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Jornal 96: Crise, sistema prisional e capital: genocídio e lucro


28 de janeiro de 2017

Nos últimos dias, temos presenciado rebeliões em diversos presídios, eventos que expuseram as condições degradantes as quais milhares de seres humanos estão submetidos.pen

Como não poderia ser diferente, a mídia, os “especialistas”, o governo, o judiciário e o Ministério Público entre outros desperdiçam tempo e papel com propostas incapazes de resolver o problema, pois já haviam aplicado várias e o problema continua.

Ainda que seja administração estadual, federal ou privada para controlar uma ou outra cadeia, o problema não será resolvido e no máximo se adia a próxima crise. As causas são estruturais e decorrentes do capitalismo, que encontra muitas vantagens financeiras se o caos for mantido. Não haverá espaço para humanização enquanto os interesses estiveram submetidos aos capitalistas.

A origem e a explicação de toda a questão da existência de um sistema prisional como o brasileiro estão intimamente ligadas ao estágio de desenvolvimento do capitalismo e das relações sociais em seu entorno. Ou seja, a situação dos presídios não é exclusividade do Brasil.

Em primeiro lugar porque é uma resposta aos problemas sociais decorrentes das crises econômicas, cada vez mais frequentes devido a seu caráter estrutural e, ao mesmo tempo, uma forma de valorização do capital empregado nesse setor. Depois, percebemos que há uma tendência de aumentar a criminalidade em decorrência do desemprego e da miséria.

Crime organizado: negócio milionário

Um traficante é um empresário tal qual um banqueiro frequentador das colunas sociais: vive do trabalho alheio e suas atividades empresariais obedecem às mesmas leis.

Os capitalistas e seus ideólogos fingem que isso não lhes diz respeito. Muito vinculado à pobreza, como forma de justificar a sua criminalização, em qualquer de suas “especialidades”, o crime (considerado aqui como atividade ilegal) é um dos negócios mais lucrativos. Tráfico de drogas, de órgãos humanos, contrabando de armas e os grandes assaltos são atividades que exigem um nível de organização que só grandes empresas podem levar adiante.

O capital não tem nenhum tipo de moral ou vergonha das formas que utiliza para se valorizar, seja explorando o trabalho de crianças seja no comércio de flores. É um processo objetivo. Um traficante – por sua atividade – é um burguês, pois está no processo como dono dos meios de produção.

As pessoas que trabalham no cultivo de folhas de coca na floresta amazônica criam valor tal qual aquelas que nas cidades acordam às cinco horas da manhã e vendem a sua força de trabalho para uma multinacional de alta tecnologia. Ambas as atividades geram valor. Assim, da mesma forma que o lucro (realização da mais-valia) extraído do trabalho de um padeiro vai se efetivar quando o pãozinho sair da padaria para a boca do consumidor, o lucro (outra vez, a mais-valia) produzido nos laboratórios de refino só vai ser efetivado quando consumido, normalmente, pela classe média.

As mesmas leis que regem a produção de pão regem também a da cocaína. Os bilhões de dólares oriundos dessas atividades ilegais ou que circulam no sistema financeiro mundial, aos olhos dos banqueiros, têm o mesmo valor daquele oriundo de doações filantrópicas.

O processo de produção e comércio exige um esquema sofisticado envolvendo o plantio, as pesquisas laboratoriais, o comércio internacional e o transporte de país a país, as operações financeiras, que contam com o apoio dos grandes bancos do mundo, de lavagem de dinheiro, entre outras. Tudo isso porque as taxas de lucro são altíssimas. Estima-se ser superior a 1000%.

Em 2011 o Gabinete das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC, sigla em inglês) divulgou um relatório em que as receitas criminosas no mundo em 2009 eram aproximadamente de US$2,1 trilhões. Considerando só o comércio internacional de drogas o valor chega perto de 450 bilhões de dólares. Essa força do crime faz com que suas atividades necessitem cada vez mais de estruturas e, nas atividades pelo mundo, precisem de “filiais” para se organizar.

Por isso, o surgimento de vários grupos do crime organizado, como o Comando Vermelho (CV), Primeiro Comando da Capital o (PCC), o Família do Norte (FDN), entre outros. Segundo as fontes governamentais são 27 grupos organizados e estruturados e as cifras são astronômicas. De acordo com o MP de São Paulo, só o PCC movimenta R$ 200 milhões e 40 toneladas de cocaína por ano.

A luta pelo monopólio e controle do comércio de drogas nas fronteiras causou o rompimento do acordo firmado no fim dos anos 1990 entre o CV e o PCC. Não por acaso, os conflitos ocorrem no Nordeste de onde a FDN controla a chamada “rota Solimões” trajeto por onde escorre a produção de coca do Peru. Mais uma vez estamos diante de uma lei que impera sob o capital – o monopólio – como impulso das disputas entre os vários grupos para o controle das atividades comerciais ligadas ao tráfico de drogas.

É ilusão achar que os Estados nacionais não participam diretamente dessas atividades. O comércio de ópio da Inglaterra para a China era monopolizado pela Companhia das Índias Ocidentais na Inglaterra e com aprovação do parlamento inglês (há documentação historiográfica que comprovam). Recentemente, governos como o boliviano (Banzer nos anos 1980) ou Noriega no Panamá, ligados diretamente a CIA, criavam as condições necessárias para a produção, refino e exportação de cocaína.

O crime organizado cumprindo papel de Estado repressor

A maior organização desses grupos também serve para impor sobre os “funcionários” um controle mais rígido. Acordos com policiais, assistencialismo nos bairros mais pobres, proibição de furtos e roubos nos bairros controlados por esses grupos são fundamentais ao Estado, para que haja controle sobre a população local.

Tudo é vigiado: quando saem, quando chegam, toque de recolher, vigilância sobre os movimentos populares. Com os grupos do crime organizado cumprindo esse papel as forças policiais podem se dedicar às outras atividades de controle, sobretudo da juventude. A repressão aos “rolezinhos”, às passeatas dos movimentos sociais e aos jovens que não estão vinculados ao crime pode assim ser feita com mais eficiência. Estado e crime agindo juntos contra os pobres.

Outra contribuição do crime ao Estado é o impulso a dependência química de parcelas importantes da juventude e com isso aprofundar a “lumpenização” e uma situação de alienação em relação ao seu cotidiano. Um jovem a menos para enfrentar o sistema.

É famosa a política das forças de repressão nos Estados Unidos para enfrentar a radicalização da juventude negra. Havia a repressão direta (prisão, assassinato de militantes etc.), mas também a CIA e o FBI permitiram que os traficantes vendessem livremente (e mais barato) drogas como cocaína e heroína nos bairros onde os negros mais lutavam. Mumia Abu-Jamal, citado por Daniel Roio, comenta sobre a presença de drogas como o crack entre os jovens negros nos Estados Unidos:

“Um espectro assombra as comunidades negras da América. Como vampiro, suga a alma das vidas negras, não deixando nada senão esqueletos que se movem fisicamente, mas que estão afetiva e espiritualmente mortos. Não é o efeito de um ataque do Conde Drácula nem de uma praga lançada por algum feiticeiro sinistro. É o resultado direto da rapinagem planetária, das manipulações dos governos e da eterna aspiração dos pobres a fugir, aliviar-se, ainda que brevemente, dos paralisantes grilhões da miséria extrema”.

As prisões lotadas: o capital encarcerando “quem não é mais necessário”

Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (abril/2016) com dados de dezembro de 2014, o sistema penitenciário brasileiro tem 622.202 pessoas presas (não estão contadas as com prisão domiciliar). Desde 2000 houve um crescimento de 167%, quando havia 232 mil pessoas presas.

O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo e é a segunda que mais cresceu nos últimos 15 anos, acompanhando o padrão mundial. De acordo com o relatório da World Prison Population List (WPPL), instituto de investigação de política criminal ligado à Universidade de Londres (http://migre.me/vU6fZ), são mais de 10,35 milhões de pessoas.

É evidente que esses milhões de pessoas não estão presas para serem ressocializadas. O capitalismo não mais se propõe a essa tarefa, se é que algum dia levou isso em consideração. O sistema penitenciário “como tantas outras instituições sociais, passaram da tarefa de reciclagem para a de depósitos de lixo”. (Bauman, Zygmunt. Vidas desperdiçadas)

Tanta gente presa é o resultado do encarceramento em massa – que os vários governos (PT incluído nesse processo) vêm implementando – principalmente de pobres, jovens e negros.

A situação é uma resposta do Estado capitalista à crise – estrutural – do capital, que renega bilhões de pessoas (moradores de rua, desempregados etc.) não mais necessárias ao capital para a produção tampouco, consequentemente, para o consumo. O Estado consegue atender uma pequena parcela de pessoas a partir dos escassos programas sociais enquanto outra é literalmente descartável; fenômeno presente em muitos países em todos os continentes, da África negra a Europa.

O capital encontra possibilidade de eliminação do “excesso” de pessoas nas grandes guerras, guerras civis e localizadas e, também, no encarceramento de pessoas. Porém, essa medida atinge apenas pobres e os negros que superlotam os presídios.

Ainda pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias 61,6% das pessoas presas são negras (pretas e pardas) e 75% dos presos cursaram somente até o fim do ensino fundamental e 9,5% concluiu o ensino médio.

Os governos e o judiciário estão a serviço das necessidades do capital

Nos últimos anos temos visto uma série de leis que alteram o tempo da pena dos presidiários. Mais recentemente, presenciamos a tentativa de reduzir a maioria penal de 18 para 16 anos e aumentar de três para dez anos o tempo máximo de internação dos menores de idade.

Nos Estados Unidos, houve a famosa “tolerância zero” que amparava a repressão policial e o aumento das condenações por crimes até mesmo de menor potencial ofensivo, mesmo a posse de pequenas quantidades de maconha era motivo para condenação. O Judiciário, por sua vez, também atende a uma classe e, portanto, condena as prisões os pobres e negros.

Outra forma de o Estado contribuir para o encarceramento em massa é com políticas sociais insuficientes de guerra às drogas. Além de servirem (como argumentamos acima) para aumentarem o preço e o lucro dos traficantes, na prática, serve para aumentar as condenações de pessoas com pequenas porções de drogas, normalmente para uso próprio ou o pequeno tráfico que serve para sustentar o vício. Segundo dados do relatório especial contra a tortura (ONU), 63% das mulheres e mais de 1/3 dos presos são condenados por tráfico de drogas.

Outra medida amplamente aplicada pelo Judiciário é a prisão provisória, caso em que o presidiário não tem condenação definitiva. Conforme o mesmo relatório da ONU, 41% dos presos está nessa condição.

Porém, todos esses procedimentos para excluir parte da população do processo produtivo e do consumo não significam a exclusão do sistema econômico. Os negócios que envolvem esse nicho de mercado vão desde a quentinha até a venda de equipamento de segurança e vigilância, passando por empresas de segurança privada, equipamentos de controle de pessoas etc. O crime impulsiona a produção capitalista. Conforme Marx, citado por Tom Bottomore no dicionário do pensamento marxista, “o crime também é útil, dado que dá lugar à polícia, ao tribunal, ao carrasco, e até mesmo ao professor que leciona direito criminal. ”

Os Direitos Humanos

Em torno desse processo são construídos vários discursos ideológicos ligando a pobreza e o negro à criminalidade e isso é utilizado como forma de justificar a presença hostil da polícia nas regiões periféricas das cidades.

Nas redes sociais é possível encontrar textos e mais textos defendendo o endurecimento da repressão estatal contra as pessoas. O apoio a leis que aumentam o tempo de prisão, entre tantas outras, na verdade é a reprodução de um discurso que vem do Estado e daqueles a quem interessam a perpetuação do crime e dos negócios que o cercam.

Ainda nesse sentido, podemos perceber uma tendência a “criminalizar” os Direitos Humanos, que dizem respeito aos direitos básicos de cidadania, ao respeito à dignidade humana (aqui poderia até argumentar que se trata de um princípio cristão) e até da legalidade burguesa.

Muitas pessoas contrárias aos Direitos Humanos argumentam que a exigência desse conjunto de direito é uma posição dos socialistas. Entretanto, os Direitos Humanos são parte do direito burguês. Os marxistas defendem que o direito deixa de ter sentido em uma sociedade sem classes, pois as formas de sociabilidade que regerão as relações humanas serão outras.

Apesar de todos esses aspectos expostos, o Estado não consegue cumprir nem a legalidade que construiu.

Evidentemente que, nós marxistas, defendemos os Direitos Humanos, mas o fazemos na perspectiva da luta anticapitalista e na denúncia do direito como expressão dos interesses da burguesia.

Não é por acaso que a direita e o fascismo se colocam contra até mesmo esses direitos básicos, defendendo um tipo de Estado que age nos subterrâneos e utiliza instrumentos políticos e morais de sociedades totalitárias.

No Estado brasileiro (em São Paulo é mais acentuado) tem sido uma prática constante em que as superlotações nas cadeias são apenas a ponta do iceberg. As maiores vítimas, mais uma vez, são os pobres.

O aumento do efetivo policial (segundo o IBGE, em 2015 havia 1 PM a cada 473 habitantes, sem falar da Policia Civil e Guarda Municipal), o extermínio da juventude da periferia, a vigilância constante nas ruas, os serviços reservados dos órgãos de repressão infiltrados nos movimentos sociais, a impunidade em relação aos crimes praticados pelas forças policiais e um judiciário cada vez mais conivente com a ilegalidade são a expressão de uma “democracia” burguesa cada vez mais autoritária.

O fim da propriedade privada = fim do crime

Em uma sociedade sem classes sociais poderemos vislumbrar o fim do crime.

O capitalismo impõe padrões de vida e comportamento para alcançar uma ilusão de felicidade. Para suportar o trabalho (alienado) precisa-se suprir as lacunas criadas pelo sistema capitalista, por meio de consumo desenfreado de artigos de luxo e também de alucinógenos (legais ou ilegais).

Com o fim da propriedade privada, poderemos destinar nossa produção para o bem-estar da sociedade, acabando com a base objetiva que impulsiona várias atividades que hoje alimentam a criminalidade.

Não estamos dizendo que os conflitos acabarão, mas é a sociedade que vai discuti-los coletivamente e buscar soluções de acordo com os interesses da sociedade e não de um Estado opressor.

Nessa nova forma de sociabilidade, com novos valores éticos e morais, a humanidade não perderá tempo com esse tipo de crise. E então poderemos desfrutar plenamente o melhor da vida.