Jornal 86: Crise do Rio de Janeiro: mais de cinco décadas de ajuste fiscal e decadência do estado fluminense
12 de fevereiro de 2016
Governo Pezão faz os trabalhadores públicos e a população pagarem novamente a conta
A atual crise do Rio de Janeiro é parte do Ajuste Fiscal, implementado pelo Estado brasileiro dirigido pelo PT, cumprindo as exigências da banca internacional. Nesse momento, a crise arrebenta nos elos mais fracos da Federação (no caso, em certos estados e munícipios).
Portanto, a crise do Rio de Janeiro se insere no contexto de processos semelhantes, particularmente no Paraná (onde houve a heróica greve dos professores contra a privatização do fundo de previdência dos servidores estaduais), no Rio Grande do Sul (local em que ocorreu a greve geral do funcionalismo estadual contra o parcelamento dos salários) e em São Paulo (na vitoriosa ocupação de várias escolas por estudantes).
Não é gratuito, portanto, que o secretário de fazenda Júlio Bueno, do governo Pezão (PMDB), tem proposto um Pacto Federativo, envolvendo todos os governos estaduais, para acabar com a estabilidade e resolver a insolvência das previdências públicas estaduais. Como consequência, Pezão deu reajuste zero e parcelou o 13º salário do funcionalismo em 2015, , atrasou os vencimentos e, agora, fala em aumentar a alíquota da contribuição previdenciária dos servidores de 11% para 14%, quando a mesma já teve aumento, em 1999, no governo de Anthony Garotinho, de 9% para 11%.
Não custa frisar que o fundo de previdência pública estadual do Rio de Janeiro (RioPrevidência) é superavitário, assim como a previdência pública federal. A utilização dos recursos do fundo para outros fins – que não o pagamento dos salários de servidores aposentados e pensionistas – é uma das explicações para uma suposta crise financeira do RioPrevidência.
Mas, além disso, há interesse do sistema financeiro em privatizar os fundos de previdências públicas estaduais. A política de alarmar a opinião pública, repetindo uma mentira mil vezes de que o RioPrevidência está falido, e fazer a conta sobrar para os servidores (penalizados com o atraso de pagamentos para aposentados e pensionistas, e com o aumento da alíquota de contribuição dos servidores ativos para o fundo de previdência estadual) é parte da política de privatização.
PMDB do Rio: um histórico de governos contra os trabalhadores
A presença do PMDB no poder no Rio de Janeiro é de longa data e vem da época do “chaguismo”, que surgiu da fusão da Guanabara com o antigo estado do Rio de Janeiro. Chagas Freitas, dono do jornal de maior circulação no Rio de Janeiro no período (O Dia), era o único governo da oposição consentida ao regime militar (MDB). Além da convivência cordial com a ditadura, Chagas criou uma rede de fisiologismo e clientelismo para sustentar a máquina do “chaguismo”.
O “chaguismo” acompanhou a decadência do estado, principalmente do seu parque industrial (no caso, o setor naval). O desmonte desse setor, que puxou para baixo todo o restante da indústria (até início dos anos oitenta, a segunda maior do país), fez com que a pauperização da população aumentasse consideravelmente, alavancando nas favelas – e na periferia da capital – o chamado crime organizado, envolvido principalmente com a comercialização ilegal das drogas. A máquina eleitoral do “chaguismo” se envolveu com esse iniciante crime organizado
A ascensão de Leonel Brizola – ao derrotar o candidato do “chaguismo”, Miro Teixeira, em 1982, fez com que muitos de seus quadros migrassem para o PDT – levou à eleição de Saturnino Braga à prefeitura, em 1985. Entretanto, o desencanto com o brizolismo fez com que retornasse o PMDB ao poder, através de um ex-dirigente do PDS (partido da ditadura), Wellington Moreira Franco, derrotado por Brizola em 82.
Em meio a grande crise econômica do governo Sarney, Moreira fez violentos ataques aos serviços públicos e seus trabalhadores. A prefeitura do Rio faliu em 1988. Os bolsões de miséria aumentaram, a lumpenização de significativos setores da população fez com que o crime organizado ganhasse mais força, inclusive, com vínculos com parlamentares.
Brizola retornou em 1992, mas sua aliança com Collor de Mello, abriu caminho para, pela primeira vez, o PSDB chegasse ao poder, na mesma onda neoliberal no início da década de 90. O governo tucano iniciou as privatizações no do estado (BANERJ, CEG, TELERJ, entre outras), acompanhando as privatizações iniciadas por FHC, quando ainda era ministro da Fazenda de Itamar Franco.
Com o governo de Garotinho (PDT) e Benedita (PT) o crime organizado ganha força. É nesse processo que forças de segurança do Estado organiza as milícias e que servirá de sustentação do governo Garotinho, já rompido com o PDT. O governo Rosinha Garotinho mantém essa política de aproximação com os milicianos e desfere mais ataques ao funcionalismo público estadual.
Governo Cabral: dos milicianos às máfias das empreiteiras e dos transportes.
Sérgio Cabral (também do PMDB) mantém a relação dos antecessores com os milicianos e com um discurso de defesa do funcionalismo público, mas foi nesse governo que o funcionalismo sofreu vários ataques, como a implantação das OS’s (organizações sociais) para administrar a saúde, que resultou no caos que acompanhamos agora.
A aliança com Lula, os projetos do governo federal para o estado (Pré-Sal, recursos federais para a realização da Copa do Mundo, as obras para a sede dos Jogos Olímpicos permitiu que Sérgio Cabral construísse uma aliança político-financeira com as empreiteiras (como a Delta e Odebrecht) e os empresários de ônibus garantindo a sua reeleição e a eleição – em aliança com o PT- do aliado Eduardo Paes como prefeito da cidade.
Um dos motes para as vitórias do PMDB foi a chamada “guerra ao tráfico”, com a ocupação fascista pela Polícia Militar de dezenas de favelas e comunidades. É a maior expressão da criminalização à pobreza no Rio de Janeiro como nos recentes governos do PMDB.
Na área da saúde, de um lado destruía o Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro (hospital público de boa qualidade), Cabral inaugurava obras de fachadas como as UPAS, desalojando centenas de moradores para a construção do Parque de Madureira e atacava os moradores da Via Autódromo, para abrir espaços para as obras das Olimpíadas.
A resistência à demolição do IASERJ, às desocupações forçadas de moradores pobres, às obras inescrupulosas no entorno do Maracanã (destruição do velho estádio e seu parque esportivo, de uma escola referência e do Museu do Índio) estão por trás a força que as Jornadas de Junho de 2013 tiveram no Rio de Janeiro. O assassinato do pedreiro Amarildo pela PM foi mais um acontecimento que desgastou Cabral e o tornou o governador mais odiado do país.
Porém, a derrota do processo de Junho de 2013, a prisão dos 23 ativistas durante a Copa do Mundo e a realização de mais obras, beneficiando as empreiteiras e as empresas de transportes (a construção do BRT e do VLT), alimentou a máquina eleitoral do PMDB permitindo que o partido elegesse o então vice-governador Pezão.
Pezão: além dos ataques ao serviço público, negócios escusos e mais regalias aos empresários de transportes e empreiteiros
Logo no início do governo, o Complexo Petroquímico do Estado (COMPERJ) foi desativado resultando em milhares de demissões. A crise do petróleo (queda do preço no mercado) e os estragos da “Operação Lava-Jato” levou as economias das cidades próximas a Bacia de Campos à bancarrota. Até mesmo a arrecadação do estado caiu em função da diminuição do royalties do petróleo.
Essas são as bases da crise do estado do Rio de Janeiro. E Pezão empurra a conta da crise para os servidores: a UERJ teve que ser ocupada por estudantes bolsistas, que não recebiam o que lhe era de direito, assim como os funcionários terceirizados. Os hospitais foram abandonados à própria sorte há também a desativação das UPAS
Para os financiadores da eleição, atos de gratidão: a dívida que o consórcio que controla os trens (SUPERVIA, ligada à Odebrecht) foi perdoada. A brita para as obras do VLT e outras é de uma empresa ligada ao presidente da ALERJ, Jorge Picciani, pai de Leonardo Picciani, líder do PMDB na Câmara dos Deputados e aliado de Dilma contra o impeachment.
O que tem crescido é a barbárie e a presença do Estado de Exceção, que cercam com suas UPPs as favelas e comunidades. A ausência de mobilidade urbana para os trabalhadores é resultado das obras na cidade e é uma política consciente do governador e do prefeito para dificultar o acesso dos pobres às áreas nobres da cidade –combinada com a revista dos ônibus pela PM para impedir o acesso de negros e periféricos às praias da Zona Sul.
A fragmentação da esquerda e da classe trabalhadora para enfrentar esses ataques
O desmonte dos serviços públicos atinge principalmente a população pobre e não somente os trabalhadores públicos. Entretanto, a resposta dos servidores fluminenses a esses ataques tem sido lenta, ao contrário do que aconteceu no Paraná, no Rio Grande do Sul e em São Paulo. Até o final de janeiro, ainda não houve uma resposta unificada nas ruas, sequer uma paralisação de 24 horas dos trabalhadores públicos.
A unificação tem sido levada burocraticamente pelas principais entidades dos servidores públicos. O próprio Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais (MUSPE) – criado como um fórum de estrutura democrática, em 2002, contra o atraso de salários na transição do governo Benedita da Silva (PT) para o de Rosinha Garotinho (PSB) – foi burocratizado, só podendo participar dirigentes sindicais, afastando a participação de setores da base não-alinhados com os representantes dos sindicatos.
O que tem sido feito se limita às iniciativas jurídicas, como o pedido de impeachment de Pezão, ou pedido liminar para que o pagamento de salários se dê dentro do mês de trabalho. As ações jurídicas, descoladas da ação direta dos trabalhadores públicos, são completamente ineficazes e, mesmo coexistindo com mobilizações e greves, essas medidas não têm nenhuma garantia de bom resultado.
A construção de um fórum unificado, democrático, de base, aberto a todos servidores públicos – que queiram lutar contra o desmonte praticado pelo governo Pezão-PMDB –, assim como a usuários do serviço público, subdivididos por regiões, mas que desenvolvam ações unitárias, é uma necessidade deste momento.
As organizações antigovernistas de esquerda, que estão na direção de importantes entidades do funcionalismo estadual, no entanto, parecem mais preocupadas com os seus projetos particulares para as próximas eleições de prefeito.