Jornal 85: A assim dita “classe média”
6 de dezembro de 2015
O conceito de classe média é incompatível com o pensamento de Marx e Engels. Por várias razões. É um conceito vazio de significado: o que é “médio” tira o seu conteúdo dos extremos dos quais é médio. É um conceito de classe social desvinculado do trabalho, como categoria fundante da humanidade e, da economia, como momento predominante da reprodução das sociedades. Por isso, em sua caracterização, entram critérios que se originam do poder aquisitivo, ou do padrão de consumo, ou de alguns traços culturais, ou do nível de formação profissional, ou de algumas características políticas – mas, jamais, do lugar que ocupam na estrutura produtiva. É um conceito típico da sociologia, a ciência da sociedade essencialmente burguesa, quase sempre com um conteúdo idealista ou politicista.
Contudo, se o conceito de classe média é radicalmente recusado pelo marxismo, o problema a que ele se refere é real e um dos mais complexos na análise das classes sociais.
Todas as sociedades de classe conheceram duas classes fundamentais (senhores de escravos e escravos, senhores feudais e servos, burgueses e proletários). Em todas as sociedades de classe, a classe dominante necessitou de auxiliares para a manutenção da exploração dos trabalhadores. Dependendo do momento histórico e do modo de produção, esses auxiliares podem ser mais ou menos numerosos, podem ter uma maior ou menor participação na riqueza que a classe dominante expropria dos trabalhadores, podem ter uma formação cultural mais ou menos elevada e assim sucessivamente. Os funcionários estatais (soldados, magistrados, religiosos, burocratas ou carcereiros etc.) são os auxiliares mais típicos das classes dominantes ao longo da história e, na quase maioria dos casos, são assalariados.
Mas há, também, outros setores da sociedade que não são nem da classe dominante nem da classe trabalhadora. Um bom exemplo são os camponeses na Grécia antiga, na República romana e, também, na França do século 19; outro exemplo são os artesão que subsistiram em várias cidades durante a Idade Média.
Em poucas palavras, se é possível englobar todas as classes que vivem da exploração dos que produzem a riqueza social em um único conceito, o de classe dominante; se se é possível colocar escravos, servos e proletários no conceito de classe explorada, não é possível colocar juntos, em um único conceito, os camponeses da República Romana, os artesãos urbanos da Florença medieval e os assalariados não proletários do capitalismo desenvolvido. Em cada modo de produção e em cada sociedade, as classes que não pertencem nem aos dominantes nem aos explorados possuem uma composição e uma formação distintas –, sempre decorrentes, claro, do lugar que ocupam na estrutura produtiva das sociedades.
Estamos, portanto, diante tanto de um falso conceito de classe média quanto de um problema real. E um problema que se altera ao longo do tempo; em cada modo de produção e, no interior de cada um suas distintas etapas evolutivas, apresenta diferenças importantes em como essas classes se constituem e, portanto, em como participam das lutas de classe.
Por essa razão nos concentraremos no modo de produção capitalista desenvolvido e, mesmo assim, pegando apenas o seu caso mais típico, o da Europa Ocidental.
Marx e o 18 Brumário
Há dois textos muito especiais em que Marx analisa eventos concretos da luta de classe. O primeiro deles é o 18 Brumário de Luis Bonaparte e, o segundo, As lutas de classe na França. São especiais, primeiro, pelos objetos que estudam. As revoluções de 1848, em especial a da França e, no segundo texto, a Comuna de Paris de 1871. Em segundo lugar, porque são redigidos em um momento da evolução teórica de Marx em que as categorias mais importantes de seu pensamento já estão, no essencial, consolidadas. Não são textos como A Ideologia Alemã ou A sagrada família, em que questões decisivas receberiam, no futuro, soluções e formulações mais avançadas.
No 18 Brumário… Marx analisa os processos ideológico e político pelo qual os setores e classes sociais se aproximam ou se afastam do proletariado ou da burguesia conforme a luta de classes se desdobra. Expõe a constituição social e o lugar que ocupam na estrutura produtiva os que não são nem proletários nem burgueses. Ele identifica, em primeiro lugar, os pequenos proprietários agrícolas que, por terem recebido de Napoleão o título de propriedade das terras que haviam tomado da nobreza durante a Revolução Francesa, vão seguir Luis Napoleão, sobrinho do grande Napoleão, mesmo que isso prejudique seus interesses de classe no longo prazo. Ele compara esses camponeses a um saco de batatas: estão lado a lado, contudo não compõem uma classe social capaz de entrar nas lutas com um projeto político próprio. A penetração do capital no campo tende a eliminar esse campesinato e a o substituir por um muito menos numeroso proletariado rural.
Além desses camponeses, Marx identifica uma grande quantidade de pequenos burgueses. Isto é, burgueses, mas com pequeno capital. Desde os donos de pequenas vendas e negócios, pequenas oficinas, até os profissionais liberais (como eram, então, os médicos, farmacêuticos, alfaiates, costureiras e assim por diante). Ao lado deles, temos ainda uma vasta gama de funcionários públicos empregados pelo Estado e, por fim, outros profissionais assalariados, como os jornalistas, teatrólogos, chefs de cozinha etc.
Quando Marx quer se referir ao conjunto dessas classes e agrupamentos sociais, muito heterogêneo internamente e com participação política muito diversificada mas, predominantemente, contrarrevolucionária, ele emprega o conceito de “classes de transição”. Vamos, pois, segui-lo também nesse particular. Deixemos de lado o conceito sociológico-burguês de classe média e adotemos o conceito marxiano de classes de transição.
As classes de transição
A sociedade capitalista desenvolvida, industrializada, apresenta duas diferenças importantes se comparada com a da época de Marx. A primeira é o desaparecimento quase completo do campesinato, pequeno proprietário rural. A França é uma aparente exceção, porque lá o grande capital penetrou no campo também pela mediação da pequena propriedade agrícola. Em países como a Inglaterra e os Estados Unidos, esse pequeno proprietário rural praticamente desapareceu frente ao agrobussiness, um desaparecimento que estamos assistindo em nossos dias no Brasil.
A segunda diferença importante é que o desenvolvimento das forças produtivas liberou uma vasta quantidade de trabalhadores das atividades que transformam a natureza (do trabalho) e os deslocou para o setor de serviços ou para o comércio. Cresceu assim, enormemente se comparado ao século 19, os assalariados que não transformam a natureza, isto é, que não são proletários.
Hoje em dia, nas economias mais desenvolvidas do planeta, entre a burguesia e o proletariado há uma enorme massa de assalariados com um poder aquisitivo que vai desde a linha da miséria, até aos executivos que recebem salários milionários. Ao lado deles, compondo também as classes de transição, uma vasta e heterogênea gama de pequenos burgueses, em geral comerciantes, donos de pequenas oficinas, de taxis e de vans de transporte público. Temos, ainda, a dita economia informal, desde o contrabandista tipo Paraguai ou o revendedor de roupas de grife que saíram com defeito das confecções, como ainda toda a cadeia de tráfico de drogas e de armas. No Brasil, hoje, dados indicam que cerca de 60% da força de trabalho se localiza nesse setor informal. Numericamente é, portanto, muitíssimo significativo.
O último setor importante das classes de transição, hoje, são os funcionários públicos, dos carcereiros e torturadores ao Presidente da República. Conforme se intensifica a repressão e a necessidade de maior controle da sociedade pelo Estado, o número e o peso social desse setor tende a crescer.
Assalariados e assalariados
Apesar das enormes diferenças profissionais, culturais, de poder aquisitivo e mesmo de concepção de mundo e de participação política das classes de transição, elas compõem, junto com a burguesia, a porção parasitária da sociedade. Tal como os burgueses, elas também vivem da riqueza produzida pelo proletariado.
Relembremos, em poucas palavras, o que vimos no artigo “Classes Sociais” no Jornal Espaço Socialista n. 77. Toda a riqueza de toda e qualquer sociedade vem da transformação da natureza em meios de produção e meios de subsistência. Isso é fácil de ser percebido nos modos de produção escravista e feudal. Ninguém, nesses casos, argumentará que o soldado romano ou o padre medieval produzem qualquer riqueza; pelo contrário: é evidente que vivem da riqueza produzida pelos escravos ou pelos servos.
No capitalismo desenvolvido, isso já não é assim tão evidente. Por duas razões. A primeira e menos importante é porque todos são, agora, tipicamente ou burgueses ou assalariados. O que gera a falsa impressão de todos os assalariados serem igualmente explorados pela burguesia. Veremos que são explorados, mas não igualmente explorados; a qualidade da exploração não é a mesma porque exercem distintas funções na estrutura produtiva.
A segunda, e mais importante, é que o capital é uma forma de propriedade privada que se reproduz diferentemente da propriedade privada escravista e feudal. Ainda que, como propriedade privada, seja a mesma apropriação pela classe dominante da riqueza produzida pelos explorados, o capital imediatamente se acumula pela mercadoria, ou seja, por aquele produto do trabalho que é portador da mais-valia.
Já vimos o que é a mais-valia: é o valor de uso da força de trabalho sob o capital. A força de trabalho é a única mercadoria que, consumida, produz um valor maior do que o seu próprio. Imediatamente, portanto, há dois tipos de trabalhadores assalariados: aqueles que produzem mercadorias (e, assim, produzem mais-valia) e os que não o fazem. Os primeiros são chamados de trabalhadores produtivos e, os outros, de improdutivos. Mas, atenção: produtivos ou improdutivos de mercadorias, de mais-valia.
O exemplo clássico de Marx é um professor. Se ele trabalha em uma escola pública, é um trabalhador assalariado que não produz mais-valia. O Estado não vende ao aluno a mercadoria hora-aula do professor. Caso esse mesmo professor trabalhe em uma escola privada, ele será, então, um trabalhador produtivo de mais-valia. Pois, na escola privada, o seu trabalho se converte em uma mercadoria que o proprietário da escola vende aos pais dos alunos. O salário do professor possui um valor menor do que a hora-aula que ele produz, é uma mercadoria que, como toda mercadoria, é portadora de mais-valia.
Veja: o capital não se acumula com o trabalho do professor em uma escola pública. Mas se acumula com o trabalho do mesmo professor na escola privada. Isso é apenas uma decorrência de que trata-se de relações sociais diversas: o Estado fornece um serviço que é a educação pública, a escola privada vende uma mercadoria produzida pelo professor (a hora-aula). Para o capital, o salário do professor do Estado é custo, o da escola privada é fonte de mais-valia.
Os assalariados, portanto, se dividem em assalariados produtivos e improdutivos de mercadorias, isto é, produtivos ou improdutivos de mais-valia. Essa diferença é importante, mas não determina as classes sociais, como veremos a seguir.
Trabalhador produtivo e proletariado
Voltemos ao exemplo de Marx: o professor na escola privada. Vimos que ele produz uma mercadoria, a hora-aula que, vendida pelo proprietário da escola, se converte em mais-valia. O patrão que explora o professor, claro está, acumula o seu capital.
Contudo, o professor apenas pode receber o seu salário se houver compradores para a mercadoria hora-aula que ele produz e, por isso, é preciso que haja uma vasta quantidade de pessoas na sociedade que não tenham tempo para educar seus filhos e que, simultaneamente, tenham dinheiro disponível para pagar a escola dos filhos. Ou seja, para que a escola seja um negócio lucrativo, é preciso que um montante de riqueza, sob a forma de dinheiro, já exista na sociedade. De onde provém essa riqueza que precisa existir para que o professor possa vender sua força de trabalho ao dono da escola?
Do trabalho do proletariado
Podemos ser breves, porque já vimos isso em “A aristocracia operária”, no Jornal Espaço Socialista n.82. O trabalho que transforma a natureza gera um produto que, por ser natureza transformada, continua a existir depois de terminado o processo de sua produção. Por isso essa riqueza vai se acumulando na sociedade, de geração a geração. A cada ato de trabalho proletário, uma nova riqueza é acrescida à riqueza social já existente. A cada ato de trabalho proletário amplia-se o “capital social total” (Marx): produz-se um novo, antes inexistente, capital. A riqueza necessária para que o professor possa produzir uma mais-valia advém do trabalho proletário.
Muito resumidamente, funciona assim: a burguesia vende o produto gerado pelo trabalho proletário. Com o dinheiro obtido, ela paga todos os seus assalariados proletários ou não (administradores, executivos, chefes de oficina, engenheiros de todos os matizes, segurança na empresa etc.) e ela paga, também, os impostos que vão manter o Estado e, portando, que assalaria os funcionários públicos. A porção da mais-valia proletária que a burguesia industrial e do agrobusiness transferem aos bancos sob a forma de juros, também paga os assalariados do setor bancário. E, por fim, a parcela da mais-valia que a burguesia industrial transfere ao comércio também assalaria os trabalhadores deste setor.
Percebam: não apenas a riqueza da burguesia, mas também todos os salários têm sua origem no proletariado. O trabalho proletário, por ser fundante da sociedade burguesa, também é o produtor de todo a riqueza nela existente.
Em outras palavras, a única classe social que não vive da exploração de nenhuma outra é o proletariado (do campo e da cidade). Todos os outros assalariados vivem da riqueza que a burguesia extrai do proletariado. Há, portanto, assalariados e assalariados: as classes de transição, de um lado e, do outro, o proletariado. Essa é uma das razões que fazem o proletariado a única classe revolucionária, no presente.
A exploração das classes de transição e a do proletariado
A riqueza que a burguesia expropria do proletariado é dividia em duas porções, grosso modo. Uma porção é a mais-valia. Outra porção vai para pagar os custos da produção. Parte preponderante desses custos é o valor da força de trabalho. Quanto menor os salários, menor os custos de produção e, assim, maior a lucratividade do capital.
Há, portanto, uma contradição entre o conjunto dos trabalhadores assalariados e o capital. Este quer diminuir, aquele quer aumentar, o valor dos salários. Isto, as classes de transição e o proletariado possuem em comum: a luta pela ampliação dos salários.
Contudo, há um limite para esse campo comum: como os salários das classes de transição têm sua origem na exploração do proletariado pela burguesia, elas compartilham com a burguesia o interesse histórico pela manutenção da exploração do proletariado pelo capital. Apenas o proletariado tem interesse em extinguir a exploração do trabalho pelo capital, pois apenas o proletariado não vive desta exploração.
Ainda mais: a manutenção de baixos salários entre os proletários do campo e da cidade é uma das condições para que as classes de transição (1) tenham acesso a mercadorias de menor preço. Assim, muito mais frequente do que raro, as classes de transição tendem a ver com simpatia, quando não a apoiar, a repressão das lutas proletárias pelo Estado.
Não é difícil de perceber, portanto, que todos os assalariados são explorados pelo capital. Mas não da mesma maneira. Na medida em que os assalariados das classes de transição compartilham com a burguesia a riqueza que esta extrai do proletariado, sua luta é sempre pela manutenção do capitalismo, de preferência com seus salários aumentados. Isto, é claro, vale para o conjunto dos assalariados das classes de transição, sejam eles produtivos ou improdutivos de mais-valia.
A mais-valia cumpre, portanto, duas funções. A diferença entre elas é o fundamento da diferença entre os assalariados produtivos em geral e o proletariado. Ela sempre serve para a acumulação do capital. Todo trabalhador produtivo de mais-valia contribui imediatamente para a acumulação do capital. Essa a primeira função, a mais imediata e visível delas.
A segunda função é a produção de um novo capital, de uma riqueza antes inexistente. A produção do capital, claro está, é sempre também uma sua acumulação. Mas nem toda acumulação é a produção de um novo capital, de uma riqueza antes inexistente na sociedade. Apenas o proletariado produz o capital, os outros trabalhadores produtivos de mais-valia apenas acumulam o capital — que apenas o trabalho proletário amplia o “capital social total”.
Por isso o proletariado – diferente dos assalariados produtivos das classes de transição – é a classe com potencial revolucionário: de suas mãos se origina a totalidade do capital, é a única que não explora outras classes.
Classes de transição
O lugar que as classes de transição ocupam na estrutura produtiva determina seu caráter de classe: como vivem da exploração do proletariado, se aliam com a burguesia todas as vezes que a sociedade capitalista estiver ameaçada por uma revolução proletária. Nesses momentos, as classes de transição, em larga medida, aderem à contrarrevolução.
Contudo, um aumento dos salários das classes de transição pode significar uma diminuição da lucratividade do capital, e vice-versa. Abre-se, desta forma, um conflito permanente entre as classes de transição e a burguesia ao redor da divisão da riqueza que a burguesia expropria do proletariado. Aliadas dos capitalistas na manutenção do capital e, sempre que isto não estiver em jogo, em conflito permanente com a burguesia para ampliar seus salários: esse o conteúdo histórico das classes de transição nas sociedades capitalistas desenvolvidas.
Em outras palavras, por não serem classes fundamentais (como a burguesia e o proletariado), são incapazes de um projeto próprio, de classe. Apenas lhes resta, então, a alternativa história real: manter ou revolucionar a sociedade burguesa. O conservadorismo e o reformismo são, por isso, elementos sempre presentes nas ideologias das classes de transição e refletem o fato de que, no antagonismo da burguesia com o proletariado, ficam com a primeira contra o segundo.
Por trás das ideologias das classes de transição há, portanto, uma determinação histórica que brota da produção regida pelo capital. Esse é solo social de onde brotam as ideologias pequeno-burguesas. Elas são muitas e muito variadas, entre outras coisas porque são muito sensíveis às variações sociais e econômicas no interior das classes de transição. Algumas aparentam ser anticapitalistas e outras, são abertamente conservadoras.
Apesar dessa ampla variedade, uma característica comum a todas elas é pregarem que não há diferença entre os assalariados das classes de transição e o proletariado. Haveria apenas duas classes sociais, a burguesia e os demais assalariados. Isto significaria que o projeto da revolução proletária – o de superar a propriedade privada, de destruir o Estado, de deixar na lata do lixo da história as classes sociais e a família monogâmica – seria inviável pela simples razão da inexistência do proletariado. O possível seria a ampliação dos salários, a melhoria da distribuição de renda, o aperfeiçoamento da democracia – bem entendido, mantendo a exploração do proletariado.
Ao invés da revolução proletária, deveríamos agora lutar por “mais justiça”, “mais igualdade”, “mais democracia”… Trata-se, bem pesadas as coisas, de “mais do mesmo”, que já temos. E o que temos é a igualdade e a justiça da exploração do proletariado e, claro, a democracia — que nada mais é que o capital elevado à ordem política.
Quantas vezes não escutamos que a democracia deve ser “aperfeiçoada”? Se não há democracia sem exploração do proletariado – trata-se, na verdade, de ampliar os salários das classes de transição pelo aperfeiçoamento da exploração do proletariado.
Essa a primeira característica ideológica importante das classes de transição: negam a diferença de classe entre o proletariado e os demais assalariados para justificar ideologicamente a impossibilidade da revolução proletária. Velada a diferença que brota da estrutura produtiva, a distinção de classe entre o reformismo e a ideologia revolucionária fica reduzida à mera diferença de opiniões políticas. Enquanto “apenas políticas”, as diferenças podem ser conversadas, negociadas – pode-se encontrar, pelo diálogo, um “campo comum”. Afinal, como diz a ideologia das classes de transição, “somos todos assalariados”. É evidente o quanto essa segunda característica foi importante, por exemplo, para o PT chegar ao poder.
A segunda característica importante é que, ao negar a contradição entre o proletariado e as classes de transição, cumpre-se uma importante função auxiliar no controle do proletariado. Quando os autênticos burgueses têm dificuldades para se apresentar como representantes de toda a sociedade, não raras vezes recorre-se às classes de transição.
Como elas são assalariadas, seus ideólogos mais facilmente do que os burgueses podem se apresentar como representantes de “todos os trabalhadores”. Os proletários, vendo um trabalhador assalariado (2) no poder, são possuídos da esperança de que a vida vai melhorar sem ser preciso a superação do capital. Essa válvula de escape é fundamental para o capital evitar a eclosão da revolução quando esta se apresenta na história.
As classes de transição, portanto, são resultado inevitável no desenvolvimento das sociedades de classe. No capitalismo dos nossos dias, são, junto com a aristocracia operária, os aliados do grande capital contra a revolução proletária.
Leituras recomendadas:
De Karl Marx: O 18 brumário de Luis Bonaparte e As lutas de classe na França. Deste último, a edição da Boitempo traz também os rascunhos preparatórios. De Engels, O socialismo jurídico, editado por Márcio Naves (Boitempo), e Do socialismo utópico ao científico são análises clássicas das ideologias pequeno-burguesas.
De Lenin, O que fazer? é o texto mais importante na distinção da ideologia reformista da ideologia revolucionária. Proletariado e sujeito revolucionário, de Lessa e Tonet (Instituto Lukács), discute a distinção de classe entre o proletariado e os demais assalariados no capitalismo dos nossos dias. Os textos contemporâneos mais significativos na defesa da igualdade de classe entre assalariados e proletários são de Ricardo Antunes (Os sentidos do trabalho) e de Antonio Negri (O poder constituinte).
-
Vimos, no Jornal Espaço Socialista n.82, como isso também é válido para a aristocracia operária.
-
Ou mesmo um aristocrata operário: basta o exemplo do Lula, mas há muitos na história