Jornal 81: A internacionalização da luta da mulher negra
15 de agosto de 2015
Poucas coisas podem ser tão cruéis quanto à herança deixada pelo patriarcado às mulheres negras da classe trabalhadora. Herança que indica um lugar demarcado, subalterno, precarizado. Essa condição vem sendo combatida pelos movimentos de mulheres negras, contudo a invisibilidade impede que a sociedade em geral reconheça e valorize essa luta.
Com as primeiras organizações de mulheres negras, formadas nos anos 1980, o movimento organizou importantes ações e, em 1992, se reuniu na República Dominicana, data que deu origem ao Dia da Mulher Afro Latino Americana e Caribenha e à Rede de Mulheres Afro-latino-americanas, Afro-caribenhas e da Diáspora. E estipulou-se o dia 25 de julho como o marco internacional da luta e da resistência da mulher negra.
Tendo nossas demandas diminuídas e atacadas pelo racismo e pelo machismo, buscamos combater e dar visibilidade às diversas formas de luta promovendo o fortalecimento da organização e do movimento das mulheres negras nos espaços públicos, a fim de denunciar as condições de vida a quais estamos submetidas.
A limitada e necessária luta por direitos
No mundo do trabalho, por exemplo, sabemos quais postos estão reservados à mulher negra. Via de regra, encontra-se em situação vulnerável de trabalho, o que significa dizer que são assalariadas sem carteira assinada, autônomas, empregadas domésticos ou trabalhadoras familiares não-remuneradas. As formas de inserção no mercado de trabalho das mulheres negras são significativamente menos protegidas e sofrem uma dupla discriminação.
No Brasil, a ameaça da aprovação da PL 4330/04 promete piorar ainda mais esse quadro. Já temos um quadro, no que se referem aos trabalhadores terceirizados, de baixos salários, salários atrasados, maior jornada de trabalho, trabalhos mais pesados e insalubres, maior número de acidentes de trabalho, assédios moral e sexual, além de sujeição diária a outras humilhações. Quando muito, são os postos de trabalho em empresas terceirizadas, porém, que estão reservados às mulheres negras, ou seja, uma posição subalterna no mercado as expõe às posições com piores rendimentos e mais desvalorizadas socialmente.
Considerando que as mulheres já ganham 30% menos que os homens e já são a maioria das funcionárias terceirizadas, vemos que os mecanismos para manter a condição subalterna da mulher vêm sendo aprofundados.
As mulheres estão mais expostas à violência. Estupradas, traficadas, perseguidas pela lei, as mulheres sofrem no corpo atrocidades indescritíveis. Segundo a ONU, cerca de 120 milhões de mulheres jovens em todo o mundo, o equivalente a uma em cada dez, foi vítima de estupro ou violação até os 20 anos. Os relatos do Chile, Bolívia, México, Colômbia, República Dominicana, Uruguai, Nicarágua, Peru, Guatemala e Argentina mostram, paralelamente, como a ideologia que mantém as mulheres em uma condição de discriminação, exatamente por serem mulheres, impede o cumprimento de compromissos e programas de atenção e financiamento específicos. A mulher negra, em especial, é ainda mais inferiorizada sendo consequentemente a maior vítima da violência. Machismo e racismo se combinam e são necessários na sociedade capitalista. É particularmente nas favelas e periferias – fruto da exploração intensificada sofrida historicamente pela população negra da classe trabalhadora e que serviu para acumulação da riqueza das classes dominantes – que vive a mulher negra. Toda essa carga de exploração e opressão torna a situação mulher negra alarmante e suas demandas ainda mais urgentes.
No Brasil, ano após ano, foram diminuindo os investimentos em políticas públicas para as mulheres, até mesmo no combate à violência, e cortes no Orçamento Público que aparecem com o nome de “contingenciamento”. Em nome do ajuste fiscal, para pagamento de uma dívida que não fizemos, deixa-se de investir em campanhas urgentes como a de combate à violência contra a mulher. O resultado são mais assassinatos, estupros e mortes.
O capital mantém, de diversas formas, a subordinação das mulheres e se serve dela historicamente. Apesar de, em momentos de desenvolvimento, parecer que beneficia as mulheres com a maior inserção no mercado de trabalho, com a crise e, acima de tudo, com a crise estrutural do capital, são as primeiras a sofrer as consequências na economia com os cortes de direitos e o desemprego – e como já dito, até mesmo em relação ao combate à violência e às verbas públicas para saúde da mulher.
Toda essa situação aumenta em nós a vontade lutar e romper com esse sistema que nos explora e escraviza!
Por isso, nos apropriamos do 25 de julho para dar visibilidade à mulher negra Latino Americana e Caribenha da classe trabalhadora, promover o internacionalismo da luta anticapitalista, nos opor a todo tipo de exploração e construir uma sociedade em que sejamos “socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.” Viva a Mulher Negra Latino Americana e Caribenha da classe trabalhadora!
Tereza de Benguela
No Brasil a lei 12.987, de 2 de junho de 2014, estabelece o 25 de Julho como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Teresa de Benguela foi uma líder quilombola que viveu no atual Mato Grosso, durante o século 18. Foi esposa de José Piolho, que liderava o Quilombo do Piolho (ou do Quariterê), entre o rio Guaporé (atual fronteira entre Mato Grosso e Bolívia) e a atual cidade de Cuiabá. Teresa se tornou a rainha do quilombo, com a morte de José Piolho, e sob sua liderança a comunidade negra e indígena resistiu à escravidão por duas décadas e sobreviveu até 1770. Quando o quilombo foi destruído pelas forças de Luiz Pinto de Souza Coutinho a reduzida população (79 negros e 30 índios) sobrevivente foi aprisionada.
Tereza é um símbolo das mulheres negras, ícone da resistência e da luta e carrega em si toda a revolta contra o sistema!