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Jornal 74: retomar as lutas contra os ataques de Dilma e da direita


27 de novembro de 2014

mobilizacao

As eleições transcorreram no marco do esgotamento do modelo econômico implementado pelo PT, que se baseava no crescimento do mercado interno de forma artificial, através do endividamento geral das famílias e do estado. Isenções de impostos, empréstimos pelo BNDES, obras de interesse das empresas, concessões (privatizações) de rodovias, portos e aeroportos também ajudaram a manter os lucros da burguesia. Mas agora não são mais suficientes. No marco de novos elementos de crise em nível internacional, e para recompor as taxas de lucro, ocorrerão ajustes nos preços, ataques aos direitos trabalhistas, arrocho salarial, alta de juros, aumento das tarifas públicas, etc.
No início deste ano, vimos várias lutas de categorias precarizadas que, se apoiando na correlação de forças aberta pelos movimentos de junho/2013, passaram por cima das direções pelegas e burocráticas, enfrentaram os tribunais burgueses e arrancaram vitórias importantes como as greves dos garis, rodoviários, e construção civil. As ocupações de terra nas cidades foram parte desse processo, conseguindo se manter e conquistar áreas para moradia. O movimento Contra a Copa também atingiu várias capitais, trazendo a denúncia dos gastos e das consequências com a Copa.
No entanto, a burguesia, os governos e a mídia agiam no sentido isolar, difamar e reprimir os movimentos e os setores mais radicalizados de esquerda, procurando ao mesmo tempo já ir desviando toda a insatisfação das ruas para as urnas, para as eleições burguesas.
Conforme as lutas se propagavam para setores mais decisivos – como Metroviários – e a Copa se aproximava, foi implementada uma ofensiva com a demissão de 42 trabalhadores na greve dos Metroviários, a repressão aos movimentos contra a Copa, e outros, através de processos e prisões de ativistas. Houve mais endurecimento e derrota de greves como a dos Institutos Técnicos Federais e dos Funcionários das Universidades (FASUBRA).
Mesmo não se revertendo completamente a relação de forças aberta em junho/2013, houve uma mudança para uma conjuntura reacionária, da qual a direita se aproveitou para crescer, com apoio da mídia. Um amplo espectro reacionário foi se formando, dando um salto no segundo turno com a declaração de apoio a Aécio por parte de Marina, PSB, PV, PHS e família Campos, com apoio de amplos setores da mídia. Essa busca de unidade com os setores mais reacionários fez com que a campanha do PSDB tivesse que ir abraçando posições mais extremas e complicadas, como a questão da redução da maioridade penal, e assumindo o discurso raivoso e preconceituoso pelas redes sociais.
Essa polarização PT x PSDB, apesar de falsa em muitos aspectos – pois ambos os programas e projetos são burgueses e muito parecidos entre si, com diferenças apenas de forma e ritmos –, mobilizou e polarizou setores sociais distintos social e politicamente. Contribuiu para isso, o fato de que o PT, para fazer frente à forte campanha contra Dilma por sua vez, teve que adotar um discurso mais à esquerda ao falar de disputa de “2 projetos de país” e chamar a luta dos “ricos contra os pobres”.
Essa polarização, mesmo parcial, acabou envolvendo muitas personalidades e até setores de militância de movimentos sociais, que foram às ruas em campanha. Um sentimento de não deixar a direita mais visível ganhar tomou conta de amplos setores de massa e de vanguarda, e fez com que nas últimas semanas Dilma se consolidasse à frente, embora com pequena vantagem.
Nesse sentido, a derrota de Aécio e sua frente é parte de uma mudança de uma conjuntura reacionária para outra conservadora, a partir da visão de que é preciso conservar o emprego, os direitos, as políticas sociais e se contrapor ao crescimento da direita e sua influência reacionária em relação a vários temas como: políticas sociais, redução da maioridade penal, cotas raciais, questões LGBT, aborto, drogas, etc.
Essa conjuntura conservadora pode ser uma transição para outra conjuntura mais favorável à esquerda, à medida que as lutas se desenvolvam e coloquem possibilidades mais ofensivas. Pela dureza dos ataques após as eleições, o mais provável é que haja o redespertar dos movimentos sociais, provocando enfrentamentos das massas com a superestrutura política, jurídica (governo, Congresso, Justiça) etc.

UM GOVERNO MAIS INSTÁVEL, PORÉM MAIS DURO COM OS TRABALHADORES

Um quadro bem diferente se coloca no pós eleições. Dentro de uma conjuntura internacional bem mais desfavorável e com maior concorrência, há mais dificuldades econômicas para a burguesia, que não é uma classe homogênea. Seus vários setores passam a disputar mais ferozmente o mercado e o orçamento público, levando a rachas e lutas duríssimas entre seus vários partidos – que em última instância são representantes de setores da burguesia – e que podem levar a crises no governo e no Congresso.
A base da política econômica do governo é o capital financeiro, com disputas entre os seus setores, assim como do capital financeiro contra os setores industriais, do agronegócio, das construtoras, e destes entre si.
O segundo governo Dilma deve ser ainda mais instável que o primeiro, para não citar os dois de Lula. A relação com o PMDB e com os demais partidos será muito mais conflituosa, no marco de um Congresso ainda mais à direita. Isso pode levar a derrotas do governo no Congresso, principalmente naquelas votações que possam beneficiar os interesses da burocracia materializada no PT, ou que toquem, ainda que minimamente, nos privilégios dos maiores partidos (como no caso da Reforma Política) ou ainda em temas que a direita se organize para impor.
É o caso da emenda que disciplinava o funcionamento dos Conselhos de representantes que, apesar de representarem muito mais espaços de cooptação das lideranças e legitimação das metas e limites da gestão, supostamente trariam algum espaço de pressão e fiscalização de demandas sociais junto aos municípios, estados e união. Esse decreto foi derrubado logo no dia seguinte à eleição de Dilma, para demonstrar a não aceitação às propostas da burocracia que visam ao gerenciamento do estado com envolvimento – totalmente subordinado, relembre-se – por parte de representantes dos setores e movimentos sociais, contando com o voto do PMDB que, dessa forma, também enviou um recado ao governo de que quer mais espaço no governo e maior fatia do orçamento. Da mesma forma, o PT corre sérios riscos de sofrer verdadeiro vexame na questão da Reforma Política.
Por outro lado, refletindo as necessidades gerais do capital, deve ser um governo muito mais duro contra os trabalhadores, já que agora há um consenso muito maior entre os vários setores da burguesia e também do PT em torno de um receituário mais clássico do neoliberalismo, em que o superávit primário (para pagar o 1,35 trilhão de juros e amortizações da Dívida Pública previstos no Orçamento de 2015), o aumento dos juros, o ajuste de preços e tarifas, as reformas em prol do capital como Reforma Tributária, Reforma da Previdência e Reforma da Legislação Trabalhista, estão no centro.
Mas o que talvez unifique ainda mais a todos esses setores é a postura de endurecimento frente a cada reivindicação e luta dos trabalhadores e setores populares. Uma frente nacional contra as lutas e contra os ativistas se constitui, envolvendo todos os partidos do bloco do PSDB, mas também os do bloco ligado ao PT.
O PT pretende fazer frente à crise atendendo à agenda do capital, mas agora com menores margens para adotar novas políticas sociais de compensação que controlem/impeçam os movimentos. Os ataques aos trabalhadores terão que ser mais diretos, o que tende a tensionar todas as relações do governo e do PT com os movimentos e com setores da própria burocracia mais ligados à base.
Rebeliões sindicais em assembleias e greves – mesmo contra a vontade, e inclusive passando por cima das burocracias sindicais – estarão colocadas mesmo em categorias tradicionalmente mais controladas. Se essas rebeliões e processos de organização de base avançarem, podem levar a rupturas e construção de novas direções.

A DIREITA FINCA SUA BANDEIRA, AFINA O DISCURSO E SAI ÀS RUAS

Em três mandatos (12 anos) à frente do governo, o PT não atacou as causas de nenhum dos grandes problemas sociais. Não rompeu com o pagamento da Dívida, não realizou a Reforma Agrária, não enfrentou a especulação imobiliária nas cidades. Sua política de colaboração de classes fez com que restringisse e encaminhasse toda e qualquer demanda social dentro dos limites e de modo a beneficiar os lucros e a segurança para o capital. Assim, sem atacar a burguesia, as mínimas políticas sociais destinadas aos setores mais pauperizados tiveram como contrapartida a piora das condições de trabalho e de vida dos setores mais qualificados da classe trabalhadora e a classe média (micro e pequenos empresários). Isso criou a base a para a disseminação pela mídia do ódio ao PT, à esquerda e às políticas sociais e de reparação racial.
Além disso, sua prática de convivência, elogio e concessões para a burguesia e setores reacionários (agronegócio, militares, igrejas, mídia, etc) deixaram a burguesia livre e tranquila para articular uma reação no sentido de retomar o controle político para seus representantes preferenciais, os partidos burgueses clássicos.
A polarização política entre PT e PSDB foi muito mais tensa no Sudeste e no Sul do que no restante do país. O setor de direita e reacionário que havia surgido nos movimentos de junho reapareceu. Não podemos ignorar um sentimento de separação e polarização que é real. O preconceito contra os pobres, nordestinos, negros, cubanos, etc é disseminado hoje de forma muito mais aberta e encontra respaldo em setores de massa.
Esses setores de direita se sentem à vontade até para sair às ruas, pedindo o impeachment de Dilma e a intervenção militar – um Golpe diga-se de passagem –, denunciando a corrupção do governo federal, mas se calando sobre a corrupção e a seca nos estados dirigidos pelo PSDB e seus aliados, ofendendo e acirrando a violência contra os setores de esquerda. O nome do Aécio sai como representante dessa unidade reacionária.
Por outro lado, podem haver manifestações e campanhas governistas e de apoio à Dilma em nome do combate a essa direita, mas sem enfrentá-la de fato e a fundo. Uma disputa apenas aparente, enquanto encobre-se o essencial: que o PT se confronta, mas ao mesmo tempo sustenta e em grande medida se alia à direita.

A DIVISÃO E REBAIXAMENTO DO PROGRAMA IMPEDEM DESENVOLVIMENTO DA ESQUERDA

A atuação da esquerda é fundamental para disputar com a direita as ideias e iniciativas políticas. Assim, não podemos deixar de citar a falta de iniciativa política da esquerda (PSTU e PSOL), independente dos setores hegemônicos, que não tiveram nenhuma política maior para buscar a unidade da esquerda e pela base nas lutas. O racha do CONCLAT (Congresso Nacional da Classe Trabalhadora, que se propunha a unificar a CSP-Conlutas e a Intersindical, fundando uma Nova Central unitária) trouxe o acirramento da disputa entre as correntes centralmente pelo controle dos aparatos, contrariando os interesses do movimento.
Nos últimos quatro anos, o PSTU apostou suas forças na unidade superestrutural (por cima) com as direções das centrais governistas, e em busca de unidades com setores cutistas como a Cut Pode Mais e outras forças do campo governista. Para viabilizar essa política, o PSTU acabou rebaixando seu programa e o da CSP-Conlutas, deixando de se contrapor diretamente às centrais governistas, e não se colocou como alternativa socialista consequente nos principais enfrentamentos, nem mesmo quando aconteceram nas suas bases, como em São José dos Campos e outras.
Nas eleições, tanto PSTU, como PSOL, PCB e PCO não fizeram nenhum esforço real (não retórico) no sentido da constituição pela base de uma Frente de Esquerda que se colocasse como alternativa unitária de esquerda nas eleições. Cada qual privilegiou sua própria construção, em detrimento das necessidades do movimento.
Essa divisão e concepção de unidade somente quando está sob o controle e direção da sua corrente tem sido nefasta, aprofundando a fragmentação e contribuindo para o crescimento da direita.

QUAIS AS PERSPECTIVAS DA LUTA DE CLASSES?

Um novo processo de reestruturação produtiva já vem ocorrendo, e deve se acirrar com o desemprego, sobrecarga de trabalho ainda maior, precarização das relações de contratação, etc.
Assim, as lutas deverão se retomar a partir das demandas mais imediatas e às vezes mínimas por locais de trabalho. Também estarão colocadas lutas maiores envolvendo setores organizados da classe trabalhadora que tendem a ter seus direitos e empregos atacados. A partir daí, e combinando-se com esse quadro, as lutas podem ganhar contornos maiores e mais políticos à medida que os projetos do governo se tornem mais visíveis, como no caso das Contrarreformas previstas.
Além disso, movimentos e até revoltas populares pela questão da água ou da moradia despontam no horizonte, podendo levar a um ascenso de massas, com novos desdobramentos na consciência e organização da classe trabalhadora. Temos que acompanhar e intervir nesse processo para que avance no sentido da esquerda e da revolução, caso contrário, a direita é que irá capitalizá-lo.

IMPULSIONAR E UNIFICAR AS LUTAS CONTRA OS ATAQUES QUE VIRÃO!

O desafio de participar, apoiar e ajudar a desenvolver os enfrentamentos mínimos nos locais de trabalho, estudo e moradia; por onde devem se iniciar as lutas contra os efeitos dos ataques do governo e da burguesia; a superexploração nos locais de trabalho; e já se preparando para unificar essas lutas para enfrentar os grandes ataques previstos, deve apontar para a construção de fóruns de luta unitários e pela base.
É responsabilidade da CSP-Conlutas, Intersindical e demais forças de esquerda realizar os esforços para a unidade das lutas e movimentos. Nesse sentido, defendemos a formação imediata de um Fórum nacional de lutas, com caráter antigovernista e antiburocrático, para unificar as mobilizações que ocorram e apontar um Programa Mínimo, anticapitalista e socialista.
Com grandes ataques a partir do governo Dilma colocados já no horizonte, será preciso retomar as formas organizativas, mas desta vez a partir da base, de modo que o principais interessados, os trabalhadores, estudantes e membros dos movimentos populares, sejam quem determine os rumos do movimento, e não apenas as direções, pela cúpula.
Para o próximo ano, defendemos a realização de um Encontro Nacional de Movimentos e Ativistas para chamar os trabalhadores a se porem em mobilização, em defesa do emprego e de seus direitos, contra os ataques que já estão começando, contra as Contrarreformas da burguesia e do governo Dilma, e ao mesmo tempo para construirmos juntos uma alternativa unificada de esquerda e socialista para a sociedade.