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Jornal 76: Grécia, Espanha e a luta por uma alternativa socialista


10 de março de 2015

O Espaço Socialista tem como uma de suas convicções de que vivemos em uma crise da alternativa socialista, isto é, um processo político que revela a ausência de saídas pela esquerda e contra o capital diante das crises políticas e sociais que se alastram, cada vez mais, pelo mundo.

A proposta deste artigo é refletir sobre a questão da subjetividade associada à reflexão sobre “crise estrutural do capital”. Esse esforço é para demarcar a impossibilidade de saídas duradouras nos marcos do capital e o esgotamento de saídas reformistas.

As rebeliões da Primavera Árabe, as jornadas de junho no Brasil e as mobilizações na Europa, a guerra civil na Síria, além de tantos outros processos, do ponto de vista da subjetividade, todos têm elementos em comum: a ausência de uma alternativa socialista (que se expressasse em forma de um programa de ruptura com o capital) e de outra que se combina é a ausência da classe operária – aquela que produz valor – como protagonista, como vanguarda do processo revolucionário.

Assim, mesmo com as especificidades de cada processo, têm-se direções de toda sorte: nacionalistas burgueses, fundamentalistas, reformistas, eleitoreiros e, de forma bem marginal, setores de esquerda e com algum peso político. Mas, o que determina é que a consciência média nesse processo não vai em direção à ruptura com o capitalismo e, em muitos casos, são frações da burguesia se guerreando para ver quem vai continuar a explorar os trabalhadores.

Não ter esse conceito como um dos elementos da situação política mundial é desprezar o papel do elemento consciente da revolução ou reduzi-lo à existência de partidos e ou organizações revolucionárias. Para nós o processo está combinado entre o desenvolvimento de uma consciência anticapitalista e socialista no interior da classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, a construção de organizações e/ou partidos revolucionários, elementos fundamentais para o combate à ideologia burguesa no processo revolucionário.

Ver também as contradições…

O processo político pelo qual passa Grécia e Espanha coloca com toda dramaticidade a questão da crise de alternativa socialista. Crise econômica profunda (desemprego, pobreza, etc.), a direita crescendo, o crescimento de grupos e partidos antineoliberais (sem ser anticapitalista) e a ausência da classe operária organizada e consciente.

São muitas contradições. Apresentar essas contradições e dificuldades do processo em curso não é ser “pessimista”, mas procurar entender e apreender a realidade como uma totalidade, ou seja, em suas várias determinações, particularidades, tendências e contradições. Ressaltamos essa questão metodológica porque muitas correntes políticas, em suas avaliações, se amparam apenas em alguns elementos, o que leva a conclusões parciais.

Grécia e Espanha negam os partidos tradicionais

Do lado da burguesia, para responder a situação de crise econômica, os governos espanhol e grego se endividaram ainda mais. Como contrapartida a Troika exigiu a aplicação de medidas de austeridade (ataques a direitos sociais e à legislação trabalhista) que só fizeram aprofundar a pobreza e os problemas sociais.

Essa situação levou a intensas mobilizações políticas com um caráter – ainda que diluído – de esquerda, de oposição aos planos econômicos de austeridade da Troika. Greves gerais, manifestações nas ruas e outras formas de luta fizeram a crise chegar também ao sistema de representação política nesses dois países (também há manifestações desse processo em outros países, mas com menor intensidade).

Os partidos tradicionais “de esquerda” (as aspas servem como discordância com esse termo), como o Partido Socialista (PASOK) na Grécia e o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), – também associamos essa crise ao PT no Brasil e ao Peronismo na Argentina – mesmo com o revezamento do poder, não conseguiram responder aos problemas e apresentar saídas que sequer preservassem o nível de vida das pessoas. Pelo contrário, foram fiadores dos planos de ajustes e austeridade propostos pelos credores das dívidas.

Aceitar as imposições dos banqueiros e credores da dívida (tanto aqui quanto lá) significa adotar medidas contra os trabalhadores. Ou seja, os partidos governantes “de esquerda” escolheram isso: salvar o capital e seus planos de aumentar a exploração sobre a classe trabalhadora.

A derrota do PASOK na Grécia e o desgaste do PSOE na Espanha – sintomas da crise que vivem os “tradicionais partidos de esquerda” – são consequências da opção política que fizeram e como encontram um processo de resistência e mobilização por parte dos trabalhadores. Esse choque levou ao seu enfraquecimento, abrindo espaço para o surgimento de novos atores políticos.

A partir desses aspectos, podemos compreender que nesses dois países se combinam mudanças importantes nas representações políticas. Da luta contra os planos de austeridade, nasceram novas forças políticas (Syriza na Grécia e Podemos na Espanha), organizações mais com características de frente do que “partidos puros”.

Toda afirmação parte de uma negação. O novo não se consolida enquanto o velho permanece forte. Assim, os primeiros sinais de que pode vir algo novo são os momentos de negação, por mais confuso e contraditório que possam ser. Ainda que o movimento tenha que superar esses “novos partidos”, Syriza e Podemos, vemos como muito progressiva a mobilização dos trabalhadores desses países, quando jogam para a lata do lixo esses partidos que se dizem de esquerda (PASOK, PSOE, PT, etc.), mas são tão capitalistas quanto os de direita.

SYRIZA E PODEMOS são alternativas socialistas?

O Syriza, na Grécia, e o Podemos, na Espanha, são agrupações e partidos que mais se fortaleceram nesse processo e se colocam como a “grande novidade” na Europa. Opõem-se aos planos de austeridade impostos pela TROIKA, mas não colocam no horizonte a ruptura com o sistema do Euro. No limite, buscam uma saída negociada para cumprir os compromissos financeiros em melhores condições. Acreditam que é possível se manter com a moeda única e, ainda assim, aplicar medidas sociais contra o desemprego e a pobreza.

Ainda que se apoiem em um plano que tende a ser de esquerda, nenhum dos dois tem como estratégia – considerada aqui como as tarefas políticas de longo prazo – a luta pelo socialismo. São reformistas, defendem reformas para melhorar o capitalismo, bem diferente do “reformismo histórico” (também vencido historicamente) cuja luta pelas reformas e a ocupação dos espaços no Estado eram vistas como formas de chegar ao socialismo.

No dia 20 de fevereiro foi anunciado que o Syriza fechou acordo com o bloco europeu (outro nome da TROIKA e com forte poder da Alemanha), prorrogando o plano de resgate da economia grega (os bancos individuais, o Banco Central Europeu continuam emprestando dinheiro – que nem entra na Grécia, vai direto para o pagamento da dívida) por mais quatro meses. Em troca, o governo grego adota “reformas que devem envolver o combate à corrupção, à evasão fiscal e medidas que melhorem a ‘eficiência do setor público’” (FSP 21/02). Ou seja, muda-se o governo, mas, pelo menos por enquanto, a política continua a mesma, pois, além de reconhecer a totalidade da dívida também aceita a supervisão sobre as contas públicas por parte de organismos internacionais e também se compromete a não adotar medidas unilaterais. Uma postura bem diferente das promessas eleitorais.

Resta saber como os trabalhadores gregos, que darão a palavra final, reagirão ao acordo que mantém a mesma política de ataque aos seus direitos, mantém o desemprego e o corte dos serviços públicos. Se se sentirem fortalecidos e irem às ruas, passando por cima do Syriza, podemos assistir ao nascimento de um movimento que pode apontar para uma saída classista, servindo de referência para o proletariado europeu.

É preciso acompanhar de perto esse movimento (pelas lições que pode nos deixar) porque ocorre numa realidade bem complexa e contraditória, na qual também os partidos de direita mostram força e não podemos descartar que cresçam ainda mais. Na Grécia, por exemplo, o partido Aurora Dourada (de tipo fascista) fez 17 cadeiras no parlamento e o partido Nova Democracia (de direita, conservador) teve quase 27% dos votos na mesma eleição em que o Syriza venceu.

Da negação à afirmação de uma alternativa classista e socialista

Não se pode desconsiderar o fato de que esse movimento de negação ainda se localiza na esfera das representações políticas. Tem-se como elemento positivo a oposição aos planos de ajustes do capital e a negação dos partidos tradicionais de “esquerda”, também carregam a limitação de ainda acreditarem na possibilidade de mudanças por dentro do sistema político (parlamento, etc.).

Na Grécia, por exemplo, a abstenção foi a menor desde 2007, demonstrando que a consciência se mantém dentro dos limites da “disputa por dentro” das instituições. Na Espanha o processo também passa por essa disputa institucional, com o Podemos se preparando para as eleições municipais e regionais em maio, e, no fim do ano, as legislativas em nível nacional, em que lidera as pesquisas.

Apesar de todas as contradições, não se pode negar que é um movimento importante de questionamento de um modelo que foi aplicado à exaustão por diversos governos na Europa e também no mundo. A importância está no fato de que essa negação, a depender do seu desenvolvimento, pode levar à (negação da negação, momento de afirmação de um novo) construção de formas de luta e organização a partir da experiência que os trabalhadores façam com essas direções.

É fundamental que a classe trabalhadora realize a experiência com essas direções para poder dar um salto e assumir em suas mãos as tarefas de enfrentamento ao capitalismo, pois se depender do Syriza e do Podemos as coisas não vão mudar estruturalmente.

Mas, essa experiência não vai ser fácil e nem sem contradições. Além das mediações que os governos capitalistas – e também essas direções – conseguem impor, há também a crise de alternativa socialista, processo no qual a consciência de classes encontra muitas dificuldades para se desenvolver.

A nós marxistas cabe contribuir para que a classe a compreenda (ou seja, desenvolva a consciência) que com esse sistema e com essas direções não vai ser possível resolver os problemas em sua raiz, ou seja, derrubar o capitalismo e, assim, que esse processo se acelere e ganhe um rumo à esquerda, caminhando para a ruptura com o capital.

Não é por acaso que a Grécia, de repente, tornou-se o centro das atenções tanto da esquerda quanto do imperialismo, pois a depender do rumo que as coisas tomem, pode fortalecer a luta dos trabalhadores em todo mundo, enfrentando o pagamento da dívida, formando organismos independentes da classe trabalhadora e com o desenvolvimento da consciência para derrotar a burguesia grega e o imperialismo.

Mas a radicalização não é a única alternativa, infelizmente. O governo do Syriza já mostra recuos como a aliança com o Partido Gregos Independentes (de direita nacionalista) e pode, assim, fortalecer ainda mais o grupo de países que querem impor os ajustes aos países periféricos da região.

Um pequeno glossário:

Pasok: Movimento Socialista Pan-helênico.

Fundado em 1974 a partir da junção dos grupos de resistência que derrubaram a ditadura militar cujo programa era a luta pela “Independência Nacional, Soberania Popular, Libertação Social e Estruturas Democráticas”. Aos pouco tornou seu programa flexível até que nos anos 1990 apoiou a entrada da Grécia na União Europeia e em 2001 na zona do euro, cumprindo todas as obrigações financeiras assumidas com os bancos e os principais países da região (França e Alemanha principalmente).

Esse papel de coautor na aplicação das medidas de austeridade fez com que perdesse o apoio popular. Nas eleições de 2009 obteve 43% dos votos e agora em janeiro de 2015, menos de 5%. Em 1981 chegou a ter 48% dos votos.

A crise dentro do PASOK é tão grande que há poucos dias das eleições de janeiro desse ano um setor importante fundou “um novo PASOK”, com o nome de Movimento de Democratas Socialistas, liderados por Giorgos Papandreou, obtendo menos de 3% dos votos.

Syriza

Nasceu em 2004 como uma frente. Reúne treze grupos e partidos maoístas, trotskistas, comunistas, ambientalistas, socialdemocratas e populistas de esquerda. Conhecido como esquerda radical, suas propostas não têm caráter de ruptura com o capital.

Com um programa centrado na discussão da questão da dívida pública e contra os programas de austeridade da TROYKA, começou a ganhar força exatamente quando o descontrole da dívida e a pressão das medidas econômicas sobre a Grécia levaram a uma série de cortes de direitos trabalhistas, demissões, pobreza etc. Já em 2012 foi a segunda força eleitoral, com 27% dos votos.

Liderado por Alexis Tsipras, nas eleições de janeiro desse ano, obteve 37% dos votos, com o bônus de 50 cadeiras no parlamento. O partido mais votado alcançou 149 cadeiras de um total de 300.

Troika

É constituída por três entidades: Banco Central Europeu, Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional. Os empréstimos aos países são negociados por essa organização que, em troca, apresenta um plano de controle sobre a economia do país que pede o empréstimo. Como garantia de pagamento impõe uma receita neoliberal como cortar verbas dos serviços públicos, demitir funcionários públicos e abrir a economia para empresas estrangeiras, privatizando as estatais. As mesmas medidas que vemos aqui no Brasil.

As mobilizações concentram na Troika o maior ódio por ser o grupo que aparece diretamente nos planos econômicos e que ataca os direitos dos trabalhadores.

União Europeia

Bloco econômico formado atualmente por 28 países europeus. Sucessora da Comunidade Econômica Europeia ganhou força a partir do início da crise capitalista dos anos 1970. Formou um mercado comum com a exclusão das fronteiras entre os países, mas na prática essa liberdade existe para as mercadorias que circulam livremente, favorecendo os países desenvolvidos e dominantes do bloco. No Reino Unido, por exemplo, existe um forte movimento liderado pelo Partido Independente (UKIP, sigla em inglês) para sair do bloco por ser contra a livre circulação de pessoas, sobretudo dos trabalhadores oriundos de países periféricos, como a Polônia.

Somente podemos compreender esse bloco no marco da competição interimperialista, como uma busca por melhores condições para o capital europeu competir no mercado mundial. Como o deputado e ex-ministro conservador Kenneth Clarke declarou à BBC: “Se nós [da UE] quisermos competir com os americanos e os chineses…, nós precisamos da livre circulação dos trabalhadores”.

Zona do Euro

A Zona do Euro consiste em países que adotaram um sistema de moeda única: o Euro. Iniciou em 1999 com 11 países e hoje conta com 19 países que, conforme foram cumprindo as medidas necessárias, se incorporam ao bloco. O fato de ser a mesma moeda não quer dizer que as condições econômicas sejam as mesmas. O sistema mantém a divisão entre países centrais e periféricos, estes últimos fontes de formas mais agressivas de extração de mais-valia. O poder político está entre França e Alemanha com preponderância para a última, muito mais agressiva com os países da periferia e devedores.

Nem todos os países da União Europeia estão na Zona do Euro. Os principais ausentes são o Reino Unido (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) – por opção – e Dinamarca – em que o euro foi rejeitado em um plebiscito – e os outros porque não cumprem as condições econômicas, como a Suécia.