Jornal 88: Construir o campo dos trabalhadores
4 de abril de 2016
A primeira questão a ser reafirmada é que os problemas econômicos e sociais que enfrentamos não são problemas de gestão desse ou daquele governo. Desemprego, inflação e a falta de serviços públicos decorrem da própria lógica do capitalismo de buscar o lucro acima de tudo.
A luta de quem quer a mudança real dessa sociedade, as/os revolucionárias/os, é de estar com todos/as trabalhadores/as e dialogar para que pensemos a partir de nossas necessidades, e não pensarmos os interesses dos patrões, pois estes nunca se preocupam e não se preocuparão conosco, estarão sempre ligados a todo governo para atacar a nós, o povo trabalhador. Assim, a patronal e os governantes são sempre nossos inimigos.
Essa é uma luta decisiva principalmente nestes momentos em que uma parte da classe trabalhadora, no afã de lutar contra um governo que piorou as suas condições de vida, se ilude e termina participando das manifestações lideradas pela oposição de direita ao governo.
Outra parte, convencida de que está em curso um golpe, sai às ruas para “defender a democracia” e participa de atos que no fundo servem de defesa do governo e do próprio PT. Assim, mesmo que sem a intenção, legitima-se um governo que desfere duros ataques aos trabalhadores.
Em ambos os posicionamentos o que destacamos é que não estão em debate as reivindicações que de fato interessam aos trabalhadores. Saúde e educação públicas, redução da jornada de trabalho, garantia do emprego não aparecem na pauta desses setores. A razão é simples, tanto a defesa do governo quanto a defesa do impeachment não se propõem a lutar pelas reivindicações dos trabalhadores.
Mas há ainda outra parte da classe trabalhadora que não está nem com Dilma e nem com a oposição de direita, pois já fez a experiência tanto com governos do PMDB, PSDB e agora com o PT.
Nesse sentido, pensamos que é decisivo construir um movimento de unidade da esquerda antigovernista que coloque no centro do debate um programa de defesa das reivindicações da classe trabalhadora. Para isso, é preciso total independência tanto desse governo quanto da oposição de direita.
O programa de Temer é a favor da burguesia
Com a possibilidade cada vez maior da queda de Dilma vários setores parlamentares já se movimentam para a construção do “futuro governo”. Temer lidera esse processo com negociações avançadas com o PSDB, economistas como Delfin Neto e setores empresariais como a FIESP. Na verdade seria uma nova rearticulação de forças burguesas no parlamento com PMDB e PSDB encabeçando sem disfarce algum o governo. Fala-se que até já houve divisão de cargos.
É uma rearticulação de forças para implementar as medidas que o governo não teve forças para fazer (uma das razões de Dilma ter perdido apoio entre os burgueses). Todas elas visam retirar ainda mais direitos. As bases políticas para essa rearticulação são o chamado “Ponte para o futuro”, elaborado em fins do ano passado, e agora o “Programa do Temer -2”, ainda não divulgado em sua redação final.
Temer propõe fixar idade mínima para aposentadoria, a desindexação das verbas para a saúde e a educação públicas (hoje os governos são obrigados e investir um percentual mínimo nessas áreas), manter o superávit para continuar pagando a divida, enfim, uma agenda de mais ataque aos já massacrados direitos dos trabalhadores.
É em torno desse programa que partidos burgueses e os setores empresariais apoiariam a constituição de um novo governo Temer.
Um programa para resolver a crise a favor dos trabalhadores
Nas crises as classes sociais procuram saídas que as favorecem. A burguesia, controlando os meios de comunicação e a riqueza que nós produzimos, está construindo a sua saída. Vai procurar colocar na presidência e nos ministérios pessoas que vão fazer de tudo para manter os seus privilégios. E trabalhadores? Vão continuar “pagando pela crise”, com mais sacrifícios para os ricos continuarem mais ricos e os pobres mais pobres? Se depender da burguesia, sim.
Por isso, pensamos ser fundamental para a classe trabalhadora não se perder entre essas falsas alternativas PT X PSDB e PMDB e sim levantar bem alto as suas reivindicações e propostas para responder à crise, pensando nas suas próprias necessidades.
De nossa parte pensamos que os itens abaixo podem ajudar a responder aos problemas que a nossa classe precisa enfrentar. Mas, programa não pode ser por imposição. A partir do debate no movimento e com os trabalhadores podemos avançar para outras elaborações de unidade. Ressaltamos:
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Para ter saúde, educação, transporte públicos: Não pagar a dívida para os agiotas!
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Reduzir a jornada de trabalho para ter emprego para tod@s!
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Nenhuma demissão: estabilidade no emprego! Salário mínimo do DIEESE!
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Não ao ajuste fiscal: nenhum direito a menos.
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Revogação da Lei “antiterrorismo” já! Contra a criminalização dos movimentos sociais.
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Reforma Urbana. Nenhum imóvel desocupado. Congelamento dos aluguéis!
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Reforma agrária sob controle dos trabalhadores!
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Estatização do sistema financeiro, sob controle dos trabalhadores
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Cadeia para todos os corruptos e corruptores! Expropriação de todos os seus bens!
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Petrobrás 100% estatal. Todos os recursos minerais, sob controle dos trabalhadores!
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Expropriação dos capitalistas exploradores: controle operário da produção!
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Pela revolução socialista!
Construir plenárias de base
Um programa sem os trabalhadores se apropriarem é apenas um jogo de palavras. Para ganhar força material é preciso que a classe trabalhadora se aproprie dele e lute para realizá-lo.
Para ir neste sentido pensamos ser importante criar espaços de organização e a partir deles ampliar ações para ganhar a classe para a luta independente, dando vida e força a um programa discutido e votado por plenárias de base.
O Espaço Socialista há algum tempo tem defendido a realização de plenárias de base para se contraporem ao teatro da burocracia petista e cutista no movimento e também para combater a oposição de direita. Foram vários os chamados de unidade aos demais setores de esquerda, sem, no entanto, obter resposta.
Pela urgência, a partir das nossas modestas forças, reforçamos o chamado a todas as forças de esquerda e entidades do movimento de massas para a construção dessas plenárias de base.
Para reafirmar: nem Dilma e nem Oposição burguesa
O impeachment só pode ser compreendido no marco da disputa entre frações do capital (cada uma delas com apoio de setores da burocracia sindical) para controlar o aparato estatal e seus cargos. Quando olhamos os projetos dos dois lados nos deparamos com propostas como a reforma da previdência, o pagamento da dívida pública, o envolvimento com a corrupção e um longo etecetera de semelhanças.
A eventual saída de Dilma e a entrada de Temer (que é quem assume caso Dilma perca o mandato pelo impeachment) é uma tentativa de um setor da burguesia para imprimir um ritmo mais forte para as medidas, visando a retomada um novo ciclo de crescimento para o capital. Dilma e o PT perderam a capacidade de impor essas medidas e por isso vários setores da burguesia estão a favor do impeachment e inclusive financiando os atos e manifestações.
No nosso modo de ver as coisas hoje o impeachment atende em primeiro lugar a propósitos de setores reacionários que lutam para retirar o PT do governo e ocupar o seu lugar para construir uma nova coligação de partidos que aplique aquelas medidas pró-capital que Dilma não conseguiu aplicar no ritmo e intensidade desejadas pela patronal.
Outro elemento a ser analisado é que a direção política (e também de alguns setores de base desse movimento pró impeachment) é ideologicamente de direita. Querem não só derrubar Dilma, mas também a adoção de medidas que acabem com os já escassos programas sociais, a aprovação de leis contra a liberdade de orientação sexual, contra as mulheres e outras medidas de cunho reacionário. E olhe que Dilma e o PT já pioraram muitas as coisas nesse sentido.
Por essas razões, não estamos defendendo o impeachment. Ele não vai fortalecer a luta da classe trabalhadora. Ganhe o impeachment ou fique Dilma os problemas e desafios da classe trabalhadora serão os mesmos: enfrentar a ofensiva dos patrões contra os nossos direitos. Não achamos também que a queda de Dilma se trata de golpe (ver matéria sobre esse tema neste jornal).
Também é importante frisar a nossa oposição intransigente e de esquerda ao governo Dilma. Não defendemos e não vamos defendê-lo, pois o consideramos um governo a serviço dos patrões, inimigo portanto dos trabalhadores.
O Judiciário é órgão auxiliar do capitalismo
A Operação Lava Jato, que já resultou em prisões e condenações (que podem ser revertidas por recursos aos tribunais) fez surgir nas ruas um importante apoio ao juiz Sérgio Moro, inclusive alguns defendendo-o para Presidente da república. Algo parecido com o que já tinha acontecido com Joaquim Barbosa por ocasião dos julgamentos do mensalão.
O próprio “Data Folha” o incluiu na última pesquisa sobre os preferidos para ser o próximo Presidente da República. Fortalecimento este que se estende também ao Poder Judiciário.
Ainda que os processos não tenham chegado ao fim (podem recorrer aos tribunais de segunda instância) e a probabilidade de os políticos e os empresários se safarem existir, não se pode negar esse processo e consequentemente a necessidade de debater com os trabalhadores o papel do judiciário em uma sociedade dividida em classes sociais.
O fato de haver condenações de empresários e políticos não muda o caráter do judiciário, mas pelo contrário, reafirma seu caráter de defesa dos patrões. O tamanho da corrupção e a quantidade de empresas envolvidas (e consequentemente o montante de dinheiro) levou a um aumento “fictício” no valor pago pelos governos (de todos os partidos e de todos os estados e municípios), desviando uma parte de capital que deveria ir para outros setores da burguesia, como o financeiro. Significa que o dinheiro desviado poderia ir para banqueiros (pagamento da dívida), empresários industriais em vez de ir para as empreiteiras. Não é por acaso que são empresas que atuam no setor de construção que são investigadas e condenadas. Neste caso as ações do judiciário não visam acabar com a corrupção mas regular as disputas entre as frações da patronal que se sentem prejudicadas.
Há outro elemento que deve ser analisado também. Os políticos e funcionários públicos graduados precisam ser controlados pelos órgãos do capital e como esses são os principais agentes da corrupção, aqui o judiciário intervém para cumprir o papel de controle sobre esses agentes.
Então, onde parece que o judiciário está de fato combatendo a corrupção, ele está de fato “recolocando as coisas em seu lugar”, atuando como um órgão de defesa do capital, para que o Estado possa cumprir a sua função primeira de gestor do capital de conjunto e não somente para uma fração.
Judiciário e juízes fortes: burguesia protegida
Como um órgão que defende uma classe, as ações principais do judiciário sempre visam atender às necessidades do capital. Os tribunais superiores – onde as questões jurídicas são decididas de fato – dão a última palavra e orientam todo o sistema. É, pois, esse o papel do Poder Judiciário em uma sociedade capitalista. Regular as disputas inter burguesas e manter os trabalhadores sobre controle com ameaças permanentes de condenação e prisão se ousarem questionar a “ordem”.
Porém o Judiciário não pode se mostrar exatamente como é, precisa se apresentar como se fosse algo independente, neutro, acima das classes sociais. Mas, quando vemos o cotidiano do judiciário, em todos os lugares, vemos pobres e negros sendo condenados (vejamos como estão os presídios), ricos e poderosos sendo poupados e tendo privilégios (a maioria dos condenados pelo mensalão já estão livres), os direitos conquistados na luta sendo relativizados (na justiça do trabalho, quando o trabalhador vai reclamar seus direitos normalmente é oferecida uma “conciliação” para ele abrir mão de parte de seus direitos…).
O fortalecimento do poder judiciário é o fortalecimento de um órgão da classe burguesa, portanto, significa mais proteção para a burguesia continuar cometendo as suas “injustiças”, significa dar a ele mais legitimidade (parecer cada vez mais neutro…) perante a sociedade para tomar decisões contra os trabalhadores. Podemos citar como exemplo a decisão do STF em reconhecer que a “Lei da anistia” tinha validade na constituição, o que significou que centenas de torturadores e assassinos da ditadura continuem soltos estejam hoje inocentados.
Não há capitalismo sem corrupção
O capital, para se reproduzir, necessita da existência do mercado, onde acontecem as trocas de mercadorias. E mercado é sinônimo de concorrência.
Em ramos em que há muita diferença de produtividade e de desenvolvimento técnico entre as empresas, a competição está resolvida: o que tem menos custo na produção consegue melhor localização no mercado.
No entanto, quando em um ramo existem muitas empresas com o mesmo nível técnico e, portanto, com custos parecidos, as empresas “precisam inventar” mecanismos para vencerem a concorrência. Aí se localizam os acordos para fraudes nas licitações, a corrupção de políticos e funcionários públicos, as fraude nos serviços (executa-se menos serviço do que de fato se recebeu para executar), enfim, várias formas.
Hoje está em mais evidência a Operação Lava Jato. Antes foi o mensalão, o prédio do Lalau (Tribunal do Trabalho em São Paulo) e tantos outros. Mas tem a fraude da merenda escolar, as obras do rodoanel e da linha 4 do metrô. No Rio de Janeiro as obras para a Copa do Mundo e agora para as olimpíadas.
E não só no Brasil. Quantos casos de corrupção vimos nos Estados Unidos, Itália, Argentina, etc?
E outra coisa em comum a todos os países e estados é que os magnatas, quando são presos, ficam pouco tempo na cadeia.
Só uma sociedade sem classes sociais e com mecanismos de controle das funções pelos trabalhadores é que podemos pensar em um mundo sem corrupção.
“Se gritar pega ladrão, não FICA um”.
Nesta semana circulou pela internet a chamada lista da Odebrech, com os valores que políticos receberam de doação da empreiteira. São 316 políticos (das três esferas), de todos os partidos (excetuando-se logicamente os realmente de esquerda), desde o PT até os que acusam o PT, como PSDB, DEM e outros. É evidente que a lista não é nenhuma surpresa para nós. Não é novidade que o poder econômico é o que de fato elege os políticos. Tamanha servidão dos políticos aos empresários só pode ser explicada pelo controle que os empresários exercem sobre eles.
Por isso votam tantos projetos a favor dos empresários. É como se diz: quem contrata a banda, escolhe as músicas.