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Jornal 85: Violência contra a mulher: formas de enfrentamento e politização


6 de dezembro de 2015

A opressão da mulher não é algo recente na história da humanidade, ela perdurou por distintos modos de produção e está presente na atual sociedade. Uma das formas mais visíveis da referida opressão são as manifestações de violência contra mulher, que muitas vezes são naturalizadas. A violência contra a mulher não se dá somente nas expressões de agressões físicas, mas sexual, psicológicas, patrimonial e moral. Partindo desse entendimento se faz necessário discutir – com homens e mulheres – questões relacionadas ao gênero feminino, com ênfase na tentativa da desconstrução da opressão.4

História da opressão feminina

A opressão da mulher é algo que existiu em todas as sociedades, em qualquer momento histórico? Bem, não é isso que as pesquisas científicas no campo da antropologia, arqueologia e história demonstram. De acordo com Sérgio Lessa (2012), a divisão do trabalho na comunidade primitiva, ainda que levasse em consideração a idade, a força física ou o sexo dos indivíduos, baseava-se na igualdade e na autonomia destes para a realização de qualquer tarefa necessária ao desenvolvimento da comunidade. Todos tinham acesso ao que era coletado ou produzido. Sendo assim, a sobrevivência de cada indivíduo estava ligada à sobrevivência dos demais, constituindo-se um fato necessário para a perpetuação da espécie humana. Não havia desigualdade social entre homens e mulheres.

Nesse contexto, as mulheres, por serem capazes de gestar novos seres, tendiam a realizar trabalhos menos perigosos, no âmbito do ambiente doméstico, enquanto os homens se afastavam deste ambiente para caçar, pescar etc. Acrescentamos ainda que a amamentação era outro fator que demandava maior presença e permanência das mulheres junto às crianças. Neste período os seres humanos mantinham relações sexuais livremente, fato que, implicava a contagem da descendência pela linhagem feminina.

A mulher na sociedade de classes

Com o desenvolvimento das forças produtivas e a possibilidade de produção de excedente surgem as condições objetivas de exploração do ser humano pelo ser humano. A partir deste momento a sociedade se dividiu em classes. A maior parte da população passou a produzir a riqueza material, enquanto uma minoria se apropriou desta riqueza tornando-a propriedade privada. O surgimento da propriedade privada provocou um reordenamento no âmbito da reprodução social.

Enquanto possuidor do controle sobre os instrumentos de trabalho e da riqueza produzida, que progressivamente crescia, o homem da classe dominante impôs o reconhecimento de seus descendentes pela linhagem paterna.  Essa foi, como assinala  Engels,  “a  grande  derrota histórica do sexo feminino em todo o mundo” (ENGELS, 2012, p. 77, grifos  do autor). A partir daí, dá-se a formação da família monogâmica(1), constituída pela consolidação do patriarcado, sistema de dominação que garante o direito do homem de ter os filhos como herdeiros e o controle sobre o corpo e a vida das mulheres. Isso inclui a sua força de trabalho – convertendo-a em servidora, instrumento de reprodução e escrava da sua “luxúria”, destituindo-a do comando do lar. A família se desloca, então, do coletivo e se torna um núcleo privado, pois os indivíduos, agora com interesses antagônicos, precisam buscar sua sobrevivência individualmente. Desse contexto resultaram as bases materiais e humano-sociais das relações de exploração e opressão do homem sobre a mulher.

Com o surgimento da sociedade burguesa, o trabalho feminino não fica restrito ao ambiente doméstico. Nas manufaturas, dada a necessidade de força física para operar os meios de trabalho, os homens constituíam maior número entre os trabalhadores. O trabalho feminino era reduzido. Essa situação somente se modificou quando se introduziu a maquinaria moderna na produção, que proporcionou além de seu ingresso mais efetivo, a exploração do trabalho infantil. Assim como os homens, elas passam a fazer parte da força de trabalho a ser explorada pelo capitalista, porém, com o valor rebaixado em relação ao trabalho masculino.

A mulher na sociedade do capital

Mesmo a mulher ganhando espaço no âmbito público, ingresso no mercado de trabalho e – muito posteriormente – no campo político, a relação de opressão que é fruto do patriarcado não foi superada. É comum às mulheres ocuparem postos de trabalho com remuneração menor que a do homem, serem vítimas de violência doméstica, sexual, psicológica, e ainda serem privadas de frequentar espaços públicos apenas por serem mulheres – por medo de danos a sua integridade física. Tais exemplos demonstram que a lógica de inferioridade da mulher em relação ao homem está presente nas sociedades de classes, que a mulher é relegada a cumprir papéis secundários e quando transitam por espaços públicos é vítima de violência.

Atualmente, os noticiários trazem inúmeras notícias da opressão da mulher na sociedade, são casos de estupros, escravização sexual, violência física e psicologia, degradação da moral dentre outros crimes que atacam a humanidade das mulheres, como é o caso do recente Projeto de Lei nº 5069/2013de autoria do Deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) que foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados esse ano, que busca criminalizar ainda mais a mulher e impedir que ela possa decidir sobre o próprio corpo, quando em situações de risco de gravidez indesejada. Diante disso, como as mulheres podem enfrentar a opressão vivenciada ao longo da história humana? Partimos do pressuposto que essa opressão só será superada com uma transformação social que elimine a propriedade privada, a exploração do ser humano pelo ser humano e todas as formas de opressão – base da sociedade dividida em classes sociais. Contudo, isso não significa que não há possibilidade de tecer lutas imediatas com horizonte de uma radical transformação social. Desse modo, é de fundamental importância que tenhamos como objetivo a realização de trabalho de base nos bairros de periferia, nas escolas, nos locais de trabalho que intencione politizar homens e mulheres para desencadearem lutas contra a opressão, tendo por foco a desnaturalização da violência vivenciada cotidianamente pelo gênero feminino.

Partindo desse entendimento, o Espaço Socialista em Maceió (AL) iniciou um processo de politização de adolescentes e jovens mulheres nas escolas da periferia. A identificação das adolescente com o tema: Violência contra a mulher, ocorreu desde a primeira discussão, isto acontece por que essa forma de opressão é mais sentida nas classes oprimidas. A mulheres jovens da periferia sentem na pele diariamente esta opressão, seja ela no tratamento dado pelos colegas na escolas (de inferiorização e objetificação), pela distinção feita pela família entre filhos de sexo masculino e feminino, na responsabilização da gravidez não planejada, na culpabilização da mulher pela violência sofrida ou mesmo no momento em que procuram o primeiro emprego sempre mais precarizado em relação ao homem.

Devemos lutar diariamente contra todas as formas de opressão e, para isso, temos como tarefas:

Desconstruir a subordinação do gênero feminino em relação ao gênero masculino;

Identificar a opressão contra a mulher como própria das relações econômicas, políticas e sociais;

Nos organizarmos politicamente para o enfrentamento da opressão e inferiorização do gênero feminino.

Notas:

A monogamia é um tipo de organização familiar que historicamente sempre limitou as relações sexuais das mulheres a um único parceiro como forma de garantir herdeiros legítimos para propriedade privada. Mas com relação aos homens este tipo de organização familiar é mais flexível, sendo socialmente aceito o homem ter várias parceiras.