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A revolução dos “jacobinos negros” no Haiti

A revolução dos "jacobinos negros" no Haiti

É parte fundamental da luta dos trabalhadores negros a tarefa de reconstituir a história de resistência contra os séculos de escravidão, exploração e opressão. Ao contrário do que é normalmente veiculado, os negros jamais aceitaram passivamente o processo de serem raptados na África, vendidos como escravos, tratados como animais e explorados durante séculos nas Américas. Inúmeras formas de resistência foram praticadas, desde as saídas individuais desesperadas, como os suicídios, fugas, assassinato de capatazes, senhores e autoridades, saídas "por dentro do sistema" como a compra da liberdade através de cartas de alforria, até as formas coletivas, como as rebeliões, fugas em massa, quilombos e a revivescência das religiões, dos costumes e da cultura africanas.

No Brasil subsistem inúmeras comunidades de remanescentes quilombolas, herdeiros da resistência de seus ancestrais contra a escravidão. O mais famoso episódio de resistência contra a escravidão e também o mais atípico dos quilombos, pelo seu tamanho, longa duração e heroísmo de sua guerra contra os escravistas, foi o quilombo dos Palmares (1597-1695), cuja memória do principal líder, Zumbi, é celebrada no dia 20 de Novembro, dia nacional da consciência negra.

Fora do Brasil, um dos mais marcantes episódios da luta dos negros foi a revolução haitiana. O jornalista e militante negro Cyril Lionel Robert James (1901-1989), nascido no Caribe e tendo vivido a maior parte na Inglaterra e Estados Unidos, publicou em 1938 um clássico da historiografia marxista intitulado "Os Jacobinos Negros", que narra a história da luta dos negros haitianos contra a escravidão e o domínio colonial e a trajetória de seus principais líderes. A obra de C.L.R. James faz uma análise rigorosamente marxista e científica das classes e frações de classes da sociedade haitiana, suas aspirações e ideologias, e suas relações com o mundo colonial, no momento em que o capitalismo experimentava a Revolução Industrial na Inglaterra e a Revolução Francesa.

Breve história do Haiti

O Haiti se localiza na parte ocidental da ilha de São Domingos (inicialmente batizada de Hispaniola por Colombo), com uma área territorial coincidentemente quase idêntica ao do Estado de Alagoas, em que existiu o quilombo de Palmares. A parte oriental forma a República Dominicana. A ilha de São Domingos foi inicialmente uma colônia espanhola, onde já em 1560, no primeiro engenho de cana de açúcar, de propriedade do governador Diego Colombo, filho do navegador, aconteceu a primeira revolta de escravos. Depois do massacre dos povos originários, de etnia arauaque e taino, as mesmas que habitavam o restante das ilhas do mar do Caribe, estabeleceu-se uma próspera colônia de "plantation", especializada na produção de cana de açúcar, com base no trabalho escravo de negros africanos.

Em fins do século XVII, piratas franceses, em sua maioria originários da região da Normandia, começam a se estabelecer na parte ocidental de São Domingos, a partir de suas bases na lendária ilha de Tortuga, espécie de capital da pirataria no Atlântico. A língua hoje falada no Haiti, o "créole", tem origem em grande parte no dialeto normando. Em 1697 foi assinado um tratado entre as coroas da Espanha e da França, reconhecendo a soberania dos franceses sobre o território que mais tarde constituiria o Haiti.

Ao longo do século XVIII a riqueza da colônia francesa cresce enormemente, a ponto de se tornar responsável por dois terços do comércio exterior francês. Os proprietários de São Domingos acumulam uma riqueza gigantesca, comparável a dos nobres na metrópole. Por volta da década de 1790, a colônia francesa contava com uma população de cerca de 500 mil escravos negros, contra pouco mais de 30 mil brancos. Havia também alguns milhares de negros libertos, mulatos e mestiços, que chegaram a gozar dos direitos de homens livres, e também do direito de possuir por sua vez propriedades e escravos. Quando eclode a Revolução em 1789, os proprietários na colônia, brancos e mulatos, vêem a oportunidade da independência em relação ao domínio francês. Entretanto, os escravos tinham outros planos…

A revolta dos escravos e seus líderes

Um dos traços característicos do regime escravista na São Domingos francesa era a crueldade, traço bastante ressaltado por James. Os constantes abusos, maus-tratos, castigos, torturas e mortes de escravos criavam um clima de ódio e revolta explosivos. Quando o governo revolucionário na metrópole proclama a libertação dos escravos nas colônias, os proprietários estavam mais preocupados com suas rivalidades internas, pois os mulatos queriam reaver os direitos que lhes haviam sido recentemente cassados, o que os brancos tentavam impedir. Os negros se aproveitaram disso e iniciaram uma rebelião, em 1791. O levante foi coordenado a partir dos rituais de vudu, cujos batuques ecoavam pelas florestas, unindo os negros nas senzalas aos seus irmãos nos quilombos, percorrendo toda a colônia e preparando o momento do ataque.

A primeira fase da revolução foi caótica, com os negros atacando repentinamente os brancos, assassinando os senhores e suas famílias, incendiando as propriedades e as cidades. Em meio a esse caos, os ingleses e os espanhóis se aproveitam para invadir partes da colônia francesa. É então que, em 1794, emerge a figura de Toussaint Breda, que depois adotaria o sobrenome de L'Ouverture, um escravo de mais de 40 anos, que trabalhava como secretário de um proprietário mais esclarecido (o qual inclusive salvou do massacre). Toussaint, homem de inteligência extraordinária (James o compara a Napoleão), foi alfabetizado em francês erudito e latim, tendo a oportunidade de ler a obra do abade Raynal sobre a escravidão no Caribe e os comentários de Júlio César sobre a guerra contra os gauleses.

Com este cabedal, e também o conhecimento dos ideais iluministas que guiaram a primeira fase da Revolução Francesa, propôs-se a liderar um exército de negros e constituir na colônia um novo estado, irmanado à França revolucionária. O ideal de Toussaint era um país unido à França sob um regime democrático e politicamente igualitário, em que brancos e negros teriam direitos iguais. Com este ideal, ele chegou a ter a aliança de Rigaud, líder dos mulatos, com o qual posteriormente rompeu e derrotou em batalha. Além de líder militar, Toussaint era também político e administrador competente, capaz de conter os excessos vingança contra os brancos, conseguir a cooperação dos proprietários, atender as reivindicações dos negros, que deixaram de ser escravos, e negociar com outros países, como a Inglaterra e os Estados Unidos.

Desfecho da revolução

A narrativa de James é uma defesa apaixonada da luta dos explorados e oprimidos, mas não deixa de apontar, de maneira implacável, os erros e limites de seus líderes, de forma a servir de lição para as lutas dos trabalhadores em vários outros cenários. Toussaint pretendia manter a economia haitiana em funcionamento, e para isso não encontrou outra forma que não forçar os ex-escravos a continuar trabalhando nas fazendas e engenhos, sob direção dos proprietários remanescentes. Ele jamais deixou de acreditar na França e sua revolução, sem perceber que, sob Napoleão, o regime caminhava para a estabilização e o estancamento das conquistas revolucionárias.

Em 1801, Napoleão enviou seu próprio cunhado a São Domingos, o general Leclerc, no comando de um exército que chegou a ter 34 mil soldados. Inquieto com a ameaça de retorno à escravidão, o sobrinho de Toussaint, chamado Moïse, comanda um ataque contra os brancos, pelo qual foi punido pelo tio. A punição de Moïse criou um abismo de desconfiança entre Toussaint e os negros, que passaram a achar que seu líder trabalhava pela restauração da escravidão. Toussaint acabou preso por Leclerc e enviado para a França, morrendo no cárcere em 1803, sem jamais ser ouvido por Napoleão, a quem tentaria convencer da necessidade de manter a liberdade dos negros como condição para manter a fidelidade da colônia à França.

Enquanto isso, em São Domingos, os tenentes de Toussaint que permaneceram no comanndo do exército por ele formado, Dessalines, Christophe, Clairveaux, Maurepas, Pétion, conduzem uma guerra implacável contra Leclerc, que acabaria morrendo de febre em 1803, assim como parte de seu exército. A vitória final dos negros conduz ao massacre dos brancos e proprietários que restaram. A independência é proclamada em 1804 por Dessalines e o país adota o nome de Haiti, que na língua indígena significa "lugar montanhoso".

A história do Haiti até os dias de hoje

Logo após a independência, o Haiti se viu cercado por um isolamento internacional comparável somente ao bloqueio que hoje pesa sobre Cuba. O exemplo da revolução dos escravos, terrível para os senhores de todo o continente, precisava ser combatido e cercado a qualquer custo, para garantir a paz dos dominadores. A economia regrediu para uma agricultura de subsistência e a dívida para com a França sugou as riquezas do país durante décadas. Em 1913 o país foi invadido por fuzileiros estadunidenses. Entre 1957 e 1986 viveu sob a ditadura de François Duvalier, apelidado "Papa Doc", e seu filho Claude Duvalier, o "Baby Doc", que governavam por meio dos esquadrões da morte chamados "Tonton Macoutes". Um dos líderes da resistência à ditadura, o padre Jean-Bertrand Aristide, foi presidente do país duas vezes desde então. Tendo por fim capitulado ao neoliberalismo, acabou mesmo assim removido do poder pelos Estados Unidos, em 2004.

Desde então, o país vive sob ocupação estrangeira, com uma tropa da ONU liderada pelo Brasil, que cumpre assim vergonhosamente o papel de braço armado do imperialismo para oprimir a população miserável do Haiti e impedir suas lutas. No início de 2010 o Haiti foi vítima de um fortíssimo terremoto, que destruiu a já precária infra-estrutura do país, e em outubro deste ano alastrou-se uma epidemia de cólera. O país mais pobre do hemisfério, o primeiro em que os trabalhadores protagonizaram uma revolução que levaria à independência, se ressente da falta de novos jacobinos e revolucionários que liderem seu povo contra a dominação.

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Declaração do Espaço Socialista ao povo haitiano

DECLARAÇÃO DO ESPAÇO SOCIALISTA
 
Solidariedade real ao povo haitiano e não à ocupação !!!
Apesar do terremoto que atingiu o Haiti ter sido um acontecimento da natureza, a gravidade das suas consequências é resultado da situação de miséria que assola a grande maioria de sua população. A dificuldade diária de se conseguir alimento e água, a precariedade das construções, a falta de uma rede de serviços sociais, são problemas que agravam muito o que já seria trágico, aumentando assim as dimensões da catástrofe. Terremotos com a mesma intensidade ocorreram em outros países –como o Japão –, sem que o impacto fosse tão devastador.
Da mesma forma, no Brasil, a imprensa atribui a causa das enchentes e deslizamentos ao excesso das chuvas. Com isso tentam encobrir o fato de que é a lógica capitalista que gera as condições precárias de moradia nas periferias e que os governos priorizam obras em favor dos empresários ao invés de outras que permitam melhores condições de escoamento da água nos bairros populares. A mesma quantidade de chuva cai no Morumbi e nos Jardins, mas não ouvimos falar de enchentes nos bairros onde mora a burguesia…
No caso do Haiti, com seus 9 milhões de habitantes, trata-se do país mais pobre do hemisfério ocidental – 146º lugar entre 177 países avaliados pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) –, onde mais da metade da população vive com menos de 1 dólar por dia, e cerca de 78% com menos de 2 dólares. A taxa de mortalidade infantil é altíssima: 60 em cada 1.000 nascimentos. Essa miséria não é natural, é a conseqüência das sucessivas ocupações e colonização das potências imperialistas sobre o país.
 
O terremoto é natural, mas as conseqüências não são
 A miséria do Haiti não é um produto do acaso, e muito menos uma vocação desse povo. Ao contrário, o povo negro do Haiti protagonizou lutas gloriosas contra inimigos muito mais fortes.
Prova disso, é que ele foi o primeiro país das Américas a se tornar livre, na Revolução liderada pelos “Jacobinos Negros”: “Em 1803, a bandeira dos homens livres levantou-se sobre as ruínas. Mas a terra haitiana fora devastada pela monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França, e um terço da população havia caído no combate. Então começou o bloqueio. Ninguém comprava do Haiti, ninguém vendia, ninguém reconhecia a nova nação…”
Fruto de seu isolamento e do pouco desenvolvimento de suas forças produtivas “…o Haiti acabou caindo nas mãos de ditaduras militares carniceiras, que destinavam os famélicos recursos do país ao pagamento da dívida francesa. A Europa havia imposto ao Haiti a obrigação de pagar à França uma indenização gigantesca, a modo de perda por haver cometido o delito da dignidade.”(Eduardo Galeano – Os pecados do Haiti, em www.resistir.info.net).
De lá para cá, o povo haitiano novamente esteve submetido ao saque e à dominação dos países imperialistas. Em 1915 foram os EUA que invadiram o país, governando-o até 1934, e só saindo após conseguir cobrar as dívidas do Haiti com o Citibank e modificar o artigo constitucional que proibia a venda de terras a estrangeiros. Desde então, a Casa Branca exerce uma espécie de protetorado no país.
Portanto, essas potências mantiveram o Haiti como seu fornecedor barato de matérias-primas como   açúcar, banana, manga, milho, batata-doce, legumes, tubérculos e outros mais. Hoje, aliado ao peso majoritário da agricultura, surgiu um setor de produção voltado para a exportação e que superexplora os trabalhadores.
 
ONU, EUA e Brasil no Haiti: Armas e Repressão  para manter o povo haitiano na miséria
Recentemente, em 2004, o Brasil passou a comandar a Minustah (missão de ocupação da ONU). Desde então, sempre que há revoltas ou manifestações contra a miséria e os baixos salários, entram em ação as “Tropas de Paz” para reprimir duramente. O argumento da reconstrução da institucionalidade do país não se sustenta. Os problemas sociais não foram resolvidos e, ao contrário, agravaram-se. Em janeiro de 2006, o general Urano Teixeira Bacellar, que estava no comando da Minustah há poucos meses – desde setembro de 2005 -, se suicidou após ter alertado que os problemas no Haiti não demandavam tropas e sim justiça social.
Atualmente, a liderança do Brasil na Minustah também serve de treinamento para os militares brasileiros conterem rebeliões nas favelas brasileiras, que tendem a se agravar à medida em que o capital exclui de cada vez mais pessoas dos direitos mínimos a uma vida digna.
Uma simples comparação de valores expõe o descaso da ONU e dos países dominantes diante da situação do Haiti: desde a irrupção da crise econômica, os governos destinaram para as grandes empresas e o sistema financeiro mais de US$ 15 trilhões (http://oglobo.globo.com/economia/mat/2009/02/11), enquanto que para socorrer as vítimas do Haiti, a ONU pediu aos países membros US$ 562 milhões, um valor absolutamente irrisório diante da magnitude da catástrofe. Mesmo assim, até agora só foram enviados US$ 207 milhões, 36,1% do prometido. Neste valor ainda estão incluídos os gastos militares, como deslocamento, manutenção das tropas etc.
Já o governo Lula dedicou aos empresários o equivalente a R$ 475 bilhões desde quando eclodiu a crise no Brasil (http://economia.uol.com.br/ultnot/bbc/2009/04/03/ult2283u1708.jhtm). Mas para a ajuda  humanitária ao Haiti – excluindo-se a manutenção das tropas -, até agora foram enviados apenas R$ 15 milhões.  Por outro lado, a manutenção das tropas no Haiti já tem um custo de mais de R$ 703 milhões desde 2004, segundo dados do Ministério da Defesa (www.agenciabrasil.gov.br). Isto é mais de 120 vezes a ajuda humanitária até agora destinada ao Haiti pelo governo brasileiro. E agora, como se não bastasse, Lula propôs e o Congresso aprovou o envio de até mais 1.300 militares, duplicando o efetivo atual no país.
 
Estados Unidos, mais uma vez, mostra a sua cara
Os EUA se aproveitam para, de fato, ocupar o país com cerca de 20 mil soldados – o dobro do efetivo total da ONU –, assumindo o comando do espaço aéreo, portos e estradas do país caribenho.( ww1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u683605.shtml) .Assim, ao todo são 30 mil militares em um país de apenas 9 milhões de habitantes!
Ao contrário do que é dito pela ONU, EUA, Lula, e a grande mídia, as tropas não têm função humanitária, nem de reconstrução, mas sim de manter os trabalhadores haitianos numa situação de submissão, recebendo salários miseráveis e assumindo jornadas subumanas de trabalho para as empresas prestadoras de serviços de grandes transnacionais.
Os principais argumentos dos que defendem a manutenção e o envio de mais soldados para o Haiti são os mesmos dos que sempre defenderam a ocupação e submissão do país: argumentam que a população trabalhadora não é capaz de se organizar e de coordenar a ajuda internacional e reconstruir sua economia. Mas a história deste povo mostra o contrário, como vimos acima. Além disso, a realidade também mostra que a população haitiana possui uma rede de organizações de base como sindicatos, organizações populares, estudantis e de bairros. São essas organizações que de fato estão fazendo de tudo para manter um mínimo de serviços essenciais como alimentação, saúde e segurança.
O verdadeiro receio dos EUA e da ONU é justamente de que essa população – cuja imensa maioria é de trabalhadores e pobres – venha a assumir o controle do seu destino, em outras palavras, que seja deflagrada uma rebelião social ou um processo revolucionário, com impacto em toda a América.  
Além de tentarem prevenir um possível processo insurrecional no Haiti, os EUA aproveitam para buscar reforçar seu controle militar na região e impor limites ao papel que o Brasil vem tentando ocupar no terreno internacional. As bases militares na Colômbia e a reativação da Quarta Frota, encarregada de patrulhar o Atlântico Sul, também fazem parte dessa estratégia.  
As metralhadoras e baionetas no peito dos soldados mostram o verdadeiro objetivo das forças militares do Brasil, dos Estados Unidos e da ONU.
 
É preciso solidariedade real e não ocupação militar!
Defendemos uma campanha internacional de solidariedade aos trabalhadores do Haiti. Mas a solidariedade que defendemos é a solidariedade a serviço da luta e não se confunde com o assistencialismo propagado pelos governos e a mídia burguesa.  
A ONU, Lula, e os EUA têm a intenção de usar a “ajuda humanitária” para com isso levar as pessoas à passividade e a aceitarem a ocupação no Haiti. Já a nossa solidariedade deve ter um conteúdo diametralmente oposto. Deve estar a serviço da luta pela retirada das tropas e para que os governos responsáveis pela tragédia social do Haiti venham a ressarcir a dívida que têm com aquele país.          
Em primeiro lugar, temos que denunciar e exigir a imediata retirada de todas as Tropas de Ocupação e que o dinheiro desperdiçado para manter essas tropas seja direcionado para a ajuda humanitária e a reconstrução do país!
 Também é preciso exigir ajuda internacional compatível ao tamanho da catástrofe e não apenas as migalhas doadas até agora e sem nenhuma garantia de que chegarão, pois os governos burgueses fazem demagogia até com a vida das pessoas. A cobrança deve ser maior para as potências que sempre exploraram a economia haitiana, como EUA, França e Inglaterra.
Além disso, é preciso que toda a ajuda recolhida seja entregue às organizações de luta dos trabalhadores e estudantes do Haiti, e não nas mãos da ONU, dos EUA ou das tropas brasileiras, que usam o mote da ajuda humanitária para disfarçar e legitimar a ocupação. Só as organizações de luta dos trabalhadores podem garantir que os recursos arrecadados sejam usados para reconstruir a luta contra a ocupação, a exploração e a dominação do seu país, na perspectiva socialista, de um governo dos trabalhadores no Haiti.
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Declaração contra a ocupação do Haiti – Janeiro 2010


ESPAÇO SOCIALISTA

Solidariedade real ao povo haitiano e não à ocupação!!!

Apesar do terremoto que atingiu o Haiti ter sido um acontecimento da natureza, a gravidade das suas consequências é resultado da situação de miséria que assola a grande maioria de sua população. A dificuldade diária de se conseguir alimento e água, a precariedade das construções, a falta de uma rede de serviços sociais, são problemas que agravam muito o que já seria trágico, aumentando assim as dimensões da catástrofe. Terremotos com a mesma intensidade ocorreram em outros países –como o Japão –, sem que o impacto fosse tão devastador.

Da mesma forma, no Brasil, a imprensa atribui a causa das enchentes e deslizamentos ao excesso das chuvas. Com isso tentam encobrir o fato de que é a lógica capitalista que gera as condições precárias de moradia nas periferias e que os governos priorizam obras em favor dos empresários ao invés de outras que permitam melhores condições de escoamento da água nos bairros populares. A mesma quantidade de chuva cai no Morumbi e nos Jardins, mas não ouvimos falar de enchentes nos bairros onde mora a burguesia…

No caso do Haiti, com seus 9 milhões de habitantes, trata-se do país mais pobre do hemisfério ocidental – 146º lugar entre 177 países avaliados pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) –, onde mais da metade da população vive com menos de 1 dólar por dia, e cerca de 78% com menos de 2 dólares. A taxa de mortalidade infantil é altíssima: 60 em cada 1.000 nascimentos. Essa miséria não é natural, é a conseqüência das sucessivas ocupações e colonização das potências imperialistas sobre o país.

 

O terremoto é natural, mas as conseqüências não

  A miséria do Haiti não é um produto do acaso, e muito menos uma vocação desse povo. Ao contrário, o povo negro do Haiti protagonizou lutas gloriosas contra inimigos muito mais fortes.

Prova disso, é que ele foi o primeiro país das Américas a se tornar livre, na Revolução liderada pelos “Jacobinos Negros”: “Em 1803, a bandeira dos homens livres levantou-se sobre as ruínas. Mas a terra haitiana fora devastada pela monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França, e um terço da população havia caído no combate. Então começou o bloqueio. Ninguém comprava do Haiti, ninguém vendia, ninguém reconhecia a nova nação…”

Fruto de seu isolamento e do pouco desenvolvimento de suas forças produtivas “…o Haiti acabou caindo nas mãos de ditaduras militares carniceiras, que destinavam os famélicos recursos do país ao pagamento da dívida francesa. A Europa havia imposto ao Haiti a obrigação de pagar à França uma indenização gigantesca, a modo de perda por haver cometido o delito da dignidade.”(Eduardo Galeano – Os pecados do Haiti, em www.resistir.info.net).

De lá para cá, o povo haitiano novamente esteve submetido ao saque e à dominação dos países imperialistas. Em 1915 foram os EUA que invadiram o país, governando-o até 1934, e só saindo após conseguir cobrar as dívidas do Haiti com o Citibank e modificar o artigo constitucional que proibia a venda de terras a estrangeiros. Desde então, a Casa Branca exerce uma espécie de protetorado no país.

Portanto, essas potências mantiveram o Haiti como seu fornecedor barato de matérias-primas como   açúcar, banana, manga, milho, batata-doce, legumes, tubérculos e outros mais. Hoje, aliado ao peso majoritário da agricultura, surgiu um setor de produção voltado para a exportação e que superexplora os trabalhadores.

 

ONU, EUA e Brasil no Haiti: Armas e Repressão  para manter o povo haitiano na miséria

Recentemente, em 2004, o Brasil passou a comandar a Minustah (missão de ocupação da ONU). Desde então, sempre que há revoltas ou manifestações contra a miséria e os baixos salários, entram em ação as “Tropas de Paz” para reprimir duramente. O argumento da reconstrução da institucionalidade do país não se sustenta. Os problemas sociais não foram resolvidos e, ao contrário, agravaram-se. Em janeiro de 2006, o general Urano Teixeira Bacellar, que estava no comando da Minustah há poucos meses – desde setembro de 2005 -, se suicidou após ter alertado que os problemas no Haiti não demandavam tropas e sim justiça social.

Atualmente, a liderança do Brasil na Minustah também serve de treinamento para os militares brasileiros conterem rebeliões nas favelas brasileiras, que tendem a se agravar à medida em que o capital exclui de cada vez mais pessoas dos direitos mínimos a uma vida digna.

Uma simples comparação de valores expõe o descaso da ONU e dos países dominantes diante da situação do Haiti: desde a irrupção da crise econômica, os governos destinaram para as grandes empresas e o sistema financeiro mais de US$ 15 trilhões (http://oglobo.globo.com/economia/mat/2009/02/11), enquanto que para socorrer as vítimas do Haiti, a ONU pediu aos países membros US$ 562 milhões, um valor absolutamente irrisório diante da magnitude da catástrofe. Mesmo assim, até agora só foram enviados US$ 207 milhões, 36,1% do prometido. Neste valor ainda estão incluídos os gastos militares, como deslocamento, manutenção das tropas etc.

Já o governo Lula dedicou aos empresários o equivalente a R$ 475 bilhões desde quando eclodiu a crise no Brasil (http://economia.uol.com.br/ultnot/bbc/2009/04/03/ult2283u1708.jhtm). Mas para a ajuda  humanitária ao Haiti – excluindo-se a manutenção das tropas -, até agora foram enviados apenas R$ 15 milhões.  Por outro lado, a manutenção das tropas no Haiti já tem um custo de mais de R$ 703 milhões desde 2004, segundo dados do Ministério da Defesa (www.agenciabrasil.gov.br). Isto é mais de 120 vezes a ajuda humanitária até agora destinada ao Haiti pelo governo brasileiro. E agora, como se não bastasse, Lula propôs e o Congresso aprovou o envio de até mais 1.300 militares, duplicando o efetivo atual no país.

 
Estados Unidos, mais uma vez, mostra a sua cara

Os EUA se aproveitam para, de fato, ocupar o país com cerca de 20 mil soldados – o dobro do efetivo total da ONU –, assumindo o comando do espaço aéreo, portos e estradas do país caribenho.( ww1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u683605.shtml) .Assim, ao todo são 30 mil militares em um país de apenas 9 milhões de habitantes!

Ao contrário do que é dito pela ONU, EUA, Lula, e a grande mídia, as tropas não têm função humanitária, nem de reconstrução, mas sim de manter os trabalhadores haitianos numa situação de submissão, recebendo salários miseráveis e assumindo jornadas subumanas de trabalho para as empresas prestadoras de serviços de grandes transnacionais.

Os principais argumentos dos que defendem a manutenção e o envio de mais soldados para o Haiti são os mesmos dos que sempre defenderam a ocupação e submissão do país: argumentam que a população trabalhadora não é capaz de se organizar e de coordenar a ajuda internacional e reconstruir sua economia. Mas a história deste povo mostra o contrário, como vimos acima. Além disso, a realidade também mostra que a população haitiana possui uma rede de organizações de base como sindicatos, organizações populares, estudantis e de bairros. São essas organizações que de fato estão fazendo de tudo para manter um mínimo de serviços essenciais como alimentação, saúde e segurança.

O verdadeiro receio dos EUA e da ONU é justamente de que essa população – cuja imensa maioria é de trabalhadores e pobres – venha a assumir o controle do seu destino, em outras palavras, que seja deflagrada uma rebelião social ou um processo revolucionário, com impacto em toda a América.  

Além de tentarem prevenir um possível processo insurrecional no Haiti, os EUA aproveitam para buscar reforçar seu controle militar na região e impor limites ao papel que o Brasil vem tentando ocupar no terreno internacional.. As bases militares na Colômbia e a reativação da Quarta Frota, encarregada de patrulhar o Atlântico Sul, também fazem parte dessa estratégia.  

As metralhadoras e baionetas no peito dos soldados mostram o verdadeiro objetivo das forças militares do Brasil, dos Estados Unidos e da ONU.

 

É preciso solidariedade real e não ocupação militar!

Defendemos uma campanha internacional de solidariedade aos trabalhadores do Haiti.. Mas a solidariedade que defendemos é a solidariedade a serviço da luta e não se confunde com o assistencialismo propagado pelos governos e a mídia burguesa.   

A ONU, Lula, e os EUA têm a intenção de usar a “ajuda humanitária” para com isso levar as pessoas à passividade e a aceitarem a ocupação no Haiti. Já a nossa solidariedade deve ter um conteúdo diametralmente oposto. Deve estar a serviço da luta pela retirada das tropas e para que os governos responsáveis pela tragédia social do Haiti venham a ressarcir a dívida que têm com aquele país.           

Em primeiro lugar, temos que denunciar e exigir a imediata retirada de todas as Tropas de Ocupação e que o dinheiro desperdiçado para manter essas tropas seja direcionado para a ajuda humanitária e a reconstrução do país!

 Também é preciso exigir ajuda internacional compatível ao tamanho da catástrofe e não apenas as migalhas doadas até agora e sem nenhuma garantia de que chegarão, pois os governos burgueses fazem demagogia até com a vida das pessoas. A cobrança deve ser maior para as potências que sempre exploraram a economia haitiana, como EUA, França e Inglaterra.

Além disso, é preciso que toda a ajuda recolhida seja entregue às organizações de luta dos trabalhadores e estudantes do Haiti, e não nas mãos da ONU, dos EUA ou das tropas brasileiras, que usam o mote da ajuda humanitária para disfarçar e legitimar a ocupação. Só as organizações de luta dos trabalhadores podem garantir que os recursos arrecadados sejam usados para reconstruir a luta contra a ocupação, a exploração e a dominação do seu país, na perspectiva socialista, de um governo dos trabalhadores no Haiti.

 

Espaço Socialista – São Paulo, jan/2010

 

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