Jornal 70: O Mineiraço 2014!
22 de julho de 2014
André Trevisan (Professor da rede municipal de ensino de SP)
– dança macabra
“Harmoniosa sinfonia macabra
seduz e encanta anfitriões,
quase imóveis e enfeitiçados
ao diabólico bailado alemão,
que brincam e pintam o sete,
ferindo a honra dos outrora
deuses da bola, hoje choram,
o funeral da estática seleção”.
Em todas as atividades humanas, em toda vida social, seja na política ou nos esportes, quando se prescinde das posições teleológicas que antecipem e norteiem racionalmente as ações dos indivíduos, a fé, o misticismo, a psicologia e a volição acabam se sobrepondo ao trabalho e ao acúmulo de trabalho. Esta é a realidade da maioria dos técnicos do futebol brasileiro, – geralmente ex-jogadores financeiramente hiper-valorizados, avessos e indiferentes à formação profissional; perecem, na maioria das vezes, por não ‘experenciarem’ a evolução dos padrões táticos que ocorrem nos países europeus; nos vestiários, limitam-se a uma retórica mais paternalista, religiosa e psicológica (motivacionais) do que técnica.
Os inúmeros acidentes na construção dos estádios, a repressão militar nas ruas, o silêncio da grande mídia, o elitismo nos estádios e o vexame da seleção nos gramados brasileiros com certeza são as grandes marcas da Copa do Mundo de 2014. O baile alemão não assustou somente pela larga expressão numérica de seu placar, mas pela trágica incapacidade de reação da equipe diante do seu destino; na ausência do seu ‘salvador’, os jogadores brasileiros traumatizados pareciam não acreditar que o seu ‘’Cristo’’ era igual a eles, homem feito de carne e osso e que, por este mesmo motivo, devido a uma séria contusão sofrida no último jogo o ausentaria da semifinal. Sem forças, imóveis e desesperados, observavam estáticos a goleada alemã. O choque assustou até mesmo os mais incrédulos.
A derrota expôs não somente a diferença tática e técnica entre as duas seleções, mas principalmente, a falência do futebol brasileiro e a coroação do projeto alemão (ver nota 1). Demonstrou também os caracteres típicos da formação social e das classes dominantes brasileiras, sempre alheias às pautas democráticas e universais, mantendo o seu compromisso histórico com o militarismo e o capital externo. A ausência de um projeto social radical na vida política brasileira deixa seus lastros por toda sociabilidade, desde a economia, política, cultura e até o próprio futebol. E a tragédia brasileira desperta a consciência tanto para a falência dos partidos políticos brasileiros, tão distantes das pautas reais que envolvem a vida cotidiana dos trabalhadores, quanto para as tramas que envolvem esta entidade tão promíscua, chamada Confederação Brasileira de Futebol; dominada por manipulações políticas que remontam a época da ditadura militar; envolvida em escândalos historicamente silenciados em sociedade com uma grande emissora de televisão que controla a décadas o calendário do futebol brasileiro; nos últimos anos, a CBF direciona as suas ações mais para a submissão dos clubes ao empresariado, especializando e mantendo o país em sua histórica condição colonial exportadora ao vender os melhores jogadores (mercadorias) brasileiros, os mais hábeis e criativos, ainda crus, para o mercado internacional, contribuindo assim para a elevação da qualidade do futebol nas metrópoles euro-asiáticas do que para o fortalecimento e uma organização dos campeonatos internos; reproduz-se aqui parâmetros de formação de jogadores pautados mais na disciplina, obediência tática, força física, estatística e produtividade do que na arte e na técnica futebolística.
Finda a tragédia esportiva, aproxima-se as eleições políticas, neste momento, não se trata de promover uma caça as bruxas, perseguindo os supostos culpados individuais por este fracasso futebolístico do ‘‘Mineiraço-2014” ou de identificar um candidato político ideal para governar o Brasil nos próximos quatro anos; contrariamente, trata-se de entender as múltiplas determinações que envolvem a origem da formação social brasileira e a irradiação de seus reflexos tanto em nossas próprias instituições, quanto em toda sociabilidade, com um simples e único objetivo, diante da crise, repensar literalmente a partir da base não somente que estilo de futebol desejamos, mas principalmente, que tipo de sociedade queremos, nos limites ou para além do capital!
(1) Na direção contrária a muitos países europeus, a Alemanha após ser eliminada logo na primeira fase da Eurocopa 2000, marcando apenas um ponto e fazendo apenas um gol, atenta-se para o fato de que as importações de jogadores, prejudicam a formação de jogadores nativos, a bundesliga e, consequentemente, o próprio desempenho de sua seleção. Em parceria com a Deutscher Fussbal-Bund (DBF), o governo alemão desenvolve um plano para colocar a Alemanha novamente na elite do futebol em um prazo de dez anos: “Em pouco mais de 12 anos, investiu cerca de US$ 1 bilhão em academias e centros de treinamentos para jovens. A ideia era usar esses CTs públicos para ensinar futebol com uma receita em duas medidas: 50% habilidade, 50% força – em vez dos 200% força que a seleção vinha aplicando”. Para mais, consultar: www.super.abril.com.br/esporte/alemanha-pais-futebol-752840.shtml.