto maior desse pagamento. Se a classe média composta, praticamente na sua totalidade por não negros, está perdendo seu poder de compra, como fica nossa população, que em sua grande maioria sobrevive das migalhas oferecidas pela sociedade racista e excludente?
A saída proposta pela elite vem no sentido de garantir os lucros daqueles que nos exploram, ou seja, os mega-empresários, banqueiros e latifundiários. Para isso será necessário que eles juntem forças com o governo que os representa para atacar a classe trabalhadora como um todo através de arrocho salariais e retiradas de conquistas históricas. Não é à toa que setores do governo defendem que é esse o momento de se fazer as reformas trabalhista e sindical.
Paralelamente, serão cortados investimentos sociais cujos maiores beneficiários estão na população negra de baixa ou com nenhuma renda. Quando governo e empresários falam de cortes nos gastos públicos, não estão falando de cortar salários de deputados, senadores, governadores, ministros, juizes, etc. Estão falando de cortar investimentos em saneamento básico, saúde, educação, salário e renda. Na ponta destes investimentos sociais está o nosso povo, a população negra.
Infelizmente, o movimento sindical está quase que totalmente atrelado ao governo e em conseqüência disso não organiza os trabalhadores para lutar por seus direitos, garantindo com isso que governo e empresários ataquem a classe trabalhadora praticamente sem nenhuma resistência. Da mesma forma, o movimento negro também não organiza nosso povo para lutar por melhores condições de vida.
Anestesiados com as políticas de bolsa-miséria e do pró-uni, salvo raríssimas exceções, as lideranças negras, direta ou indiretamente, deixam governo e empresários manter nosso povo fora do processo produtivo formal. Gastam energias com eventos e encontros vazios sem conteúdo político. Por estarem mal informados (a maioria) e mal intencionados (minoria bem colocada nas estruturas), gastam quase todo o tempo desses eventos defendendo o governo. Afirmam que oito anos é pouco tempo para se fazer o que não foi feito em quinhentos anos. Em que pese um fundo muito opaco de verdade nisso, os mesmos oito anos foram suficientes para os empresários do ensino superior aumentaram inúmeras vezes seus rendimentos com recursos públicos através do pró-uni, para os banqueiros ficarem mais ricos, e nunca os especuladores do sistema financeiro se sentiram tão felizes.
Muitos desses dirigentes do movimento negro ficam no aguardo de um cargo que lhes permita ascender socialmente e assim passar a justificar para os demais negros porque o governo não pode fazer mais.
“… Não existe capitalismo sem racismo”… essas foram as palavras de Malcolm X. Observando as palavras do governo francês, dos eleitores de John McCain e do cinismo de Bush, resta-nos reafirmar essas palavras hoje, pois são mais atuais do que nunca. É necessário suplantar o capitalismo para apontarmos o caminho de destruição do racismo. Entretanto, temos a difícil tarefa de juntar a luta do todo, a classe trabalhadora, com a nossa de combate ao racismo, seja dentro do sistema capitalista, seja na construção da sociedade socialista.
Segundo Malcolm, para acabarmos com o racismo é necessário destruirmos o capitalismo, e jamais destruiremos o capitalismo se nos contentarmos com as migalhas que caem da mesa da elite racista e dos governos que a representam.
CRISE ECONÔMICA, CRISE AMBIENTAL: CRISE DA HUMANIDADE!
Tuca Fontes
Sabemos que o capitalismo contém em si todas as contradições possíveis e imagináveis, com ele “tudo que é sólido se desmancha no ar” e o homem moderno vive sob o “redemoinho de permanente mudança e renovação, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia”, como disse Marshall Berman. Nesse sentido é que atualmente, em pleno século XXI, estamos testemunhando acontecimentos que não deixam dúvidas quanto ao caráter contraditório deste sistema econômico que sobrevive da criação e recriação de necessidades, criando-se e recriando-se permanentemente na perspectiva do infinito. Ocorre que tudo no Planeta Terra é finito e se esgota. A aplicação deste fato vem sendo demonstrada pela crise ambiental porque passamos e que é fruto obviamente do modo de produção acima mencionado, uma vez que este, conforme Marx em O Capital tem um tipo de produção pretensamente ilimitada:
“A produção capitalista aspira constantemente a superar estes limites imanentes a ela, mas só pode superá-los recorrendo a meios que voltam a levantar diante dela estes mesmo limites, e ainda com mais força”.
Os recursos naturais, no entanto, são limitados, eles acabam e aí está estabelecida a grande contradição, pois crescimento econômico desenfreado não combina com preservação dos recursos naturais e estes por sua vez, estão com seus dias contados, são duas coisas, portanto, que se chocam diretamente e nesse choque é sempre o planeta que perde e em última instância a própria humanidade. Exemplo disso são os Estados Unidos, que são os maiores poluidores do planeta e se recusam sistematicamente a assumir qualquer compromisso no sentido de reduzir impactos ambientais, alegando que reduzir a emissão de gases na atmosfera ou reduzir a produção de lixo comprometeria seu supostamente eterno desenvolvimento econômico.
O desenvolvimento econômico de que tanto se gabam os estadunidenses, contudo, não é eterno e ele está em plena crise, ao que tudo indica trata-se daquelas crises cíclicas que ocorrem periodicamente no capitalismo. A novidade, contudo, é que esta crise econômica mundial está coincidindo com a maior crise ambiental da história. Enquanto em 1929 não havia a preocupação com o esgotamento dos recursos naturais fundamentais ao avanço da produção capitalista, tais como petróleo, água, madeira, minérios, dentre outros, hoje, todos os estudos apontam para o colapso dos setores dependentes dessas fontes em algumas décadas.
O economista marxista francês François Chesnais chama de “crise da humanidade” a combinação das atuais crises, a crise do capital que contribui para o que Marx chamou de centralização e concentração do capital e a crise ambiental planetária. Ambas resultam de uma trajetória social em que a produção de bens consumíveis esteve sempre fundamentada no caráter de subordinação da natureza em relação ao homem, sendo a primeira vista como instrumento livremente manipulável pelo homem para servir a seus interesses, mantendo a ilusão do controle durante séculos. O auge do desenvolvimento capitalista coincide com o auge da destruição da natureza, foi assim na Europa, nos Estados Unidos e está sendo assim na China. Ao que parece, estamos agora começando a pagar uma conta alta, o planeta está dando todas as pistas de que está no limite.
Os impactos sociais desta peculiar “crise da humanidade” por que passamos, evidentemente ainda não estão claros, mas há indícios de que não serão amenos. Alguns casos que merecem destaque:
Os glaciares andinos dos quais flui a água com que se abastecem as cidades de La Paz e El Alto já perderam cerca de 80% de sua capacidade e a perspectiva é de que em 15 anos La Paz e El Alto não terão água. Embora a situação já seja bastante grave isto jamais foi visto como um problema social gravíssimo que é, que poderá causar sérios impactos na própria luta de classes da Bolívia, podendo obrigar uma mudança de capital para Sucre, pois se acabar a água em La Paz…
A Organização Mundial da Saúde (OMS) atribui à modificação do clima 2,4% dos casos de diarréia e 2% dos de malária em todo o mundo. Esse quadro pode se agarvar ainda mais, pois alguns cientistas alertam que o aquecimento global pode piorar nas próximas décadas e a OMS calcula que para o ano de 2030 as alterações climáticas poderão causar 300 mil mortes por ano.
A realidade prática, dialética que é, mostra que a combinação dessas duas crises mostra-se algo extremamente grave, pois pode resultar na aniquilação da própria humanidade e da vida na Terra. Embora ainda muito pouco estudada e pouco valorizada tal confluência mostra, entretanto, que a “crise da humanidade” que está se configurando somente poderá ser plenamente superada mediante a superação do modo de produção capitalista, que possibilitará colocar como foco principal da produção as necessidades humanas e não mais o lucro, quando enfim, a classe trabalhadora, única que produz riqueza, tiver tal produção voltada para suas próprias necessidades. Apenas a superação do capitalismo e a extinção das classes sociais poderá transformar a busca por salvar o Planeta Terra e a preservação dos recursos naturais essenciais à sobrevivência humana em algo possível.
O HOMEM E A NATUREZA NO SÉCULO XXI – A VILA DE PARANAPIACABA
Mayara Pastore
A relação da sociedade com a natureza vem sendo tratada mundialmente com maior importância diante das conseqüências das ações predatórias das civilizações, as quais se tornam inevitáveis em função do sistema capitalista implantado. Algo que deve ser questionado é onde o homem se encaixa na natureza. De fato nós somos parte dela, mas ocorre uma separação nessa relação, como se fôssemos os seres superiores a todos. É difícil imaginar o que nos leva a pensar sobre essa superioridade? Talvez seja apenas o desenvolvimento de nossas células com maior complexidade, evoluindo para a capacidade do pensamento e habilidade física.
Com os estudos baseados na história humana e experiências empíricas, pôde se entender de forma racional que nenhum ser reinante consegue sobreviver sozinho. É preciso que haja equilíbrio entre os ecossistemas, tão ameaçado pela humanidade no decorrer de pouco tempo se comparado ao tempo geológico. Na medida em que nossa espécie se reproduz em um nível de crescimento constante e desequilibrado, criaram-se modos de vida desiguais entre as populações. Dentro das sociedades modernas um indivíduo é valorizado pelo que possui em bens materiais, gerando necessidades para o capitalismo, perdendo-se as verdadeiras necessidades de busca pela energia – alimentação.
Desde o nascimento de um novo indivíduo humano na modernidade, este é educado e se adapta a modos de vida voltados para o consumismo e a transformação dos recursos naturais, de forma que após o seu uso perdem o valor em um ciclo insustentável. O indivíduo talvez possa dar valor para a cultura com a terra, após uma oportunidade de vivência na mata. Mas o que normalmente ocorre é uma rejeição, por falta de habilidade e distanciamento da natureza, originada nos costumes voltados ao conforto e na busca de energia no “supermercado”, por intermédio da moeda.
Após a transformação da natureza por ações antrópicas, resta pouco de sua originalidade. A Mata Atlântica estende-se praticamente por todo o litoral brasileiro, atingindo 13 estados, além das encostas do Planalto Atlântico, restando atualmente, entretanto, apenas cerca de 7% da área original. É um exemplo da eficiência destruidora da espécie humana.
Outro exemplo é a Vila de Paranapiacaba, que abrigou a sede da empresa ferroviária São Paulo Railway Co. e se localiza em área de Mata Atlântica, a qual sofre as sérias conseqüências dos interesses econômicos que utilizam o pouco que restou da floresta como instrumento do “capitalismo verde”. Como a Vila se situa no alto da Serra do Mar, a ação antrópica não chegou com intensa força devido à inviabilidade causada pela inclinação da região. Esta área está em estágio de regeneração após a perda de valor do transporte ferroviário. Hoje os problemas são causados pelo turismo, o qual é uma forma burguesa de atribuir valor econômico a áreas onde se utiliza o marketing voltado para as questões ambientais.
Em pontos de turismo ecológico são criados mecanismos para camuflar as verdadeiras conseqüências predatórias do sistema. Em Paranapiacaba não é diferente. Na medida em que o ser humano é privado de ter contato com o seu local de origem, a mata se torna um produto de comércio, onde apenas os mais favorecidos podem ter um acesso superficial, em troca da moeda. Ao mesmo tempo, as pessoas que reconhecem o verdadeiro valor da floresta como habitat natural são bloqueadas de viver nela de forma primitiva. O fato é que essa privatização reduziu, superficialmente, o impacto ambiental por se ter agora um controle. Mas aí é que está a questão: quem é o controlador? O controle é feito pelos proprietários privados dos meios de produção, enquanto que os trabalhadores cumprem diretrizes previamente traçadas e nunca de acordo com seus interesses e necessidades. Portanto existe a pregação de uma falsa conscientização ambiental de forma que o povo é induzido a acreditar que a solução para minimizar os problemas predatórios seja o distanciamento da natureza.
Dentro e no entorno da Vila de Paranapiacaba poucas pessoas têm o contato com a floresta acompanhadas por guias turísticos, sendo um serviço comercializado, enquanto que empresas continuam degradando o solo com as plantações de Eucaliptos e despejos poluentes nas nascentes. No regime capitalista se criam falsas necessidades para alimentar o crescente aumento da produção e o conseqüente lucro desenfreado da burguesia. Devido aos inevitáveis problemas causados pela destruição da natureza para ser transformada em mercadoria, se torna difícil impedir a que discussão ambiental ganhe espaço no cotidiano atual. No entanto, é utilizada a linguagem de desenvolvimento sustentável como estratégia pela qual o sistema instrumentaliza o problema a seu favor. Por meio da educação ambiental a comunicação de massa mascara a degradação do meio ambiente, de modo que na prática o desenvolvimento é o oposto, é insustentável.
A discussão ecológica ganhou contornos e parâmetros de luta política, social, econômica e ideológica, pois não se trata simplesmente de preservação e conservação do meio ambiente. A relação/ homem natureza precisa ser repensada e reformulada dialeticamente. A questão vai além do fato de que o homem está destruindo o planeta, torna-se necessário avaliar a divisão de classes e a apropriação da natureza.
Referências:
BERMAN, Marshall. (1986) Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras.
CHESNAIS, François. Apresentação realizada no encontro organizado pela revista argentina “Herramienta” em 18 de Setembro de 2008. A transcrição é de Aldo Casas. Versão publicada no portal Esquerda.Net. Tradução para o português: Luis Leiria (Esquerda.Net)
FRIEDRICH, Engels. A dialética da Natureza. Escrito e publicado em 1896.
MARX, Karl. O Capital.
WALDMAN, Mauricio. Ecologia e as Lutas Sociais no Brasil.
A QUEM INTERESSA UMA EDUCAÇÃO PÚBLICA DE QUALIDADE? E O QUE ESTÁ POR TRÁS DA AVALIAÇÃO DOS PROFESSORES?
“A proclamada morte da História que significa, em última análise, a morte da utopia e do sonho, reforça, indiscutivelmente, os mecanismos de afixia da liberdade. Daí a briga pelo resgate do sentido da utopia de que a prática educativa humanizante não pode deixar de estar impregnada tenha de ser uma sua constante”.
Fala-se bastante nos dia de hoje sobre a qualidade do ensino público no país. No estado de São Paulo, a discussão é mais aguda. Procura-se o responsável pelo o sucateamento do ensino público estadual. O governador José Serra e sua secretária Maria Helena Guimarães responsabilizam os professores e, a partir daí, tramam toda uma campanha (que não se restringe a São Paulo) para responsabilizar os professores pelos índices negativos dos alunos nas avaliações extra-escola (SARESP, ENEM, PISA e Prova Brasil).
Com a responsabilização do professor pelo fracasso escolar, o que se pretende é encobrir que esse é o modelo que interessa ao capital.
Do ponto de vista do sistema capitalista e seus agentes (empresários e governos), não interessa uma educação de qualidade para jovens desempregados ou precarizados. São custos absolutamente desnecessários, ou pior, gastos esbanjadores… As empresas pressionam os governantes para reduzir os gastos estatais com os serviços públicos a fim de que o Estado direcione mais dinheiro para ajudá-las a se manter lucrando.
O modelo de Educação hoje em vigência não é um resultado da incompetência, desorganização ou falta de informação dos governantes, nem muito menos culpa dos professores, mas representa a intenção do Estado e das empresas de que as coisas sejam realmente assim. É justamente desse tipo de Educação precarizada que o Estado precisa para manter a situação de alienação das pessoas e formar uma mão-de-obra precarizada. E é somente este tipo de Educação que o Estado se dispõe a manter, dada a nova situação pela qual o sistema do capital está passando.
Além disso, boa parte dessa mão-de-obra é formada para trabalhar em shoppings, lojas, padarias, mercados, oficinas, etc, em atividades que não necessitam de grandes habilidades intelectuais. Trata-se de uma mão-de-obra precarizada e barata.
Por outro lado, o crescimento vertiginoso da tecnologia, aliado às políticas de fusões de empresas e aumento da intensidade do trabalho imposto sobre toda a classe trabalhadora, fazem com que o sistema, como um todo, possa produzir mais mercadorias com uma quantidade menor de trabalhadores, o que faz com que se amplie o chamado desemprego estrutural, agravado agora pela crise econômica em andamento.
Na etapa atual, o capitalismo e seu Estado querem que a função prioritária da escola seja de contenção, difusão de habilidades mínimas e doutrinamento dos jovens, para que esse setor do proletariado aceite ideologicamente que não há outra saída e que a culpa por estar nessa situação é deles mesmos e não do sistema. A escola passa a ser uma instituição, acima de tudo, de caráter assistencial, o que traz graves conseqüências para o aprendizado e o trabalho docente.
Por sua vez, a situação de exclusão social e educacional a que esse setor amplo da mão-de-obra juvenil está sujeito – pelo caráter precário do tipo de trabalho que o sistema lhe oferece – faz com que a chance de superar essa situação através dos estudos seja muito difícil, o que acarreta a perda de estímulo de grande parte dos jovens para estudar.
Essa situação de perda de perspectivas e de sentido de vida se espalha pelo conjunto da sociedade em uma decadência geral da cultura, que mergulha a existência das pessoas num individualismo e imediatismo cada vez maiores, a ponto de as atividades mais humanas parecerem inúteis, e a as atividades mais animais e instintivas aparecerem como as mais realizadoras.
Vemos que a falta de motivação dos jovens em aprender é produzida pelo próprio sistema capitalista
Para que isso não seja questionado, o Estado hierarquiza as escolas (a divisão entre algumas escolas, com alunos de melhor condição econômica, taxa de APM maior e melhor estrutura, e as escolas de periferia, sem qualquer condição e totalmente abandonadas), de modo que se tenha algumas escolas que se destacam perante as demais e com isso sejam usadas para que se possa dizer que esse modelo de educação é eficiente, e só não funciona por culpa do professor.
Daí a importância de uma ampla campanha de denúncias e mobilizações junto aos professores, pais e alunos, explicando que essa situação faz parte da divisão que o Estado capitalista quer criar entre um setor da classe trabalhadora com um pouco mais de condições, e outro setor que, desprovido de quase tudo, já está direcionado para os piores serviços, para o desemprego, ou até mesmo para as duas situações combinadas.
Essa fragmentação é funcional ao sistema no aspecto da dominação, pois divide não apenas as comunidades, mas também os professores com realidades diferenciadas, uma vez que passa a idéia de que os professores e a comunidade de uma determinada escola são mais capazes ou mais esforçados do que os outros.
A ação do Estado visando difundir que esse modelo de educação é correto e eficiente ganha agora um novo contorno com a avaliação do professor. Procura-se com isso, caso o professor tenha um resultado insatisfatório, responsabilizar ainda mais os professores pelo caos do ensino público e fragilizar a sua imagem perante a opinião pública. Com isso se viabilizam posteriormente novos ataques, seja através da retirada de direitos, seja para culpabilizar o professor pela ineficiência do sistema de ensino público.
Assistimos com isso ao enquadramento do professor, tanto em termos profissionais como também ideológicos, já que o professor é avaliado dentro da lógica de funcionamento do Estado capitalista.
Diante dessa situação precisamos combinar a luta contra a política educacional dos governos Serra e Lula e por condições dignas de ensino com a luta contra o capitalismo e a vida sem sentido que ele oferece aos filhos dos trabalhadores, a fim de demonstrar que o problema não é apenas a Educação atual , mas o capitalismo como um todo.
Ao mesmo tempo, precisamos apresentar as propostas de transição que sejam capazes de retomar, junto aos trabalhadores, o debate e a luta por uma sociedade socialista.
HOMOSSEXUALIDADE
Flávio Pereira e Camila Couras
A homossexualidade até hoje é um tabu. Há várias pesquisas no campo científico e psicológico que geram discussões acaloradas. Uns dizem que a condição homossexual advêm de uma variedade genética, outros que é de origem psicológica e outros ainda que se trata de uam combinação dos dois fatores. Enquanto isso, a sociedade tira suas próprias conclusões, e baseada no senso comum, julga os homossexuais como doentes, promíscuos, pervertidos, libertinos sexuais com mau caráter, entre outros muitos termos pejorativos. E os homossexuais ficam no meio de tudo isso, oprimidos, discriminados e marginalizados.
Desde o surgimento da humanidade já havia homossexualidade. Na antiguidade, as tribos matriarcais a aceitavam como algo natural. Em grandes civilizações como: o Egito, a Pérsia e a Grécia a homossexualidade era vista como algo comum, e até existiam reconhecimentos institucionalizados. Roma também teve alguns ilustres homossexuais, como por exemplo Nero e César. Em várias histórias da mitologia grega haviam relações entre deuses e pessoas do mesmo sexo, como Apolo, Aquiles, Afrodite, etc.
A verdadeira opressão começou a surgir com a família patriarcal. A Igreja desde o início repreendeu os homossexuais. Diziam e dizem que era coisa do demônio, perversão. Em tempos como os da Inquisição, homossexuais eram caçados e queimados vivos, no caso das mulheres eram também mutiladas. Na 2ª Guerra Mundial, milhares de gays foram mortos nos campos de concentração nazistas.
Até mais da metade do século XX (1973), acreditava-se que a homossexualidade era doença e havia tratamentos para uma suposta “cura”, dentre eles: a Aversão – nos anos 50, na Checoslováquia, pacientes tomaram uma droga indutora de vômito e eram obrigados a ver cenas de homens nus, depois receberam uma injeção de testosterona e eram expostos a imagens de mulheres nuas; a Hipnose também foi muito usada; Choques – diziam que dez sessões de eletro-choque os fariam desistir do “vício” e a Lobotomia – que era uma intervenção cirúrgica. Mas a partir de 1973 a homossexualidade foi retirada da lista de distúrbios mentais pela Associação Psiquiátrica Americana.
Com todo esse histórico e com a pressão social, muitos homossexuais não assumem a sua sexualidade e passam a viver sob máscaras. Disfarçam seus desejos e reprimem sua sexualidade e seu sentimento.
Hoje, por mais que o sistema capitalista tente transformar a homossexualidade em mercadoria, a sociedade a reprime de maneira implacável. Os homossexuais têm sido sistematicamente vítimas de preconceitos em todos os momentos e por todos os lados.
Enquanto a Igreja continua cumprindo o papel opressor de colocá-los como criaturas diabólicas e de caráter transviado, outras instituições tentam barrar projetos que possibilitariam uma “certa igualdade” como o casamento no civil (hoje inexistente e tratado como união homo-afetiva), direito à herança, e a adoção de crianças.
Mas, é possível existir igualdade entre o modo de vida do homossexual da classe trabalhadora e o da burguesia?
A sociedade burguesa se construiu com a marginalização. A burguesia, para se manter como classe dominante, precisa mostrar-se solidária com os interesses de todos e, dentro do que chama de democracia, cria condições, mesmo de maneira velada e hipócrita, para que a homossexualidade seja desfrutada e faça parte de seu meio social como forma de viver intensamente o prazer. Portanto, independente do conservadorismo de uns e dos direitos não conquistados no Brasil, a classe que vive do trabalho alheio desfruta da sexualidade em todas suas dimensões.
Não é o que vemos com a sexualidade da classe trabalhadora. Desde a família, passando pela escola pública, primeiro emprego ou outras dimensões da vida sentimos o peso da repressão sexual. Quando nos sentimos na condição homossexual a repressão é ainda maior.
Quebrar essa barreira entre as pessoas mais próximas não é fácil, pois carregam toda a ideologia conservadora da Igreja em uma sociedade burguesa. Mais difícil ainda é lidar com a intolerância existente. Existem grupos homofóbicos empenhados em agredir homossexuais até a morte. Policiais, que deveriam proteger a população, os reprimem e os agridem periferias afora. Além, é claro, daqueles a quem a repressão sexual já causou transtornos e que tentam impor sobre os outros as suas verdades, mesmo que estas sejam apenas para humilhar e camuflar seus próprios desejos.
Ser homossexual e assumir este lado da sexualidade, principalmente na periferia, requer autocontrole emocional e consciência política para não sucumbirmos às imposições sociais de uma sociedade hipócrita. Consciência de que sentimento reprimido quer dizer liberdade reprimida, de que a restrição à sexualidade da classe trabalhadora tem a função de exercer um maior controle, isto é, torná-la controlada e submissa para ser mais fácil de assustar e de explorar.
Quando um indivíduo está satisfeito sexualmente e sentimentalmente torna-se mais forte, mais corajoso, mais decidido e se torna perigoso para o sistema. Talvez seja por essa razão que a homossexualidade entre a burguesia é tão viva e entre a classe trabalhadora tão reprimida.
Além de lutarmos para conquistar alguns direitos, para decidirmos sobre o nosso próprio corpo e sobre nossa sexualidade, temos que lutar também para transformar essa sociedade a fim de resgatarmos a liberdade que nos foi usurpada na sociedade capitalista.
Muitos homossexuais da classe trabalhadora já entendem essa necessidade e buscam organizações de esquerda para fortalecerem seus posicionamentos políticos. Além de trabalharmos e estudarmos para sobreviver e além de participarmos de eventos culturais, shows e paradas gays também discutimos os problemas econômicos, políticos e sociais. Lutamos por uma sociedade socialista, onde desfrutaremos de todos os nossos desejos e desenvolveremos todas as potencialidades humanas. Enfim buscamos quebrar todas as barreiras impostas por uma sociedade dividida em classes. A unidade de todos os explorados é uma necessidade para pôr fim à opressão.
Para nós viver a nossa sexualidade e assumir a nossa homossexualidade são tarefas para hoje, mas estamos dispostos a contribuir para construirmos o caminho para o amanhã.
– Contra todo tipo de preconceito e discriminação;
– Que sejam abolidas as formas subjetivas de contratação em processos seletivos ou concursos públicos tais como: foto, dinâmica de grupo, etc;
– Pela união civil homossexual, inclusive com direitos à adoção;
– Por uma sexualidade livre dos preconceitos religiosos, homofóbicos, de raça, de orientação sexual e não submetida às imposições do capital.
ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA
Adneide Andrade
“Eu tive uma vida que não tinha nada a ver com a literatura. Eu fui várias coisas na vida: trabalhei numa oficina mecânica, fui desenhista, funcionário da saúde pública, depois não sei o quê, depois editor, e era assim.” José Saramago. (Entrevista a Horácio Costa. “O Despertar da Palavra”. In: CULT. Revista Brasileira de Literatura. São Paulo: Lemos Editorial, 1998. p.18)
O escritor português José de Sousa Saramago nasceu na aldeia Ribatejana de Azinhaga, no dia 16 de novembro de 1922. Em 1975, fica desempregado, e então se dedica mais assiduamente à carreira literária, escrevendo biografias, crônicas, poesias e teatros, e assim se destacando neste meio. A tendência literária predominante nas obras feitas por José Saramago é o Neo-Realismo, corrente literária que se define fundamentalmente pela proposta de desnudamento dos mecanismos socioeconômicos que regem a vida humana – propiciando a explicação dos seus dramas e conflitos – e pelo incitamento a uma transformação radical da ordem burguesa através da ação revolucionária.
O movimento neo-realista propõe a exposição e debate com toda a sociedade, sobre temas políticos, sócio-culturais, governamentais, institucionais e ideológicos, uma vez que interferem de forma direta no cotidiano dos habitantes e, portanto, devem estar sob conhecimento e consciência das pessoas. Em outras palavras, a escrita neo-realista pretende servir de instrumento de debate e combate dos valores religiosos, estéticos, econômicos e morais burgueses.
O Neo-Realismo defende que o romance seja um instrumento de resgate das classes desfavorecidas e um instrumento de denúncia dos desmandos dos poderosos. Por isso, sua escrita é peculiar por inventar um narrador fortemente comprometido com uma ideologia, que, na maioria das vezes, mais do que apresentar os fatos, procura comentá-los de modo a investir criticamente na realidade. (GOMES, Álvaro Cardoso. A Voz Itinerante: ensaio sobre o romance contemporâneo. São Paulo: Edusp, 1993. p.34)
José Saramago utiliza poucos sinais de pontuação, temáticas universais, geralmente insere alguma situação fantástica às suas obras – em decorrência destes fatores inesperados, expõe as mazelas e corrupções encobertas por várias instituições capitalistas – usa linguagem bastante irônica, que normalmente aponta sua visão sobre um determinado assunto: “o homem não somente recebe o impacto dos fatos históricos, mas também (…) é capaz de fazer história. (…) Assim, a ficção se apresenta como um meio de modificar a realidade, ou ainda, de modificar o olhar, a interpretação que o homem faz dessa mesma realidade.” (GOMES, 1993. p. 43)
Em 1995, José Saramago foi premiado com o mais importante troféu literário para obras em Língua Portuguesa: o Prêmio Camões. A obra que lhe rendeu este prêmio foi um de seus romances mais conhecidos, o Ensaio Sobre a Cegueira, que em setembro estreou nos cinemas do Brasil.
O filme foi dirigido por Fernando Meirelles (O Jardineiro Fiel/Cidade de Deus) e conta com Julianne Moore (a mulher do médico), Mark Ruffallo (o médico), a atriz brasileira Alice Braga (a mulher dos óculos escuros), entre outros grandes atores em seu elenco: “já éramos cegos no momento em que cegamos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos.” (SARAMAGO, José. Ensaio Sobre a Cegueira. 1995. p.131)
Seguindo fielmente o enredo criado por José Saramago, o filme conta a história de um país onde as pessoas repentinamente se surpreendem cegas. Diferente da cegueira da qual sempre ouvimos falar, esta se caracteriza pelo fato de ser altamente contagiosa e por deixar suas vítimas “enxergando” tudo branco, como num mar de leite. Na tentativa de evitar que o país inteiro fique cego, as primeiras centenas de pessoas a apresentarem a doença são isoladas em uma estrutura velha – que antigamente fora um manicômio – e ali necessitam aprender formas diferentes de convivência, haja vista a frágil situação em que se encontram.
Um outro acontecimento imprevisto é o fato de uma das personagens deste cenário, a mulher do médico, não ter contraído a cegueira, e mesmo assim ter se juntado aos demais cegos, apenas para auxiliar seu marido.
O filme é marcado por duas problemáticas principais que dão a dinâmica para a história. A primeira delas é a desordem que paulatinamente se instaura tanto no lugar onde foram trancados os primeiros cegos, quanto no restante do país, que não consegue conter a epidemia e rapidamente se vê no meio do caos, sem comida e água suficientes, sem condições de higiene, etc.
A segunda problemática fica por conta de alguns homens cegos maus – eles tinham em seu grupo alguns cegos antigos, acometidos pela cegueira comum, e que portanto tiveram tempo de aprender a escrita braile, além de lidar muito melhor com a ausência de visão –, que roubaram os objetos de valor dos outros cegos, se apropriaram da comida que era mandada para ser dividida entre todos e, num outro momento, exigiram visitas íntimas das mulheres dos outros quartos.
Podemos identificar no livro e, com as devidas ressalvas, no filme de Fernando Meirelles diversas críticas sócio-culturais e políticas que certamente se aplicam à sociedade em que vivemos. Nesse sentido, um fator digno de nota é a ausência de identidade do país e das personagens da história. Nenhum deles é mencionado pelo nome, mas sim pelo papel que cumprem em seu meio social, o que nos dá maior liberdade de associação da história com a nossa realidade. Vemos também a posição negligente do governo ao isolar os primeiros cegos, sem se preocupar em dar-lhes a assistência devida. Diante dos desafios inesperados, as pessoas adotam tanto comportamentos solidários e fraternais, como machistas, corruptos, egoístas e ofensivos entre si.
O primeiro cego começa por declarar que mulher sua não se sujeitaria à vergonha de entregar o corpo a desconhecidos em troca do que fosse [neste caso, comida], que nem ela o quereria nem ele o permitiria, que a dignidade não tem preço, (…) Sou tanto como as outras, faço o que elas fizerem (…) É uma indecência, Está na tua mão não seres indecente, a partir de agora não comas, foi esta a cruel resposta, inesperada em pessoa que até hoje se mostrara dócil e respeitadora do seu marido. (SARAMAGO, 1995. p.167-68)
Enfim, os padrões morais e éticos da vida interior ficam totalmente questionados, dando origem a novos padrões morais e éticos, totalmente imprevistos. Ensaio sobre a Cegueira se mostra um filme interessante, e principalmente um livro imprescindível – devido à riqueza e maior aprofundamento das discussões a que se propõe realizar – sobre os riscos e dramas da vida humana, que nos traz uma grande reflexão sobre nossa sociedade atual.