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Reforma Política: antidemocrática e a serviço do poder capitalista


1 de setembro de 2017

Não desejamos apresentar propostas para aperfeiçoar a democracia burguesa, mas expor algumas contradições e demonstrar o seu caráter de ditadura, ainda mais em um momento histórico em que se torna cada vez mais autocrática.

Para nós não há reforma possível do Estado burguês, sem que se apresente a necessidade de destruí-lo com todos os interesses capitalistas que representa.

No entanto, há uma dialética entre a luta contra a democracia burguesa e a luta por reivindicações democráticas sem transformá-las em um fim. E isso nos faz pensar sobre a atual proposta de Reforma Política em pauta no Congresso.

 

Sistema eleitoral: antidemocrático e sob o poder econômico

A discussão sobre Reforma Política mais esconde do que mostra o real significado do sistema eleitoral capitalista.

O custo de campanha (cabo eleitoral, material impresso, viagens, etc.) é inacessível aos candidatos trabalhadores. Os candidatos ricos começam na frente.

Outra prática que faz prevalecer o poder econômico dos ricos é a doação de empresas e de empresários, interessados em leis para favorecê-los e em ter negócios com o Estado destinam milhões de reais para financiar seus partidos e suas candidaturas.

Isso demonstra que o sistema é tão antidemocrático que até o reacionário STF já deliberou por proibir financiamento privado por desequilibrar a disputa. Essa decisão só produziu efeito para doações “legais” e os próprios dados do TSE indicam que das 700 mil doações de pessoas físicas, 300 mil não tinham renda compatível para realizar as doações.

Portanto, de forma legal ou ilegal as eleições são decididas a favor de quem tem maior poder econômico, demonstrando o quanto é antidemocrático o processo eleitoral.

 

Desgaste de partidos e de políticos

Não é segredo para ninguém o total descrédito dos atuais políticos e mesmo dos partidos. As pessoas logo relacionam os partidos e os políticos parlamentares aos esquemas de corrupção, aos ataques dos direitos sociais, à picaretagem, ou seja, tudo que prejudica a população, principalmente, a mais pobre.

Esse desgaste tem explicação. Em períodos históricos em que o capital fazia concessões aos trabalhadores, a luta limitada ao parlamento e os políticos apareciam aos olhos das pessoas possíveis de conquistas. Por isso tinham algum crédito.

Com a crise estrutural do capital as concessões rarearam. Atualmente não há mais leis a serem comemoradas, pelo contrário, as leis mais recentes são todas para piorar a vida da classe trabalhadora. Soma-se ainda os casos de corrupção envolvendo políticos, partidos da ordem e presidência da República. E os números de pesquisa recente dão conta de que 65% das pessoas não confiam em Temer e é quase o mesmo índice do Congresso Nacional, 69% não confiam nos partidos. Outros confiam pouco (média de 27%) e 3% confiam muito. Isso é parte de um processo mundial de rejeição: nos Estados Unidos e França, por exemplo, as últimas eleições foram marcadas por recordes de abstenção.

No momento, como há risco real de vários deputados não serem eleitos, os capitalistas apressam a discussão da Reforma Política. A mudança é, na verdade, para não mudar nada e garantir que mesmo diante de tanta rejeição as velhas raposas se reelejam.

 

Uma Reforma Política contra os partidos de esquerda e os trabalhadores

Outro objetivo dessa reforma é criar limitações para os partidos de esquerda e para a participação política dos trabalhadores.

A cláusula de barreira, a forma de distribuição dos recursos para o financiamento de campanhas e a proibição de coligações são todas medidas para dificultarem, ainda mais, a participação de partidos de esquerda na vida política.

O que a burguesia diz em seus argumentos de que existem muitos partidos e que isso dificulta a governabilidade é diferente do que se pretende com essa reforma. Os muitos partidos existentes se dividem em dois blocos ideológicos no Congresso:

Um bloco: Esmagadora maioria a serviço da aplicação de medidas que favorecem empresas e capitalistas contra os direitos dos trabalhadores. Fazem parte deste bloco desde o PSDB até partidos menores como o PRB ou PMN. O PT, apesar do discurso, colabora com esse grande bloco e aprova medidas de acordo com os interesses dos patrões como foi o caso de garantir quórum para a sessão que impediu Temer de ser denunciado junto ao STF. Outro bloco: Super minoritário, composto por partidos que são contra as medidas que atacam aos direitos dos trabalhadores.

Entendemos então que têm aqueles que estão ao lado da classe trabalhadora nas lutas e outros 99% de partidos burgueses que se organizam tanto em torno de questões políticas e ideológicas, mas, principalmente, em torno de interesses de empresários e empresas, de vantagens financeiras e verbas para suas lideranças, do fundo partidário, etc. Restringir o número de partidos não afeta os partidos burgueses em todos esses aspectos.

Para Bolsonaro, por exemplo, estar no PMDB ou no PSDC não faz diferença devido ao atendimento dos interesses burgueses desses partidos. Mas, um deputado do PSOL, do PSTU ou do PCB não estaria em partidos com esses interesses. Nesse caso, é importante que os partidos de esquerda tenham sua legalidade e o direito de coligação garantidos considerando a contribuição à luta extraparlamentar.

E embora um ou outro pequeno partido burguês seja afetado, o fundo partidário, todas as regalias retiradas do Estado (ou seja, da produção de riqueza realizada pela classe trabalhadora), o financiamento de empresas (legal ou ilegal), os esquemas de corrupção, o papel da mídia, etc. continuarão favorecendo os capitalistas e os interesses individuais desses partidos/bancadas e desses deputados e senadores com um processo eleitoral que também os favoreça.

Já para deputados/as de esquerda chegarem ao parlamento contam apenas com o financiamento e contribuição da própria militância (exceto o MÊS, corrente do PSOL, que aceita contribuição de empresários), ou seja, de trabalhadores/as e devem, inclusive, negar o fundo partidário que submete o partido aos interesses do Estado burguês.

A própria distribuição do tempo na TV privilegia os grandes partidos, que já contam com o apoio grandes donos da mídia, e destina apenas alguns segundos aos partidos de esquerda.

Por tudo isso que a Reforma Política é um ataque direto à legalidade dos partidos de esquerda como PSTU, PCB e PSOL e às organizações de esquerda. É uma forma de atacar o direito democrático de participação desses partidos de esquerda e uma das formas de restringir a aparente “democracia”.

Portanto, não é à toa que no atual momento de crise e de cortes de direitos da classe trabalhadora o governo, o Congresso e a burguesia tenham pressa para aprovar essa reforma e para garantir a maior parte possível de seus representantes.

 

O financiamento público de campanhas

No debate sobre a Reforma Política o financiamento público de campanhas se apresenta também como antidemocrático e segue a lógica de garantir a eleição dos atuais partidos e deputados/senadores.

A proposta feita pelo deputado Vicente Cândido (PT) gira em torno de 3,6 bilhões de reais distribuídos entre os partidos: PMDB (R$ 488 milhões); PT (404 milhões), PSDB (326 milhões) e DEM (159 milhões).

De cara repudiamos o uso desse valor para esse fim e, ainda, em períodos de crise enquanto a saúde e Educação públicas padecem de verbas.

Esse valor também escancara o próprio critério de distribuição, que perpetua essa maioria de interesses dos capitalistas para retirar os direitos dos trabalhadores.

Do ponto de vista da luta da classe trabalhadora pelos direitos democráticos e para o financiamento de campanhas: deve ser proibido a doação de empresas e empresários e a doação de pessoa física deve ter um teto e um controle público para impedir as fraudes. E em relação ao financiamento público de eleição (só em ano eleitoral) a distribuição dos recursos deve ser igual para todos os partidos. Além do fim do fundo partidário, composto de recursos públicos destinados ao funcionamento cotidiano dos partidos. O funcionamento dos partidos deve se dar pela sua militância.

Essa combinação de proibição de doação das empresas e empresários, teto para contribuições individuais e financiamento público sob controle pode favorecer os partidos de esquerda na disputa eleitoral.

Financiamento privado de campanhas: o poder econômico

Como dissemos, a maioria dos parlamentares no Brasil não representa seus eleitores, mas sim os interesses de empresas, grupos empresariais, bancadas, etc. As leis e a política econômica são conduzidas pelo governo e parlamentares para atender esses capitalistas, por isso o interesse deles em financiar algumas candidaturas e partidos.

Poderíamos citar muitos exemplos. Ficamos em três: JBS, Odebrecht e banco Bradesco. Nas eleições de 2014 a JBS doou R$ 366 milhões aos candidatos e partidos. A Odebrecht R$ 111 milhões e o Bradesco R$ 100 milhões. Isso foi o que apareceu declarado legalmente, mas como se admite a existência de “caixa 2” supõe-se que o valor seja bem maior.

E uma coisa que burguês não faz é caridade. Essas doações evidentemente tiveram seu preço e os partidos, presidentes, vereadores, deputados, etc. retribuem com vantagens utilizando o dinheiro público, ou seja, o dinheiro extraído da riqueza produzida pela classe trabalhadora. E isso a Reforma Política quer manter.

 

Cláusula de barreira

Um dos pontos principais da Reforma Política é a cláusula de barreira (ou cláusula de desempenho) que exige uma porcentagem mínima de votos para os partidos terem acesso à propaganda eleitoral no rádio e na TV e aos recursos do fundo partidário. Também proíbe a coligação de partidos para as eleições de deputados e vereadores.

Essa cláusula ataca vários problemas aos olhos da burguesia: restringe a ação dos partidos de esquerda e diminui as contradições entre os diversos partidos burgueses, que muitas vezes dificultam a governabilidade por cada um defender individualmente seus interesses e o governo ter que atender um número maior de interesses.

Em uma das propostas, a mais próxima de acordo, a exigência é de que o partido tenha 1,5% de votos válidos para deputado federal em 9 estados. Em 2022 passaria a ser 2% e em 2026 seria 3% dos votos. Ou, eleger pelo menos um deputado 9 estados, número que subiria para 11 em 2022 e 15 deputados em 2026.

Portanto, uma das consequências dessa cláusula é o impedimento de os partidos de esquerda terem acesso à propaganda no rádio e TV, que dariam a possibilidade de dialogar com a milhões de pessoas para apresentarem propostas contra o capitalismo, denúncias, desmascarar os dados do desemprego e sobre a necessidade do socialismo.

A outra grave consequência dessa cláusula para os partidos de esquerda é o impedimento, por exemplo, de conformação de uma frente de partidos de esquerda socialista.

 

Os privilégios

Mesmo que o parlamentar não esteja vinculado aos negócios da corrupção ele já tem muitos privilégios. Ganha muito mais do que as pessoas que trabalham, tem verbas de gabinete, passagens aéreas, vários funcionários, enfim, a lista é grande. Já vimos muitas vezes lutadores serem eleitos e logo se distanciar das lutas e até criticar os que lutam por serem radicais. As pessoas se burocratizam ou se acomodam não por estar no seu DNA, mas por causas objetivas, ou seja, toda essa estrutura está na base da burocratização e da acomodação dos eleitos.

Para evitar que isso ocorra é preciso medidas concretas de controle material. Uma Reforma Política para mudar algo mesmo teria que impor limites aos parlamentares, como o salário. Nenhum parlamentar poderia ganhar mais do que o salário médio de um trabalhador. Também deveria ser proibido mais do que uma reeleição. E contra a corrupção além da prisão, deve-se confiscar os bens advindos da corrupção e proibir outros mandatos.

No entanto, sabemos que jamais adotarão essas medidas porque esses privilégios são da própria essência do parlamento burguês.

 

A revolução e as reivindicações democráticas

Pode parecer contraditório defender uma certa democratização do sistema eleitoral burguês, principalmente quando dizemos que não se muda nada através das eleições e que a democracia burguesa é a ditadura de uma classe. Não é.

O que procuramos demonstrar é que o parlamento burguês nunca(!) vai adotar propostas democráticas que atendam reivindicações que favoreçam os partidos de esquerda e a classe trabalhadora sem que as lutas avancem. Depois, entendemos que as mobilizações da classe trabalhadora por reivindicações democráticas fortalecem a sua organização. Por fim, as lutas democráticas representam o direito de a classe trabalhadora participar (não se trata de disputar) desses espaços que são ditos “democráticos”. Num possível regime ditatorial essa participação e até mesmo as lutas por reivindicações econômicas são impedidas como, por exemplo, a proibição de funcionamento de sindicatos, o que sinaliza a necessidade de a burguesia aprofundar a exploração do trabalho sem esse tipo de mediador.

O caráter transitório das lutas por reivindicações democráticas é muito importante também. Com o avanço das lutas pode-se dar o desenvolvimento da consciência de classe e de superação das ilusões nas formas políticas burguesas possibilitando a organização da classe trabalhadora, a luta pelo poder revolucionário, pela derrubada da democracia dos ricos e pela revolução socialista.

Portanto, essa Reforma Política além de antidemocrática atende diretamente os interesses do governo e da burguesia. Isso demonstra o quanto necessitamos avançar nas lutas democráticas sem perdermos o caminho da luta direta nos locais de trabalho, de estudo, de moradia e nas ruas contra a retirada de nossos direitos, subordinando a luta parlamentar aos interesses da classe que produz toda a riqueza material.

 

Sistema eleitoral atual

Como é hoje: Deputados federais, estaduais e vereadores: sistema proporcional, em que se elegem por combinação de votos obtidos pelos candidatos e pelos partidos ou coligações. Chega-se no coeficiente eleitoral dividindo o número de eleitores do Estado ou do município pela quantidade de vagas. Exemplo: em uma cidade, o número de vagas de vereadores é 19. O número de votos válidos (excluídos os brancos e nulos) somam 212.919. Dividindo 212.919 por 19 temos 11.206 votos. Então, a cada 11.206 votos (juntando todos os candidatos) o partido ou coligação elege 1 vereador. Os mais votados do partido/coligação são os eleitos. Para os Estados aplica-se o mesmo critério.

Nessa metodologia produz-se o efeito do “puxador de votos” como foi o caso de Russomano, em 2014, que teve 1,5 milhão de votos em São Paulo. Como era necessário somente 300 mil votos (coeficiente eleitoral de São Paulo) para se eleger, o restante de votos garantiu a eleição de outros quatro de seu partido.

 

Outras propostas burguesas em debate

Distritão: Vale para deputados e vereadores. Por esse sistema o estado ou o município se transforma em um “distritão”. Os mais votados são os eleitos independente do partido. Para deputado federal, por exemplo, no caso de São Paulo, os 70 com maior número de votos no estado são os eleitos.

Distrital misto: O eleitor vota duas vezes: em uma vota no partido ou coligação, já terá uma lista definida por partido ou coligação. Na outra vota diretamente nos candidatos. Então, metade seria eleito pelos votos conseguidos pelos partidos/coligações e a outra metade dos candidatos seriam os mais votados no distrito (deputado federal, pelos votos conseguidos em todo o estado).