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Jornal 76: O endurecimento das leis penais só interessa aos capitalistas


10 de março de 2015

Vozes do conservadorismo têm ecoado por toda parte e sobre muitos assuntos. Aqui vamos nos referir ao “clamor” pelo aumento das penas e a redução da maioridade penal. Partidos e grupos de direita, deputados, governadores (Alckmin é um dos ferrenhos defensores) e inclusive “pessoas comuns” argumentam que aumentando as penas o crime diminuiria.

Não é a primeira vez que estes temas aparecem. O preocupante é o apoio de massas que essas propostas têm conseguido, incentivando os políticos reacionários “caça-votos” a propor vários projetos para alteração da legislação penal relativos a esses assuntos. São os oportunistas de plantão que, na verdade, não estão preocupados em solucionar esses problemas, criados pela política que eles mesmos implementaram.

Essas ideias surgem e ganham força porque se apoiam em uma situação objetiva de aumento da criminalidade, da violência e da insegurança na qual as pessoas estão envolvidas. Inclusive vários setores da classe trabalhadora também defendem essas propostas, o que torna ainda mais urgente a esquerda entrar neste debate, pois infelizmente, o assunto ainda é monopólio da direita.

Neste artigo damos uma modesta contribuição para o debate e também fazemos um chamado aos nossos leitores que escrevam sobre essa questão.

O que é o crime?

Tratamos aqui especificamente do crime contra o patrimônio. Ainda que juridicamente tenham questões comuns com este crime, Em outro momento retomamos o assunto.

Pensar o tema a partir de uma visão de esquerda, a conceituação de crime na sociedade capitalista já é algo relevante. Para os juristas burgueses (e não são poucos), independente da corrente jurídica, o conceito de crime está associado ao descumprimento de uma norma jurídica, da lei, mas não dizem que a forma jurídica vigente é determinada pelas relações de produção (como é apropriado o que é produzido) e de propriedade desta sociedade. No processo pelo qual se realizam as trocas de mercadorias advém das relações sociais entre os homens e que dão materialidade às formas jurídicas necessárias ao funcionamento do capitalismo. Assim posse, propriedade, contrato, condições para a realização de troca, entre outras, só podem ser compreendidas se levarmos em conta que estamos em sociedade dividida em classes sociais.

Então para o direito (entendido aqui como algo próprio de sociedade de classes) é considerado crime qualquer conduta humana que se opõe ao processo de troca. As necessidades humanas não são levadas em consideração. Se alguém, para satisfazer a necessidade de comer, entrar em um mercado e se apropriar de um pacote de bolacha, estará cometendo –pelas normas burguesas – um crime (e temos várias condenações por esse fato). O processo “normal” é a pessoa ir lá e trocar dinheiro pelo pacote de bolacha.

Claro que a punição exercida pelo Estado objetiva o controle social, mas o fundamento está no fato de não ter havido a troca regular entre o mercado e a pessoa, única conduta aceita pelas normas burguesas. Como diz Marx, “O conteúdo da relação jurídica ou da vontade é dado pela própria relação econômica”. (Crítica da economia política, p.159)

As leis que movem a troca de mercadorias é a referência até mesmo para as penas aplicadas aos delitos. Não por acaso, as penas são contadas em tempo de prisão que nada mais é do que a reposição da quantidade de horas utilizadas na formação do valor das mercadorias. Esta é a razão de penas distintas serem aplicadas para o furto ou roubo de um carro (tempo maior para quantificação desta mercadoria) e de uma caneta esferográfica (tecnicamente considerado crime, mas envolve pouco tempo de trabalho para sua produção). Porém, se a caneta for um produto que exigiu mais tempo para a formação de seu valor, vai haver outro equivalente para a aplicação da penalidade.

Crime: de onde?

O tema é bem espinhoso, pois a burguesia fez questão de envolvê-lo em um manto moralista e até mesmo religioso. O sétimo mandamento bíblico: não roubarás.

Mesmo com todas estas dificuldades, não podemos fugir dele. Para nós, marxistas, é impossível explicar qualquer fenômeno, qualquer ciência, qualquer teoria senão aquela que parte do pressuposto da existência de classes sociais antagônicas, com suas relações sociais próprias do modo de produção capitalista. As profundas contradições que derivam da exploração capitalista determinam – em ultima instância – todas as outras esferas da vida social. Ninguém nasce delinquente ou criminoso. É um processo social.

Em uma sociedade na qual se proliferam marcas de roupa e de tênis, tipos de celulares etc., que servem de referência para “ser alguém e vencer na vida” a realidade para a maioria é de ausência de tudo, muitas vezes até mesmo da alimentação. É o modo de vida desta sociedade empurrando, sobretudo os jovens, para a criminalidade. Sem escolas de qualidade, sem lazer e sem emprego tornam-se presas fáceis para os recrutadores do crime.

A contradição entre o que a sociedade exige “para ser alguém” e as condições reais para alcançar essa situação (ter o tênis, o celular etc.) leva muitos a entrarem para o crime, único caminho para alcançar aquilo que a própria sociedade diz que ele tem de ter, mas não lhe dá as mínimas condições.

Desta maneira, para nós, o crime não tem, como elemento fundamental, motivações subjetivas, ou seja, que “o criminoso” seria determinado pelo seu psicológico, por doenças patológicas ou pela personalidade. Essas teorias – com fins ideológicos – procuram subtrair da sociedade capitalista sua responsabilidade.

O crime tem raízes nas relações sociais desta sociedade, conforme descrito acima. Como diz Vera Malaguti Batista, “quem não entender a luta de classes por trás dos processos de criminalização não dará conta do problema”. (Difíceis ganhos fáceis, drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro, 2011, p. 90).

Aumento de pena, encarceramento de massa e redução da maioridade…tem gente lucrando

Esse é um debate com implicações ideológicas de concepção de mundo. Nós, socialistas, temos como referência a vida e não a mercadoria e o lucro, como a direita e os políticos burgueses têm. Para eles, quanto mais pessoas estiverem dentro das penitenciárias, mais infraestrutura (vigilância, construção etc.) será necessária e, portanto, lucra-se mais.

Em nenhum lugar do mundo o endurecimento da legislação penal e o aumento das condenações significou redução da criminalidade e da violência. Nos Estados Unidos, um dos países onde mais se endureceu o sistema penal e judicial (law and order), por exemplo, encheu-se as prisões (a população carcerária é de mais de 2, 2 milhões de pessoas, representando 25% de todos os presos do mundo) e mesmo assim não houve o fim da violência. Em contrapartida, as empresas que atuam nos negócios ligados ao sistema penitenciário ganham bilhões de dólares. Muitas penitenciárias privadas chegam a lucrar 50 milhões de dólares por ano.

No Brasil, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em junho de 2014, 711 mil pessoas (incluindo as prisões domiciliares) estavam presas, quarta maior população carcerária do mundo. E se todos os mandados de prisão fossem cumpridos seriam mais 350 mil pessoas presas. Há 20 anos, em 1995, eram 148 mil presos, quase cinco vezes mais, isso considerando os efetivamente presos.

Estes números já são consequência da política em curso de criminalização da pobreza. Os governos não estão preocupados na recuperação de ninguém, pelo contrário, com essa política quanto mais criminosos, mais lucro para os capitalistas que atuam no ramo. O capitalismo nunca vai acabar com a criminalidade porque ela deriva exatamente dos problemas sociais do capitalismo.

Reduzir a menoridade penal, tornar as penas mais rígidas e condenar mais não resolverá os problemas de onde originam o crime. A defesa dessas medidas por parte de muitos políticos é explicada pela política de privatização (parceria público-privado, terceirização) do sistema prisional brasileiro.

Em Ribeirão das Neves (MG) existe a primeira penitenciária privada do país, empresas privadas substituindo o Estado nas funções de tutela de presos. Em São Paulo já há, desde 2013, três projetos de parceria público-privado (PPP) para instalação de penitenciária nos mesmos moldes da Minas Gerais. Não é por acaso que Alckmin e Aécio Neves são ferrenhos defensores da redução da maioridade penal.

E pela lógica do capital, conforme Patrick Lemos Cacicedo, da Defensoria Pública de São Paulo: “Para quem investe em determinado produto, no caso o produto humano, será interessante ter cada vez mais presos”

Outro objetivo da criminalização da pobreza – ainda mais em tempos de crise – é impor o medo e a obediência sobre a classe trabalhadora para que aceito destino que o capitalismo lhe reservou. Essa não é uma ideia recente. Segundo Marx: “Assim, a população rural, expropriada e expulsa de suas terras, compelida à vagabundagem, foi enquadrada na disciplina exigida pelo sistema de trabalho assalariado, por meio de um grotesco terrorismo legalizado que empregava o açoite, o ferro em brasa e a tortura”. (MARX, Karl. O capital: crítica da economia política).

Mais uma questão importante é que o endurecimento é para os “criminosos comuns”. As denúncias de que milhares de políticos e empresários movimentaram pelo menos 20 bilhões no banco HSBC na Suíça, condutas que podem ser tipificadas como evasão de divisas, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Qual é a razão de o crime organizado não ser combatido enquanto instituição?

Medidas socioeducativas? O Estado não educa…

Muitos que defendem a redução da maioridade penal, não sabem como a punição para crianças e adolescentes funciona hoje. Conhecidas pelo nome de medidas socioeducativas, as punições às crianças e adolescentes não têm nada de educativo. Teoricamente vão de advertências até detenção nos abrigos para menores infratores (em São Paulo, por exemplo, é a Fundação Casa; no Rio de Janeiro é o Degase). Mas na prática a teoria é outra, pois o que acontece é uma aplicação indiscriminada da medida de internação.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a medida de internação é prevista somente para os casos de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa. Porém, basta fazer uma visita a esses abrigos para perceber a infinidade de adolescentes encarcerados por infrações consideradas leves.

A “educação” é feita pelos métodos de tortura e violência institucionalizadas por parte dos agentes, por comida estragada, condições insalubres e superlotação. O elevado índice de reincidência (em São Paulo, 54% dos casos) e a crescente violência demonstram que nem a medida de internação nem a instituição cumprem o suposto papel educativo.

O encarceramento de crianças e adolescentes é tratado como única medida, expondo seres em desenvolvimento a maior humilhação e violência como alternativa ao crime. “Os adolescentes são mais vítimas que autores de violência. Em 2011, eles foram responsáveis por, aproximadamente, 1,8 mil homicídios, 8,4% do total. No mesmo ano, 4,3 mil jovens entre 12 e 18 anos incompletos foram assassinados”. (Mário Volpi da Unicef).

A redução da maioridade penal é mais uma daquelas respostas que os conservadores querem dar aos problemas que a sociedade capitalista não tem recurso nem intenção de resolver. Nas condições atuais, esta é uma forma de esconder e aprofundar ainda mais o problema, um cala- boca para a sociedade.

Esses abrigos existentes pelo país afora, parte do sistema prisional, nada mais é do que o atestado de incompetência do sistema capitalista.

São por essas razões que nos opomos à política de redução da maioridade penal e do endurecimento das penas.

Elementos de um programa socialista

Como dissemos, a sociedade capitalista é incapaz de resolver a criminalidade e a violência. Por isso é preciso pensar uma política a partir das necessidades da classe trabalhadora. Como propostas iniciais e para iniciar o debate, defendemos:

  • Garantia de emprego para tod@s.
  • Acesso universal a escola e a universidade, com garantia de bolsas para a juventude se manter financeiramente.
  • Não à redução da maioridade penal! Privação da liberdade somente aos que comentem crimes que atentam contra o corpo e a vida.
  • Pelo cumprimento imediato do ECA! Proteção integral da infância e da adolescência para evitar que recorram ao crime!
  • Atendimento especializado e decente às questões psicológicas e às dependências do álcool e demais drogas! Por CAPS adulto e infantil em todos os bairros!
  • Por abrigos e Espaços de Convivência adequados às particularidades das crianças e adolescentes em situação de rua e com vagas suficientes!
  • Por direito a trabalho, escola e cursos livres a todo jovem! Um programa social para que a juventude possa desenvolver atividades físicas, culturais e artísticas como processo de sua formação social.
  • Pelo fim da Fundação Casa! Não à punição de nossas crianças, vitimas do capitalismo! Por medidas socioeducativas de verdade que sejam humanas e de fato alternativas ao crime!
  • Assistência já às famílias em situação vulnerável!

Muitos logo argumentarão: de onde vem o dinheiro para isso? Repatriar, por exemplo, o dinheiro desviado pela corrupção para o exterior já sanaria muitas de nossas necessidades. Uma solução definitiva poderia ser construída com o não pagamento da dívida pública, que consome mais de 1 trilhão de reais por ano e hoje serve para alimentar os agiotas e sanguessugas do dinheiro público.

Também sabemos que nenhum governo burguês adotará essas medidas. Só os trabalhadores organizados poderão aplicar um plano que acabe de fato com a violência. Por isso, para nós, a luta contra a violência é parte da nossa luta pela revolução socialista.

Uma sociedade socialista, com o fim da propriedade privada e a socialização dos meios de produção (controle operário) na qual tod@s terão a satisfação de suas necessidades, o crime contra o patrimônio não fará o menor sentido, simplesmente porque a propriedade privada será abolida.