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Quilombo dos palmares


13 de novembro de 2017

Ao norte de Maceió, capital de Alagoas, fica União dos Palmares, onde se situa a Serra da Barriga: cenário de um importante episódio da história brasileira.  Lá era a sede política e administrativa do Quilombo dos Palmares, conhecida pelos quilombolas na época por Cerca real dos Macacos, em alusão ao Riacho dos Macacos.    A emergência e organização do Quilombo dos Palmares foi um momento único na história brasileira: foi a maior rebelião de escravos da América do Sul, que sobreviveu por mais tempo (por volta de 65 anos), além de ter sido o mais poderoso levante nos domínios do Brasil colonial e, por isso, demandou para ser derrotado um grandioso esforço bélico.Juntamente com a guerra contra os holandeses, que eclodiu em simultâneo momento, figura como o maior problema administrativo da época. O tamanho do Quilombo e sua expressiva população e organização social puderam ser sentidas pelo impedimento que constituiu ao avanço da colonização no sul da capitania de Pernambuco, no século XVI por quase sete décadas. As terras do Quilombo dominavam os vales dos rios Paraíba e Mundaú, abrangendo suas cabeceiras até desaguarem nas proximidades das lagoas Mundaú e Manguaba. A expressiva presença dos rebeldes na região punha risco à sobrevivência da capitania, uma vez que era de Alagoas donde saía uma importante parcela da alimentação da região pernambucana da capitania. As principais vilas alagoanas – na época: Penedo, Alagoas do Sul e Porto Calvo – ficaram instáveis, pois as propriedades ali instaladas eram ameaçadas, os escravos raptados e os canaviais queimados. Devido à importância da região na política econômica colonial, o Quilombo não era apenas uma ameaça local: a própria colonização portuguesa ficou em cheque.

A origem

Um escravo no século XVI, como uma ferramenta desgastada pelo uso exacerbado, tinha vida útil de sete anos. Enfrentando todo tipo de violência que sua condição possibilitava, restava a submissão ao sistema de exploração absoluta ou a resistência. As primeiras formas de resistir à exploração absoluta da escravidão se davam de modo estritamente pessoal e iam desde a prática do “banzo” – que era expressão da tristeza do escravizado frente a sua situação e se materializava na falta de aptidão ao trabalho forçado – até mesmo ao suicídio.  Com o passar dos anos, se organizaram formas coletivas de resistência, que poderiam ser fugas para o mato ou revoltas armadas. Essas formas coletivas de luta desembocaram na constituição dos quilombos. A mais antiga notícia de um quilombo foi uma experiência de curta duração ocorrida no interior da Bahia.  Palmares ocupava uma terra abundante em palmeiras (pindoba ou “coco catolé”) e essa característica acabou por denominar o quilombo popularmente. A área era desabitada desde a fuga dos indígenas que abandonaram a região após serem massacrados nos conflitos contra os colonos e fugiram para terras sertanejas. Os quilombolas vinham de diversificadas regiões da África (com a predominância dos “bantos”). Formavam uma sociedade multiétnica, constituída por traços africanos e portugueses, como ficou visível na religião: uma mistura entre as tradições africanas e o catolicismo absorvido no contato com os portugueses.  O núcleo inicial teria surgido por volta de 1597, oriundo de Porto Calvo, de onde teriam fugido alguns escravos de um engenho. Segundo historiadores, a área guardava semelhanças com as terras de origem dos escravos, na África, devido às suas características geográficas. Com o núcleo oficial estabelecido, outros grupos populacionais foram, com o tempo, chegando e se fixando nos lugares de mata desna, em que poderiam encontrar todas as condições de defesa e tirarem seu sustento (terras férteis, água, caça e madeira). As regiões de mata fechada eram abrigos naturais aos refugiados, visto que o acesso era muito difícil: uma espécie de fortaleza defendida pela floresta e pelas montanhas.  Um quilombo (que significa “povoação”, em quimbundo) era formado por um conjunto de “mocambos”: palavra também de origem africana que os portugueses usavam para designar as aldeias construídas pelos escravos fugidos. Cada quilombo tinha ainda um sistema de proteção que consistia na construção de fossos e armadilhas que rodeavam o espaço, além do acesso ser feito através de portas, localizadas segundo os pontos cardeais. A totalidade dos “mocambos” palmarinos formava a “Angola Janga” ou Angola Pequena.  Há registros que denotam conflitos entre os portugueses e quilombolas desde 1602. Aos poucos, os ex-escravos que haviam se estabelecido em Palmares começaram a fazer incursões nas áreas dos engenhos em busca de armas e munição, ferramentas de trabalho, além da libertação de escravos que se incorporavam à comunidade.No início da ocupação holandesa, em 1630, a população quilombola era cerca de 3.000 pessoas e a guerra do açúcar – por desarticular a economia e a política da região – redundou no fortalecimento do quilombo, que aumentou significativamente seu território e população ao fim da ocupação holandesa. Chegou a ter relatórios do governo batavo dando conta de 10.000 pessoas ocupando a região do Quilombo. No auge, as terras palmarinas cobriam cerca de 27 mil quilômetros quadrados. A região mais importante era a da Cerca Real dos Macacos que correspondia ao centro político e administrativo.  A produção no Quilombo tinha como base a propriedade social da terra, em que as famílias livres trabalhavam em pequenos roçados e produziam o suficiente para a subsistência dos mocambos, além de gerar excedentes que eram trocados nos povoados de fazendas vizinhas por roupas, armas e pólvora. Essa estrutura policultora possibilitava a existência de uma população relativamente grande para a época e foi fundamental para a resistência militar por tantos anos. Além da agricultura, complementavam a economia palmarina a caça, a pesca e a extração de mel. Também aproveitavam o fruto da palmeira de pindoba para alimentação, misturava a polpa à farinha de mandioca e extraia o óleo da amêndoa. O excedente produzido era trocado com comerciantes da região.

A guerra

Na ocasião da morte de Ganga Zumba e a afirmação de Zumbi enquanto chefe do Quilombo dos Palmares (que passou a reunir todos os quilombos de forma unificada em sua administração), a região abrigava uma vida comunitária politicamente organizada, com administração pública, leis próprias, forma de governo, princípios religiosos e culturais que fundamentavam e fortaleciam sua identidade coletiva, o que servia de uma espécie de chamado aos escravos que trabalhavam nos engenhos  para a fuga e para a luta pela liberdade. A partir daí, a administração da metrópole percebeu o quanto seus domínios coloniais estavam ameaçados, visto que era como se houvesse um Estado funcionando dentro e independentemente da lógica a que estava submetida o restante das terras brasileiras. O primeiro ataque contra Palmares foi em 1602, comandado pelos Portugueses. Em geral, as expedições contra o Quilombo contavam com a participação de indígenas ou de seus descendentes, pois estes eram os únicos capazes de adentrar na mata e conhecer seus caminhos. Em 1678, Ganga Zumba, o primeiro líder reconhecido, assinou um acordo de convivência com o governo de Pernambuco. Esse fato dividiu o Quilombo e a divergência culminou no assassinato de Ganga Zumba por traição. Zumbi assumiu a administração dos quilombos unificados. O novo líder teria nascido nas terras ao Norte de Alagoas, recebido educação religiosa em Porto Calvo até os 15 anos, quando fugiu para viver no quilombo. Lá, se destacou como comandante e dirigiu a resistência até ser assassinado aos 40 anos, na batalha final. Sob o comando de Zumbi o Quilombo cresceu, incorporou novas áreas e chegou a ter uma população com cerca de 30 mil pessoas.  Um ano após a morte de Ganga Zumba os ataques se intensificaram. A resistência do Quilombo sob o comando de Zumbi durou 15 aos, enquanto a tática de guerrilha foi eficaz. Com experiência a experiência e melhores condições materiais, as expedições de Manuel Lopes e Jorge Carrilho abriram caminho para as forças combinadas de Domingos Jorge Velho e Bernardo Vieira de Melo, pois causaram muitos estragos.

A batalha final

Depois dos primeiros grandes ataques, Palmares teve uma breve trégua de cinco anos, graças à guerra contra os holandeses (1630-1654) e a Guerra dos Jandús (1678-1692), batalha dos colonos contra os indígenas no Rio Grande do Norte. Esses embates tomaram a atenção da administração colonial, dando ao Quilombo um tempo que foi utilizado para fortalecer as fronteiras da Serra da Barriga.  A derradeira batalha foi uma verdadeira cruzada contra o Quilombo: Palmares foi cercada por mais de três mil homens comandados por Domingos Jorge Velho, além de experientes bandeirantes paulistas e mineiros. A bandeira foi organizada pelo governo da capitania, com o apoio das câmaras de vilas existentes e financiadas pelos senhores de engenho, mobilizou o poder político e econômico da região, sendo a maior estrutura militar do Brasil colonial. A organização local contava com o apoio colonial que prometia terras e escravos aos que destruíssem Palmares.  O cerco asfixiou Palmares por cerca de dois meses e após os disparos dos canhões de bronze, os portugueses conseguiram penetrar na Serra da Barriga. Zumbi conseguiu fugir nessa ocasião, mas foi delatado por um de seus auxiliares e pego em seu esconderijo na Serra Dois Irmãos por uma coluna de bandeirantes paulistas. Somente um dos vinte homens que estavam com Zumbi foi pego com vida. Morto em 20 de novembro de 1695, o comandante negro foi decapitado e teve sua cabeça salgada e enviada para Recife, onde ficou em exposição. A caçada direta aos negros do Quilombo acabou em 1697, mas a resistência dos sobreviventes perdurou e os colonos em 1707 ainda precisavam de medidas de segurança para impedir a reconstrução do quilombo.

Os quilombolas

O fim da guerra contra Palmares marcou a doação das terras ocupadas pelo Quilombo, formando imensos latifúndios nos municípios da atual microrregião Serrana dos Quilombos e localidades vizinhas. O estado de Alagoas é marcado pelo latifúndio com a monocultura da cana, que se espelha numa estrutura política que expressa a secular desigualdade social herdada do período colonial. Os quilombolas também foram expulsos da região, para que não retomassem seu sonho de liberdade. A luta dos negros continuou, mas o tráfico negreiro perdurou até 1850. Novos quilombos se articularam em terras alagoanas até o século 19, mas sempre menores e com a economia menos vigorosa do que Palmares. Esse movimento de constituição de quilombos perdurou dois séculos depois da derrota de Palmares, quando, enfim, a escravidão foi abolida.  A partir de 1985, em reconhecimento da história da resistência negra à escravidão, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) tombou a Serra da Barriga. Em 1988, a Serra foi caracterizada como “conjunto histórico paisagístico” e, por isso, considerada um Monumento Nacional. Inaugurou-se ali, em 2006, o Parque Memorial Quilombo dos Palmares. Demorou quase um século para que o Estado brasileiro reconhecesse a história e a luta do povo de Palmares como patrimônio dos brasileiros.