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Jornal 54: Novembro de 2012


12 de novembro de 2012

Esta edição é especial e conta com  o encarte:

95 ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA: OUTROS OUTUBROS VIRÃO

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Leia as matérias online:

 

 

A NECESSIDADE DE UMA ALTERNATIVA SOCIALISTA BATE ÀS PORTAS

O ano de 2012 foi sem dúvida bem diferente do ano anterior, quando o governo Dilma conseguiu aplicar a sua política de apoio às empresas, ou seja, retirar direitos dos trabalhadores e também impor importantes derrotas aos trabalhadores.

Não estamos afirmando que nesse ano a correlação de forças passou a ser favorável para nós trabalhadores, mas que as contradições foram maiores para o governo e para a burguesia. E o principal elemento para isso foi sem dúvida o ressurgimento de lutas em categorias importantes.

A nosso ver, o balanço da situação política nacional desse ano se assenta sob quatro aspectos que expressam bem essas contradições:

a) Esgotamento do ciclo anterior de medidas de combate à crise, tomadas pelo governo e dificuldades econômicas crescentes. A expressão desse esgotamento foi a queda das exportações e da produção industrial, do setor de minérios e mesmo do agronegócio;

b) Adoção de novas medidas de apoio às empresas, o que significa um conjunto de ataques da burguesia e do Estado sobre os trabalhadores da iniciativa privada e do setor público;

c) Aumento das lutas e da polarização política como decorrência de maior tensão social;

d) Aumento da repressão e a criminalização dos movimentos e dos ativistas pelo Estado para fazer frente às lutas e garantir a implementação desse projeto.

Ainda que sob controle do governo, esses elementos demonstram o quanto já está se debatendo para manter o seu projeto original e constantemente tem que promover necessários ajustes. Por isso, desde o começo do ano estão sendo adotadas novas medidas na economia, como incentivos fiscais, facilitadores para o crédito e outras.

Outro elemento distinto do ano de 2011 foi o significativo aumento das lutas; embora todas elas se mantivessem nos limites da luta salarial, também enfrentaram a crescente repressão e o papel nefasto que as direções sindicais desempenham. As greves, na verdade, são uma resposta da classe trabalhadora contra a resistência da patronal em fazer concessões que significam elevação de custos e com isso aumente a dificuldade na competição do mercado.

As medidas adotadas pelo governo Lula, principalmente partir da crise de 2009, tinham permitido certo fôlego para o capital no país, mas, como havíamos alertado, somente tinham condições de jogar para frente as contradições, ou seja, não conseguiriam resolvê-la definitivamente.

Em cada medida que aparentava solucionar os problemas da economia já estava embutido o surgimento, em um futuro próximo, de novos problemas. Adotava-se um conjunto de medidas facilitadoras de crédito, mas isso no futuro significaria endividamento e aumento da inadimplência, o que, consequentemente, levava à diminuição no consumo.

Logo essas medidas mostraram seus limites com o aumento do endividamento (em agosto 59,8% das famílias estavam com dívidas) e o aumento da inadimplência, isto é, 19% das famílias estão inadimplentes (mesmo com todas as medidas de renegociação no Serasa). Essa situação, que é uma restrição objetiva ao crédito voltado ao consumo interno, base do crescimento econômico dos governos petistas, repercute na dificuldade da manutenção do mercado interno nos níveis necessários.

Para responder a esses problemas, o governo Dilma, a partir de abril adotou várias outras medidas no sentido de tentar dar um novo fôlego à economia e buscar um novo período de crescimento. A desoneração da folha de pagamento, o aumento do crédito público com juros abaixo do mercado para as empresas, a ampliação da redução do IPI para automóveis e outros produtos são parte dessa política.

O problema é que elas também não têm força para solucionar a crise definitivamente. Mais uma vez joga-se o problema para um futuro não muito distante, pois a razão da crise econômica continua intacta: a tendência à queda da taxa de lucro. O anúncio, todos os dias, de novas tecnologias é a expressão de que há um alto investimento em bens de capital e isso tem como consequência direta a queda da taxa de lucro do capital de conjunto.

O ESTADO CUMPRE O SEU PAPEL

Com dificuldade em manter as condições adequadas para sua reprodução, o capital dispara os seus mecanismos de “salvação”, naquilo que chamamos de contra tendências. A utilização do Estado passa a ser primordial, pois é o que vai garantir capital para novos investimentos ou mesmo para infraestrutura (o que tem acontecido muito no país). Vai Aperfeiçoar a legislação em favor do capital (as contrarreformas da previdência e trabalhistas são exemplos). E, acima de tudo, vai disparar os instrumentos de repressão jurídico-policial e ideológico.

O caso brasileiro é emblemático, pois são várias mudanças no sistema previdenciário, alto endividamento do Estado para favorecer as empresas e aumento de medidas de repressão (prisões, processos, mudanças na legislação, etc.).

Em relação à economia brasileira podemos dizer, com certeza, que, se não fosse a forte intervenção do Estado o país, estaria novamente em recessão. Foram várias medidas como o aumento da competitividade da indústria, a qualificação da mão de obra técnica, a redução do IPI, a construção e concessão de obras, concessão de aeroportos, desonerações tributárias, enfim, várias medidas que significaram o repasse de bilhões e bilhões para as mãos dos capitalistas.

A base da reconfiguração do Estado em tempos de crise estrutural do capital é a utilização de recursos que deveriam ser considerados públicos, mas são deslocados para as necessidades de um punhado de burgueses, sempre à custa da miséria e pobreza de milhões de pessoas.

Os governos petistas têm cumprido muito bem esse papel com medidas que procuram atender as necessidades do capital de conjunto e não apenas algumas de suas frações. Essa é, certamente, uma das razões do pesado apoio financeiro que as empresas deram aos candidatos governistas.

O MERCADO MUNDIAL

Também contribuíram, para o esgotamento do ciclo, as dificuldades de inserção no mercado mundial com produtos que não fossem do agronegócio. O processo de desindustrialização nacional, a política dos Estados Unidos em despejar bilhões de dólares no mercado (para diminuir o preço do dolar no mercado mundial, aumentar o preço dos produtos de outros países e dificultar que exportem), a crise em vários países da Europa (o que fez com que também a disputa desse mesmo mercado passasse a ser mais acirrada) são alguns dos fatores que, ainda que possamos apresentar várias mediações, estão empurrando o Brasil para a crise.

Essas contradições somente poderão ser compreendidas se levarmos em conta a forma com a qual o Brasil, a partir da divisão mundial do trabalho, busca se inserir nesse mercado, ou seja, centralmente pela exportação de commodities e de matéria prima.

Com a desaceleração de mercados como o chinês e a recessão nos países europeus, a demanda por esses produtos diminui e aumenta a competição entre as empresas e os países. O problema para a burguesia é que as medidas adotadas pelo capital de conjunto também têm tido um fôlego cada vez mais curto, principalmente por conta dos limites impostos pela crise estrutural do capital e que somente podem ser superados se conseguirem impor uma derrota histórica à classe trabalhadora em geral.

Assim, também como parte dos efeitos da mundialização do capital, toda e qualquer mudança na economia desses países refletem imediatamente na economia brasileira. Por isso que dizemos que a política econômica do governo brasileiro tem o objetivo de reduzir custos para facilitar a competição das empresas no mercado mundial. E na economia capitalista a redução de custos é sinônimo de redução de direitos trabalhistas.

O REGIME POLÍTICO ENDURECE…

Há uma tendência generalizada pelo mundo à diminuição dos mecanismos democráticos, com os Estados adotando todo tipo de restrição aos explorados. O discurso é o da necessidade de o Estado ser forte e enxuto para garantir o crescimento, etc. Discurso próprio de regimes antidemocráticos.

Como o projeto econômico é muito duro contra os trabalhadores, faz-se necessário que o regime atue de uma forma muito mais dura em relação ao movimento social de conjunto. As ações policiais nas áreas ocupadas, a ação dos tribunais trabalhistas impondo decisões antigreves, as iniciativas de mudança na legislação de greve colocando critérios impossíveis de serem cumpridos (mesmo que fosse possível o cumprimento, isso não os legitimariam) e as perseguições aos ativistas são parte desse processo de endurecimento.

São as instituições estatais os principais agentes de repressão. Mas, amparados nessa ofensiva, vários outros setores adotam medidas semelhantes. Temos o caso das reitorias, que têm instaurado vários processos administrativos contra os ativistas das universidades. Algumas sequer se dão ao luxo de realizarem o processo com direito à defesa.

Afora as características autoritárias da “democracia brasileira”, é importante evidenciar que o “modus operandi” do governo petista têm essa linha política com o objetivo muito definido de reforçar o controle social sobre a classe trabalhadora, seja com “ilusões democráticas” ou mesmo com a utilização do poder bélico nos morros cariocas “pacificados”.

Mesmo sob a ótica burguesa, há de forma cada vez mais intensa uma política da burguesia de conjunto contra as garantias democráticas. Por isso, a necessidade de que o movimento social e as forças de esquerda tenham uma política cada vez mais audaciosa contra os ataques aos direitos democráticos.

Esses elementos apontam para o fato de que há uma mudança qualitativa na relação do Estado com o movimento social e isso quer dizer que não é só o PT ou o PSDB ou a polícia ou o judiciário, mas, é o conjunto das instituições que miram suas armas contra as já pequenas conquistas democráticas das últimas décadas.

A razão última de todo esse endurecimento é a manutenção da hegemonia capitalista, sempre amparada em profundas desigualdades sociais e econômicas. Somente no atendimento das necessidades da rentabilidade do capital, a repressão (em todas as suas dimensões) torna-se fundamental para a manutenção dos mecanismos de exploração.

UM GOVERNO MAIS À DIREITA E MAIS DURO

Uma questão importante do balanço político do ano de 2012, para os que ainda tinham dúvidas, é de que o PT se consolidou ainda mais como o partido da ordem e do capital. Um gerente exemplar do capital que utiliza todos os instrumentos para que seu amo continue explorando os trabalhadores brasileiros.

Para levar adiante todos esses ataques, o governo do PT (desde Lula até Dilma) construiu um arco amplo de alianças, que inclui os setores mais reacionários do país, como Maluf e deputados do agronegócio. O governo Dilma, mais à direita que o de Lula, se colocou desde o início como mais duro, determinado a aprofundar os ataques aos trabalhadores para tentar reequilibrar aos poucos os problemas que a economia demonstrava.

Esse caráter do governo é expresso em todas as áreas. Na “Segurança Pública”, por exemplo, isto se demonstra com a autorização para que o exército ocupe os morros cariocas e com as ameaças de corte de ponto dos grevistas do funcionalismo público federal. Todos esses fatos já comprovam esse deslocamento para a direita.

A consequência disso tudo é a continuidade e até o aumento desses ataques no próximo período. Derrotar o movimento social é essencial para aplicar as políticas de arrocho que o governo vai lançar para fazer frente à crise que se avizinha.

MANOBRA DA REDUÇÃO DOS JUROS: BANQUEIROS CONTINUAM LUCRANDO

Os discursos inflamados do governo e das centrais sindicais pelegas sobre a redução dos juros escondem o fato de que o governo continua a favorecer os banqueiros e sanguessugas do dinheiro público. Vejamos os dados da Auditoria Cidadã da dívida:

a) A redução dos juros é da taxa SELIC (7,25% ao ano). Vale destacar que 75% da dívida do governo (sob responsabilidade do Tesouro Nacional) não está atrelada a taxa SELIC, ou seja, os credores praticamente não perdem nada com essa redução;

b)O custo médio efetivo (aquilo que o governo paga) da dívida pública federal está 11,3% ao ano, ou seja, bem superior aos 7,25%;

c)Os títulos em taxa fixa que Tesouro Nacional está vendendo estão com taxas bem superiores à SELIC, garantindo a alta lucratividade dos “investidores” em título públicos.

Assim, a constatação a que chegamos é a de que os bancos continuam sendo favorecidos. Essa é uma das razões de não terem reclamado da redução dos juros. Outro aspecto é de como e o quanto absorvem a imensa quantidade de recursos públicos que poderiam ser deslocados para a construção de escolas, hospitais, etc.

O peso da financeirização e dos interesses rentistas no orçamento público é tão grande e nefasto que a obtenção de recursos para o Estado (por meio da venda de títulos públicos) sequer cumpre o defendido pelos próprios “desenvolvimentistas” que é melhorar as condições para investimento estatal em obras públicas.

Assim, o Estado, também nesse item, continua a desempenhar o papel de mediador dos interesses privados na administração pública, mantendo o pagamento da dívida com os maiores juros do planeta.
A luta contra o pagamento da dívida ainda se mantém vigente e ganha importância, cada vez mais, a necessidade de realização de ampla campanha pela utilização de todo esse dinheiro para a construção de escolas, creches, hospitais, etc.

Diante de tudo isto, não nos resta alternativa que conclamar a todos para que a luta se desenvolva cada vez mais em unidade e em solidariedade, afinal, em 2013, e cada vez mais, radicalizar é preciso!

A luta dos trabalhadores é necessária em todas as esferas, seja no local de trabalho ou em seu bairro! Contra a repressão e criminalização dos movimentos! Pelo direito de greve! Por emprego! Por salário! Por moradia! Contra o pagamento da dívida! Por uma vida digna para quem precisa trabalhar para sobreviver!

RICOS MAIS RICOS E POBRES MAIS POBRES

Recentemente o relatório “Estado da Insegurança Alimentar no Mundo 2012” apontou que o Brasil reduziu a subnutrição da população de 14,9%, no período de 1990 a 1992 para 6,9%, nos anos de 2010 a 2012.

Se o governo comemora e dá o crédito “desse avanço” aos programas sociais (Bolsa Família e outros), os fatos apontam para uma grave situação social no país. Primeiro porque há no Brasil cerca de 13 milhões de pessoas passando fome ou sofrendo com desnutrição. Segundo porque esses programas sociais não acabam com a fome, mas apenas a minimiza (basta que se suspenda o auxílio um mês e a pessoa não terá nada com o quê se alimentar. Terceiro porque transforma milhões de pessoas em reféns do governo (um exemplo são as “ameaças” de que este ou aquele candidato vai retirar o Bolsa Família).

Somente com uma política de emprego para todos é possível acabar com a fome. Não somos contra programas que favorecem ou reduzem a fome de milhões de pessoas. No entanto, criticamos porque sequer se propõem a acabar com a fome, mas, como dito acima, apenas minimizá-la.

Por isso a importância, no programa socialista, da luta pela redução da jornada de trabalho, sem redução do salário para gerar e garantir emprego pleno possibilitando que os mais pobres se livrem dessa chantagem.
Atualmente, os custos do programa Bolsa Família representam, segundo dados do próprio governo, 0,46% do PIB. Em relação ao seu alcance, 25% dos brasileiros são beneficiários, indicando a força política desse programa dito social.

Já os banqueiros e especuladores continuam lucrando muito mais. De um orçamento de R$ 2,14 trilhões, R$ 900 bilhões (42% do orçamento federal) serão destinados para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública.

O governo do PT repete a lógica do orçamento dos anos anteriores: menos para os trabalhadores e mais para banqueiros e rentistas parasitas.

AS LUTAS

Esse ano foi, no último período, sem dúvida, um dos que mais greves e mobilizações aconteceram: motoristas, Correios, funcionalismo público federal, professores em vários estados, bancários, trabalhadores da construção civil, metalúrgicos, movimentos popular e estudantil.

Ainda que não tenhamos tido vitórias que mudassem a correlação de forças, a volta de greves no cenário político coloca a possibilidade de que a classe trabalhadora aprofunde a experiência com o petismo e com o cutismo (“modelo” sindical) e possa construir novos instrumentos de luta.

Dizemos isso porque o papel que a CUT e as demais centrais sindicais cumpriram nessas mobilizações foram de grande valia para os capitalistas, pois traíam descaradamente as greves ou, quando eram obrigadas a decretar as greves, faziam de tudo para não se fortalecerem. Bancários é o melhor exemplo de como essas direções atuam. Isso é assim porque essas centrais estão completamente integradas à lógica do capital.

Como se não bastasse o papel cumprido por essas centrais, outro problema que as lutas enfrentaram foi a timidez da própria CSP-Conlutas, que não foi capaz de se apresentar como uma alternativa real para a classe trabalhadora.Nos principais desafios que teve à frente terminou por privilegiar uma intervenção rebaixada, como foi o caso das ameaças de demissão na GM em São José dos Campos – SP, pois sequer levantou a bandeira de redução da jornada de trabalho sem redução do salário e ainda comemorou um acordo complicado que aceita o PDV e o lay off (trabalhadores são afastados da empresa e passam a receber uma parte do salário da empresa e outra do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador – do Ministério do Trabalho).

Isso ocorre exatamente em um momento que se faz necessário uma disputa ideológica contra a burguesia. A principal central de esquerda do país aplica uma política que tem como base um sindicalismo imediatista e economicista, que se move em torno de pautas parciais.

No próximo período a construção de um sindicalismo de base e que se proponha a ir além da luta econômica e parcial será decisivo para o enfrentamento do capital. Essa é a tarefa que se propõe o “bloco classista, anticapitalista e de base” (Movimento Revolucionário, Espaço Socialista e Independentes) que se formou no Congresso da CSP-Conlutas desse ano e foi lançado oficialmente na última reunião da Coordenação Nacional desta Central.

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A CRIMINALIZAÇÃO E A PERSEGUIÇÃO AOS QUE LUTAM NAS UNIVERSIDADES

Thais Menezes – Juventude do Espaço Socialista

Com o crescimento e aprofundamento dos problemas gerados pelo próprio capitalismo, o Estado vê como necessidade primária intensificar a repressão para manter a “ordem”.Para isso, difunde massivamente o espetáculo midiático da violência e com a desculpa de nos proteger, intensifica a repressão jurídico-policial. Acontece que a violência por parte do Estado adquire certa legitimação da maioria da classe trabalhadora por meio do discurso da “Segurança Pública”, em reação a um temor social generalizado fomentado não despretensiosamente pela mídia burguesa.

A neurose do medo é plantada na cabeça do trabalhador por meio da quase animalização da imagem do setor mais pauperizado da classe na mídia. Este apelo imputa aos trabalhadores um potencial violento e cruel exagerado, muito além do que realmente acontece nas ruas em larga escala. Assim, setores da classe são taxados como perigosos e jogados uns contra os outros. Amedrontados, os trabalhadores acabam assinando um cheque em branco para o Estado fazer uso da violência.

REPRESSÃO LEGITIMADA, TRABALHADORES DIVIDIDOS

Infelizmente legitimada pela maioria, a violência policial contra os trabalhadores é cotidiana. Em cinco anos, de 2006 a 2010, no Estado de São Paulo, 2.262 pessoas foram mortas após supostos confrontos com a PM, que matou, portanto, quase nove vezes mais do que a polícia norte-americana (Folha de São Paulo). Na Bahia, a situação é pior, mais de uma morte por dia: “Na média, este é o resultado dos Autos de Resistência (AR) na Bahia, de janeiro a agosto deste ano. Em 244 dias, foram registrados 267 óbitos de pessoas envolvidas em alegados confrontos com policiais” (Correio 24 horas). A própria ONU tem discutido a forma como a polícia militar atua no Brasil e já recomendou a extinção desta enquanto órgão separado (BBC Brasil).

Aos que não são assassinados, muitas vezes resta a privação da liberdade. O Brasil possui a 4ª maior população carcerária do mundo, tendo cerca de 500 mil pessoas hoje vivendo em um sistema prisional superlotado e em péssimas condições. “Pela lei brasileira, cada preso tem que ter no mínimo seis metros quadrados de espaço (na unidade prisional). Encontramos situações em que cada um tinha só 70 cm quadrados”. (BBC Brasil)

Mas ao mesmo tempo em que o Estado marginaliza e criminaliza individualmente, assassina, encarcera e demoniza a imagem do setor mais pauperizado dos trabalhadores assim dificultando sua unidade para lutar, reprime e criminaliza também as tentativas coletivas de contestação a esta ordem, expressas nos movimentos social, sindical e estudantil.

ORGANIZAÇÃO TEM SIDO COMBATIDA COM MUITA REPRESSÃO

Em 2007-2008, o movimento estudantil manifestou um ascenso memorável. As pautas passavam da reação à tentativa do Governo Lula de implantar a Reforma Universitária e as consequências já sentidas de um processo anterior de privatização às reivindicações mais específicas de cada universidade. O país foi presenteado pela juventude universitária com muita mobilização estudantil de fora a fora, uma série de greves e ocupações de reitorias (UFBA, USP, UNICAMP, UEL, UFJF, UFPA, UFRJ, UFMA, UFRGS, UFAL, PUC, Unirio, UFF, FSA, UFAM, UNB, UFMG, UERJ, UNCISAL, UFMS, UFS, UFSCAR, UFC, FSA, etc.), inclusive culminando na queda de alguns reitores, como Timothy Mulholland, na UNB e Odair Bermelho na Fundação Santo André.

Em resposta a esse processo de lutas houve muita perseguição e repressão. Diversas universidades foram invadidas pela polícia, desocupações violentas foram feitas, policiais sem identificação espancaram e ameaçaram estudantes. A mídia nada dizia sobre a repressão, a situação precária das universidades e as reivindicações, somente acusava os estudantes de dano ao patrimônio público, exportando uma versão encomendada dos fatos e compactuando com os cenários de destruição de reitorias montados pela própria polícia.

Por lutar, em cada universidade dezenas de estudantes combativos foram punidos, presos nas desocupações, fichados, multados e tiveram que responder a inquéritos e assinar acordos com a justiça. Muitos acabaram saindo com processos criminais nas costas.

A ofensiva de criminalização aos lutadores foi dura e um movimento que estava nos primeiros passos de sua tentativa de reorganização após clara cooptação governista da UNE confirmada no primeiro mandato de Lula, sentiu fortemente o baque. O refluxo foi inevitável. A presença de setores governistas com sua atuação limitada à oposição eleitoral e à defesa das políticas do Governo, como a UNE, e a aparatização do movimento em prol da sua própria construção por partidos e organizações degenerados da própria esquerda, como o PSTU e o PSOL, não contribuíram para que a mobilização estudantil conseguisse superar esse momento difícil.

O ano de 2011 dá as caras com ascensos populares por todo o mundo. É dado o primeiro pontapé da posteriormente intitulada Primavera Árabe, a rebelião no Egito. A juventude se levanta por todo canto, Espanha, Portugal, Grécia, Inglaterra e Chile, com uma massiva luta pelo resgate da Educação pública. Alguns processos de luta estudantil se abrem também em algumas universidades brasileiras, porém agora em unidade e de certa forma na dependência das lutas dos trabalhadores do funcionalismo público e dos docentes das universidades.

Já na USP, o ME fecha o ano com maior radicalização e desvinculação. O saldo foram 73 estudantes presos e processados criminalmente. As mobilizações eram contra o avanço do projeto privatista da Universidade, culminando no fechamento de convênio entre a reitoria e a Polícia Militar, para vigiar e controlar os lutadores, limpando terreno. No início de 2012 a reitoria da USP avança nos ataques e investe nos processos administrativos, para os quais têm dado foco, visando a expulsão dos estudantes. A parca moradia estudantil também foi invadida pela polícia e pessoas foram agredidas e processadas.

O ano de 2012 não foi tranquilo para a burguesia nem para governo, contou com ascensos dos trabalhadores por todo o país. Nas universidades explodiu a grande greve nacional dos servidores públicos federais e docentes universitários. Em muitas universidades, os estudantes entraram em luta em solidariedade ao movimento dos trabalhadores, mas em algumas também encamparam sua luta estudantil autônoma paralelamente. A UNIFESP Guarulhos é um desses casos, a luta continuou, com um saldo de 173 estudantes entre presos e processados que, inclusive, ainda hoje lutam contra o avanço dos processos.

Na UFES, em Vitória, a luta por moradia estudantil também teve autonomia e foi reprimida com violência. Em outro episódio no mesmo local, 3 estudantes foram presos arbitrariamente durante exibição de filme dentro do campus na calada da noite. Na Fundação Santo André, hoje vários estudantes em luta passam por processos de sindicância que visam a expulsão. Uma simples manifestação pacífica em evento comemorativo na Câmara dos Vereadores de Santo André motivou uma dessas sindicâncias inclusive.

No marco da crise estrutural do capital, o Estado tem sofrido pressões para aplicar com maior rapidez os projetos da burguesia, não havendo mais tanta margem para negociações ou mediações. Hoje nas universidades é possível observar uma ofensiva mais focada, que em 2007-2008, em eliminar com rapidez os lutadores dos espaços onde projetos precisam ser aplicados, isso se expressa nos processos administrativos.

O movimento estudantil se carateriza por ser um espaço de formação da consciência política, onde experiências de resistência muito importantes são feitas e onde lutadores valiosos são formados para, muitas vezes, lutar por toda uma vida por uma sociedade diferente desta. Da mesma forma que sabemos disso, a burguesia também sabe e a tentativa de desmobilizar os lutadores já no movimento estudantil faz todo o sentido.

RECONSTRUIR PELA BASE E DEFENDER OS LUTADORES

A reconstrução do movimento estudantil passa pela rejeição aos métodos aparatistas. Defendemos que os partidos e organizações políticas tenham como prioridade a construção dos movimentos e não sua própria construção, que seria uma consequência natural de sua inserção real no movimento. As questões nacionais são de fundamental importância, mas têm dose e momento certo para serem colocadas com qualidade. É preciso tomar as demandas locais dos estudantes como prioridades e ter inserção real e útil entre eles. Colocar bandeiras nacionais a todo custo acima das vontades dos estudantes caminha na contramão disso, torna a esquerda militante alienígena ao conjunto dos estudantes e a isola, prejudicando a construção do movimento e, inclusive, dificultando sua defesa em momentos de repressão.

As dificuldades da luta por uma sociedade sem opressão e exploração são inumeráveis. Assim, a necessidade da defesa dos lutadores e da luta contra a repressão se colocam como pressuposto à sobrevivência da já árdua tarefa da esquerda revolucionária.

CONTRA A REPRESSÃO E CONTRA O CAPITALISMO

Porém, a campanha contra a repressão nas universidades e em todo lugar não deve ser meramente democrática. Repressão se combate com a livre organização dos trabalhadores e estudantes em luta para além das conquistas democráticas.

A organização dos trabalhadores contra a exploração capitalista, a lógica do lucro e todas as suas gélidas consequências, que se expressam também nas universidades, muitas vezes passam por fora da legalidade e expressam formas de organização muito mais complexas e democráticas que as costumeiras na sociedade, porém, fora das institucionalidades.

A estrutura antidemocrática das universidades, a ínfima representação estudantil nos conselhos deliberativos e consultivos e a totalidade da democracia que a burguesia pode nos oferecer não são capazes de abarcar as profundas mudanças que queremos. Precisamos romper com estas estruturas e para isso temos que estar preparados para a reação da burguesia. A defesa dos lutadores deve ser tomada como tarefa fundamental de todo revolucionário.

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 O QUE CELEBRAR NO 20 DE NOVEMBRO, DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA?

Jônatas Barbosa, José Jânio e Rogério Azevedo

O dia 20 de novembro é a data oficializada pelo Estado brasileiro como o “Dia da Consciência Negra”. Nesse dia, nos acostumamos a ver shows com música de negro e apresentações com artistas negros dançando e representando uma série de expressões artísticas afro em todos os cantos do Brasil. Boa parte dessas comemorações é organizada pelo Estado, através dos municípios, estados e união. Várias ONGs, partidos políticos e grupos se incorporam a esses festejos. No entanto, será mesmo que essa data tem que ser comemorada da forma e com o conteúdo que tem tomado ao longo desses últimos anos?

Foi em 20 de novembro de 1695 que o líder mais conhecido do Quilombo dos Palmares (atual território pertencente ao estado de Alagoas) Zumbi, foi assassinado quando lutava pela libertação dos negros contra os senhores de escravos durante o período do Brasil colônia. Vindos dos países africanos, a mão de obra escrava serviu durante muito tempo para enriquecer a classe dominante da época.

Porém, com o desenvolvimento do modo de produção e tendo como momento predominante a mão de obra assalariada, os senhores de escravos “reconheceram” que era bem mais caro manter um escravo do que pagar salários. Aliado a isso, a luta e as revoltas do povo negro, que fugiam para os quilombos por todo o país, foram fatores determinantes para legalização do fim da escravidão. Falamos em legalidade, porque a escravidão era permitida por lei, sendo o Brasil o último país do mundo (1888) a abolir as leis que garantiam às classes dominantes escravizar os negros. Por mais de três séculos, os negros no Brasil foram tratados como coisas; meros objetos de compra e venda, e por diversas vezes, de acordo com sua serventia, descartados pelos seus donos.

A substituição da mão de obra escrava pela assalariada, não significou dizer que o capitalismo não absolvesse o racismo em benefício do seu funcionamento. Os escravos – agora “ex-escravos” e, portanto, “livres” – foram incorporados ao sistema capitalista ocupando os piores empregos em troca dos piores salários, isso quando conseguiam ser empregados. Se diminuir os custos da produção faz os lucros serem maiores, pouco importa, para os patrões, se essa diminuição de custos será a parte que vai faltar no salário da parcela dos trabalhadores que são negros. E essa baixa nos salários será aceita, de forma velada ou não, pela concorrência posta pelo modo de produção capitalista e também, agora, sendo atendida pela própria sociedade marcada historicamente pelo racismo. Ou seja, o racismo foi e é usado pelo capitalismo para obtenção de lucro em cima dos baixos salários dos trabalhadores negros.

Se antes os negros estavam nas senzalas, cozinhas e lavouras, hoje continuam ocupando as cozinhas dos brancos nos prédios das orlas e condomínios das grandes cidades; cortando cana nos canaviais de usinas sucroalcooleiras. Como benesses do capitalismo não estão mais nas senzalas e sim nas favelas. Cumprem, em sua maioria, as mesmas funções que cumpriam no passado, mas, agora, recebem os mais baixos salários do sistema capitalista e moram nos piores lugares das grandes cidades principalmente. Assim, confirmam-se os resultados da pesquisa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), na qual se verificou que 70,2% do total de mortos pela polícia do Rio são pardas e/ou negras.

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgados em 2003, o salário médio de um trabalhador branco é de R$ 931,00 enquanto o salário médio do negro é de R$ 428,30. Quando comparamos a questão das mulheres, temos um quadro ainda pior: a mulher branca ganha em média R$ 554,60 e a mulher negra R$ 279,70. Observando os números, podemos perceber que o homem branco recebe o triplo do salário da mulher negra. Se considerarmos que essas diferenças se encaixam apenas nos poucos negros que conseguiram, após a abolição da escravatura, se encaixar no mercado, podemos verificar como vivem aqueles que nem a essa “sorte” foram lançados.

Essa incorporação do racismo ao sistema capitalista sempre foi um problema para os partidos e organizações de esquerda. Boa parte não consegue enxergar que o racismo está umbilicalmente ligado à questão do interesse entre as classes sociais que compõem o capitalismo. Se de um lado temos a burguesia que, cada vez mais, quer tirar seu lucro em cima dos trabalhadores, esses últimos por sua vez, querem tirar maiores salários dos seus patrões para terem condições de vida melhores. Porém, é dentro da classe trabalhadora que encontramos os negros. Esses que antes do capitalismo eram escravos agora são trabalhadores “livres” que teoricamente são iguais ao resto da classe trabalhadora branca. Falamos teoricamente, porque na prática, como afirmamos acima, os negros são a parcela da classe trabalhadora mais explorada do que os já explorados trabalhadores de uma forma geral.

Por outro lado, assistimos a uma metamorfose do próprio capitalismo, em querer passar para toda a sociedade a ideia de que tomou para si a resolução definitiva do racismo. Campanhas publicitárias, sistemas de cotas, ocupação de alguns cargos de alto escalão do Estado e de grandes empresas são alguns dos exemplos dessa movimentação. Logicamente, essa atenção do capitalismo de passar a ideia de que o racismo acabou, aos poucos, através de políticas de inclusão social para os negros e a ocupação de cargos importantes por parte dos negros, somente tenta esconder a origem do racismo. Mais ainda, tentam passar a ideia de que no passado recente da história do país o que aconteceu foi a junção perfeita entre brancos, pretos e índios e que o dia 20 de novembro serve para prestarmos uma homenagem a uma das partes desse casamento “perfeito” que originou o povo brasileiro.

Dessa forma, o discurso, inclusive, dominante na maioria das universidades do Brasil, esconde que a superação do próprio racismo é impossível dentro dos marcos da sociedade capitalista.

Temos ainda, alguns poucos partidos de esquerda que tomam para si a questão racial como a questão de classe, no entanto, e sob o argumento de que precisam dialogar com a realidade, acabam tratando a questão em suas ações políticas da mesma forma fragmentada que é feita pela classe dominante. Dessa forma, é comum vermos nos espaços de auto-organização da esquerda, a separação dos próprios trabalhadores para discutir as contradições da sociedade capitalista na hora de tratar da questão racial, nos quais negros tratam da questão de negro, mulheres tratam das questões de mulheres e assim por diante.

Não temos conseguido superar essa segregação interna da própria classe trabalhadora. Como resultado disso, acabamos de forma consciente ou inconsciente, agindo ou se omitindo contribuindo ou corroborando com a forma e o conteúdo das manifestações que assistimos todos os anos no dia 20 de novembro.

Quando Zumbi foi assassinado por Domingos Jorge Velho no final do século XVII, o Brasil vivia um momento de intenso embate entre senhores e escravos. A decisão de tomada por milhares de escravos naquela época de fugirem das senzalas e das fazendas de seus donos e irem morar em comunidades no alto das montanhas ao longo do território nacional não era uma luta para que hoje tivéssemos a liberdade de montarmos uma banda de pagode, uma roda de capoeira ou uma exposição de comidas afro. A luta das comunidades quilombolas era para que todos fossem iguais, brancos ou pretos.

Sem dúvida, se muitos deles estivessem vivos hoje não hesitaram em afirmar que as condições de vida dos negros são bem melhores do que naquela época. No entanto, essa expressão “é bem melhor” torna-se bastante relativo quando olhamos para uma favela de qualquer grande cidade do Brasil e vemos que a maioria esmagadora da população que ali habita é de negros; que quando queremos xingar alguém de “safado” e esse alguém é preto chamamos de “negro safado”; que quem ainda lava os pratos, faz a comida, engraxa os sapatos, estaciona os carros para os brancos continuam sendo, em sua maioria, os negros, etc.

Por isso, mais do que ser um dia para se manifestar toda a riqueza cultural dos negros, a data 20 de novembro tem que servir para manifestarmos nossos anseios por um mundo no qual não exista nenhuma forma de exploração do homem pelo homem, afinal esse era o anseio de toda uma geração representada nessa data pela figura de Zumbi dos Palmares.

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2012: PROFESSORES ENFRENTAM PRECARIZAÇÃO E MERITOCRACIA

Alexandre Ferraz/Núcleo professores

Qual o sentido deste ano para a Educação Pública e para as lutas dos professores? Qual a sua marca distintiva? O que deixa como tendências para 2013?

Da parte dos governos, não houve mudança nos projetos educacionais no sentido de reverter as tendências vigentes. Ao contrário, temos a generalização e aprofundamento dos ataques à Educação Pública pelo sistema do capital.

INVESTIMENTO MÍNIMO X COBRANÇA MÁXIMA

Em primeiro lugar, vivenciamos o corte ou não-investimento por parte dos estados nacionais e sua negativa em oferecer Educação Pública de acordo com os interesses dos trabalhadores e seus filhos. O dinheiro da Educação é enviado para garantir a lucratividade do empresariado no contexto de crise estrutural do capital.
Ao mesmo tempo, os professores são cobrados por mais tarefas e obrigações, que alteram a natureza mesma do nosso papel e do próprio conceito de Educação.

A perda da liberdade de cátedra (liberdade de ensino-aprendizagem) com a imposição do currículo (conteúdos a serem ensinados) em base aos interesses dos setores empresariais e a uniformização do conhecimento através de caderninhos do aluno e avaliações externas, são a forma encontrada de tratar como iguais os desiguais (as escolas de centro e de periferia, os diferentes turnos, as diferentes turmas e os diferentes alunos de uma mesma turma).

Temos a aplicação da lógica empresarial, onde o aluno é considerado uma peça, cuja “qualidade” deve ser cobrada em termos de sua adequação às finalidades limitadas de formação de mão de obra precária para o sistema.

Todos os demais fatores como a formação social e cultural dos alunos, as condições de trabalho (número de alunos por turma, aulas disponíveis para preparação e correção das atividades, rebaixamento salarial, falta de estrutura nas escolas) são intencionalmente excluídos do quadro de análise.

Dentro desse projeto, tem lugar central a individualização da cobrança e punição dos professores(as), inclusive com a possibilidade futura de demissão até mesmo dos efetivos(as) por “insuficiência de desempenho”, como vem ocorrendo na Espanha, Portugal e Chicago.

As políticas de mérito consistem em conceder reajustes salariais parciais e outras “vantagens” apenas para um setor minoritário da categoria, que consegue atingir os critérios, excludentes a priori.

Agora vêm juntar-se a isso os chamados Planos de Carreira, que não passam de avaliações individuais de desempenho ao decompor e atribuir pontuação a cada uma das atividades realizadas pelos professores, resultando em evoluções mínimas e restritas a uma parte da categoria.

O alto grau de subjetividade é visível, pois essas avaliações serão feitas pelas direções das escolas.

O caráter tendencioso desse conjunto de políticas tem tido impactos em nossa categoria, seja em sua realidade objetiva (diferenciações salariais e de classificação), como em sua consciência (aumento do individualismo, dificultando as ações coletivas maiores).

Contribuiu para isso o fato de que as principais entidades da Educação, dirigidas pela corrente Articulação Sindical (PT), têm sido coniventes e até mesmo têm apoiado a meritocracia, de forma velada ou explícita.

Como parte disso, temos as provas para os professores temporários, que visam jogar os setores mais jovens contra os mais antigos da categoria e, ao mesmo tempo, a precarização dos vínculos contratuais das quais o professor temporário (categoria “O” em São Paulo) é um exemplo do que o sistema tem imposto nos vários estados e países.

NAS ESCOLAS… A PRECARIZAÇÃO E A REPRESSÃO

O quadro geral de precarização aprofunda-se com a falta de estrutura mínima nas escolas, muitas das quais estão literalmente caindo. Quando ocorrem reformas, são realizadas visando apenas interesses eleitorais, durante o ano letivo, se estendendo por diversos meses e expondo professores e alunos a condições absolutamente insalubres.

Na relação da escola com os alunos, a ênfase recai no doutrinamento, na coerção e na repressão, como forma de se evitar questionamentos à ordem de dominação. As grades, as câmeras nos corredores, nas salas dos professores e até em salas de aula, e a presença cada vez mais constante da polícia no interior das escolas mostram essa tendência.

A fim de impor essa combinação contraditória entre investimento mínimo e cobrança máxima, num ambiente cada vez mais caótico e potencialmente explosivo, o sistema apela ao autoritarismo e assédio moral de Diretorias de Ensino, supervisoras e equipes gestoras, levando à multiplicação e acirramento dos conflitos nas escolas entre direção e professores, professores e alunos, professores e pais, e professores entre si.

Cada vez mais, as escolas acumulam tensões que inevitavelmente tendem a explodir em algum momento.

Porém, à medida que todo esse projeto vai sendo implementado, também vai tomando corpo e revelando sua essência. Fica cada vez mais claro que não se trata de uma política para propiciar melhoria na Educação, apenas mais cobrança, competição, enquadramento e punição, de forma a legitimar o não investimento em Educação Pública de qualidade para todos, pois isso não interessa ao sistema capitalista e aos governos.

2012: LUTAS NOS PAÍSES CENTRAIS QUESTIONAM MATRIZ DOS PROJETOS

Em 2012, ganharam corpo as lutas do setor de Educação nos países centrais, com destaque para Grécia, Itália, Espanha, contra os cortes orçamentários a serviço de salvar o capital.

Nos EUA, vimos surgir uma das greves mais importantes e que devem prenunciar muitas outras naquele e em outros países para o próximo ano.

A Greve dos professores de Chicago não se enfrentou apenas com os cortes orçamentários, mas contra todo um projeto educacional (Reforma de Nova Yorque) que tem servido de matriz para muitos outros sistemas educacionais, particularmente da América Latina e do Brasil.

Ao mesmo tempo, ressurge o movimento pela derrubada da estrutura privatista de Educação criada no Chile por Pinochet e mantida pelos governos que o seguiram. E agora, em Buenos Aires, surge uma greve das escolas secundárias contra a Reforma Curricular, que pretende eliminar matérias técnicas no segundo grau.

O QUE ESSAS LUTAS TÊM EM COMUM?

Em primeiro lugar, começam a enfrentar-se não apenas contra as consequências, mas contra um projeto educacional maior, em que os professores são expostos à responsabilização, cobrança e monitoramento de seu trabalho e a formas precárias de contratação, ditadas pelos interesses do capital contra os trabalhadores e os serviços públicos.

Em segundo lugar, são movimentos que tendem a ocorrer em unidade com pais, alunos, apoio de outras categorias de trabalhadores e até setores empobrecidos da classe média. Em alguns lugares, são mais do que simples greves, tomam a forma de micro-rebeliões educacionais e sociais, como no México e em Buenos Aires.

Avançam para a radicalização dos métodos de luta, pois combina-se a entrada em cena uma nova geração de professores em unidade com uma juventude estudantil sem perspectivas de melhoria futura, como também pelo endurecimento dos governos, que reprimem e acirram os enfrentamentos. Isso tem resultado em um ativismo muito forte nos momentos de luta.

Essa situação ainda enfrenta desigualdades no interior das categorias, onde temos ao mesmo tempo setores acomodados, mas também outros com grande radicalização, dando origem a vanguardas mais amplas, cujas ações, se não são diretamente seguidas, possuem legitimação e respaldo em setores de massa, tornando possível um avanço que antes não existia. É o caso dos bloqueios de estradas e avenidas no Chile e no México, do enfrentamento à polícia no México e em Buenos Aires, entre outros.

POR AQUI TAMBÉM HÁ NOVOS DESAFIOS PARA AS LUTAS

Entendemos, portanto, que a marca fundamental deste ano foi a ampliação, nos países centrais, do questionamento dos projetos adaptados aos interesses privados das empresas e de manutenção da ordem de governos comprometidos com a transferência cada vez maior das áreas sociais para o empresariado.

Assim, podemos esperar que, daqui para a frente, as tendências não serão apenas de novos ataques, que certamente virão – até pela necessidade do sistema de prosseguir e aprofundar essas tendências acima. Teremos cada vez mais as reações de protesto, lutas cada vez mais duras no interior das escolas e redes de ensino, tendendo a se transformar em micro-rebeliões contra o modelo educacional burguês.

Em São Paulo, também tudo leva a crer que novas tensões se acumulam e se desenvolvem, dentro e fora das escolas. Um clima de insatisfação se faz sentir. Começam a se dar condições para uma campanha de denúncia e luta mais direta contra o projeto em curso como um todo, mesmo que ainda com a participação de um setor minoritário, mas cujo envolvimento pode levar a uma expansão, inclusive para além da nossa categoria.

É preciso identificar essas possibilidades de ações e campanhas para não ter posições recuadas perante os acontecimentos, como tem ocorrido diversas vezes ao longo deste ano, mesmo com setores da Oposição, particularmente o PSTU e PSOL em situações em que deixaram de se colocar, na prática, como um pólo alternativo à direção majoritária da APEOESP (Articulação Sindical).

Isso ocorre pela dificuldade dessas correntes em empalmarem com esse processo e isso não é à toa. Sua acomodação a anos de luta de “normalidade” da democracia burguesa, em um contexto de categorias que eram mais homogêneas, assim como sua adaptação (ainda que parcial) aos limites e aos privilégios nas estruturas sindicais burocratizadas, lhes tiram os reflexos, a intuição, a ousadia e a criatividade, ficando totalmente aquém das necessidades colocadas pela situação atual e pelo tipo de movimento necessário.

Como medidas práticas, é preciso buscar vínculos com nossos colegas, e também com alunos e pais, chamando-os para enfrentar esse processo de ataques dentro das escolas e nas ruas, em frente às Diretorias de Ensino, etc.

É preciso também uma Campanha Permanente contra esse projeto geral capitalista de precarização e estratificação da Educação Pública, com palestras, cartas-abertas, carros de som nos bairros, atividades político-culturais de protesto nas praças públicas e na periferia, utilizando as redes sociais, etc.

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AVENIDA BRASIL – CONSTRUÇÃO DE PERSONAGENS QUE REFORÇAM A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Iraci Lacerda e Neuza Peres

A violência, sob o capitalismo, parece tão entranhada em nosso cotidiano que pensar e agir em função dela deixou de ser um ato circunstancial, para se tornar uma forma de ver e de viver o mundo incorporada ativamente pela mídia machista, sensacionalista e a serviço da ideologia dominante. Especialmente, o mundo das grandes metrópoles – aglomerados humanos que se tornam, a cada dia, o celeiro da cultura da violência.

Contudo, quando se fala em violência, a primeira imagem que nos vem à mente é aquela que exprime agressão física, que nos atinge naquilo que possuímos ou amamos, ou seja, corpo, amigos, família e bens. Costuma ficar de lado aquela violência invisível que procura atingir profundamente o aspecto emocional e psicológico e que esconde a miséria do modo de vida burguês e alienante.

Toda essa violência, qualquer que seja sua intensidade, está presente nos bairros sofisticados e nas periferias, nos bairros da classe média e nas favelas, nos campos de futebol da várzea ou nos grandes estádios. Mas, cumpre em cada canto as suas diferenciações.

É certo que, entre a burguesia, a violência está diretamente ligada à questão da disputa pelo poder, da ganância, da vingança, do enriquecimento ilícito e independente de religiosidade, moral e bons costumes.

No entanto, é essa violência que, disseminada nos lares brasileiros, através da mídia, se soma à violência causada pela profunda dificuldade de sobrevivência da classe trabalhadora. Milhões de trabalhadoras e trabalhadores passam a viver cotidianamente a vida de cada personagem criado nas novelas televisivas e deixam de lado o seu próprio enredo, depois de longas e estressantes jornadas de trabalho.

Assim, a ideologia burguesa busca construir individualismos ao passar por cima de questões religiosas, desprezar leis e apostar que tais resultados estarão sendo colhidos entre aqueles que assistem passivamente as gritarias, mortes, agressões e mentiras presentes nas novelas, ou seja, é um tipo de violência de uma classe sobre parte considerável dos trabalhadores, que assume para si um modo de vida estranhado.

A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER EM HORÁRIO NOBRE

Especialmente as novelas da Rede Globo há muito carregam, para um bom nível literário, enredos ultrapassados e semelhantes, do mal contra o bem. Personagens que tiveram situação financeira difícil na infância são construídos para se tornarem vilões sanguinários, mulheres revezam em protagonismos cruéis, dóceis ou com forte apelo sexual construídos para despertar raiva e passíveis de vingança entre a opinião pública. No caso específico de protagonismo feminino, costuma-se ter cenas explícitas de agressão física, linchamento público e assassinato, quase sempre como resposta ao “erro” cometido pelo adultério, pela ganância e pelos atos de mentira, o que demonstra a hipocrisia burguesa que vive tudo isso sem, no entanto, punir-se dessa maneira.

A partir da década de 70 a questão da violência contra a mulher ganhou cada vez mais espaço nas manchetes dos jornais, das revistas, na mídia televisiva chegando, nos dias de hoje, nas redes sociais e internet. Discute-se a relação dessa violência com o papel de independência que a mulher “moderna” assumiu com sua incorporação ao mundo do trabalho. No entanto, essa realidade é negada nas novelas globais que, obviamente, carregam a tarefa de ajudar a classe trabalhadora a se distrair da maneira mais alienada possível para esquecer-se das lutas necessárias e da intensificação da exploração diária. Por algumas horas, passa-se a viver uma outra realidade. Podemos observar isso com o nível de audiência dessa novela Avenida Brasil.

Seu autor, João Emanuel Carneiro, que foi cartunista e roteirista preocupado com determinada situação política e social do país, se utiliza de importantes recursos – como a atualidade da história do lixão de Gramacho (Duque de Caxias – RJ), a intertextualidade e a redução do número de atores – para reforçar esse tipo de situação e cria um enredo que reafirma a tematização presente na realidade burguesa que, com muito tempo livre, constrói vinganças e amores gananciosos que misturam razão e loucura como qualificativos “inerentes” a uma certa natureza humana.

As protagonistas, que em nada lembram as catadores que sobreviveram dos difíceis dias vividos em Gramacho, sofrem e realizam os mais duros atos de violência. A personagem vilã, Carminha, é tão bem construída que, para a opinião pública, contra ela pode-se tudo. Aqui deixa de valer os preceitos cristãos de amor ao próximo, de não justiça com as próprias mãos e da crença na justiça divina.

As cenas de espancamento, agressão física e verbal, que permeiam toda a novela, ignoram, completamente, a existência no Brasil, já há algum tempo, da Lei Maria da Penha. A capacidade de exaltação do machismo não permite que se discuta ou ao menos busque relacioná-lo ao elevadíssimo índice diário de violência e assassinato de mulheres no país. A ideia de que “traiu” tem que apanhar está insistentemente presente na coesão do enredo.

O macho, personagem Tufão – construído com características “nobres” como a pureza, ingenuidade, fraqueza – é alimentado por Freud, Flaubert, Kafka, Machado de Assis, Eça de Queiros, Dostoiévski e se reconhece na sensível poesia de Vinícius de Moraes. Durante toda a sua trajetória quase não reage aos problemas enfrentados no relacionamento amoroso. Mas, quando reagiu espancou e escorraçou quem sempre disse ter amado, afinal já havia sofrido muito e dar vazão à “vontade do público” se faz necessário para criar a sensação de que a “justiça” foi feita.

A CULTURA DA VIOLÊNCIA PARA VIOLENTAR

A utilização e tentativa de realçar o machismo em novelas e programas com alto índice de audiência vão ao encontro do menosprezo dado à gravidade da situação de violência contra a mulher na realidade brasileira. De acordo com o Instituto Sangari e Ministério da Justiça, nos últimos trinta anos o índice de violência contra a mulher subiu 217%. Somente em 2011 o SUS atendeu mais de 48.000 mulheres vítimas de violência doméstica, sexual e outras. É impossível não ver. Mas, tem sido possível negar através da omissão, do silêncio e da banalização expressos pela mídia burguesa que coloca acima de tudo a necessidade de dominação.

E assim, sob o sistema capitalista, as grandes emissoras de televisão seguem se apropriando das vantagens da concessão pública para não cumprirem a obrigatoriedade da transmissão de cultura. A teledramaturgia se utiliza disso e constrói enredos bem estruturados e personagens com intensa capacidade psicológica para penetrar os lares brasileiros e construir a banalização da violência. Aposta, com os exemplos de violência burguesa, na absorção dessa violência invisível ou ideológica pela classe trabalhadora para manter o senso comum de que se deve fazer tudo “certo” porque senão ficarão desamparadas, sozinhas e as consequências poderão ainda ser mais trágicas e violentas, embora a burguesia não tolerando nenhum tipo de violência contra a sua própria classe.

E o que esperar de um governo que, para não afetar o domínio burguês, adota o descaso que beira a conivência com realidade tão cruel? Nada. Não podemos esperar nada da primeira presidente mulher do país. A carta de intenções da Lei Maria da Penha não se traduz em políticas públicas (construção de abrigos, Delegacias da Mulher com atendimento 24 h e finais de semana, etc.) e nem em obrigatoriedade de campanhas (contra a violência doméstica, esclarecimentos, autodefesa, etc.). O último passo dado foi a abertura de CPIs regionais para investigar a não aplicação da Lei, forma concreta de “tirar o corpo fora” para não resolver questões imediatas que poderiam reduzir o número de assassinatos.

É necessário que as organizações de esquerda assumam outra postura em relação a esses índices: É necessária a denúncia contundente dessa situação. Queremos mulheres vivas e inteiras para a luta! Cassação da concessão do direito de transmissão dessas emissoras! Contra todo tipo de violência incentivado pela mídia!

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2012: A Crise mundial e a intensificação das lutas

Neste ano de 2012, vimos que a situação mundial segue sendo determinada pelas consequências da crise econômica iniciada em 2008. As políticas que visavam superar a crise, entre elas o ataque generalizado aos direitos econômicos e sociais e o dispêndio pelo Estado de trilhões de dólares para salvar bancos e grandes empresas, livraram a economia do colapso em 2009 e 2010, mas apenas para ver o problema ressurgir com mais força em 2011. Esta recaída se prolongou e se agravou em 2012, quando países periféricos importantes, os chamados BRIC´s, também apresentaram brusca desaceleração econômica.

Entre outras, as consequências da crise são: maior austeridade para os trabalhadores e, ao mesmo tempo, maior injeção de dinheiro público nas empresas e bancos “grandes demais para falir”. Essa política está sendo implementada desde 2008 e mesmo assim não se vislumbra saída da crise. Os Estados e as corporações encontram-se cada vez mais endividados e os prazos para pagamento de suas dívidas são cada vez menores. Não há nada indicando que seja possível uma volta às condições anteriores. Outro fator que nos leva a tal conclusão é que, a partir de 2008 e com uma intensificação neste ano de 2012, iniciaram-se em diversos países gigantescas mobilizações como não vistas há décadas, lideradas principalmente por funcionários públicos e jovens. Deste modo, apontamos para a continuidade das lutas em 2013 face ao aprofundamento da crise e a todos os “ajustes” necessários para frear seu curso.

Nesse contexto, o aumento explosivo do endividamento público, que se originou das várias modalidades de salvamento das empresas em meio à crise, enfrenta cada vez mais o problema de haver menos munição para gastar com a salvação dos grandes bancos e empresas, já que queimaram volumes incalculáveis de dinheiro para tirar a economia do risco de depressão na primeira etapa da crise atual. Os próprios gestores do capitalismo subitamente trocaram seu discurso do triunfalismo da “globalização” para uma amarga predicação da “austeridade” e já projetam vários anos ou talvez mais de uma década de baixo crescimento, tempo ao longo do qual os Estados terão que reduzir seu endividamento, fortalecer as corporações e rebaixar as condições de vida dos trabalhadores. Isto, por sua vez, teria de ser feito sem se criar novas instabilidades econômicas e políticas, o que, no entanto, os exemplos deste ano de 2012 na Grécia e em Portugal têm demonstrado ser impossível.

Ao mesmo tempo em que a burguesia mundial procura construir sua unidade contra os trabalhadores no projeto da “austeridade”, cada fração nacional da burguesia precisa se reconstruir e permanentemente se adequar às novas condições para se manter viva na disputa contra as demais. Por conta da aplicação desse projeto, as relações entre os Estados estão sendo reorganizadas, com especial destaque para as inter-relações dos países “periféricos” (sob a hegemonia dos chamados “BRICS”) e para as inter-relações dos países em que ocorre a Primavera Árabe com os países tradicionalmente imperialistas.

O discurso neoliberal da não intervenção do Estado foi substituído pelo “consenso de Pequim”, em que o Estado assume o papel central de sustentação da economia, tornando-se mais autoritário com o objetivo de viabilizar o saque dos fundos públicos para socorrer as instituições financeiras (aqui, novamente, o caso grego é emblemático!). Esta submissão direta do Estado às necessidades de reprodução do capital financeiro tem resultado no atropelamento da democracia formal para impor diretamente os interesses dos bancos. Esta condição revela um dado estrutural do capitalismo: o relativo bem estar e a aparência democrática só podem ser mantidos quando a reprodução do capital não está em risco. Em uma época de fragilidade do sistema como esta, a repressão aos movimentos sociais por meio de gigantescos operativos policiais, judiciais e midiáticos se tornou rotina.

Contra esse imenso centro político “pró-austeridade”, levantam-se movimentos sociais de naturezas opostas: de um lado, cresce a indignação, a revolta e o desejo de lutar, seja nas greves ou nas mobilizações da juventude; de outro lado, cresce o apelo às soluções da extrema direita, que coloca a culpa da crise em setores da classe trabalhadora, imigrantes, negros, árabes, muçulmanos, homossexuais, jogando uma parte da classe contra a outra. Prometem uma solução “nacional” para os problemas sem questionar o capitalismo, mobilizando a ignorância para apoiar políticas de ódio. Além dos partidos neofascistas, as seitas religiosas também crescem em diversos países, num movimento reacionário de grande dimensão política. Nos países em que as ditaduras foram varridas pela Primavera Árabe, ganham eleições os partidos islâmicos. No centro “desenvolvido” do capitalismo e nas metrópoles da periferia, os ataques às minorias em geral e especialmente aos imigrantes são organizados por bandos, ou mesmo partidos, nitidamente fascistas.

Nesse contexto, a desaceleração, neste último ano, do caráter progressivo da Primavera Árabe torna todo este cenário um tanto mais preocupante para aqueles que lutam pela superação do capitalismo. Em todos os países onde teve lugar a “Primavera Árabe” a ausência de uma alternativa social anticapitalista limitou as lutas ao aspecto democrático. Com isso, foram feitas concessões que permitiram a garantia de alguns direitos civis e políticos, como o direito ao voto. Entretanto, esse direito, em geral, serviu apenas para colocar os ultraconservadores partidos islâmicos no poder, deixando inalteradas as bases capitalistas. Desse modo, os motivos originais da Primavera Árabe, a crise econômica mundial e seus reflexos, a carestia e o desemprego, não foram resolvidos. Por isso, as tensões sociais tendem a continuar, ainda que, ao menos no curto prazo, em um nível menos explosivo que o de 2011.

Na América Latina, a disputa pelos orçamentos públicos se tornou mais acirrada entre as frações da burguesia e os setores da burocracia que impulsionavam os governos “de esquerda”. Estes são forçados a priorizar a continuidade de acumulação do capital, garantindo o lucro e os juros. Ao mesmo tempo, as pequenas concessões já não são suficientes para contentar largamente a população (a recente e apertada reeleição de Hugo Chávez é exemplo disso), desencadeando alguns movimentos limitados de contestação, abrindo espaço também para a direita partir para a ofensiva, buscando retomar o controle do Estado pela via eleitoral. De outro lado, quando esta via não é suficiente, dá-se início a movimentos golpistas, tal como aconteceu no Paraguai em 2012 (e em Honduras em 2009).

Por tudo isto e em poucas palavras, pode-se concluir que a situação econômica dos países centrais aponta para a persistência da crise. As medidas que os governos e os órgãos governamentais são obrigados a adotar aumentam as contradições que, por sua vez, tendem a empurrar os trabalhadores para a mobilização e a continuidade das lutas, as quais, no entanto, deverão ainda manter seu caráter defensivo em 2013. Mesmo assim, é provável que a existência dessas lutas empurre governos e países para a crise política, como é o caso da situação grega e espanhola.

A todos aqueles que lutam pela superação do capitalismo cabe apoiar e impulsionar estes movimentos de resistência ao avanço do projeto da burguesia, bem como combater com rigor o avanço das falsas alternativas reacionárias. A dificuldade de o capital aplicar seu projeto é a marca dessa nova situação de instabilidade econômica, política e social. Começa a despontar nos próximos anos um cenário de profunda polarização política, um desafio e oportunidade para a Esquerda Revolucionária que há muito não se via.

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