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ELEIÇÕES MUNICIPAIS 2012 contra os partidos dos patrões (pt, psdb, prb etc) voto crítico nas organizações dos trabalhadores


2 de outubro de 2012

 Este texto é uma contribuição individual, não necessariamente expressa a opinião da organização e por este motivo se apresenta assinado por seu autor.

ELEIÇÕES MUNICIPAIS 2012

contra os partidos dos patrões (pt, psdb, prb etc)

 voto crítico nas organizações dos trabalhadores 

Daniel Delfino

A tentação do voto “útil” no “menos pior”

Nas eleições municipais de 2012 os trabalhadores de São Paulo estão numa situação em que apenas os partidos que representam a classe dominante (PT, PSDB, PRB, PMDB, etc.) possuem chances de eleger seus candidatos, enquanto que as organizações dos trabalhadores (PSOL-PCB, PSTU, PCO) estão numa posição bastante minoritária. Diante dessa situação, cresce a tentação para escolher o “menos pior” e evitar a eleição do pior candidato. Assim, existe um setor que, mesmo sendo crítico do PT no nível local ou nacional, considera que a candidatura de Haddad é uma alternativa contra a “direita”.

Esse raciocínio tem vários problemas. Começando pelo mais óbvio, temos em primeiro lugar o fato de que o PT, no governo federal há 10 anos, primeiro com Lula e agora com Dilma, e também sua prática tal como já vinha se desenvolvendo e se aprofundou nos governos estaduais e municipais, e nos legislativos, etc. (e que já estava expressa na própria política de colaboração de classe dos sindicatos da CUT há pelo menos 20 anos), é um partido que governa para o capital. O governo do PT privilegia o pagamento da dívida aos especuladores (quase a metade do orçamento federal do próximo ano, exatos 42%, vai para pagamento da dívida pública brasileira. Dos 2,14 trilhões de reais, 900 bilhões serão gastos com o pagamento de juros e amortizações da dívida pública, enquanto estão previstos R$ 71,7 bilhões para educação, R$ 87,7 bilhões para a saúde e 5 bilhões para reforma agrária – dados da Auditoria Cidadã da Dívida), destinando uma fatia ínfima para os tão festejados programas sociais, como o bolsa-família (previsão de R$ 19,3 bilhões em 2012, www.contasabertas.org). Só essa obediência aos bancos e especuladores já bastaria para mostrar de que lado está o PT, além dos incentivos às construtoras, montadoras, agronegócio, etc.

A lógica do PT

Em segundo lugar está o fato de que o próprio Haddad, como Ministro do Planejamento de Lula de 2002 a 2004, foi o responsável pelas Parcerias Público Privadas, em que o governo entra com o investimento (com o nosso dinheiro) e as empresas privadas ficam com o lucro. No Ministério da Educação, Haddad seguiu aplicando essa lógica no PROUNI, que foi uma forma de retirar o dinheiro que deveria estar financiando as melhorias e o acesso à universidade pública (e está aí a greve de mais de dois meses dos professores, funcionários e estudantes das IFES para denunciar o seu sucateamento) para financiar os empresários das universidades privadas (fábricas de diplomas), disfarçado de programa de “inclusão social”.

Essa tem sido a lógica da gestão do PT, uma relação paternalista com os diversos segmentos da classe trabalhadora, em que não cabe aos movimentos organizados da classe fazer reivindicações próprias, mas contentar-se com as migalhas que caem da mesa dos poderosos. O marketing estrondoso dessas migalhas esconde o banquete escandaloso que o PT oferece no andar de cima para os banqueiros, industriais, empresas transnacionais, etc., e isso é escondido com tal eficiência que garante uma popularidade avassaladora a Lula e Dilma.

Porquê é necessária uma outra alternativa

O pior de tudo é que esse marketing é reproduzido por esses mesmos setores que ainda defendem o voto “útil” contra a “direita”. O erro desse raciocínio é a idéia de que um eventual prefeito do PT poderia ser “menos pior” na sua relação com os movimentos dos trabalhadores. Os trabalhadores não podem contar com a presença de um governante mais ou menos “benevolente” para obter suas conquistas. Os movimentos dos trabalhadores só podem contar com sua própria força e organização, independente do governo de plantão e em oposição a ele. As conquistas só podem vir com a luta e a mobilização, não com negociações, acordos, barganhas na esfera do Estado. Na luta é preciso conhecer o inimigo e demarcar rigorosamente quem está do nosso lado e do lado oposto. As organizações dos trabalhadores precisam ser rigorosamente classistas, ou seja, sem qualquer vínculo com empresas, fundações, ONGs, igrejas, etc. E precisam principalmente se desvincular de qualquer apoio em partidos burgueses e governistas, como o PT e os demais componentes da sua base de apoio. Qualquer que seja o governante, só com organização, mobilização e luta os trabalhadores poderão obter qualquer conquista.

Ao dizer isso, não ignoramos que por trás da campanha de figuras como Serra e Russomano se alinham setores de direita e ultra-direita, com características fascistas, higienistas, racistas, policialescas, etc., que são igualmente nefastos para os trabalhadores. Mas é exatamente por isso que os trabalhadores só podem contar com sua própria organização, mobilização e luta. Não será o PT que vai proteger os trabalhadores contra a direita, mas apenas a própria auto-organização da classe. É essa auto-organização que precisamos construir, essa é a tarefa prioritária para o momento, romper politicamente e organizativamente com o passado petista e toda essa herança, e não fazer campanha para o candidato do PT, supostamente contra a direita. E aqui retiramos as aspas, porque sabemos que existe uma direita para além do PT, mas sem deixar de registrar veementemente que o PT também é parte da direita.

O PT não será defesa contra a direita, já que governa com essa mesma direita no plano federal e nos Estados. O PT não protege os trabalhadores sem-terra e sem-teto das desocupações, dos assassinatos por milícias e jagunços a mando dos grileiros (ao contrário, favorece esses mesmos grileiros, revestidos do pomposo nome de “agronegócio”, com um código florestal feito de encomenda para legalizar a devastação ambiental), não os protege de agressões, demissões perseguições. Como patrão, o PT ignora as reivindicações dos funcionários públicos, porque isso o impediria de atender às dos patrões. No comando dos sindicatos filiados à CUT, o PT firma acordos lesivos aos trabalhadores, com as promessas de que o Brasil vai crescer, para depois repartir o bolo exatamente como se dizia na ditadura. É essa a lógica que explica o acordo com Maluf, herdeiro da ditadura (pela qual foi nmeado prefeito e governador “biônico”), representante do que há de pior em matéria de autoritarismo e corrupção, o que também mostra que o projeto do partido é fazer qualquer concessão para tentar se eleger.

A questão do projeto político

Por trás dessa discussão sobre o voto útil no menos pior existe uma concepção de que na conjuntura histórica atual o que cabe à classe trabalhadora é “acumular forças” no interior do aparato do Estado, impedindo a “volta da direita”, para somente depois, num outro momento histórico, pensar um processo de transição em direção ao socialismo.

Essa concepção padece de equívocos fundamentais. Primeiro, pela incompreensão do momento histórico. Estamos num momento de crise estrutural do capital, em que cada uma das cirses periódicas, como a que se iniciou em 2008, são mais violentas, mais profundas, mais globais e mais longas, enquanto que os períodos de recuperação e crescimento são mais breves e limitados. Nesse contexto, a burguesia não é mais capaz de fazer concessões permanentes, pelo contrário, está retirando as concessões do passado. Quem quer que ocupe cargos de gestão no Estado, qualquer que seja a sua coloração partidária anterior, está forçado a cumprir essa política e, portanto, atacar os trabalhadores (como vem fazendo o PT). Essa é uma política ditada diretamente pelo capital financeiro internacional, que não admite divergência. O mercado administra diretamente o Estado e os governantes eleitos são meros testas de ferro dos bancos.

Segundo porque, qualquer que seja o momento histórico, a transição para o socialismo só poderá ser realizada por organizações dos trabalhadores completamente independentes dos patrões, do Estado e de seus partidos. A ocupação de postos no Estado jamais pode ser uma estratégia permanente, e não pode passar de um instrumento auxiliar, de denúncia da democracia burguesa e sua farsa. O instrumento principal dos trabalhadores deve ser a sua organização enquanto classe para si, com os organismos correspondentes, como organismos de frente única (sindicatos, centrais sindicais, associações, movimentos reivindicativos, grêmios estudantis, etc.) e partidos e organizações revolucionárias.

Essa organização deve ser completamente independente dos partidos governantes, como o PT, mas não só no plano político-organizativo, e sim no ideológico. É preciso que essas organizações desenvolvam um trabalho sistemático de disputa ideológica junto à base dos trabalhadores, no sentido de que a solução de seus problemas só pode se dar com a construção de outra sociedade, que é tarefa do conjunto dos trabalhadores. Não existe socialismo sem participação organizada e consciente dos trabalhadores. A política de voto crítico no PT vai na contramão da necessidade histórica de desenvolimento ideológico e organizativo independente da classe, ao confundir burocratas e gestores do Estado como possíveis aliados.

Os partidos operários

Reproduzir o discurso do “menos pior” é ser conivente com o projeto de poder burguês do PT, enquanto se mostra cada vez mais urgente a reconstrução de organismos de luta da classe, completamente independentes, classistas e combativos. De acordo com isso, o critério para decidir sobre o voto nas eleições municipais não pode ser a escolha do “menos pior” entre os que tem chance de se eleger, mas o de qual projeto e qual classe social os candidatos representam. Ou seja, o critério de classe é o principal para decidir sobre o voto. Nas eleições municipais temos também as candidaturas de partidos que minimamente ainda representam a classe trabalhadora: Carlos Giannazi (PSOL-PCB), Ana Luiza (PSTU) e Anaí Caproni (PCO).

Em que pesem as diferenças que temos com o programa e a prática dessas organizações, sobre as quais falaremos abaixo, reconhecemos que são qualitativamente distintas dos partidos burgueses. Há uma barreira de classe que separa nitidamente esses partidos dos demais. São organizações, que ao menos usam o nome do socialismo, que têm como referência a classe trabalhadora, que buscam se ligar às lutas da classe, que fazem oposição aos governos dos partidos burgueses.

Chamamos o voto crítico nessas organizações, como forma de tornar claro o critério de classe, que as separam dos partidos burgueses. Fazer essa demarcação é mais importante do que votar em quem tem chances de disputar a eleição. Mesmo porque, como veremos adiante também, as eleições do Estado burguês são um jogo de cartas marcadas em que a classe dominante tem todo o controle. Mais importante do que disputar o voto é disputar a consciência dos trabalhadores, mostrar que existe uma alternativa e que é preciso construir um outro projeto, distinto do projeto da burguesia.

Porquê do voto crítico

A posição geral do Espaço Socialista é de voto crítico nos partidos operários, onde não estejam coligados com os partidos burgueses e tenham relação com as lutas dos trabalhadores. Essa política tem que ser ajustada à realidade de cada município, pois há lugares em que o critério de classe não está sendo seguido por esses partidos. O caso mais escandaloso é o de Belém-PA, onde PSOL e PSTU saíram em coligação com PC do B, partido que faz parte da base do governo Dilma. E pior, essa coligação recebeu doações de empresas para sua campanha! O PSTU denunciou publicamente o recebimento de dinheiro de empresas, mas permanece na coligação! Essa prática de coligações esdrúxulas e contribuições da burguesia para financiar a campanha já vem sendo aplicada pelo PSOL há tempos, e agora o PSTU também se “beneficia” dela…

Em São Paulo, como não há esses problemas, esses partidos ainda se qualificam como organizações da classe, ainda que no caso do PSOL essa definição seja cada vez menos segura. O partido caminha para se firmar cada vez mais como uma organização puramente eleitoral, que não está enraizada nas lutas da classe trabalhadora (ainda que haja correntes classistas e até revolucionárias no seu interior, o seu peso e suas práticas não são suficientes para contrabalançar o da burocracia eleitoralista que dirige o partido), e que busca apoio na classe média, praticando uma oposição “bem-comportada” e subordinando seu programa à necessidade de não parecer chocante para esse setor.

O PCB, que faz chapa com o PSOL, possui muito mais clareza programática, ainda que não tenha rompido a fundo com sua herança stalinista e também não tenha presença de peso nas lutas da classe. O PSTU está mais presente nas lutas, especialmente no terreno sindical, mas quem conhece suas intervenções identifica um viés claramente aparatista, uma obsessão por ter todos os organismos sob seu comando, que acaba afastando os trabalhadores combativos e desagregando o movimento. De resto, a lógica que orienta as propostas programáticas do PSTU para cada campo, como transporte, saúde, educação, moradia, etc., que são pontualmente corretas, é de esconder a relação de cada uma delas com a necessidade de uma ruptura revolucionária com o capitalismo, para se chegar de fato a uma São Paulo para os trabalhadores. Quanto ao PCO, suas práticas sectárias no movimento sindical fazem com que seja mais um braço da CUT contra as correntes de esquerda, do que uma oposição real à burocracia, ainda que adote um discurso anti-capitalista e radical.

Diante dessas deficiências, entendemos que nenhuma das três candidaturas operárias é muito distinta e melhor do que as outras, e defendemos o voto crítico e aberto em qualquer uma das três, bem como em qualquer um desses partidos para a câmara de vereadores.

A necessidade de um movimento político dos trabalhadores

Além dos problemas específicos de cada partido, resta o fato, talvez até mais grave, de que tenham saído com candidaturas separadas, ao invés de construir uma frente de esquerda capaz de fazer de forma unitária a oposição aos partidos burgueses. Os partidos tiveram uma postura auto-suficiente ao lançar cada um seus candidatos separadamente, impossibilitando a construção de uma expressão unitária do movimento da classe trabalhadora no terreno eleitoral. Não tiveram capacidade de construir uma frente unitária contra as representações da burguesia e que pudesse polarizar politicamente com as candidaturas da classe dominante, ainda que também não tivesse chances de ganhar a eleição.

Essa postura auto-suficiente que tiveram uns em relação aos outros é a mesma que têm em relação à própria classe, pois o seu processo de construção das candidaturas e programas se deu no âmbito puramente interno, sem um diálogo prévio com os trabalhadores. As candidaturas foram trazidas prontas para depois se pedir o voto dos trabalhadores. O método que defendemos é o oposto, que se fizessem plenárias dos trabalhadores, por bairro ou por categorias, para construir o programa, debatendo amplamente todas as questões pontuais, trazendo todos os coletivos e organizações de luta da classe, para só então se chegar a candidaturas que fossem a representação desse movimento político da classe. As candidaturas estariam subordinadas a esse movimento, e não aos partidos, e seriam abertas também para representantes das lutas da classe, mesmo que não necessariamente filiados a alguns desses partidos, como forma de garantir a representação de todas as correntes políticas no processo eleitoral burguês, que é profundamente anti-democrático.

Ir além das eleições

Outro erro das organizações que representam a classe trabalhadora no processo eleitoral é deixar de explicar em sua campanha que as mudanças necessárias não podem ser obtidas por dentro do processo eleitoral e da própria institucionalidade do Estado burguês. É necessária uma ruptura revolucionária com o capitalismo e a construção de um poder controlado pelos trabalhadores para conseguir as mudanças que precisamos. Pode parecer exagerado fazer essa discussão em uma eleição municipal. Entretanto, São Paulo é a principal cidade do país e é também aquela em que as forças em disputa na cidade fazem um ensaio para as eleições presidenciais de 2014 e uma apresentação do seu projeto. Basta mencionar o fato de que a candidatura de Haddad foi imposta por Lula, que manda no partido, por cima de qualquer possibilidade de decisão da base local, bem como a aliança com Maluf.

Qualquer melhoria nos problemas urbanos de São Paulo, como transporte público, moradia, poluição, saúde, educação, etc., requer uma mudança total nas prioridades da gestão da cidade. Uma mudança desse porte precisaria romper com a estrutura do Estado burguês para construir instituições novas, controladas pelos trabalhadores, em que as decisões fossem tomadas pela classe que produz toda a riqueza na sociedade, em que os ocupantes de todos os cargos ganhassem o mesmo que um trabalhador médio, e tivessem mandatos revogáveis.

As eleições do Estado burguês são o oposto disso. Os partidos burgueses, tanto os que têm chances de vencer como as legendas de aluguel que se lançam para fazer lavagem de dinheiro na campanha, ou que pegam carona na popularidade de alguma celebridades., etc., são todos financiados por grandes empresários, que uma vez eleito o seu candidato, cobram a fatura na forma de contratos da prefeitura com a sua empresa, recuperando com sobras o “investimento”. Uma vez eleitos, os políticos têm quatro anos para desfrutar do cargo, mesmo que descumpram suas promessas de campanha, sem a possibilidade de revogação do mandato, e ainda ganham fortunas que muitos trabalhadores não conseguem em uma vida inteira, isso sem falar no que conseguem com a corrupção.

Só a luta muda a vida

Não basta portanto votar nos partidos operários. É preciso ir além das eleições e organizar os trabalhadores para a luta. A luta deve acontecer todos os dias, não apenas na época das eleições, e em todos os terrenos, não apenas no município. Só com muita organização e consciência política e ideológica conseguiremos fazer frente aos desafios da cidade e do país. Não se trata de uma luta pontual, para modificar aspectos parciais da gestão do Estado. Falamos de uma revolução socialista, que destrua o Estado da classe dominante e seu aparato, seu executivo, legislativo e judiciário, polícia, forças armadas, etc., e estabeleça novas instituições, em que os trabalhadores consigam fazer valer a verdadeira democracia, a democracia da maioria, daqueles que trabalham e produzem toda a riqueza. O Espaço Socialista se coloca como parte dessa luta.