Desde março de 2019 o Espaço Socialista e o Movimento de Organização Socialista se fundiram em uma só organização, a Emancipação Socialista. Não deixe de ler o nosso Manifesto!

Jornal 94: O PSOL, o velho reformismo repaginado


13 de outubro de 2016

Alex Brasil

O possível crescimento eleitoral do PSOL, racha do PT de 2003/04, faz parte de um processo internacional, em que amplo setor da esquerda, na busca de alternativas por fora dos antigos referenciais rupturistas com o Capital, aponta para uma saída por dentro do sistema e do jogo eleitoral.3

Na esteira de fenômenos como o Syriza na Grécia, o PODEMOS na Espanha, o Sinn Feino na Irlanda, o “Ocupe Wall Street” e a candidatura do democrata Bernie Sanders nos EUA, o PSOL, em linhas gerais, é uma repaginação do velho reformismo, em uma época em que a crise estrutural do capital mundializado não permite a mínima concessão.

Muitos ativistas, sinceros e honestos, contestam essa afirmativa, alegando que o PSOL é um partido em disputa, como também viam antes o PT, antes da chegada desse partido ao poder central, em 2003. Reforçam os seus argumentos apontando a presença de agrupamentos de esquerda no interior do PSOL, como a Corrente Socialista dos Trabalhadores, CST, do vereador fluminense Babá, o Movimento de Esquerda Socialista, MES, da ex-deputada federal Luciana Genro e a Nova Organização Socialista, NOS, racha do PSTU de 2015. Alimentam esperanças que o mais novo  racha do PSTU (e o mais expressivo), o Movimento por uma Alternativa Independente e Socialista, MAIS (dos intelectuais Valério Arcary e Álvaro Bianchi, da acadêmica Genilda Souza, dos profissionais de aparato, André Freire e Paulo Aguena, de militantes históricos fundadores do Ponto de Partida, como Ênio Buchionni e Waldo Mermelstein e da parlamentar potiguar Amanda Gurgel) poderá desembarcar no PSOL (no que podem ter razão) e reforçar essa disputa da esquerda pelo comando do partido. Será mesmo?

PSOL, sem a penetração de classe e mais à direita do que o PT dos anos oitenta

Antes de tudo, vale recordar que o PT nunca esteve em disputa. Sempre o comando da máquina partidária, desde sua fundação, ficou na mão da burocracia sindical. A partir da construção de uma base parlamentar petista, nas primeiras eleições que esse partido participou, somado à aquisição pelo partido de prefeituras importantes economicamente e governos estaduais de peso, o núcleo duro da direção, capitaneado por Lula-José Dirceu-José Genoíno, impôs a sua orientação oportunista burguesa. Apagou-se, em consequência, todos os vestígios esquerdistas no interior do PT, que culminou, antes, com a expulsão das correntes de esquerda, Causa Operária e Convergência Socialista, no início dos anos 1990. Desembocou na “Carta aos Brasileiros”, programa de governo de Lula nas eleições de 2002, feito para tranquilizar a banca internacional e as grandes corporações. A expulsão de parlamentares (Heloísa Helena, Babá, Luciana Genro e João Alves), em 2003, foi apenas um espasmo de um processo que já estava consolidado no interior do PT, mais de dez anos antes.

Entretanto, giro à direita vitorioso foi um longo processo de mais de uma década. O PT era a expressão política das grandes lutas econômicas e políticas da classe trabalhadora, no final dos anos setenta e década de oitenta. Acabou por se tornar, por um decênio, um partido classista e anti-imperialista: ora boicotando o Colégio Eleitoral que fez surgir a Nova República, em 1985, e apontando no seu programa até para a suspensão do pagamento da dívida externa brasileira. Mesmo assim, todos esses avanços não rompiam com o sistema, pois se davam dentro da legalidade burguesa, haja visto a ratificação e assinatura da Constituição que reconheceu a propriedade privada dos meios de produção, em 1988, pelos então deputados Lula, José Dirceu e José Genoíno e pela bancada petista.

Nesse comparativo, portanto, o PSOL não é nem sombra do que foi o PT dos anos oitenta, seja na penetração deste último na classe trabalhadora, seja na construção de um programa que enfrentasse de alguma forma o Capital, como foram feitos na década de oitenta.

Uma vela para Deus e outra para satanás: o PSOL nas eleições, semelhanças com o velho PT

Um dos filhos do “Fórum de São Paulo”, o Partido do Socialismo e Liberdade se assemelha ao PT naquilo que ele passou a ter de pior: também é controlado por parlamentares como os deputados Chico Alencar (que se absteve na votação da Reforma lulista da Previdência II e só saiu do PT não por causa da política econômica petista pró Capital, mas por causa do Mensalão), Ivan Valente e o ex-BBB Jean Willys.

Mas é no programa que apresentou nas eleições burguesas, que o PSOL se pareceu cada vez mais com o PT dos anos noventa, antes desse partido chegar ao poder central. Em 2006, Heloísa Helena (tendo como vice o ex-guerrilheiro César Benjamim) obteve expressiva votação, tendo como centro da campanha a ética na política, bandeira principal do PT dos anos noventa. Em 2010, Plínio Arruda Sampaio teve a mesma atuação e angariou uma votação menor, sendo que no segundo turno apoiou a candidatura do tucano José Serra.

A bandeira da ética na política, colocada de uma maneira solta (sem uma discussão de que a corrupção é uma das mazelas do sistema capitalista e por isso o mesmo tem que ser combatido),  é tão absorvível pelo jogo eleitoral da classe dominante, que Heloísa Helena, Martiniano Cavalcanti (candidato derrotado nas prévias do PSOL em 2010) e os vereadores goiano e carioca Elias Vaz e Jefferson Moura se bandearam para o partido burguês, REDE, de Marina Silva, que, diga-se de passagem, apoiou a candidatura do tucano Aécio Neves, no segundo turno de 2014.

 Já César Benjamim trabalhou para o governo do PMDB no Paraná, de Roberto Requião, e fez o programa da candidatura de Marcelo Crivella (bispo da Igreja Universal do Reino de Deus e do PRB) para as eleições de 2014.

Nas eleições de 2016, o PSOL (junto com o PCO) apresentou-se como um dos porta-vozes contra o impeachment de Dilma Rousseff, sem, entretanto, denunciar o lulo-petismo como um governo de 13 anos a serviço do Capital. Além disso, as candidaturas mais expressivas do PSOL continuaram a copiar a prática petista “de acender uma vela para Deus e outra para satanás”. Em Porto Alegre, a candidatura de Luciana Genro (que lidera as pesquisas) chegou a afirmar em debate eleitoral: “As PPPs têm que ter uma parceria real. O privado pode lucrar, mas o público tem que ser beneficiado” e “As PPPs podem ser uma alternativa em certos casos, desde que o público seja beneficiado, não apenas o privado”. Registre-se: Luciana, quando se permitia o financiamento de pessoas jurídicas à campanha, em campanhas passadas, teve o apoio financeiro do Capital, através da Gerdau, da Zaffari e da Taurus.

Já, o deputado estadual Marcelo Freixo, um dos candidatos mais fortes na corrida eleitoral para a Prefeitura do Rio, afirmou, em visita à sionista Federação Israelita do Rio de Janeiro, ser favorável a acordos e parcerias com Israel. Durante a campanha, Freixo já havia se posicionado positivamente em relação às Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas favelas cariocas, ao afirmar em entrevista que seriam “uma conquista”. Diga-se de passagem, que as UPPs contam com treinamento e tecnologia israelenses na criminalização da pobreza. O curioso foi o apoio a Freixo do PCB, partido este que impulsiona Comitês de Solidariedade à Palestina. Freixo, na eleição anterior para prefeito, recebeu doação de R$ 120 mil da empresa Victor Hugo Demolições LTDA, que foi responsável pela demolição da Vila Autódromo após remoção forçada de centenas de famílias pela prefeitura do Rio.

Em Recife, Pernambuco, o deputado Edilson Silva, em 2014, afirmou que Karl Marx e o liberal austríaco Ludwig Von Mises (que dedicou a sua obra para combater o socialismo) não são incompatíveis. Algo semelhante ao que deve pensar Luciana Genro, quando defendeu as Parcerias Público-Privadas.

Por fim, a candidata do PSOL em São Paulo, Luíza Erundina foi prefeita da principal capital do país. Erundina no posto reprimiu violentamente a greve dos condutores, em 1992. Além disso, foi ministra do governo Itamar Franco e integrou o burguês PSB por 19 anos. Agora, fundou o novo partido, RAIZ, apesar de momentaneamente estar vinculada ao PSOL, já anuncia que a agremiação partidária que fundou irá se aliar à REDE burguesa de Marina Silva. Não precisa dizer mais nada.

As esquinas perigosas da História

Novamente, diante das crises de alternativas da esquerda brasileira, muitos militantes enxergam o PSOL como a possibilidade de construção de uma referência de esquerda de massas, que possa reaglutinar e reforçar setores marxistas no seu interior, numa conjuntura defensiva, e assim disputariam a sua direção. Mais uma vez, se cai na busca pelos atalhos, que sempre se desviam para o jogo eleitoral.  Assim como foi tentado antes com o PT, no Brasil, da mesma maneira se buscou com o Syriza na Grécia e ainda está sendo tentado com o PODEMOS na Espanha.

O resultado, ao final, já conhecemos: mais uma desmoralização da esquerda marxista, dos seus referenciais e da classe trabalhadora, como um todo. Afinal, o PSOL não está em disputa, ele já tem dono: os parlamentares. Seu discurso rebaixado e suas alianças eleitorais (a decisão do PSOL Nacional de afirmar a sua política de alianças eleitorais com partidos burgueses, como o PDT, PSB, REDE, PV e partidos como o PT e o PCdoB, que durante os últimos 13 anos compuseram governos burgueses) visam a disputa da institucionalidade burguesa, seu objetivo é de crescer dentro dela e não combatê-la, materializando dessa forma as suas chapas eleitorais em capitais importantes como Belém e Salvador.

Karl Marx em Dezoito Brumário de Louis Bonaparte, escreveu que “A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. A tragédia do PT, a esquerda marxista viveu e mesmo não sendo petista, saiu confundida com todo o lamaçal propositalmente lhe direcionado pelos meios de comunicação. Repetir o erro, em apostar no PSOL, é escrever a História como farsa, como previu Marx.