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Jornal 93: Impactos ou legados? Megaeventos como Cavalo de Tróia de políticas neoliberais


10 de setembro de 2016

O maior evento mundial de mídia acaba de ser realizado na já muito badalada cidade do Rio de Janeiro. Assim, o Rio de Janeiro acolheu os maiores eventos esportivos em menos de 10 anos, sendo todos com sede na cidade maravilhosa: Pan-americanos, Copa, Olimpíada e, o próximo, a Paraolimpíada.

Remetendo aos Jogos de Montreal, em 1976, que só foram inteiramente pagos em 2011, imaginamos como o Rio de Janeiro irá pagar tudo isso.

Ainda mais que já é uma cidade com enormes déficits sociais, cujos índices – no saneamento básico, mobilidade urbana e infraestrutura de transportes, habitação, empregabilidade, saúde e Educação públicas, poluição das águas, segurança e violência policial e não policial mais a segregação territorial – são indicativos de uma sociedade extremamente desigual, tanto nos aspectos sociais, raciais e de gênero.

Obviamente o uso político dos esportes não é novo, Leon Trotsky já dizia em 1938:

“…um dispositivo para desmoralizar os trabalhadores. Toda a energia revolucionária foi gasta em esportes. Foi cultivada pelos britânicos, a mais inteligente das nações capitalistas. Os esportes devem estar nas mãos dos sindicatos como parte da educação revolucionária. Mas uma boa parte da juventude e das mulheres que não são ricos o suficiente para estas coisas.”

A honra nacional já anunciou excessos, depois de ameaçada pela monotemática futebolística. Nacionalismo exagerado que se autodeprecia nas derrotas ou que humilha os adversários nas vitórias não tem nada de saudável. Já há muito se confunde direito à nacionalidade com supremacia nacional. E os jogos que declaradamente pretendiam ser uma apoteose da paz acabaram sendo uma extensão das rivalidades políticas e econômicas. Não foi assim quando eliminaram equipes russas, numa reedição da Guerra-fria?

Há de tudo nesses jogos. A ingenuidade do torcedor que só quer entretenimento e emoção é apenas um dos modos de consumo. As pessoas se dirigiram ou dirigem à Cidade da exceção com sonhos que podem se tornar pesadelos estão em trabalho informal, geralmente desempregadas, compõem a taxa de desemprego que aumenta devido à crise econômica.

O papel do governo e do poder judiciário

Porém, o governo não está interessado, só tem olhos para a festa. Não interessa se as pessoas desempregadas estão vendendo nas ruas apenas para sobreviver. Ao contrário, até isso que poderia ser uma chance de sobrevivência está sendo tirado.

E assim, a repressão tem se abatido sobre vendedores de água e biscoito. Os governantes querem que quem se beneficie sejam os donos dos grandes hotéis, multinacionais, fábricas de cerveja, ou seja, os que já se beneficiam com a crise.

Com a diminuição do valor do salário e a alta da inflação, muitos que ainda conseguiam morar em comunidades pacificadas encontram a guerra ao tráfico. Uma guerra que aumenta a lucratividade da burguesia ilegal, protegida, pela própria polícia, da concorrência de outros traficantes. No entanto, ameaça a vida dos moradores que em outros casos são removidos por conta das obras de reestruturação urbana para os megaeventos, como na Vila Autódromo.

Por exigência dos empreendedores neocomunitários dos megaeventos o secretário manda a PM entrar atirando nas áreas “pacificadas”, o que gerou o aumento da violência e tem provocando uma guerra local nas comunidades mais precarizadas.

Recentemente uma mulher veio do interior ao Rio para ir numa lucrativa clínica clandestina de aborto e lá encontrou a morte. Enquanto isso, a cidade é lobotomizada por moralistas internacionais financiados por empreendimentos religiosos.

Também é uma cidade que lucra com a prostituição, tráfico de drogas e corrupção política.

E tudo acobertado pela ditadura do Judiciário em ação para obstruir a liberdade de imprensa, afinal há bons motivos para isso pois enquanto era feita a reestruturação da cidade acontecia a reforma do prédio do Tribunal de Justiça pela Delta Engenharia (subsidiária da Odebrecht).

A construção, conversão e reconstrução de equipamentos esportivos, da reestruturação dos espaços da linha verde olímpica têm como objetivos nítidos a especulação imobiliária e a elitização territorial. A intenção era uma destruição ainda maior, que foi impedida em parte pelas manifestações de junho 2013. Esse meganegócio, no entanto, não é pauta de investigação.

Uma escola construída pela Andrade Gutierrez, na época da Frente Brasil Popular, foi abandonada após as eleições de 2010 e os governantes de então, sequer, foram arrolados na Lava-Jato.

Além disso, os fundamentalistas, que já eram isentos de impostos, e as empresas que obtiveram isenção fiscal por conta da invasão da cidade pela FIFA e COI se uniram para alterar toda a legislação. E assim, se beneficiar, proteger e impedir até mesmo denúncias contra os seus abusos.

Por conta dessas alterações, simplesmente, tentam acuar todos os sindicatos e as manifestações populares com restrições, repressão violenta, prisões, processos e ameaças em que se utilizam até da Lei Antiterrorismo. Essa lei assim como os megaeventos esportivos são, igualmente, uma herança da Frente Brasil Popular.

Os Megaeventos, se dizem na propaganda, catalizadores e promotores de vantagens imateriais, entretanto, o que se viu foi um estado em calamidade pública oficialmente declarada.

Como disse o sociólogo alemão Volker Eick, os megaeventos esportivos nada mais são Cavalos de Tróia de políticas neoliberais. A descrição do famoso poema, José, do poeta Carlos Drummond de Andrade, mostra os questionamentos do dia seguinte:

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?