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Jornal 96: Para onde caminha a saúde pública em Alagoas?


29 de janeiro de 2017

Densas nuvens pairam sobre a classe trabalhadora alagoana. Há um contexto socioeconômico pouquíssimo favorável para aqueles que vivem da venda da força de trabalho: de acordo com o Ipea, o estado teve o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM) do país no período de 2011 a 2014, que foi 0,6671.3

Estatísticas reunidas pelo IBGE revelaram que, em 2015, 1 a cada 3 jovens alagoanos (de 15-29 anos) estava sem emprego nem matrícula escolar – o que também trouxe a Alagoas o menor índice nacional do IDHM. A saúde pública local tem seguido essa mesma maré, o que torna ainda mais assombroso o temporal enfrentando por trabalhadoras e trabalhadores no território.

Nos últimos meses, trabalhadores alagoanos depararam-se com a suspensão dos serviços de alguns de seus hospitais públicos. Os discursos apontam pra causas diversas – falta de medicamentos, atraso no pagamento do salário dos servidores, impasses administrativos etc. – mas podemos encontrar um ponto comum entre todas essas situações.

Elas evidenciam o degradado atendimento médico que moradores da periferia, assim como trabalhadores que vivem sob dificuldades econômicas, encontram-se forçados a se submeter em sua rotina quando adoecem. Também revelam como os governos estadual e municipais – que não passam do poder institucional que protege e viabiliza os interesses do capital – desprezam o bem-estar físico e psicológico da população, seja no “mau gerenciamento” dos hospitais ou na frequente “insuficiência de recursos” necessários às atividades do setor.

Alagoas: quando a saúde pública rasteja

Para citar alguns dos episódios mais recentes: em Maceió, a maternidade Santa Mônica e o hospital Dr. Helvio Auto estiveram inativos durante um período de novembro e dezembro de 2016 por falta de remédios e outros materiais médicos; ainda em dezembro, devido ao racionamento de recursos do Hospital Geral do Estado (HGE), famílias de pessoas internadas se viram obrigadas a comprar fraldas, remédios, esparadrapos, pomadas, soros etc. para que o tratamento dos pacientes fosse garantido.

Durante o Natal em Atalaia, servidores da saúde paralisaram as atividades porque estavam sem receber seus salários há três meses (assim como o 13º e o valor correspondente às férias). Também denunciavam as precárias condições de trabalho, como a falta de combustível para as ambulâncias e de materiais básicos como sacos de lixo (o que os forçava a descartar materiais cirúrgicos irregularmente) – o nome do hospital em que trabalham, por ironia, é João Lyra.

Em janeiro deste ano, lideranças comunitárias e funcionários do Mini Pronto Socorro João Fireman protestaram nas ruas do Jacintinho contra o projeto da Secretaria de Estado da Saúde de tornar o local uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), reclamando que a transformação reduzirá as especialidades médicas e sua qualidade de atendimento. Se a saúde é um direito de todos, por que tanta luta?

Saúde Pública em Alagoas: um direito?

A saúde pública, gratuita e de acesso universal foi uma grande conquista dos trabalhadores na Constituição Federal de 1988 que, em seu artigo 194, assegura a promoção de um sistema articulado de Seguridade Social (em que estão contidas, além da saúde, a previdência e a assistência social).

A contradição é que, apesar da saúde ser “um direito de todos e dever do Estado”, temos hospitais e postos de saúde abandonados, falta de materiais básicos, demora no atendimento, funcionários mal remunerados e outros fatores que afetam uma parcela da população que não pode pagar por um plano de saúde. Além da histórica precarização da rede pública de saúde, assistimos nos últimos anos o avanço da iniciativa privada no gerenciamento da saúde pública.

“Haja paciência, pacientes”

Um dos maiores problemas enfrentados em Alagoas é a carência de diversas especialidades médicas: faltam médicos na área de neurologia, nefropediatria, entre outras especialidades. Essa carência aumenta as filas, fazendo a espera pelo atendimento ser muito maior que a paciência de quem precisa de atendimento. A espera por uma consulta agendada varia de dois a quatro meses: um tempo que muitas pessoas não dispõem para esperar.

Por essa escassez, alguns atendimentos são viabilizados em estados vizinhos ou onde o sistema do SUS rastrear a vaga. Crianças que, ao nascer, sofrem de alguns problemas cardíacos ainda são tratadas em hospitais de Pernambuco. O paciente é encaminhado pelo SUS para o Tratamento Fora de Domicílio (TFD), que deve assegurar os meios necessários para que o tratamento ocorra (com transporte adequado e auxílio financeiro). No entanto, vivenciamos uma conjuntura que demanda o enxugamento de investimentos em políticas para a população para que mais recursos sejam destinados aos bancos, o que ocasiona sérios reflexos na qualidade de vida das pessoas.

Uma das saídas para atendimentos imperativos e complexos é o apelo à justiça, para que esta cobre que o estado cumpra com seu “dever” constitucional de assegurar o direito à saúde. São muitos e diversos os pedidos que têm chegado até a justiça: TFD, homecare, liberação de compostos lácteos (primordiais para pacientes que sofrem de severas intolerâncias à lactose, como as crianças com fibrose cística), medicamentos, exames etc.

No entanto, o atendimento a essas demandas muitas vezes tem ficado a desejar, visto que, mesmo com a determinação judicial, o governo estadual adia indeterminadamente uma solução (ou simplesmente não cumpre com a decisão judicial). O trágico é que quando trata-se de pagar a dívida pública o estado é rápido e não poupa esforços na tarefa, enquanto que, para atender as necessidades básicas da população – como acesso a serviços de saúde – é moroso e “sem recursos”.

A ameaça das OS: Privatização mascarada e desmedida

As Organizações Sociais (OS) são entidades privadas para as quais o estado delega, através de contrato, a prestação de serviços que outrora eram por ele executados. No campo formal, são organizações sem fins lucrativos. A história, porém, tem provado que, onde foram implementadas, as OS facilitaram o desvio de verbas públicas e o caos no atendimento das unidades que gerenciam. Isso ocorre porque a lógica do lucro é o pilar fundamental da iniciativa privada que, para atingir tal objetivo, lança-se sobre quaisquer meios.

O governo de Renan Filho pretende entregar à administração de Organizações Sociais diversos serviços de saúde. As UPAs, inauguradas recentemente, foram entregues ao gerenciamento privado via OS. O maior hospital de Alagoas, o HGE, também se encontra sob ameaça de cair nas mãos do mesmo sistema que tem causado tantos problemas em outros estados. O Mini Pronto-Socorro Assis Chateaubriand, localizado num dos bairros mais populosos de Maceió, o Jacintinho, está ameaçado de demolição: ao invés de reformar e preservar o patrimônio público, o governo pretende demolir o prédio e construir uma UPA em seu lugar que, com certeza, será gerida por OS.

É preciso que a população se reúna, discuta as razões da atual situação da saúde pública em Alagoas, e lute pela manutenção dos nossos parcos direitos que estão sendo retirados. A situação econômica no país tende a se agravar, o que resvala na população os cortes de verbas para os serviços públicos e tantas outras medidas que penalizam, sobretudo, os trabalhadores sob condições de maior pobreza.

1 Esse estudo leva em consideração dados sobre a Educação, renda e longevidade.