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Os atos de junho e as lutas de julho no Brasil e no Rio de Janeiro


27 de agosto de 2013

Este texto é uma contribuição do Coletivo Lênin e não necessariamente expressa a opinião da organização, por este motivo se apresenta assinado.

Em Junho de 2013 construímos e vivenciamos o ascenso de massas que teve como estopim o aumento das passagens de ônibus em todas as principais cidade e capitais do país, e que de certa maneira modificou o cenário político nacional da luta de classes no Brasil. No entanto essas manifestações não foram plenamente avaliados pelas diferentes organizações do movimento dos trabalhadores no Brasil.

Esse processo de lutas ainda não acabou, pois as mobilizações continuaram durante o mês de Julho em algumas cidades como no Rio de Janeiro, onde elas conseguiram se manter como um movimento de massas de esquerda contra o Governo do Estado e a violência da PM, através de passeatas constantes e ocupações, e deverão perdurar até proximidade dos mega-eventos. Assim através de um breve balanço desse período, devemos definir as tarefas diante delas se não quisermos perder uma oportunidade histórica.

“Jornadas de Junho”?

Pra começar, temos que entender as causas da insatisfação popular que permitiram que centenas de milhares de pessoas fossem às ruas.

A crise internacional, que começou em 2008, e que ainda não mostra sinais de que vai se resolver, está, é claro, no pano de fundo dos atos, mas não diretamente. Diferente de países como a Grécia ou a Espanha, em que algumas cidades contam com 30% de desempregados e o governo impôs até mesmo reduções de salários, a crise no Brasil tem tido efeitos mais indiretos, com o recente aumento dos preços e dos juros em 2012 e 2013. Tudo isso reflete as contradições do subimperialismo brasileiro, que ainda não está esgotado, apesar dos sinais de crise do modelo atual de gestão capitalista com o alto endividamento do povo, resultado direto do período anterior, entre 2009 a 2012, com crescimento baseado no estímulo de consumo através da expansão de crédito para os trabalhadores (expansão da construção civil , automóveis, eletrodomésticos e serviços) e da redução de tarifas e impostos sobre produtos nacionais, como a política central do governo para absorver a produção e atrasar os efeitos da crise internacional no Brasil.
Esses aumentos se combinaram, em algumas cidades, com todo o ataque às condições de vida provocados pela preparação dos megaeventos. Remoções, especulação causando aumento absurdo do valor dos imóveis e aluguéis, violência policial cada vez maior contra os moradores de favelas e periferias, tudo isso ficou ainda mais presente no dia-a-dia das cidades que serão sedes da Copa. O Rio de Janeiro, onde vai ser as Olimpíadas, foi o local dos atos maiores e mais radicalizados.
A luta contra a remoção da Aldeia Maracanã, em Janeiro de 2012, foi o começo do fim da estabilidade do governo Sérgio Cabral (PMDB-PT). Toda a frustração com a remoção da Aldeia foi canalizada em Junho e Julho, quando aconteceram os atos contra o aumento que, no Rio, foram resultado da influência da luta em São Paulo, dirigida pelo MPL, ao mesmo tempo que as organizações de esquerda do Rio já vinham se organizando no Fórum de Lutas Contra o Aumento das Passagens desde Janeiro e Junho de 2012 nos aumentos dos ônibus, barcas e metrô. Aqui, no início de Junho de 2013 nós conseguimos fazer uma passeata com cerca de 5 mil pessoas, depois de outras violentamente reprimidas pela polícia, no mesmo dia em que a polícia atirou até mesmo em repórteres em São Paulo.

Foi a rejeição da população contra a violência desproporcional da polícia e o apoio à luta justa contra os aumentos que permitiu na semana do dia 17/06 o ato do Rio tivesse mais de cem mil pessoas, e mais de sessenta mil em São Paulo. Nesse dia no Rio cerca de 20 mil dos manifestantes foi pra Assembleia Legislativa (ALERJ), onde tomaram a escadaria tentando tomar a Assembléia e enfrentaram a PM, fazendo ela recuar vários quarteirões e ainda alguns policiais se esconderem dentro da Assembléia montando barricadas contra os manifestantes enquanto esses tentavam tomar a casa. Foi esse enfrentamento que fez os governos recuarem, e revogarem o aumento na terça.

Aí tudo ficou muito mais complexo: diferente da ilusão espontaneísta e distorcida de grande parte da extrema-esquerda (o maior exemplo é o PSTU), infelizmente as multidões que foram às ruas no dia 18 (SP) e 20 (RJ), assim como os atos espalhados por todo o país, foram as ruas com um conteúdo político difuso, majoritariamente atrasado, e de forma nenhuma foi uma explosão popular progressiva.

O PIG (Partido da Imprensa Golpista), através da Globo, da Record e da Veja, viram que não adiantava mais queimar as manifestações dizendo que eram todos “vândalos”. Então, eles tiveram que mudar a sua tática, o que foi representado pela “autocrítica” do “intelectual” Arnaldo Jabour, que passou a “apoiar” a luta. Como eles mudaram? Fácil, dando um conteúdo nacionalista, “contra a corrupção”, despolitizado e levantando bandeiras da direita para os atos, assim esvaziando e expulsando o conteúdo de esquerda com a hegemonização do discurso ufanista na massa atrasada.

O ato de São Paulo, em que a FIESP fez projeção da imagem da bandeira verde-amarela da Casa de Orleans e Bragança nos prédios, e a agressão de elementos da extrema-direita (sob o apoio da maioria da massa) contra os militantes de esquerda, mostraram que de forma nenhuma nessa semana se tratava de uma rebelião popular. Infelizmente foi uma massa despolitizada, numa etapa histórica ainda marcada pelo fim da URSS e pelo discurso da “morte do socialismo” que então gerou a crise de consciência e falta de alternativa da nossa classe trabalhadora. Foi nesse contexto, com os partidos de esquerda adaptados à democracia burguesa, deslocados da classe trabalhadora e minoritários, que então a maioria dos que foram as ruas acabaram servindo de massa de manobra do discurso moralista, ufanista nacionalista da direita.

Isso é o que é minimizado pelo PSTU, MRS, LER etc, quando tratam as agressões anticomunistas como se fossem um problema único de grupos fascistas isolados. As organizações que não entendem que a direita tradicional tem sim uma estratégia para voltar ao governo, e que isso passa por desgastar e atacar o governo do PT, não são capazes de analisar e nem de se orientarem na realidade política nacional.

Alguns setores da direita certamente pensaram em um golpe “cívico”, no modelo do Paraguai e de Honduras, naqueles dias. Mas foram derrotados pelo setor majoritário da burguesia, que prefere, no momento, a estabilidade proporcionada pelo governo do PT na obtenção dos lucros, inclusive os que ainda estão por vir com os mega-eventos, ainda mais quando uma parte das massas, principalmente os setores de “classe média” defendem uma pauta ainda mais reacionária que a própria Globo, pela pena de morte, redução da maioridade penal, e com muitas simpatias pela ditadura militar.

Nós avaliamos erradamente que o golpe era a possibilidade principal mas, logo depois, fizemos autocrítica, mas sempre nos distanciando da ilusão espontaneísta que vê um ascenso de massas nas manifestações amorfas influenciadas pela mídia empresarial durante a semana dos dias 18 e 20 de Junho.

Porém nesse mesmo ato do dia 20 de julho foi o ápice da violência da PM do Rio nas manifestações, com a ação do Choque e o BOPE por todo o centro do Rio de Janeiro atacando qualquer agrupamento de pessoas após os confrontos na prefeitura. Nesse dia até a “classe média” mais pacifista, que inchou o ato com a manobra da mídia burguesa de direita, sentiu na pele o terror e a violência da PM nas favelas. Muitos grupos de esquerda enfrentaram a PM em vários focos para atrasar a ação desta contra todo o ato, e depois disso a PM ficou ainda mais queimada, mesmo entre alguns setores da própria burguesia.

Após ver que estava perdendo o controle da situação, e após conseguir arrancar fortes concessões do Governo Dilma/PT, a direita tirou as massas manipuladas das ruas, o que melhorou bastante a qualidade política das manifestações. Isso ficou bem claro depois, quando na Plenária do Fórum de Lutas do Rio estiveram presentes cerca de 2 mil pessoas, e mais ainda nos atos na final da Copa das Confederações.

Assim no Rio, depois de ver o estrago que a direita fez nos atos de massa e também a escalada da violência policial, o Fórum de Lutas, com o conjunto da esquerda socialista e anarquista, organizou mais três atos onde o conteúdo político voltou a ser progressivo e anti-capitalista, contra a violência da PM e do governo e contra a privatização do Maracanã e as remoções. Depois de um momento de indefinição, as lutas foram retomadas a partir da visita do Papa Francisco, já unificadas pela palavra de ordem de Fora Cabral, que coroa todas as lutas parciais contra a política do governo.

Já não eram manifestações de dezenas de milhares, geralmente eram de duas a quatro mil pessoas. Mas, mesmo assim, são a expressão de uma tendência muito positiva para o ascenso. A imprensa, novamente, votou a criminalizar os movimentos, agora escolhendo como bola da vez o Black Block.

Em Julho, luta contra o governo Cabral e a violência policial

O movimento que tem tido mais visibilidade tem sido o Ocupa Cabral, na rua em que ele mora, no Leblon. Fica uma ocupação pequena estrategicamente na rua, e varios atos acontecem, atualmente com um apoio muito grande por parte da população.

Além disso, as comunidades têm aproveitado a situação favorável para lutarem contra a violência policial e a farsa das UPPs, organizando manifestações contra a opressão policial e polarizando ainda mais a luta contra governo como uma luta de classes. Primeiro, foi a Maré, que conseguiu expulsar o Caveirão da favela depois de uma chacina em que morreram onze pessoas, e em que a própria PM reconheceu que três deles eram trabalhadores. Depois na Rocinha, o caso do Amarildo, que continua desaparecido, numa situação em que a responsabilidade da polícia e as desculpas incompetentes têm ficado às claras. Pela primeira vez um o desaparecimento de um trabalhador negro morador de uma comunidade teve visibilidade e solidariedade nacional e internacional, com manifestações da comunidade e atos em Rio de Janeiro e São Paulo contra a violência das UPPs nas favelas, sendo mais um tapa-na-cara do governo de Sérgio Cabral, com o movimento atacando diretamente o seu projeto de militarização das favelas e comunidades proletárias do Rio.

Por causa dessas lutas, a bandeira de desmilitarização da PM, que era minoritária até mesmo dentro da vanguarda, se transformou numa campanha com visibilidade internacional. Outra coisa que desmoralizou a polícia ainda mais foi o uso de P2 nas manifestações, que foi amplamente comprovado por filmagens da Mídia NINJA e de manifestantes, que inclusive flagraram os P2 agredindo pessoas e quebrando lojas.

No dia 07/08, como expressão da fraqueza do governo Cabral, que passou a recuar em uma série de políticas que beneficiam as construtoras em detrimento dos trabalhadores, e da nova conjuntura na cidade de forte clima de luta e resistência, a Aldeia Maracanã foi reocupada pelos índios apoiados pelo movimento, dessa vez com condições bem melhores de resistir!

Em todos esses movimentos, vemos que existe um recuo muito grande da esquerda institucional. O PSOL tem apostado tudo na realização da CPI dos Ônibus, jogando ilusões de que a ALERJ vai punir os milicianos e corruptos que beneficiam as empresas de transporte. O PSTU tem tido uma linha tão recuada nos atos desde Junho, muitas vezes fugindo antes do enfrentamento, que a nota que eles escreveram criticando o Black Block criou uma repulsa muito grande na vanguarda que está se manifestando.

Apesar das nossas divergências com os maoístas do MEPR e com a Unidade Vermelha, temos estado junto com eles em muitos enfrentamentos importantes, quando o PSTU e a maioria do PSOL fogem.

Ao mesmo tempo, os setores pseudo-anarquistas e despolitizados têm crescido um pouco. Eles têm criado vários problemas nas plenária do Fórum de Lutas , tentando implodir as reuniões e fazendo polêmicas imbecis contra a existência de mesa nas reuniões (!) e outras coisas do tipo que em nada contribuem para o método de organização do Fórum de Lutas.

O que vai definir uma saída progressiva na luta pelo Fora Cabral é a intervenção organizada dos trabalhadores nas lutas. No dia 11 de julho, o ato convocado pelas burocracias sindicais foi grande, mas as centrais não organizaram as suas bases para participarem em massa e, muitas vezes, fizeram o mesmo discurso da Globo, criminalizando os setores mais radicalizados. Parece que as coisas estão começando a mudar, agora, com a greve dos professores municipais e estaduais, no meio da luta pelo Fora Cabral.

A nossa atuação principal tem sido no movimento estudantil e de trabalhadores da UFRJ e da PUC, intervindo e construindo as Plenárias do Fórum de Lutas do Rio, que tem sempre se aliado com a FIST, a Aldeia Maracanã e os outros movimentos populares da cidade. No Rio a necessidade agora é enraizar comitês regionais por locais de estudo, moradia e trabalho, preparando a nossa atuação no dia 30 de agosto e manter polarização contra a violência da PM e do governo.

Nós do Coletivo Lenin estamos concretizando essa política atuando taticamente em conjunto com os companheiros da Oposição Operária e de setores de base independente do PSOL, para que a luta ultrapasse as barreiras burocráticas das direções das centrais e coloque na ordem do dia:

· derrubada do governo Cabral;

· pelo fim da PM;

· tarifa zero através da estatização dos transportes públicos;

· contra a precarização do trabalho e a marginalização e a exclusão social que antecede os mega-eventos;

· redução da jornada para 30 horas sem redução de salário e com reajuste salarial mensal acima da inflação!

Coletivo Lênin, Agosto de 2013