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Intervenção militar para que(m)?


4 de julho de 2018

Desafios da luta por liberdades democráticas sem confiar e sem defender a democracia burguesa

Durante as manifestações de caminhoneiros o tema da intervenção (ou) golpe militar voltou a ser debatido. Isso já havia ocorrido nas mobilizações pelo impeachment de Dilma.
Consideramos pouco provável ocorrer um golpe militar nesse momento porque a burguesia tem coisas sob seu controle, não tem sido a política do imperialismo apoiar golpes militares e isso poderia levar um governo militar ao isolamento e também por não haver um forte movimento de massas com fortes reivindicações para colocar em risco as taxas de lucro dos capitalistas.
No entanto, mesmo com essa caracterização acreditamos ser fundamental derrotarmos qualquer apelo nesse sentido antes de “se tornar força material”. E para contribuirmos, além da luta cotidiana, defendemos a construção de uma campanha organizada por forças políticas e movimento social, que promova debates explicativos sobre o significado, suas consequências e que, principalmente, paute nas mobilizações e nas lutas da classe trabalhadora o repúdio ao chamado e à intervenção das Forças Armadas nas comunidades e na política.

As várias formas de dominação da burguesia

Diferente de outros modos de produção, quando o poder político era mais concentrado e autoritário, o capitalismo, por meio de sua classe dominante, a burguesia, tem várias formas de exercer o poder. Parlamentarismo, presidencialismo, nacionalismo, teocracia, democracia parlamentar, ditaduras civil ou militar, nazismo etc. São os regimes políticos, as diferentes formas de a burguesia exercer o seu poder.
Definimos um regime político a depender de qual instituição tem o poder. Uma ditadura pode ser militar quando são as Forças Armadas que controlam o poder político e pode ser civil quando é um indivíduo quem centraliza o poder. E é uma democracia parlamentar quando o parlamento tem um funcionamento autônomo ou, pelo menos, relativamente autônomo.
Uma forma ou outra não é escolhida aleatoriamente. Como a burguesia sempre busca a melhor forma de controlar a classe trabalhadora e impedir as revoltas sociais para manter o seu poder, também age nos momentos de crise e maiores riscos de rebelião para impor regimes mais repressivos e nos momentos de “calmaria social” regimes com um pouco mais de “liberdade”.
Uma questão importante nesse aspecto é que, às vezes, a ditadura serve até mesmo para uma das frações da burguesia conseguir fazer valer seus interesses particulares, por exemplo, quando o setor exportador impõe o controle do câmbio para favorecer os seus negócios.
Outro exemplo, é o regime bonapartista – isto é, não capaz de centralizar as diversas frações do capital, mas de trabalhar mais para os interesses particulares de uma ou outra fração do que para os interesses gerais da burguesia mantendo ainda o controle do movimento de massas – em que o Estado e o governo assumem a tarefa primeira de manter a segurança e a estabilidade da sociedade burguesa.
Essas várias formas de dominação reforçam a ideia de que o regime político escolhido pela burguesia só leva em conta a garantia de seus lucros.

As consequências de um Golpe militar

Um elemento marcante na história do país é o ódio da classe dominante contra a classe trabalhadora e os pobres, principalmente, quando há ameaça aos seus privilégios. Esse ódio já foi demonstrado muitas vezes ao buscar manter o povo distante de espaços de decisão política e em pressões populares quando a burguesia reage com atos de força como no Estado Novo ou no golpe civil-militar de 1964.
Uma “intervenção militar” (alguns chamam até de constitucional!), na verdade, significa um golpe militar. Esse é o teor das várias faixas de manifestações do último período, assim como de declarações de oficialatos das Forças Armadas.
Um golpe militar é quando as Forças Armadas, por essência especializadas em repressão, assumem ou controlam todas as instituições ora “democráticas”, restringem ou mesmo extinguem a liberdade coletiva e individual, proíbem manifestação, realizam torturas, prisões sem mandado judicial (veja A tragédia na Maré e a intervenção militar no Rio de Janeiro), dentre outras.
Há muitas razões para lutar contra a ameaça golpista e suas consequências. Um governo militar daria mais força para a burguesia aplicar suas medidas para cortar nossos direitos como a Reforma Previdenciária, para manter o pagamento da dívida pública, para dar maior poder à polícia para continuar com o extermínio de nossa juventude etc. Sobre a ideia de que os militares acabam com a corrupção é só lembrar os vários casos de corrupção e, principalmente, as várias prisões e mortes de quem denunciou esses casos.
Uma outra razão se apresenta no plano internacional em que aumenta a submissão ao imperialismo, pois o histórico das Forças Armadas brasileiras é de intensa colaboração com as Forças Armadas estadunidenses, com muitos dos oficiais brasileiros ainda hoje treinados na famosa “Escola das Américas”, coordenada pelos Estados Unidos e onde se ensina técnicas de torturas, mecanismos políticos de enfrentar e destruir rebeliões populares, dentre outras. Com esses cursos para militares da América Latina, os Estados Unidos conseguem manter aliados nas Forças Armadas desses países.

As torturas e assassinatos como forma de silenciamento

Com a queda das ditaduras na América do Sul, nos anos 80, muitos países puniram os ditadores e seus cúmplices pelos crimes cometidos durante esse período. O Brasil é um dos poucos países onde não houve punição para os agentes do Estado envolvidos em mortes e torturas. A Lei de Anistia, por exemplo, negociada no último governo da Ditadura, cuidou de proteger os torturadores e assassinos.
Os vários crimes de tortura e assassinatos cometidos pelos agentes do Estado brasileiro passaram impunes e esses torturadores e assassinos circularam e circulam livremente. Das sessões de torturas participavam policiais, membros das Forças Armadas, etc. Também participavam o serviço secreto dos Estados Unidos, Inglaterra e empresários, que doaram grandes quantias para manter os centros de tortura e o pagamento de torturadores.
Grandes empresas, como a Volks, tinham chefes de segurança oficiais das Forças Armadas para espionar, prender trabalhadores e entregá-los para os órgãos de torturas, realizadas inclusive no interior das empresas.
Eram várias as formas de tortura como estupro, choque, unha arrancada, soco e pontapé, pendurar com a cabeça no meio das pernas (pau de arara), torturar crianças na frente de pais presos, etc. Muitos foram mortos e os traumas psicológicos foram intensos aos que resistiram, levando alguns ao suicídio como foi o caso de Frei Tito.
Como mostraram os Relatórios do Serviço Secreto dos Estados Unidos, a tortura e os assassinatos eram política de Estado, coordenada diretamente por generais e presidentes que decidiam inclusive sobre quem deveria morrer.

Forças Armadas a serviço da exploração

As Forças Armadas são parte do sistema de exploração sobre a classe trabalhadora, ou seja, servem aos capitalistas.
Todas as vezes que as Forças Armadas intervieram diretamente na política foram para impedir a rebelião popular. A Proclamação da República, a tentativa de impedir a posse de Jango e depois o golpe militar foram todas medidas para se antecipar às massas e impedir a classe trabalhadora de fazer e mudar as coisas por suas próprias mãos, assim, defendendo os interesses da classe dominante.
Nos anos iniciais da República a submissão foi ao imperialismo inglês e no golpe militar dos anos 60 foi em relação aos Estados Unidos, hoje com farta documentação comprovando a participação direta do governo estadunidense na preparação e na execução do golpe.
Dessa mesma forma há ainda centenas de casos de atuação das Forças Armadas com o único objetivo de proteger os interesses patronais a serviço da exploração.

Por que Temer se aproxima aos militares?

O governo Temer adotou política de se aproximar aos militares, nomeou um militar como interventor no Rio de Janeiro, indicou membros das Forças Armadas para o Ministério da Defesa e para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), dentre outros postos de segundo escalão.
Há, pelos menos, dois motivos que explicam essa proximidade. Primeiro, por ser um governo que precisa aparecer como de unidade nacional, apoiado por maioria de partidos e pela burguesia, nesse caso, o apoio dos militares foi fundamental. E segundo, por conta da crise econômica e do risco de explosões sociais, como um governo frágil, precisava ressaltar os aspectos mais repressivos do regime.
Nesse contexto foram fortalecidas a presença das Forças Armadas no policiamento de rua e os deslocamentos da Força de Segurança Nacional para vários estados, amparadas por sucessivas decretações de “Garantia da Lei e da Ordem”.
Esse processo evidentemente fortaleceu os militares mais reacionários que passaram a dar declarações em defesa de intervenção militar e, muitas vezes, fazerem ameaças diretas até mesmo ao STF. Agora se organizam para participar do processo eleitoral como candidatos.
Esse fortalecimento das Forças Armadas é, evidentemente, uma ameaça às lutas e aos trabalhadores. Assim como, uma maior participação do aparato militar significa maior controle e regulação do cotidiano da classe trabalhadora como temos visto nos casos de a polícia militar assumir funções civis na gestão de escolas, no aumento da letalidade do Estado, maior vigilância dos órgãos de inteligência sobre os movimentos sociais, os partidos políticos de esquerda e ativistas, etc.

A intervenção no Rio de Janeiro

Os quatro meses da intervenção militar no Rio de Janeiro são exemplos para demonstrar que nenhuma intervenção militar é preparada para defender a vida de pessoas, mas sim o patrimônio de empresas e ricos.
Ao compararmos os dados do trimestre março-maio desse ano com os dados do ano passado, observamos que enquanto os roubos (de cargos, carros, transeuntes) diminuíram, as mortes aumentaram (principalmente as resultantes de ação policial) e saltaram de 300 (entre março e maio de 2017) para 344 no mesmo período de 2018. Além disso, houve o assassinato político de Marielle e Anderson, até esse momento sem solução, o assassinato do adolescente Marcos Vinicius e de outras dezenas de pessoas pobres e negras. E, claro, as milícias continuam controlando várias áreas da cidade, sem qualquer alteração.
As invasões nos morros, as barricadas para controlar a circulação de trabalhadores, as prisões sem qualquer comprovação (como as mais de 100 pessoas em uma festa supostamente organizada pela milícia) e as centenas de mortes nas ações policiais são provas cabais de que essa intervenção visa somente manter a população pobre confinada nos morros.

A tal democracia parlamentar burguesa

Democracia para que classe? Essa pergunta é fundamental para refletirmos aqui sobre o significado de democracia no capitalismo.
Como a burguesia é a classe dominante, a democracia burguesa evidentemente serve para atender aos seus interesses e carrega formas de controle e de opressão sobre a classe trabalhadora.
Mesmo sendo uma forma de poder da burguesia, no século XX, muitas organizações e partidos de esquerda passaram a defender a democracia burguesa como valor universal, inclusive, defendendo que poderia ser aperfeiçoada para termos acesso à liberdade e igualdade.
Nada mais falso. Ignoram a natureza dessa “democracia” e também o fato de, nas sociedades em que há o domínio de uma classe social, ser impossível ter uma democracia de fato, pois sempre é para garantir seus interesses.
Como é possível haver democracia e igualdade plenas numa sociedade em que alguns precisam vender sua força de trabalho para sobreviver, enquanto proprietários ficam ricos sem trabalhar? Essa diferença está em todos os países capitalistas, desenvolvidos ou subdesenvolvidos.
Nos países subdesenvolvidos, mesmo quando formalmente considerados democráticos, os espaços são muito mais limitados e os aparatos repressivos do Estado (Polícia, Judiciário, Forças Armadas, etc.) são mais presentes e atuantes nos conflitos sociais e políticos.
Nos países desenvolvidos há mais liberdades democráticas. A explicação para isso está no fato de, por conta da extração de riqueza dos países pobres, poder fazerem mais concessões econômicas para setor mais amplo da classe trabalhadora e, assim, diminuir conflitos sociais.
Mas, basta haver luta que o aparato repressivo entra em cena. Nas recentes greves operárias na França e nas mobilizações de negros e negras nos Estados Unidos a repressão foi muito forte.
Entendemos que a liberdade somente é plena para o capital e para que as mercadorias circulem livremente. Nunca para os seres humanos. As crianças imigrantes enjauladas e separadas de seus pais nos Estados Unidos é uma demonstração disso.
E a democracia parlamentar burguesa é expressão dessa liberdade, já que o controle ou compra de parlamentos por lobistas (manipuladores) a mando de banqueiros e empresários, para que suas leis serem aprovadas, é parte dessa lógica.
Liberdade de reunião, de organização sindical e igualdade perante a lei também são relativas, pois mesmo com a garantia legal sempre é colocado obstáculo para serem exercidas. Por exemplo: o Judiciário não julga igualmente ricos e pobres, basta ver cadeias lotadas de pobres, os realmente condenados.
Outro aspecto é que as Constituições de todos os países mantêm um ou outro artigo que permite a intervenção das forças de repressão para conter as lutas da classe trabalhadora, independente de governos mais democráticos.
Ressaltamos ainda que a propaganda da democracia burguesa é da igualdade entre as pessoas, mas a igualdade no capitalismo é apenas formal e nas questões determinantes sequer existe. Como pode um trabalhador explorado ser igual a um burguês que fica com toda a riqueza? Como pode se falar em igualdade num mundo em que 8 pessoas possuem a mesma riqueza que quase 4 bilhões de pessoas? Essas perguntas contribuem para concluirmos a pergunta inicial.

 A ditadura nos locais de trabalho

O local de trabalho é onde fica explícito que a democracia burguesa é na verdade uma ditadura de classe. Enquanto na política há a “oportunidade de escolher” o governo que seguirá com a opressão e a exploração a cada 4 anos, nos locais de trabalho não escolhemos nada.
Essa ditadura de classe se expressa na exploração com a extração da mais-valia, em suas longas jornadas de trabalho e também no regime policial existente nos locais de trabalho. Trabalhadores e trabalhadoras, na maioria dos locais de trabalho, não podem expor opinião e crítica, posições de esquerda ou participar das atividades no sindicato.
Os instrumentos de luta dos trabalhadores também são vigiados e ativistas, comissões de fábricas ou delegados sindicais são constantemente perseguidos mesmo quando têm estabilidade. Para isso a burguesia organiza suas empresas com estrutura hierarquizada e verticalizada, com níveis de chefias (capatazes) que controlam e vigiam trabalhadores. Além de todo o aparato de segurança com vigilância e informante (famoso dedo-duro).

A Democracia Operária

Como fica a questão da democracia em uma sociedade socialista? O poder operário ou a democracia operária, como dizia Lênin, é um milhão de vezes mais democrática do que qualquer democracia burguesa.
Isso é possível porque a classe trabalhadora passa a exercer o poder político e econômico e, assim, passa a representar quem realmente produz a riqueza e produz tudo que existe no mundo, a maioria da sociedade, que é a própria a classe trabalhadora. Dessa forma, acaba com toda enganação burguesa sobre liberdade, igualdade e com os privilégios dos agentes políticos do Estado.
No poder operário, um dos aspectos do poder político se expressará com os representantes sendo eleitos e perdendo seus mandatos quando não cumprirem os compromissos; a liberdade de reunião será garantida para todos os trabalhadores (mansões poderão ser destinadas a essa atividade); o controle operário sobre a grande mídia, gráficas, etc. garantirá a plena liberdade de imprensa. Enfim, dessa forma, poderemos ir construindo a liberdade e igualdade reais.
Poderes que só existem para garantir a propriedade privada, como é o caso do Judiciário, também irão desaparecer. Não haverá mais diplomacia secreta entre os países, pois as relações serão debatidas abertamente pelos organismos de poder operário e o comércio exterior vai levar em conta as necessidades da população e não os interesses do mercado.
A democracia operária é a verdadeira democracia, pois é da maioria e para a maioria, a classe trabalhadora. Diferente da democracia burguesa que se diz democrática, mas que na prática é uma ditadura da minoria sobre a maioria, um poder para manter a exploração da maioria da sociedade.

A luta por liberdades democráticas no capitalismo

A burguesia tem tolerado atividades políticas e sindicais enquanto essas não colocam em risco o seu poder, não é por princípio democrático. Quando há radicalização das lutas ou quando encontra oportunidade, a burguesia recorre a todos os meios para sufocar as liberdades democráticas na tentativa de derrotar a classe trabalhadora.
Nós revolucionários lutamos pelo socialismo, pela democracia operária e, portanto, somos contra o regime burguês que se intitula democrático, mas, como demonstrado acima, é uma ditadura da burguesia contra a classe trabalhadora.
No entanto, para fazer a luta avançar em melhores condições também lutamos pela ampliação das liberdades democráticas. O direito de manifestação, de organização, de voto, etc. foram conquistas de inúmeras lutas da classe trabalhadora e interessa manter essas conquistas.
Mas, essa luta não pode ser um fim em si mesma, como fazem vários setores que se intitulam de esquerda. Ao mesmo tempo em que lutamos por essas liberdades, a nossa atuação busca avançar na luta contra a propriedade privada, contra a exploração e por uma sociedade sem classes.

Por uma campanha contra qualquer forma de intervenção militar

Em toda crise econômica, em especial a atual, a questão de como resolve-la e qual alternativa seguir ficam sempre em disputa. E a movimentação da direita e de setores do oficialato das Forças Armadas tentam direcionar e ocupar o espaço.
Tentam jogar sobre a classe trabalhadora os custos da crise, ou seja, buscam recuperação atacando os direitos sociais e trabalhistas. Também buscam evitar que a classe trabalhadora consiga se colocar como alternativa tomando em suas mãos o seu destino com medidas que façam a burguesia pagar pela crise, o que é mais justo já que a crise é decorrência do próprio capitalismo.
No entanto, a direita vem alimentando sua política entre setores dos trabalhadores. E já tem quem reivindica intervenção militar ao se deparar com o desgaste dos políticos em meio a tantos casos de corrupção, os privilégios, a seletividade de juízes, a impopularidade recorde de Temer, a crise econômica e social e a falta de perspectiva.
A luta para derrotar a direita e os setores golpistas representa o fortalecimento da luta para manter os nossos direitos. Mas, só poderemos derrotá-los se a classe trabalhadora se convencer dessa necessidade, ou seja, precisamos demonstrar quais os problemas, as consequências de um golpe militar e o significado de um regime político reacionário como esses setores propõem. Precisamos derrotar esses setores! Por isso, além de nossa luta cotidiana, propomos no movimento uma ampla campanha contra as intervenções militares, contra a direita e os golpistas.