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Jornal 91: Belo monte: inundação capitalista sobre povos, terras e ecossistema


7 de julho de 2016

“A todo inimigo da fauna, da flora

Aquele que promove a poluição

Aos donos do dinheiro, a quem nos devora

Aos ratos e gatunos de toda nação

Sim, vai pra toda essa gente ruim

Meu desprezo, e será sempre assim”.

Alceu Valença

pesca

Da década de 1970 até cinco de maio de 2016 estabeleceu-se um intervalo de mais de quarenta anos, marcados entre o surgimento da ideia de exploração do potencial energético do rio Xingu e a inauguração da hidrelétrica de Belo Monte, que fica localizada nas proximidades da cidade de Altamira, no norte do Pará.

Nesse período os conflitos, impactos e cifras acerca do empreendimento são gigantescos, tal como a obra:

Ambiental: destruição da floresta associada à construção da usina (o volume de floresta desmatada encheria 40 mil piscinas olímpicas); inundação de uma área equivalente a um terço de São Paulo (afetando diretamente 440 espécies de aves, 259 de mamíferos e com risco de extinção de seis espécies de peixes) e seca de determinados locais (o canal construído diminuirá ao longo de 100 km a vazão do rio), impactando diretamente na fauna e flora; aumento da retirada ilegal de madeira nas imediações da construção;

Social: êxodo migratório que levou milhares de pessoas nos últimos anos a se mudarem para a região em busca de empregos; exploração do exército de trabalhadores da obra e demissões para os que se organizaram em greves exigindo melhores condições de trabalho (que não tiveram “apenas” seus direitos desrespeitados, mas também sua segurança, cujos acidentes na obra deixaram trabalhadores feridos e mortos); precarização dos serviços públicos já deficientes devido ao aumento populacional; aumento de homicídios, acidentes de trânsito, taxas de reprovação e evasão escolar; remoção e realocação de milhares de famílias (cujas casas construídas em locais com infraestrutura e saneamento básico não foram entregues);

Econômico: com custos acima de 30 bilhões, a empresa responsável por Belo Monte não tem conseguido encontrar comprador para 900 megawatts pelo preço exigido pelo banco que a financiou, o BNDES, por ser um valor acima do mercado. Os prejuízos tendem a aumentar uma vez que no período de seca, que dura seis meses, Belo Monte não poderá operar plenamente, gerando em média 4.428 megawatts, ao invés de 11.233 megawatts apresentado no projeto original;

Questão indígena: afetando diretamente em torno de 24 grupos étnicos diferentes, pois a obra modificou profundamente o espaço geográfico, como desestruturou todo o sistema cultural indígena, através do chamado “plano assistencial”: verbas destinadas para o “empoderamento” desses povos que desequilibrou toda a estrutura da vida na aldeia, uma vez que as lideranças indígenas não sabiam como lidar com o dinheiro recebido adquirindo bens inúteis. Como consequências, podemos citar a interrupção da produção de alimentos, que deu lugar à compra de alimentos industrializados levando a altos índices de desnutrição, o fim da medicina tradicional, o aumento do alcoolismo e a intensificação dos conflitos entre índios, ribeirinhos e grileiros.

Com a justificativa da necessidade de se evitar uma crise e produzir energia para assegurar o desenvolvimento econômico e social do Brasil, Belo Monte foi implantada sob a resistência de povos indígenas, movimentos sociais e ambientalistas. A evidência de que a energia de Belo Monte não tem como prioridade o benefício da população está clara uma vez que a maior parte de sua produção será destinada para atender as demandas das indústrias de alumínio.

As recentes denúncias dos esquemas de propina – existentes entre as empreiteiras responsáveis pela construção da usina, o PT e o PMDB por meio de doações para as campanhas eleitorais de 2010, 2012 e 2014 – expõe a lógica que rege o sistema capitalista: privatizam-se os lucros e socializam-se os prejuízos.

A obtenção de energia por meio de hidrelétricas, além de ter custos extremamente elevados, alteram profundamente os ecossistemas e, no caso de Belo Monte, ferem mais uma vez o direito de povos indígenas que historicamente foram dominados, explorados, assassinados e retirados de sua terra.

Defendemos o uso de fontes renováveis e sustentáveis como energia eólica, solar ou de biomassa cujas capacidades energéticas se mostram muito mais eficientes se comparadas com usinas hidrelétricas, principalmente em períodos de seca, quando essas diminuem sua capacidade de produção.

Sabemos que os prejuízos da destruição dos povos indígenas e da crise ecológica causarão percas incalculáveis e consequências devastadoras. Acreditamos que se faz urgente a discussão e entendimento da questão ambiental e a articulação da classe trabalhadora na luta contra o etnocídio1 indígena e a destruição ambiental, uma vez que os desastres provocados por Belo Monte, tendem a se repetir com o rio Tapajós, onde tramita um projeto de construção de um complexo hidrelétrico.

Pelos direitos dos povos indígenas, pela preservação da biodiversidade e pela classe trabalhadora tão explorada quanto os recursos naturais e tão agredida como os povos indígenas:

 

Desmata minas, a amazônia, mato grosso

Infecta solo, rio, ar, lençol freático

Consome, mais do que qualquer outro negócio

Um quatrilhão de litros d’água, o que é dramático

Por tanto mal, do qual vocês não se redimem

Por tal excesso que só leva à escassez

Por essa seca, essa crise, esse crime

Não há maiores responsáveis que vocês

Eu vejo o campo de vocês ficar infértil

Num tempo um tanto longe ainda, mas não muito

E eu vejo a terra de vocês restar estéril

Num tempo cada vez mais perto, e lhes pergunto

O que será que os seus filhos acharão de

Vocês diante de um legado tão nefasto

Vocês que fazem das fazendas hoje um grande

Deserto verde só de soja, cana ou pasto?

[…]

Que a mim não faria falta se vocês morressem

Esse sistema, que nos causa tanto trauma

Talvez enfim a terra assim encontrasse calma

Chico César

 

* Para compreender mais a questão recomendamos o documentário: Belo Monte: Anúncio de uma guerra.