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Jornal 84: Capitalismo, desigualdade, poder político e maioridade penal


12 de novembro de 2015

O capitalismo, como qualquer outra forma de organização da sociedade se reproduz obedecendo a certas leis sociais, que lhes são próprias e que não podem ser subvertidas a não ser por meio de uma revolução. Por isso, ao modo de reprodução do capital, é impossível impor outra lógica que não seja a sua própria, o que significa que nenhum ato politico ou jurídico realizado nos marcos da institucionalidade burguesa poderá controlar suas determinações fundamentais.

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Durante muito tempo a burguesia, através de todo seu aparato ideológico, se esforçou para construir e perpetuar a narrativa de que a tendência a igualdade seria uma dessas leis sociais, próprias da estrutura de funcionamento do capitalismo. Nessa perspectiva as desigualdades sociais são vistas apenas como um “defeito” na engrenagem. Mas, poderiam ser resolvidas pela própria dinâmica interna do mercado. Assim, sem interferências e se desenvolvendo livremente o mercado reequilibraria o sistema e a desigualdade voltaria a diminuir.

No entanto, recentemente um economista da Escola de Economia de Paris (longe de ser um centro de esquerda), Thomas Piketty, juntamente a uma equipe de pesquisadores, provou que na sociedade capitalista a tendência é exatamente oposta àquela difundida pela burguesia. Por meio de um extenso levantamento estatístico, reunindo dados desde o século XVIII e até o século XXI, esse grupo de estudiosos analisou a concentração da riqueza na Europa e EUA. A verdade, já apontada por Marx há muito tempo, revelou-se em números: a produção da desigualdade em escala crescente é inerente às relações sociais capitalistas. Em uma forma de sociabilidade em que o conteúdo material da riqueza social, produzida pelo trabalho, é expropriada de quem a produz e permanece nas mãos de uma minoria proprietária não é possível superar as desigualdades sociais, elas fazem parte de sua mais profunda essência.

Essas desigualdades são agravadas em períodos de crise e trazem consequências extremamente negativas tais como o desemprego, violência, destruição do meio ambiente, etc.

Na tentativa de superar essa crise e retomar as taxas de lucro, o capital adota medidas que aprofundam ainda mais essas consequências negativas. Por exemplo, a incorporação crescente de novas e sofisticadas tecnologias reduziu a necessidade de trabalho vivo na esfera da produção, criando o desemprego tecnológico estrutural, transformando parcela importante da classe trabalhadora em população supérflua. Hoje acompanhamos, no Brasil, uma onda de demissões que estão ligadas a impossibilidade de reprodução do capital em meio à crise, ocasionada como todas as demais crises pela superprodução de mercadorias que não encontram a possibilidade de realização no mercado.

Além disso, nesses períodos de crise mais aguda, com a intenção de recuperar a taxa de lucro o capital retoma formas de exploração do trabalho que muitos achavam ter ficado no passado. Assim, trabalho escravo e superexploração da força de trabalho feminina, de imigrantes e de negros baseadas em discursos preconceituosos retornam ao centro da lógica de reprodução capitalista.

Também com a intenção de retomar os lucros, o sistema capitalista recorre à exploração do trabalho infantil. Mas, em certos locais criou-se uma barreira moral a essa prática, como aqui no Brasil. Contudo, o aparato ideológico da burguesia é suficientemente forte para impor suas necessidades. E é nesse contexto que o parlamento brasileiro trouxe de volta a discussão sobre a redução da maioridade penal.

Baixando a maioridade penal vislumbra-se, na verdade, a possibilidade de explorar o trabalho de menores de 18 anos sem que isso constitua um crime. Essa é a essência da proposta aprovada na câmara dos deputados. A justificativa de que isso seria uma medida eficiente para reduzir a violência não se sustenta sob nenhum ponto de vista.

Os parlamentares e capitalistas sabem e, inclusive, anunciam abertamente, que a redução da maioridade penal não levará a redução da violência. O próprio Ministério da Justiça publicou os resultados de uma ampla pesquisa sobre violência indicando que apenas 1% de todos os crimes registrados é cometido por menores de idade. E considerando apenas homicídios e outros crimes hediondos esse número cai para 0,5%!

A insistência deliberada para concretização da PEC 171/93 deve ser entendida, em primeiro lugar, como um “plano” que a burguesia está traçando para a juventude, principalmente a de periferia: a inserção no mercado de trabalho cada vez mais cedo e em uma condição de superexploração ou o encarceramento que tem dupla função: pode ser uma maneira de a burguesia valorizar capital ocioso e, ao mesmo tempo, de controlar o exército industrial de reserva, que só aumenta. Por outro lado, há o interesse do grande capital na privatização de presídios. Isso é uma realidade em muitos países e que já está em fase de implantação aqui no Brasil. Podemos citar, como exemplo, o complexo penitenciário de Ribeirão das Neves que já se encontra em pleno funcionamento, em Minas Gerais. Além disso, há outras iniciativas em estados como Rio Grande do Sul, Pernambuco e Brasília. A PEC da maioridade penal determina que os menores presos não poderão ir para os presídios comuns, mas também não poderão ir para as unidades de internação que existem hoje. O que fazer então? Construir espaços específicos para que esses jovens sejam encarcerados. E, claro, a iniciativa privada já está de olho nesse mercado.

Mas, é preciso gritar em alto e bom som: a redução da maioridade penal não nos interessa! É mais um artifício da burguesia contra a classe trabalhadora. A luta contra sua imposição é uma inflexão tática que as organizações de esquerda devem assumir, pois, além de ser absurdo querer confinar jovens em “depósitos” de seres humanos esta luta também pode contribuir para o avanço da consciência revolucionária das massas.

Importante ressaltar que essa atuação do parlamento brasileiro nos revela, mais uma vez, que o verdadeiro poder da burguesia não se encontra nas instituições políticas e por isso não são deputados, senadores, ou mesmo presidentes que exercem poder. Todos são apenas representantes de um poder que já está consolidado. Têm no máximo uma autonomia relativa para tomar decisões. O verdadeiro poder, na sociedade capitalista, decorre da propriedade privada dos meios de produção, que possibilita a acumulação de capital por meio da exploração do trabalho. Os políticos são apenas gerentes, mandatários, dos verdadeiros donos do poder. O parlamento é, portanto, campo de atuação da burguesia. Expressão do poder burguês.

As organizações de esquerda já deveriam ter aprendido essa lição, boa parte delas continua com ilusões em relação a luta parlamentar e, consequentemente, contribui para deseducar e desorganizar a classe trabalhadora. A realidade social mostra o quão frágeis são as ditas “trincheiras” que se buscam ocupar na institucionalidade burguesa, tão ardorosamente defendidas pela esquerda reformista. A crise estrutural escancara para quem ainda pressupõe o Estado como um espaço em disputa que o poder político institucional está integralmente comprometido com os interesses de reprodução da ordem.

Diante desse quadro, é importante e, acima de tudo, necessário insistir que a única alternativa viável para transformação efetiva da sociedade é a revolução de caráter socialista. Não há mais espaços para reformas que sejam favoráveis aos trabalhadores no interior do sistema capitalista. E esse processo só pode ser conduzido pela classe trabalhadora. A fonte do nosso poder está na luta, no movimento de massas, nas ruas, praças, fábricas, locais de trabalho e organismos de luta da classe trabalhadora.